estado de s.paulo
de 21 de dezembro de 2006
Poesia nas veias e rock na cabeça
Dois primos, Augusto e Domingos, criados entre
escritores da principal família simbolista, encontram amigo e revolucionam mundo
literário
Antonio Gonçalves Filho
Carlos
Drummond de Andrade escreveu certa vez um poema sobre a lua, mas não a do
astronauta Armstrong, 'pisada e apalpada', e sim sobre a lua mágica e pensativa
de Alphonsus de Guimaraens (1879-1921) [na foto - leia O
parentesco entre os Guimarães com os Guimaraens]
o grande poeta simbolista mineiro. Alphonsus, para quem não se lembra, é o
criador daquela Ismália desvairada que, presa numa torre, viu uma lua no céu,
outra no mar, e, como um anjo, pendeu as asas para voar. A partir de agora, seu
nome vai ser lembrado não como o poeta que inspirou Drummond, mas como o bisavô
de dois jovens poetas que também ouvem a voz da lua, os primos Augusto, de 22
anos, e Domingos Guimaraens, de 24 anos. Eles formam com outro carioca, Mariano
Marovatto, de 26 anos, descendente do poeta romano Publius Vergilius Maro
(Virgílio, para os íntimos), o grupo Os Sete Novos.
O trio é realmente novo. Está lançando pelo selo 7 Letras três pequenos
grandes livros de poesia, saudados por nomes como o poeta e tradutor Paulo
Henriques Britto, o diretor teatral José Celso Martinez Correa e o poeta
Guilherme Zarvos. Domingos, o mais velho da turma, lança A Gema do Sol, dedicado
ao avô Alphonsus de Guimaraens Filho, que o iniciou na poesia. Augusto provoca
com Poemas para se Ler Ao Meio-Dia. Finalmente, Mariano Marovatto revela sua
formação erudita, marcada pela leitura dos clássicos, em O Primeiro Vôo.
O grupo, apesar dos sérios propósitos poéticos, tem humor, denunciado na
escolha do nome, Os Sete Novos. Os quatro restantes nem eles mesmos conhecem.
Ainda estão por vir. Como os três primeiros não têm um projeto estético
definido - ao contrário dos concretos paulistas -, esses cariocas apostam em
programas individuais, submetendo-os à apreciação dos demais. E os 'demais'
são todos aqueles que acompanham as performances de Domingos Guimaraens e os
shows musicais de Augusto e Marovatto, também vocalistas de bandas de rock.
O trânsito interdisciplinar de poesia, música e artes visuais tem facilitado o
acesso da meninada a informações antes reservadas a acadêmicos. Augusto de
Guimaraens pretende seguir os passos do colega Marovatto. Vai desenvolver sua
dissertação de mestrado sobre a influência das letras do rock dos anos 1980 no
advento da nova poesia brasileira, aquela que surge com Antonio Cícero e Arnaldo
Antunes, dois nomes ligados à música. Marovatto, orientando de Paulo Henriques
Britto na PUC do Rio, faz uma pesquisa sobre os novos poetas da cena brasileira,
que retomaram a trilha do lirismo após a morte do recifense João Cabral de Melo
Neto e do concreto paulista Haroldo de Campos.
'Os dois mais importantes poetas dos últimos 50 anos criaram uma muralha e muita
coisa se perdeu da produção dos contemporâneos de Paulo Leminski e Ana Cristina
César', observa Marovatto, não disfarçando sua desconfiança num ambiente
literário que costuma sufocar os novos com a mesma fúria da titanomaquia de
Cronos . 'A poesia ou era conceitual ou catártica, de auto-ajuda', diz Marovatto,
referindo-se à geração que veio depois de Leminski. Ele preferiu buscar
respostas para suas angústias lendo os clássicos latinos, os poetas orientais,
Santo Agostinho e os versos místicos de Lao Tsé. Segundo Paulo Henriques Britto,
a poesia de Marovatto ' é fortemente modernista, oscilando, como Pound, entre a
impersonalização e a mitificação do eu, e é por vezes marcada por um certo
hermetismo'.
Marovatto e Domingos Guimaraens conheceram-se na Faculdade de Letras da PUC do
Rio, trocando informações sobre Ovídio , Homero e Virgílio. Esse convívio
acadêmico não alterou em nada a vida social dos dois, dividida com outros jovens
roqueiros. 'No Rio, gostamos de nos reunir para ler poesias, o que parece ser mais
raro em São Paulo, onde os jovens poetas parecem mais cerebrais, mais ligados em
tradução e teoria literária.'
Domingos Guimaraens, filho de artista visual e ele mesmo performer, conta que Os
Sete Novos nasceram na contramão de um projeto estético unificado e unificador.
'A idéia era formar realmente um coletivo, mas vivemos a delícia da liberdade',
diz. 'Não precisamos levantar bandeiras ou redigir manifestos, apenas ficar
juntos.' Claro que o peso de levar o sobrenome Guimaraens - de Alphonsus pai e
Alhonsus filho, de Bernardo Guimarães e do tio Afonso Henrique Neto - é uma
responsbilidade e tanto. 'São cânones da literatura brasileira e não esqueço
disso um só momento', observa, concluindo: 'Li muito os simbolistas, meu bisavô
sendo um deles, e não há nada de novo em se entristecer com o mundo, sendo
afetado e violentado por ele.' Domingos, segundo Paulo Henriques Britto, ' dialoga
mais com os poetas anteriores ao modernismo, os simbolistas de quem ele é
herdeiro no sentido mais literal do termo e também Augusto dos Anjos'.
Com o primo e Marovatto, Augusto de Guimaraens Cavalcanti formou anteriormente o
quarteto Quem? (o quarto era Omar Salomão, filho do poeta Wally Salomão).
Augusto , que escreve poesia desde os 17 anos, é o menos ligado à tradição dos
simbolistas. O surrealismo de Breton e o realismo mágico do argentino Cortázar o
conduziram a uma pororoca dionisíaca que prenuncia uma enchente. 'Ele é o que me
parece ter uma sensabilidade mais afinada com a pós-modernidade', analisa Paulo
Henriques Britto, que não vê o trio como um grupo. 'Não há mais projetos
estéticos grupais; não há mais um establishment literário que seja levado a
sério suficientemente para que jovens talentosos se sintam tentados a desafiá-lo
ou contestá-lo', justifica.
O sobrenome Guimaraens, segundo Augusto, não pesa, 'porque meu mundo é outro,
completamente diferente', diz, assumindo que se espelha na cruzada de poetas
rebeldes como Rimbaud e Verlaine sem abrir mão de uma postura crítica em
relação à modernidade. 'Seria esquizofrênico viver no mundo contemporâneo e
escrever como simbolista', justifica. Nem precisava.
O parentesco entre os
Guimarães com os Guimaraens
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