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Geografia Geral





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Texto: tradução de parte de Geografia Geral de Bernardo Varenius, publicada em Amsterdan/1650.
Original: Varenio, Geografia General (en la que se explican las propriedades generales de la Tierra). Edicion y estudio preliminar de Horacio Capel. Ediciones de la Universidad de Barcelona. 1980. Tradução: Márcia Siqueira de Carvalho.

(Parte Absoluta, Seção Primeira: Conhecimentos Gerais de Geografia)

Capítulo I.

Sobre a definição, divisão, método e outros prolegômenos

Há algum tempo criou-se o costume entre os que tratam cientificamente alguma matéria ou disciplina, exporem antes alguma coisa sobre as condições, método, constituição e outras propriedades da matéria em estudo. E eu penso que seja útil, se assim se evita o engano puramente retórico, para que por meio as informação a  mente dos leitores adquira uma certa idéia do conjunto da disciplina ou, ao menos, do tema central e saiba de que modo deve trabalhar nesta disciplina. Desta maneira, neste primeiro capítulo trataremos um pouco sobre a constituição e a natureza da Geografia.

Definição

Se chama Geografia à ciência matemática mista que explica as propriedades da Terra e das suas partes relativas quantidade, ou seja a figura, a situação, as dimensões, os movimentos, os fenômenos celestes e outras propriedades semelhantes.
Para alguns considera-se apenas como a descrição e a distribuição das regiões da Terra. Para outros, porém, envolve um campo muito amplo que insere a descrição política de cada uma das regiões. Mas estes seguem o caminho mais fácil já que adotam este método para prender a atenção dos leitores que, na sua maioria, caem no sono com a mera enumeração e descrição das regiões sem nenhuma referência aos costumes dos povos que nelas moram.

Divisão

Dividimos a geografia em Geral e Especial ou Universal e Particular (Golnitzius diz que é dupla, Exterior e Interior, mas esta denominação é imprópria, desatualizada e sem fundamentos pois os termos Geral e Especial são mais corretos). Geografia Geral ou Universal é aquela que considera a Terra em conjunto e explicita suas propriedades sem levar em conta as particularidades de cada região. Chama-se Especial ou Particular aquela que estuda a constituição de cada uma das regiões, e que subdivide-se em :  Corografia e Topografia. A Corografia mostra a descrição de alguma região que tenha uma extensão maior e a Topografia descreve com detalhe um lugar ou uma pequena extensão da Terra.
Nós explicaremos neste livro a Geografia Geral, a qual dividimos em três partes, que são: Parte Absoluta, Parte Relativa e parte Comparativa. Na Parte Absoluta examinaremos o volume da terra   e  suas partes e propriedades, como a forma, o tamanho, o movimento, as extensões de terra, os rios, etc. Na Parte Relativa consideraremos as propriedades e acidentes da Terra devidos às causas celestes. Finalmente, a Parte Comparativa conterá a explicação daquelas propriedades deduzidas da comparação de diferentes lugares terrestres.

Objeto

O Objeto, ou tema tratado pela, da Geografia é a Terra, principalmente sua superfície e suas partes.

Propriedades

Podemos dizer que são de três tipos as que merecem referência em cada uma das regiões e, tal como na Geografia Especial, podem explicar região por Região para melhor proveito dos estudantes e leitores; temos assim as terrestre, as celestes e as humanas.
Chamo de propriedades celestes as que dependem do movimento aparente do sol e dos astros, que parecem ser oito: 1) a da altura do polo, a distância  de um lugar do Equador e do polo; 2) a inclinação do movimento diurno das estrelas sobre o horizonte de determinado lugar; 3) a duração do dia mais longo  e do mais curto; 4) o clima e a zona; 5) o calor, o frio, e as tempestades do ano, assim como a chuva, a neve, os ventos, e outras ocorrências (meteoros); pois eles ainda que possam ser analisados sob propriedades terrestres, os incluímos no grupo dos celestes por terem grande conexão com as quatro estações do ano e com o movimento do sol; 6) o surgimento das estrelas e seu aspecto e a sua permanência no horizonte; 7) as estrelas que passam pelo vértice do lugar; 8) a duração ou rapidez dos movimentos que realiza girando inteiro a cada hora, segundo a hipótese copernicana. De acordo com os astrólogos se pode acrescentar uma nova característica pois estes colocam um signo do zodíaco diante de cada uma das regiões e do planeta deste signo. Mas para mim sempre pareceu vã esta doutrina e não vejo nela nenhum fundamento; em todo caso na parte final da geografia Especial trataremos da distribuição que fazem.
Agora trato das propriedades celestes. Chamo terrestres aquelas compreendidas no espaço da citada região, as quais são em número de dez: 1) os limites e circunscrição; 2) as formas; 3) as dimensões; 4) os montes; 5) as águas, ou seja, rios, fontes, bacia marinha; 6) as florestas e desertos; 7) a fertilidade e a improdutividade assim como os tipos de produtos; 8) minerais ou fósseis; 9) animais; 10) a extensão do lugar que pode ser somada à primeira propriedade terrestre.
Como terceira classe de propriedades que merecem ser consideradas em cada uma das regiões coloco as humanas que dependem dos homens ou habitantes e que podemos fixar mais ou menos em dez: 1) a estatura, constituição, cor, duração da vida, origem, tipo de comida e bebida dos naturais de cada região; 2) os trabalhos e técnicas dos que trabalham e as mercadorias ou preços que esta região envia a outras; 3) as virtudes, vícios, conhecimentos, dotes intelectuais, formas de aprendizagem, etc.; 4) costumes sobre a infância, o casamento e a morte; 5) a forma de expressão ou a língua que utilizam; 6) regime político; 7) a religião e a situação da Igreja; 8) as cidades e lugares de maior população; 9) os feitos famosos; 10) os cidadãos ilustres, artistas e invenções.
Estas são as três classes de propriedades que devem ser explicados na Geografia Especial, ainda que as partes que constituem a terceira pertencem com menor rigor ä Geografia, mas tem-se que conceder um pouco ao hábito e a utilidade dos que a estudam; fora isso acrescentaremos à geografia Especial muitos temas importantíssimos sobre o emprego da Geografia.
Por sua parte na Geografia Geral, que explicaremos neste livro, se examinam em primeiro lugar as particularidades do conjunto da Terra e da constituição de suas partes. Depois estudaremos as propriedades celestes em geral, que mais tarde serão aplicadas a cada uma das regiões na Geografia Especial. Finalmente na Parte Comparativa se contemplam aqueles problemas que se apresentam quando se encontram um determinado lugar com outro.

Princípios

São três e a geografia os utiliza para comprovar a veracidade das proposições; 1) as proposições geométricas, aritméticas e trigonométricas; 2) os preceitos e teoremas astronômicos, ainda que pareça algo semelhante a um milagre o fato de que para conhecer a natureza de uma Terra que habitamos, devemos nos referir aos corpos celestes, que estão muito afastados de nós. (OBS: miles y miles de miríadas); 3) a experiência, já que a maior parte da Geografia, principalmente a Especial, cresce  pela experiência e observação dos homens que descreveram cada uma das regiões.

Ordem

Sobre a ordem,  penso que é fácil de observar nesta disciplina geográfica, já se falou sobre o motivo da divisão e a explicação das propriedades. Mas há, porém, certa dificuldade sobre a ordem quando se pensa  na explicação destas propriedades, estando em dúvida se vamos descrever as peculiaridades de cada região em separado ou se vamos considerar as regiões isoladamente depois de Ter explicado suas peculiaridades de maneira geral. Aristóteles, livro I, Historia Animalium, como também no livro I, De Partibus Animalium, promove uma disputa semelhante e dialoga com muitos se, ao enumerar cada espécie de animais, tem de fazer também a descrição de suas características ou, pelo contrário, estas devem ser explicadas de maneira geral e a elas devem ser referidos os animais que naquelas se encontram. Dificuldade semelhante se encontra em outro setores da Filosofia. Nós na Geografia Geral explicaremos certas propriedades de maneira geral e nelas acomodaremos a explicação de cada  região na Geografia Especial.

Método

Sobre o método, isto é, o modo de comprovar a veracidade dos dogmas geográficos, temos de dizer que na Geografia Geral muitíssimos são confirmados particularmente pelas demonstações citadas, principalmente as propriedades celestes; sem dúvida, na Geografia Especial tudo se explica quase sem demonstração, principalmente as propriedades celestes; sem dúvida, na Geografia Especial tudo se explica quase sem demonstração (exceto as propriedades celestes, que podem ser demonstradas), já que a experiência e a observação, quer dizer, o testemunho dos sentidos, confirma aquelas e não podem ser provadas de outra maneira. Assim, a ciência cresce por três maneiras. Primeira, por um conhecimento de qualquer tipo, ainda que somente se tenha apenas probabilidades. Segundo, pelo conhecimento correto, já que esta certeza dependa da segurança das demonstrações, do testemunho dos sentidos. Terceiro, pelo simples conhecimento através da demonstração: este uso é muito restrito e se adapta bem muito bem à Geometria, à Aritmética e à geografia, as que a palavra ciência corresponde à Segunda acepção.
Também são provadas ou melhor demonstradas muitíssimas proposições com um globo terrestre artificial e também com mapas geográficos, e destas proposições que assim ficam claras algumas podem ser confirmadas com demonstrações legítimas (o que sem dúvida se omite pela inteligência dos leitores), outras, por sua vez em vão são comprovadas desta maneira, a não ser se aceitemos porque supomos que todos os lugares estão situados no globo e nos mapas tal e como se encontram na mesma terra. Sem dúvida, nestas descrições seguimos melhor o caminho dos estudiosos da geografia: o globo e os mapas servem de ilustração e permitem uma compreensão mais fácil.

Origem da Geografia

A origem da Geografia não é algo recente nem veio totalmente à luz por um só homem, mas seus princípios remontam muitos século antes que os geógrafos somente se ocupassem da Corografia e da Topografia. Os romanos, uma vez vencida e subjugada alguma província, costumavam mostrar aos espectadores no ato do triunfo sua Corografia talhada numa madeira e ilustrada com símbolos claros. Além disso, havia em Roma, concretamente no pórtico de Lucullo, muitas tabelas geográficas expostas para serem vistas por todos. Até o ano 100 antes do nascimento de Cristo, o Senado romano havia enviado agrimensores e geógrafos a diversas partes do mundo para medirem a totalidade da Terra, mas apenas levantaram a vigésima parte. Neco, rei do Egito muitos séculos antes de Cristo, mandou explorar durante todo um triênio, através dos fenícios, toda a costa da África. Dario mandou examinar as bocas do Indo e o mar oriental etíope. Alexandre Mango levou na sua expedição asiática dois mensuradores e dois homens para descreverem os caminhos, Diognetes e Beton, afirma Plínio, de cujas anotações e itinerários foram usadas pelos geógrafos dos séculos posteriores. Enquanto a dedicação a quase todas as demais artes é afetada de maneira danosa pelas guerras, apenas a Geografia aumenta com elas, juntamente com aquelas que são chamadas de Fortificatória.
Mas na Antigüidade a geografia era, de todo modo, defeituosa, imperfeita e cheia de coisas falas já que ignorava certas partes da Terra que não são pequenas, mas o seu conhecimento era essencial (ou ao menos, não tinham uma experiência clara delas): 1) Toda América; 2) As terras setentrionais; 3) a superfície austral e a Terra de Magalhães; 4) Que a Terra podia ser navegada e que o Oceano rodeava a Terra ininterruptamente (não nego  que alguns antigos tiveram esta opinião, mas eles não sabiam a ciência certa); 5) Que a zona Tórrida é habitável e que de fato é habitada por um número infinito de povos; 6) A verdadeira dimensão da Terra, porém escreveram muito sobre isso; 7) Que a África e a parte austral da África pode ser circumnavegada; 8) Tanto os gregos quanto os romanos careciam de descrições verídicas das regiões remotas e deixaram inúmeros textos falsos e fabulosos sobre os povos situados nos confins da Ásia e nos lugares setentrionais; 9) Ignoravam o movimento do mar e as diferenças das marés e a corrente marítima geral; 10) Mais ainda, os gregos  e nem mesmo Aristóteles não tinham conhecimento do fluxo e refluxo do mar; 11) Das diferenças dos ventos tinham comprovadas apenas umas poucas e a generalidade lhes era desconhecida por completo; 12) A extraordinária propriedade da força magnética como a que nos mostra o Norte e o Sul lhes era desconhecida, embora conhecessem aquela com a qual se atrai o ferro. Por sua vez, Anaximandro, que viveu até o ano 400 antes de Cristo, escreve pela primeira vez que tentou medir a Terra.

A Excelência da Geografia

A dedicação a tal matéria consegue: 1) Dignidade, porque é essencial para o homem habitante da Terra e dotado de razão entre os demais seres animados; 2) É também algo ameno e, sem dúvida, uma distração (esparcimiento) honesta contemplar as regiões da Terra e suas características; 3) Grande utilidade e necessidade, pois nem os teólogos, nem os médicos, nem os jurisconsultos, nem os historiadores, nem os demais escritores podem carecer de um conhecimento de Geografia se querem avançar um pouco em suas investigações. Isto já foi demonstrado por outros e pode ser ilustrado com muitos exemplos. Anexo aqui duas tabelas, das quais a primeira põe diante dos olhos o conteúdo deste livro, quer dizer o conteúdo da Geografia Geral para seguir as explicações de cada uma das regiões.


 
 
 
 
    1- Limites e extensão
    2- Longitude e situação do lugar
    3- Forma
    4- Dimensão
    5- Montes: nomes, situação e altitude, características e composição
  Dez fatores terrestres 6- Minas
    7- Florestas e desertos
    8- Águas: mar, lago, pântanos, rios, nascentes, desembocaduras, curso, largura, caudal, velocidade, qualidade da água, cataratas, etc.
    9- Fertilidade e infertilidade e produtos
    10- Animais
    1- Distância do lugar até o Equador e o Polo
A Geografia Especial considera   2- Inclinação do movimento sobre o horizonte
três aspectos   3- Duração dos dias
em cada uma das regiões   4- Clima e tipo de zona
  Oito fatores celestes 5- Calor e meteorologia do ano, ventos, chuivas e outros fenômenos atmosféricos
    6- Nascimento das estrelas e permanência sobre o horizonte
    7- Estrelas que passam pelo vértice do lugar
    8- Quantidade ou vellocidade do movimento segundo a hipótese copernicana
    1- Estatura dos habitantes, vida, alimento e bebida, origem, etc.
    2- Trabalho e técnicas, mercadorias e preços
    3- Virtudes e vícios, inteligência, conhecimentos, etc.
  Dez Fatores Humanos 4- Costumes sobre a infância, o casamento e a morte.
    5- Forma de expressão e língua
    6- Regime político
    7- religião e situação da Igreja
    8- Cidades
    9- Feitos famosos
    10- Homens ou mulheres ilustres, artistas, invenções

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