Humor
e ironia na obra do autor
por
Irineu Eduardo Corrêa
Bernardo
Joaquim da Silva Guimarães é autor engajado no romantismo. Sua obra é
superlativa na expressão das emoções e na exposição das sensações. Alguns
dos críticos literários vêem estas características como defeito: os
modernistas, por exemplo, usaram A escrava Isaura,
seu romance mais conhecido, para caricaturar a estética romântica e lançar o
movimento de renovação das artes.
Outros
estudiosos, ao contrário, o situam entre os mais qualificados escritores
brasileiros, um autor certamente envolvido com a dicção e a temática de seu
tempo, mas consciente das implicações e conseqüências daquele modelo poético
e, portanto, capacitado a oferecer uma obra original e crítica.
Esta
pequena antologia pretende mostrar exatamente este duplo aspecto quando reúne
versos nos quais o humor e a ironia se destacam. Ambos, humor e ironia, categorias
literárias da maior importância para o romantismo, que foram exploradas no
extremo de sua sutileza por nosso poeta.
Em
algumas composições, veremos o humor brincando com as palavras e aliviando as
tensões que inspiram a atividade poética, seja imaginando as conseqüências da
pseudo-inabilidade do autor na exaltação de uma delicada parte do corpo da
amada, como no caso de:
Pois se meu nariz é trombeta?
.../Oh! não mais, Sr. poeta,/
Com meu nariz s'intrometa (O nariz perante os poetas, estrofe 23), seja na
crítica ao esquisito nome de uma povoação, que produz a pergunta:
Se na sagrada escritura/
Já encontrou, por ventura,
/Um deus que tivesse madre?
(Parecer da comissão de estatística a respeito da Freguesia de
Madre-de-Deus-do-Angu,
Ou,
ainda, quando exercita o mais puro mundanismo e propagandeia os prazeres
proporcionados pelo cigarro e pelo charuto, exaltando as suas qualidades
terapêuticas e eróticas - uma posição que naquele tempo não estava
comprometida pela discussão que hoje se trava quanto aos males causados à saúde
pelo fumo.
Em
outros poemas será possível encontrar a ironia no seu estado mais elaborado,
produzida entre o recalque e a censura de gestos e sentimentos, recheada de
significações e, portanto, pronta para causar estranhamento e emoção quando
menos se esperar. Este efeito pode ser visto na paródia a Lembranças do nosso
amor, de Aureliano Lessa.
Os
versos bernardinos estão cheios de imagens grosseiras - berros da vaca do mar,
mulher desejada comendo marmelada... Um contraste com o que se poderia esperar das
indicações do título que, em sua epifania amorosa, alegre ou triste, não vem
ao caso, seria habitualmente saudada com palavras delicadas e sentimentais.
Ao
final do poema, entretanto, o sujeito poético não resiste, sua linguagem
escrachada não consegue esconder a triste expressão de saudade e ele se mostra
agradecido ao anjo da morte que afoga por amizade, Lembranças do nosso amor!
(Lembranças do nosso amor, revelando que a dureza das imagens escolhidas, na
verdade, tentavam manter secreto o mais romântico estado d'alma.
Se
O devanear de um céptico é considerado uma
espécie de síntese do romantismo por Manuel Bandeira, na medida em que
estabelece um diálogo direto com a poesia de seus contemporâneos mais famosos, o
mesmo se poderia dizer com respeito à Dilúvio de papel,
também apresentado aqui. Leia-se o prefácio da segunda parte da Lira dos
vinte anos, de Álvares de Azevedo e a defesa da ironia feita ali.
Fonte:
Fundação Biblioteca Nacional-Livros
Eletrônicos
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