Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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"Rosaura, a Enjeitada"

O que diz o crítico
Basílio de Magalhães
Autor se autoretratou neste romance

"Em Rosaura, a Enjeitada" - o último romance publicada em vida de Bernardo Guimarães - fiz um interessante descobrimento que escapou a todos quantos se ocuparam da genial personalidade do escritor mineiro. Dos mais antigos e competentes críticos patrícios, Silvio Romero e José Veríssimo, nem um nem outro ligaram a este romance a devida importância. Chego até a crer que não o leram.

Dos novos, só lhe faz referência Dilermando Cruz, limitando-se a rasgados elogios, numa breve apreciação geral e vaga.

Entretanto, encerra este livro uma particularidade preciosa, que o extrema de todos os outros, já por mim perfunctoriamente analisados: é que nele inseriu o escritor ouropretano notas curiosas sobre si mesmo, bem como sobre dois dos seus mais diletos companheiros do curso acadêmico e de glória na poesia brasileira.

Quem quer que conheça as biografias da tríade famosa, facilmente verá com que fidelidade Bernardo se autoretratou nas páginas de "Rosaura", onde figura de Belmiro, mal disfarçando Aureliano Lessa e não ocultando Álvares de Azevedo, senão a primeira parte desse cognome.

Além de pôr em evidência as suas prendas de hábil tocador de violão e exímio cantador de modinhas sentimentais ou humorísticas, diz ele de si próprio, no capítulo V, que era "alto, corado, de cabelos pretos... e cara de lobisomem (atribuindo, todavia, esta última observação ao autor da Noite na Taverna); posto que não disforme, não era bonito; como estudante pobre, que era, não podia trajar-se com a elegância e primor de seus companheiros; de mais a mais, era sumamente ingênuo e acanhado, e muito pouco afeito a esses jogos de espírito, a esses galanteios delicados e lisonjeiras frivolidades, que tanto agradam às moças...". E conclui asseverando que também era um "temperamento sanguíneo, ardente e impressionável, abandonando a alma às emoções do momento".

De Álvares Azevedo assim fala nos capítulos I e VI: "Era um belo mocinho moreno, de pequena estatura, de fisionomia radiante e prazenteira, a fronte larga, onde fulgurava o gênio, como na de Aurélio" (Aureliano Lessa); tinha, porém, "a imaginação sempre sinistra e propensa ao lívido e ao fúnebre..."

É preciso ler a maior parte do começo do romance, para que se veja com que exatidão ele retratou os seus dois inseparáveis amigos, com um dos quais (Álvaro de Azevedo) entrou em competição amorosa, por causa da tentadora Adelaide.

Parece-me que Bernardo esboçou "Rosaura, a enjeitada" ainda no seu tempo de estudante da faculdade paulista, compondo e retocando mais tarde a obra, quando resolveu entregá-la ao prelos. Percebe-se claramente nela que votava maior afeição a Aureliano Lessa do que a Álvares Azevedo. Lobrigou-o sem esforço Sílvio Romero ("História da Literatura Brasileira"), quando, ao tratar do poeta diamantinense, assim se exprimiu: "Bernardo e Aureliano eram mineiros e amavam-se extremamente. A estima entre ambos era mais profunda do que entre qualquer deles e Azevedo. Razões psicológicas havia para isto: os dois mineiros eram plácidos, avessos a essa turbulência de idéias, adequada à índole do moço autor dos Boêmios". O depoimento de Bernardo Guimarães, nas páginas de Rosaura, confirma esse juízo.

À "Rosaura" e ao "Seminarista" é que deve o escritor mineiro a título de precursor da escola realista no Brasil.

Não são apenas os protagonistas daquele romance que se acham bem focalizados, ao seu aspecto moral, no meio físico, e ambiente social. As próprias personagens secundárias são desenhadas com um admirável poder de sugestão. Além dos estudantes, cujo caráter se inspirava, ao tempo, no deliqüescente exemplo, teórico e prático, de Byron, Musset e Espronceda, conglobou o autor de "Rosaura" as virtudes e vícios do orgulho paulista no major Damasio e em Conrado as energias fecundas de um descendente dos bandeirantes, subindo, mercê do estímulo pujante da paixão por Adelaide, da miséria à riqueza.

A ampla e rigorosa descrição da Paulicéia, qual era em meados do século findo, merece lida ainda hoje, para confronto com a radical transformação que lhe imprimiu o seu vertiginoso progresso. Às margens do Tietê, do Tamanduateí e do Anhangabaú, não mais veria Bernardo Guimarães, se ressuscitasse e ali voltasse a pôr os pés, "caipiras papudas", mas com incontável cardume de lindas italo-paulistas, exibindo gentileza e perfeições plásticas, que desafiam os pincéis dos modernos Buonarottis e Da Vincis... Nem se lhe antolhariam mais ali as taípas, que ele conceituosamente qualificou de abomináveis relíquias da estúpida e grosseira tiranua dos nossos antepassados..."

Encontraria, porém, como triste sobrevivência de eras ascéticas, já condenadas desde muito tempo por quantos põem a alma e o coração acima de crenças irracionais, "o pitoresco conventinho de Nossa Senhora da Luz, ao qual atira esta justa e vibrante abjurgatória: "... resto de um passado odioso, fantasma hediondo do claustro, em que o fanatismo sepultava em vida, sem dó nem piedade, as mais mimosas flores da juventude e da beleza, flores que Deus criou para os prazeres e os carinhos do amor, e não para as estúpidas macerações do monarquismo; para se espanejarem ao sol da primavera, ao sopro livre das virações do céu, e não para murcharem tristemente na sombra lúgubre de perpétua reclusão..."

Há neste livro agora a delineação de costumes da época, o registro de vocábulos e expressões, quer peculiares da terra de Amador Bueno, que já acidadanados no Brasil. Assim, os tratamentos "nhô" e "mecê" e a interjeição "ché!", ainda vivos no idioma familiar e vulgar de S. Paulo, e os modismos "capira", "estrepolia", "paréba" (por peréba), "pesticar de música", "engulir araras", "futrica", "grosar na pele" (falar mal de alguém), "chuchas caladas", "frango nuélo", para só fazer cita dos mais importantes.

Nas comparações, ainda recorrer aos elementos nacionais: "tagarelas, com um bando de maitacás"; o Tietê correndo como jibóia preguiçosa"; "teimoso como a anta disparada pelo mato, esbarrando furiosamente em quanto obstáculo encontra e levando tudo de vencida"; e, finalmente, "paixão antiga é como gameleira: por mais que se corte, sempre fica uma raizinha, que brota de novo" (outra linda e expressiva imagem!).

No capítulo IV, epigrafado "Entre as jaboticabeiras", eis como Bernardo Guimarães parodiou os dois conhecidos versos de Malherbe sobre a efêmera existência das rosas:

Jaboticaba, ela viveu somente
Como a jaboticaba;
Foi comida e deixou só a semente:
Assim tudo se acaba"

Em "Rosaura", além dos traços gerais de "Isaura", há uma repetição do "Garimpeiro", na utilização do Sincorá, onde então se exploravam diamantes. Bernardo Guimarães tinha, como escritor, suas muletas e bordões. Deixo de indigitá-los, para não alongar demasiadamente esta rápida apreciação das suas obras. Não se importava também com a reiteração de imagens, pois a comparação do Tietê com a jibóia é a mesma do Paranaíba, no "Ermitão do Muquém".  



Trecho do livro
Uma cena entre estudantes de S. Paulo

"- Que fazes aí, Aurélio, que estás a bocejar como quem está a morrer de sono?... Quando todos aqui estão a tagarelar como um bando de maritacas, ficas amuado a um canto, tu que de ordinário és a garrulice em pessoas?

- Na verdade, Aurélio!... Estás tão calado que até já me esquecia de que estás aí. Ainda lá, chupa mais um cálix de cognac, e diverte-nos com algumas de suas costumadas asneiras.

- Asneiras!... Cala-te, Belmiro... Só peço que não se embaracem comigo; conversem e deixem-me em paz.

- Já estás bêbado, decerto; nesse caso, vai-te deitar.

- Bêbado eu!... oh! quem dera!... estou meditando, e neste momento procuro resolver um dos mais graves e árduos e problemas que se têm suscitados ante o espírito humano....

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