Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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O prosador
por Basílio de Magalhães
 (1874-1957)


 [...] Dividindo, de acordo com Clóvis Bevilaqua, o naturalismo em duas correntes, uma tradicionalista, a outra aldeã e campesina, afirma Silvio Romero que essas tendências se uniram em Bernardo Guimarães, que foi assim, no Brasil, "um dos predecessores do naturalismo contemporâneo", irmanando-se nisso com o autor do "Cabeleira", do "Matuto" e de "Lourenço". E José Veríssimo ("História da literatura brasileira, pág. 290) considera-o como "o criador do romance sertanejo e regional, sob o seu puro aspecto brasileiro".

Quer na romanceação das tradições (a guerra dos emboabas em "Maurício" e em "O bandido do rio das Mortes", a exploração do ouro e dos diamantes em "A Garganta do Inferno" e "O garimpeiro", a conjuração mineira em "A Cabeça do Tiradentes"), quer no limitado aproveitamento dos temas aborígines ("Jupira" e "O Índio Afonso"), quer quando visou pôr em foco os males de escravidão africana ("Uma história de quilombolas", "A Escrava Isaura" e "Rosaura, a enjeitada"), quer no aproveitamento de lendas antigas ("O Ermitão de Muquém" e "A Dança dos Ossos"), quer, finalmente, na mais detida observação da vida rural e da vida aldeã ("A Filha do Fazendeiro" e "O Seminarista"), -- sempre o escritor ouropretano se serviu de assuntos brasileiros, e, o que é mais importante ainda, em geral descreveu cenários que pessoalmente viu e detalhamente percorreu. Assim, excetuando-se "A Escrava Isaura", "A Ilha Maldita" e "O Pão-de-Ouro", -- que presumo serem as suas únicas produções de mera fantasia, -- todas as outras se desdobram em paisagens dele conhecidas a palmo, pintadas com tintas verdadeiras e traços fiéis. "A cabeça do Tiradentes", "Uma História de Quilombolas e "A Garganta do Inferno" têm por palco Ouro Preto, sua terra natal, ou as cercanias da capital mineira; "O Ermitão de Muquém", "A Dança dos Ossos", "Jupira" e "O Índio Afonso" são narrações que ouviu e desenvolveu nos seus pontos originais, Goiás ou a região entre fronteiras goianas e mineira, zona onde viveu alguns anos ou que perlustrou; "O Garimpeiro" e "A Filha do Fazendeiro" são episódio ocorridos em Uberaba, Araxá, Patrocínio e Bagagem, lugares onde estacionou, tendo morado bastante tempo no primeiro; "O Seminarista" relembra Itapecerica (antiga Tamunduá), perto de Formiga, e Congonhas do Campo, povoações que visitou; "Maurício" e "O Bandido do rio das Mortes" demonstram as impressões reais de sua demorada inspeção ocular de São João Del Rey e arredores; "Rosaura, a enjeitada", em fim, recorda quanto se lhe gravara na memória a velha Paulicéia, onde esteve cinco anos, como aluno da Faculdade de Direito.

Por isso é que puderam os seus mais competentes críticos encomiar-lhe a perfeita delineação do meio em que dispôs e movimentou as personagens dos seus contos e romances. Para não citar mais o erudito sergipano , apoiar-me-ei agora no seguinte juízo que, a esse propósito, formulou Ronald de Carvalho: "As suas descrições são agradáveis e até justas algumas vezes: ele sabia evocar admiravelmente os aspectos da natureza, animava com espontaneidade as formas mudas da paisagem, mostrava-se carinhoso para com as aves e as plantas, pintava com voluptuoso encanto a verdura buliçosa dos campos, a curva das colinas no horizonte e o sedoso rumor das frondes, balançadas pelo vento morno do sertão".

Pondere-se, por outro lado, que ele, nos poucos aborígines que estudou, preferiu aos tipos dificilmente "psychologaveis" das matas virgens (como são maus os seus chavantes do "Ermitão de Muquém"!), os já educados ao conato da gente civilizada; e, melhor ainda, integrou o matuto em nossa literatura, precedendo nisso a Franklin Tavora.

Não pode, todavia, o romancista mineiro ser apontado como seguro modelo aos que amam e cultivam o apura da nossa língua. Com efeito, nunca se preocupou com as louçanias de estilo, nem com as frases feitas, tomadas de empréstimo aos mestres de além-Atlântico, nem tão pouco com as regras sintáticas vernaculares. Creio que ele não ignorava os mandamentos do idioma pátrio, pois sabia e ensinou latim, fonte do português. Suponho, portanto, que timbrava em escrever sem acatamento às normas da toponímia pronominal e outras, ou afim de concorrer dessa arte com a formação do dialeto brasileiro (tão malsinado pela formidável pena de Rui Barbosa), ou, então, o que é mais provável, para ser mais facilmente lido e compreendido. Confrontem-se, por exemplo, dois trabalhos inspirados por igual motivo, "Eurico, o presbítero", de Alexandre Herculano, e "O Seminarista", de Bernardo Guimarães: -- aquele é mole granítica, de arte ogival, em que todas as linhas e ornatos exibem impecável pureza, travamento e proporções de peregrina pefeição e rara grandiosidade; este é como uma capelinha rústica, em que tudo se assingela, traços, decoração, enredo e perspectiva. O nosso roceiro, que apenas pôde cursar uma boa escola primária, não é capaz de ler o "Eurico", sem que recorra freqüentemente a um léxico português, e só o entenderá a preceito se souber um pouco da invasão árabe e das intrusões visigóticas na península ibérica; entretanto, de nada disso precisa para ler e entender "O Seminarista".

Eis por que se tornou Bernardo Guimarães um dos novelistas mais popularizados do Brasil.

Além do caráter nacional de todas as suas produções em prosa, como atiladamente assevera Silvio Romero, "o escritor mineiro pode ser tomado como um documento para se estudarem as transformações da língua portuguesa na América". Tentarei evidenciar dentro em pouco, ao analisar, embora muito de vôo, cada uma das suas obras que, pela utilização de vocábulos e modismos fraseológicos, ouvido de gente sertaneja com que conviveu, pela metáforas e pelo registro das crendices ainda hoje existentes no interior, foi Bernardo Guimarães, indubitavelmente, o mais brasileiro dos nossos prosadores. E isso, -- o que mais é para admirar, -- sem haver molhado a pena no tinteiro, tão usado em sua época, do "indianismo" literariamente falsificado, porém vantajoso, de certo, para a nossa vigorosa reação do século findo contra a absorvente e desnacionalizante  pressão do "lusismo".

Se José Veríssimo tem pela razão, quanto assegura que "Bernardo Guimarães, como romancista, é um espontâneo, em alguma prevenção literária, propósito estético ou filiação consciente a nenhuma escola", não mesmo acerta Ronald de Carvalho ao afirmar que o escritor mineiro não conseguiu "fixar um só tipo, realmente perfeito", pois "todos eles são mais ou menos postiços, convencionais, muito embora houvesse da parte de Bernardo uma decidida vontade de pintar ao natural as criaturas que lhe passaram sob os olhos". Não foi um criador, pois para tanto lhe faltou ali a imprescindível genialidade; foi, sim, um observador probo, simples e arguto.

O movimento romântico foi intenso em nosso país e, como em toda a parte, foi essencialmente nacionalista. 

[...] Eis aí a plêiade de prosadores [citados em trecho que os editores deste site suprimiram], em cujo meio repontou Bernardo Guimarães, para luzir como estrela de primeira grandeza, porquanto, na opinião dos competente, acorde com o consenso geral, é ele, entre os nossos três grandes escritórios do período romântico, inferior a Alencar e superior a Macedo.

Que desses intelectuais, muitos, antes dele, abrasileiraram a novela, -- é fato indiscutível, atestado pelas datas. Mas esse abrasileiramento ou foi incompleto ou não passou de pastiche. Considere-se o caso de Alencar. A um espírito de portentoso talento, qual o imortal cearense, era possível estilizar índios, gaúchos e sertanejos, que não observou nunca no hinterland pátrio; não, porém, fixar-lhes as características reais, de tão difícil apreensão para quem não as perscrutar, de visu, no seu meio existencial.

Por isso a Bernardo Guimarães , -- "um benemérito interprete dos sentimentos do nosso povo", na luminosa expressão de Clóvis Bevilaqua -- que nele preferia o romancista ao poeta,  -- foi que couberam a primazia e a glória de haver integrado nas letras nacionais o homem do interior, estancieiro ou garimpeiro, campônio ou matuto, quilombola ou mameluco, com todas as suas virtudes e com todos os seus defeitos, com todos os seus traços éticos e com todas as suas usanças materiais, cada qual em nítido destaque no seu nativo ambiente físico e social. 

Quando Bernardo Guimarães expirou, já o romantismo havia entrado em dissolução e se iniciava o franco domínio do naturalismo. Ele próprio, qual bem o assinalou Silvio Romero, foi um pré-naturaliza, como também não o deixaram de ser Araripe Júnior, Franklin Távora, Inglês de Sousa, João Adolfo Ribeiro, José do Patrocínio e Júlio Ribeiro.[...]

  

Este texto é do livro "Bernardo Guimarães - esboço biográficos e crítico", de Basílio de Magalhães.    

 
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