ANTÓNIO NORTON
Biografia |
Poesias Eternas |
Manhã de terra e lama
E este cheiro molhado do teu
corpo entre os pinhais.
O silêncio macio do meu sexo
acorda na chuva
E põe sombras compridas nos
degraus da cama.
Tremo de angústia e frio
Outono doloroso. Doloroso como a
virgem que desmaia,
E como o tempo que passa nas águas
geladas do rio,
E o vento que morde a nódoa
ainda fresca da saia.
Poemas, Líricas Portuguesas, Portugália
Editora, 3ª Série, p. 401
Canto o que apetece cantar.
Semente na lama, semente nas
landes,
Espuma nas ondas,
Lagarta no fruto ou búzio no
mar.
O cavalo com olhos de sono que
anda à volta da nora,
E o peixe com olhos de vidro que
anda à volta do aquário.
O rodar constante e vário
Que anda à volta de uma hora.
Canto os teus olhos de água
transparente,
E as medusas, que não precisam
de olhar.
E o corpo da moça que estava na
eira,
E a estrela da areia que estava
no mar.
Ergo-me na ponta dos pés e canto
Na tua boca um beijo,
Alga e árvore que és.
Poemas, Líricas Portuguesas, Portugália
Editora, 3ª Série, p. 401
Espelho do quarto, pregado à
parede.
Só húmido tempo nas manchas da
cal,
E as bocas da fome, do riso, e da
sede.
Retrato de vidro da cor natural.
As nítidas rugas, a forma do
sexo,
A idade dos mortos que vem no
jornal.
Se canto é o sonho que está no
reflexo
Por dentro das coisas que estão
no real.
Se vejo é teu corpo, na sombra,
no ar,
No fundo dos olhos que estão
distraídos
Com o cheiro da vida que está a
passar.
Se entendo é a voz que está nos
ouvidos
Por dentro da voz que está a
falar
Tão fora das coisas que estão
nos sentidos.
Se olho, é uma concha. Se canto,
é o mar.
Poemas, Líricas Portuguesas, Portugália
Editora, 3ª Série, p. 402
A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.