A POESIA ETERNA

Por Marco Dias

ANTÓNIO JACINTO

Biografia

1924-1991

Angola Angola

António Jacinto, cujo nome completo é António Jacinto do Amaral Martins, nasceu em Luanda em 1924 e faleceu em 1991. Orlando Távora é o pseudónimo utilizado por António Jacinto como contista.

Por razões políticas esteve preso entre 1960 e 1972. Militante do MPLA, foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola e participou activamente na vida política e cultural angolana. Foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educação de Angola e Secretário de Estado da Cultura.

Colaborou com produções suas em diversas publicações nomeadamente Jornal de Angola, Notícias do Bloqueio, Itinerário, Império e Brado Africano e foi membro da revista Mensagem.

António Jacinto é considerado, por muitos, um dos maiores escritores angolanos.

 

Obra:


Poemas, 1961
Outra vez Vovô Bartolomeu , 1979
Sobreviver em Tarrafal de Santiago, 1985
 

 

Poesias Eternas

 Naquela roça grande não tem chuva

Carta de um contratado

Monangamba

Vadiagem

 

 

 

 

 

 

 

 

Naquela roça grande não tem chuva

é o suor do meu rosto que rega as plantações;

 

Naquela roça grande tem café maduro

e aquele vermelho - cereja

são gotas do meu sangue feitas seiva.

 

O café vai ser torrado,

pisado, torturado,

vai ficar negro, negro da cor do contratado.

 

Negro da cor do contratado!

 

Perguntem às aves que cantam

aos regatos de alegre serpentear

e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em troca recebe desdém

 

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinquenta angolares

"porrada se refilares"?

 

Quem?

 

Quem faz o milho crescer

e os laranjais florescer

- Quem?

 

Quem dá dinheiro para o patrão comprar

máquinas, carros, senhoras

e cabeças de pretos para os motores?

 

Quem faz o branco prosperar,

Ter barriga grande - ter dinheiro

- Quem?

 

E as aves que cantam

os regatos de alegre serpentear

e o vento forte do sertão

responderão.

- "Monangambééé..."

 

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras

Deixem-me beber maruvo, maruvo

e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambééé..."

topo

 

 

 

 

 

 

Carta De Um Contratado

 

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio

de te perder

deste mais bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue...

 

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta de confidências íntimas,

uma carta de lembranças de ti,

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como maboque

do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí...

 

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

que recordasse nossos tempos na capopa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fim

que recordasse a loucura

da nossa paixão

e a amargura da nossa separação...

 

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

que a não lesses sem suspirar

que a escoindesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kieza

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo o Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento...

 

Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta que ta levasse o vento que passa

uma carta que os cajús e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar

te levassem puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor....

 

Eu queria escrever-te uma carta...

 

Mas ah meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também.

 

 

MONANGAMBA


Naquela roca grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações;

Naquela roca grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

       O café vai ser torrado
        pisado, torturado,
         vai ficar negro, negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem as aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:


      Quem se levanta cedo? quem vai a tonga?
       Quem traz pela estrada longa
        a tipoia ou o cacho de dendém?
        Quem capina e em paga recebe desdem
                fuba podre, peixe podre,
                panos ruins, cinquenta angolares
                "porrada se refilares"?

          Quem?

           Quem faz o milho crescer
            e os laranjais florescer
            - Quem?
            Quem dá dinheiro para o patrão comprar
             maquinas, carros, senhoras
                   e cabeças de pretos para os motores?

              Quem faz o branco prosperar,
               ter barriga grande - ter dinheiro?
               - Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
                      - "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir ás palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

                         - "Monangambéé...'"


                                                    (Poemas, 1961)
 

 

VADIAGEM


Naquela hora já noite
quando o vento nos traz mistérios a desvendar
musseque em fora fui passear as loucuras
com os rapazes das ilhas:
            Uma viola a tocar
             o Chico a cantar
            (que bem que canta o Chico!)
            e a noite quebrada na luz das nossas vozes
Vieram também, vieram também
cheirando a flor de mato
- cheiro gravido de terra fértil -
as moças das ilhas
                       sangue moço aquecendo
a Bebiana, a Teresa, a Carminda, a Maria.
             Uma viola a tocar
              o Chico a cantar
a vida aquecida com o sol esquecido
              a noite é caminho
caminho, caminho, tudo caminho serenamente negro
sangue fervendo
              cheiro bom a flor de mato
              a Maria a dançar
              (que bem que dança remexendo as ancas!)
E eu a querer, a querer a Maria
e ela sem se dar
               Vozes dolentes no ar
                a esconder os punhos cerrados
                alegria nas cordas da viola
                alegria nas cordas da garganta
                e os anseios libertados
                das cordas de nos amordaçar
Lua morna a cantar com a gente
as estrelas se namorando sem romantismo
na praia da Boavista
                 o mar ronronante a nos incitar
Todos cantando certezas
a Maria a bailar se aproximando
                sangue a pulsar
                sangue a pulsar
                mocidade correndo
                a vida
                peito com peito
                beijos e beijos
                as vozes cada vez mais bebadas de liberdade
a Maria se chegando
a Maria se entregando
                 Uma viola a tocar
                 e a noite quebrada na luz do nosso amor...
                                                            
(Poemas, 1961)
 

topo

Angola Voltar para Poetas de Angola

 

 

 A Poesia Eterna, por Marco Dias . Todos os direitos reservados.

1