Carlos Drummond de Andrade |
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Convidado pela Revista Acadêmica a escrever minha autobiografia, Isto posto, declaro que nasci em Itabira, Minas Gerais, no ano de 1902, filho de pais burgueses, que me criaram no temor de Deus. Ao sair do grupo escolar, tomei parte da guerra européia (pesa-me dizê-lo) ao lado dos alemães. Quando o primeiro navio mercante brasileiro foi torpedeado, tive que retirar a minha posição. A esse tempo já conhecia os padres alemães do Verbo Divino (rápida passagem pelo Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte). Dois anos em Friburgo, com os jesuítas. Primeiro aluno da classe, é verdade que mais velho que a maioria dos colegas, comportava-me como um anjo, tinha saudades da família, e todos os outros bons sentimentos, mas expulsaram-me por "insubordinação mental". O bom reitor que me fulminou com essa sentença condenatória morreu, alguns anos depois, num desastre de bonde na Rua São Clemente. A saída brusca do colégio teve influência enorme no desenvolvimento dos meus estudos e de toda minha vida. Perdi a Fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça dos que me julgavam. Mas ganhei vida e fiz amigos inesquecíveis. Casado, fui lecionar geografia no interior. Voltei a Belo Horizonte, como redator de jornais oficiais e oficiosos. Mário Casassanta levou-me para a burocracia, de que tenho tirado o meu sustento. De repente, a vida começou a impor-se, a desafiar-me com seus pontos de interrogação, que se desmanchavam para dar lugar a outros. Eu liquidava esses outros, mas apareciam novos. Meu primeiro livro, Alguma Poesia (1930), traduz uma grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das Almas (1934), alguma coisa se compôs, se organizou; o individualismo será mais exacerbado, mas há também uma consciência crescente de sua precariedade e uma desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do autor. Penso ter resolvido as contradições elementares da minha poesia num terceiro volume, Sentimento do Mundo (1940). Só as elementares: meu progresso é lentíssimo, componho muito pouco, não me julgo substancialmente e permanentemente poeta. Entendo que poesia é
negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem
apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com
as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da
técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um
poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e
compromissos. Infelizmente, exige-se pouco do nosso poeta; menos do que se reclama ao
pintor, ao músico, Entro para a antologia,
não sem registrar que sou o autor confesso de certo poema, insignificante em si, mas que
a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as
pessoas em duas categorias mentais: No meio do
caminho tinha uma pedra
Obras:
O poeta por Manuel Bandeira Carlos Drummond de Andrade
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