Pedralva Apenas ontem |
Inácia Choca |
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Inácia Choca Inácia Choca. Esta figura
extraordinária, que, segundo dados obtidos no Escritório Paroquial e no
Registro Civil, morreu em junho de 1952, aos 80 anos presumíveis. Fora casada
com Sebastião Rodeiro e, por fim, morava no Bairro do Jaboticabal, num
casebre paupérrimo, com uma irmã, também dependente da caridade publica. Nem
no Escritório Paroquial nem na Diocese da Campanha foi encontrada a data de
seu nascimento. Lembro-me bem de que ela, ao receber alguma esmola, agradecia
em versos, com grande talento. “Uma esmola pelo amor de Deus!” Pede
em verso que eu dou: “Me dá um pão de sabão./ Vou lavá minha
ropinha/ pra acompanhá procissão. /Deus lhe pague, Deus lhe ajude/, Deus lhe
dê muita saúde/.” Ao se despedir, nas casas onde se encontrava,
estendia a mão e dizia: Adeus senhora, Eu vou-me embora,/ Pega na mão, Aperta
e chora!... Um dia ela chegou em casa de minha vó
e eu, inadvertidamente, chamei: “Vovó, a Inácia Choca tá
chamando”: E ela, respondeu, de pronto: “Eu nunca xingo ninguém,/
Nem sou o que ocê me diz; / sou quietinha e vivo bem, / Choca, mêmo, é seu
nariz!” Depois daquela resposta fiquei
completamente sem graça, com a gargalhada de todos os da casa. Inácia
tinha o costume de ficar de cócoras, a um canto da casa, na cozinha,
quietinha, sem incomodar ninguém. Parecia uma galinha choca. Trazia consigo
uma agudeza de espírito. Todos a admiravam. Um grande talento e uma miséria
maior ainda. Hoje ela está recitando no céu, com os santos e anjos, para
louvar a Deus. Mas
segundo Ruth Guimarães, que morou na Fazenda Campestre, ao tempo de nossa
primeira Usina de Açúcar e que se tornou uma grande escritora, autora de um
delicioso romance denominado Água Funda, que trata de nossa vida, nossa
gente, nossos costumes, ela nos descreve a nossa Inácia Choca, assim chamada
porque vivia sempre de cócoras, a um canto das casas ou pelas cozinhas e,
algumas vezes, sentada nas taipas do fogão. E sobre ela conta: Inácia, antes
era apelidada por Sinhá. Eis o relato da própria Inácia, no
romance: “Pegamo o trem da Rede Mineira, esse
que sai de Itajubá pra Cruzeiro. eu e meu marido. O trem que sai, às duas e
vinte. Quase no meio do caminho fica Soledade. Quem viaja por essa linha tem
que parar pra fazê bardiação. Meu marido me deixou sentada no banco da
estação e foi tirar passagem. Foi o que ele disse. Num é que o excomungado me
deixou ali sentada? Esperei, esperei. Passou meia hora, uma hora, hora e meia
e nada do homem vortá. Fiquei afrita. Os trens foram todo embora. Mas eu
achava que ele num ia-me deixá aí, a Deus dará. Em Soledade todo o mundo me
queria socorrê. Fiquei chorando, sem querê ajuda..”. Seu
homem havia, na verdade, embarcado no trem para Cruzeiro. Um senhor quis lhe
dar ajuda, vendo-a tão amargurada. Inácia pegou o casaco e foi andando atrás
dele. Na casa, não comia, não dormia. Só chorava pelos cantos. Caiu doente.
Mandaram para a Santa Casa. Quando saiu, abobalhada, andou por Soledade, uns
tempos. A molecada a insultava, chamando-a de “Nhá Bardeação”.
Mas ela não fazia conta, não xingava. Andava de lá pra cá. De um lado para o
outro. Foi indo, foi indo, um dia sumiu. Não sei como apareceu no Campestre.
Os parentes de Vicente Rosa a encontraram. Daí, passou a perambular de déu em
déu., de casa em casa. C h i
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