A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

ÁLVARES DE AZEVEDO

Biografia

1831-1852

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Manuel Antônio Álvares de Azevedo. São Paulo - SP, 1831 - 1852.
Obras Principais: Obras I (Lira dos Vinte Anos), 1853;
Obras II (Pedro Ivo, Macário, A Noite na Taverna, etc), 1855

Poesias Eternas

Fragmento de um Canto em Cordas de Bronze

Se Eu Morresse Amanhã

Vagabundo

 

 

 

 

 

 

Vagabundo

 

 

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, 

Fumando meu cigarro vaporoso; 

Nas noites de verão adoro estrelas; 

Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! 

 

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; 

Mas tenho na viola uma riqueza: 

Canto à lua de noite serenatas, 

E quem vive de amor não tem pobreza. 

 

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva 

Nas carvernas do peito, sufocante, 

Quando à noite na treva em mim se entornam 

Os reflexos do baile fascinante. 

 

Namoro e sou feliz nos meus amores; 

Sou garboso e rapaz...Uma criada 

Abrasada de amor por um soneto 

Já um beijo me deu subindo a escada... 

 

Oito dias lá vão que ando cismando 

Na donzela que ali defronte mora. 

Ela ao ver-me sorri tão docemente! 

Desconfio que a moça me namora... 

 

Tenho por meu palácio as longas ruas; 

Passeio a gosto e durmo sem temores; 

Quando bebo, sou rei como um poeta, 

E o vinho faz sonhar com os amores. 

 

O degrau das igrejas é meu trono, 

Minha pátria é o vento que respiro, 

Minha mãe é a lua macilenta, 

E a preguiça a mulher por quem suspiro. 

 

Escrevo na parede as minhas rimas, 

De painéis a carvão adorno a rua; 

Como as aves do céu e as flores puras 

Abro meu peito ao sol e durmo à lua. 

 

Sinto-me um coração de lazzaroni; 

Sou filho do calor, odeio o frio, 

Não creio no diabo nem nos santos... 

Rezo à nossa senhora e sou vadio! 

 

Ora, se por aí alguma bela 

Bem doirada e amante da preguiça 

Quiser a nívea mão unir à minha, 

Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.

 

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Fragmento de um Canto em Cordas de Bronze

 

Deixai que o pranto esse palor me queime,

Deixai que as fibras que estalaram dores

Desse maldito coração me vibrem

A canção dos meus últimos amores!

 

 

 

Da delirante embriaguez de bardo

Sonhos em que afoguei o ardor da vida,

Ardente orvalhos de febris pranteios,

Que lucro à alma descrida?

 

 

 

Deixai que chore pois. — Nem loucas venham

Consolações a importunar-me as dores:

Quero a sós murmurá-la à noite escura

A canção dos meus últimos amores!

 

 

 

Da ventania às rápidas lufadas

A vida maldirei em meu tormento

- Que é falsa, como em prostitutos lábios

Um ósculo visguento.

 

 

 

Escárnio! Para essa muitas virgens

Como flores — românticas e belas —

Mas que no seio o coração tem árido,

Insensível e estúpido como elas!

 

 

 

Que agreste vibrar, ruja-me as cordas

Mais selvagens desta harpa — quero acentos

De áspero som como o ranger dos mastros

Na orquestra dos ventos!

 

 

 

Corre feio o trovão nos céus bramindo;

Vão torvos do relâmpago os livores:

Quero às rajadas do tufão gemê-la,

A canção dos meus últimos amores!

 

 

 

Vem, pois, meu fulvo cão! ergue-te, asinha,

Meu derradeiro e solitário amigo!

- Quero me ir embrenhar pelos desvios

Da serra - ao desabrigo..

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Se Eu Morresse Amanhã!

 

Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

 

 

 

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

 

 

 

Que sol! que céu azul! que dove n'alva

Acorda a natureza mais loucã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

 

 

 

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã...

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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