Prefácio do romance
O Índio Afonso
(ortografia foi atualizada)
Ao leitor
A notícia começa por estas palavras: — Índio
Afonso, herói de um dos contos de Bernardo Guimarães, etc... — Semelhante
notícia a ser exata vem desmanchar completamente a figura do meu herói, a quem
atribuí caráter magnânimo, índole bondosa e sentimentos generosos.
Ora, em vista disto, para que não se pense que em
meu conto tive o propósito de fazer a apologia de um facínora, cumpre-me
declarar o que há de real e de fictício em minha narrativa, e em que baseei para
prestar ao Índio Afonso o caráter com que aparece em meu romance.
Como se vê, o Índio Afonso é personagem real e
vivo ainda. Sua figura, costumes, maneiras, tom de voz, modo de vida são tais
quais os descrevi, pois tive ocasião de vê-lo e conversar com ele.
Os dois sobrinhos que andam sempre em sua companhia
também realmente existem; Caluta, Batista e Toruna são porém meras criações
de minha imaginação, assim como o são quase todos os feitos e proezas que faço
o meu herói praticar.
É verdade que quando estive na província de
Goiás em 1860 e 1861, ouvi contar diversas façanhas do afamado caboclo; mas
quando me lembrei, há pouco mais ou menos um ano, de escrever este romance, já
delas me restava apenas uma vaga-reminiscência e, por isso é possível que uma
ou outra tenha algum laivo de veracidade.
Para desenhar-lhe o caráter baseei-me no que em
Catalão ouvia dizer a todo o mundo. Todos o pintavam com o caráter e o costumes
que lhe atribuo, e era voz geral que ele só havia cometido um homicídio, e isso
para defender ou vingar um seu amigo ou pessoa de família.
A descrição dos lugares também é feita ao
natural, pois os percorri e observei mais de uma vez. Com o judicioso e ilustrado
crítico o Sr. Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, entendo que a pintura exata, viva e
bem traçada dos lugares deve constituir um dos mais importantes empenhos do
romancista brasileiro, que assim prestará um importante serviço tornando mais
conhecida a tão ignorada topografia deste vasto e belo país.
Por isso faço sempre passar a ação dos meus
romances em lugares que me são conhecidos, ou pelo menos de que tenho as mais
minuciosas informações, e me esforço por dar às descrições locais um
traçado e colorido o mais exato e preciso, o menos vago que me é possível.
Eis o que há de real em meu romance. Se porém o
Índio Afonso é um bandido ordinário, um facínora feroz e ignóbil como tantos
outros, pouco me importa.
O Índio Afonso de meu romance não é o facínora
de Goiás; é pura criação de minha fantasia.
Ouro Preto, 28 de fevereiro de 1873.
Bernardo Guimarães
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