A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

AUGUSTO GIL

Biografia

 

Poesias Eternas

Balada da Neve

Lacrymae Rerum

Quadras

Quando as Andorinhas Partiam

 

 

 

   

 

 

 

 

Lacrymae Rerum

 

Numa carta em estilo sorridente

(Mas sobre as linhas da qual

Os meus olhos choraram longamente)

Pus este aviso final:

 

Por notares que manchei

Isso que em cima ficou,

- Não vás supor que chorei...

 

Foi água que se entornou.

 

 

O CANTO DA CIGARRA, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 92

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Quando as andorinhas partiam...

 

Boca talhada em milagrosas linhas,

A luz aumenta com o seu falar.

 

Esta manhã, um bando de andorinhas

Ia-se embora, atravessava o mar.

 

Chegou-lhes às alturas, pela aragem,

Um adeus suave que ela lhes dissera,

 

- E suspenderam todas a viagem,

Julgando que voltara a Primavera...

 

 

LUAR DE AGOSTO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 93

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Quadras

 

Alma de humilde tem asas,

De ambicioso, rasteja.

O incenso morre nas brasas

E perfuma toda a igreja...

 

Pedaços de espelho são

Espelhos do mesmo modo...

Reparte o meu coração

E em cada parte irás todo!

 

Porque fui dançar na boda,

Em que foi que te ofendi?

Andei sempre à roda, à roda,

- Mas sempre à roda de ti...

 

Não anda sem companheira

O amor, a eterna criança...

Quando não é a Cegueira,

É sempre a Desconfiança

 

 

O CRAVEIRO NA JANELA, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 96

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Balada da Neve

 

Batem leve, levemente,

como quem chama por mim.

Será chuva? Será gente?

Gente não é, certamente

e a chuva não bate assim.

 

É talvez a ventania:

mas há pouco, há poucochinho,

nem uma agulha bulia

na quieta melancolia

dos pinheiros do caminho...

 

Quem bate, assim, levemente,

com tão estranha leveza,

que mal se ouve, mal se sente?

Não é chuva, nem é gente,

nem é vento com certeza.

 

Fui ver. A neve caía

do azul cinzento do céu,

branca e leve, branca e fria...

– Há quanto tempo a não via!

E que saudades, Deus meu!

 

Olho-a através da vidraça.

Pôs tudo da cor do linho.

Passa gente e, quando passa,

os passos imprime e traça

na brancura do caminho...

 

Fico olhando esses sinais

da pobre gente que avança,

e noto, por entre os mais,

os traços miniaturais

duns pezitos de criança...

 

E descalcinhos, doridos...

a neve deixa inda vê-los,

primeiro, bem definidos,

depois, em sulcos compridos,

porque não podia erguê-los!...

 

Que quem já é pecador

sofra tormentos, enfim!

Mas as crianças, Senhor,

porque lhes dais tanta dor?!...

Porque padecem assim?!...

 

E uma infinita tristeza,

uma funda turbação

entra em mim, fica em mim presa.

Cai neve na Natureza

– e cai no meu coração.

 

 

Luar de Janeiro

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 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

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