A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT

Biografia

1906-1965

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Augusto Frederico Schmidt Nascimento: 20 de abril de 1906  Cidade: Rio de Janeiro  Faleceu: 8 de Fevereiro de 1965  Cidade: Rio de Janeiro

Poesias Eternas

Quando eu Morrer

Retrato do Desconhecido

Soneto a Camões

 

 

 
 
 
 
 
 
Quando eu morrer
Quando eu morrer o mundo continuará o mesmo,  
A doçura das tardes continuará a envolver as coisas todas. 
Como as envolve agora neste instante. 
O vento fresco dobrará as árvores esguias 
E levantará as nuvens de poesia nas estradas... 
  

Quando eu morrer as águas claras dos rios rolarão ainda,  
Rolarão sempre, alvas de espuma 
Quando eu morrer as estrelas não cessarão de acender-se 
no lindo céu noturno,  
E nos vergéis onde os pássaros cantam as frutas 
continuarão a ser doces e boas. 
  

Quando eu morrer os homens continuarão sempre os mesmos. 
E hão de esquecer-se do meu caminho silencioso entre eles,  
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão 
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão. 
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão. 
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão. 
Quando eu morrer a humanidade continuará a mesma. 
Porque nada sou, nada conto e nada tenho. 
Porque sou um grão de poeira perdido no infinito. 
  

Sinto porém, agora, que o mundo sou eu mesmo 
E que a sombra descerá por sobre o universo vazio de mim 
Quando eu morrer..." 

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Retrato do desconhecido
Ele tinha uns ombros estreitos, e a sua voz era tímida,  
Voz de um homem perdido no mundo,  
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças,  
Voz que não manda nunca,  
Voz que não pergunta,  
Voz que não chama,   
Voz de obediência e de resposta,  
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas,  
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas.  
   

Há vozes que aclaram o ser,  
Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio,  
Vozes de sonho, de maldição e de doçura.  
Os ombros eram estreitos,  
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do  
amor inconfundível,  
   

Ombros de quem não sabe caminhar,  
Ombros de quem não desdenha nem luta,  
Ombros de pobre, de quem se esconde,  
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta,  
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos,  
De quem teme a estrada e o destino  
De quem não triunfará na luta inútil do mundo:  
Ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão,   
Ombros de quem é sempre um Desconhecido,  
De quem não tem casa, nem Natal, nem festas;  
Ombros de reza de condenado,  
E de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas;   
Ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas.  
   

Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros   
num mesmo ritmo.  
Mãos sem luz, mãos que levam à boca o alimento   
sem substância,  
Mãos acostumadas aos trabalhos indolentes,  
Mãos sem alegria e sem o martírio do trabalho.  
Mãos que nunca afagaram uma criança,  
Mãos que nunca semearam,  
Mãos que não colheram uma flor.  
Os pés, iguais às mãos  
— Pés sem energia e sem direção,  
Pés de indeciso, pés que procuram as sombras e o esquecimento,   
Pés que não brincaram, pés que não correram.  
   

No entanto os olhos eram olhos diferentes.  
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão   
para traduzir o seu olhar.  
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,   
Em que havia hinos matinais e uma inocência, uma tranqüilidade,   
um repouso de mãos maternas.  
   

Não poderei descrever aquele olhar,   
Em que a Poesia estava dormindo,  
Em que a inocência se confundia com a santidade.  
Não poderei dizer a música daquele olhar que me surpreendeu um dia,  
   

Que se abriram diante de mim como um abrigo,  
E que me trouxe de repente os dias mortos,  
Em que me descobri como outrora,  
Livre e limpo, como no princípio do mundo,  
Envolvido na suavidade dos primeiros balanços,  
Sentindo o perfume e o canto das horas primeiras!  
Não direi do seu olhar!  
   

Não direi do seu olhar!  
Não direi da sua expressão de repouso!  
Ainda não sei se era dele esse olhar,  
Ou se nasceu de mim mesmo, num rápido instante de paz  
e de libertação!  

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Soneto a Camões

As tuas mágoas de amor, teus sentimentos
Diante das leis que regem nossas vidas,
Desses fados que dão e logo tiram,
E a que estamos escravos e sujeitos.

As tuas dores de amar sem ser amado,
De procurar um bem que não se alcança,
E no canto clamar desesperado
Pelo que nunca vem quando se busca.

Poeta de enamoradas impossíveis
E que num negro amor desalteraste
Essa sede de amar dura e terrível,

As tuas mágoas de amor, tuas fundas queixas,
Como uma fonte ficarão chorando
Dentro da língua que tornaste eterna


in "Nova Antologia Poética", Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 1964

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