O dramaturgo
por Basílio de Magalhães (1874-1957)
(do livro "Bernardo Guimarães - esboço biográfico e crítico)
O drama "A Voz do Pajé"
revela que Bernardo Guimarães, mesmo para o teatro, cogitava somente assuntos
brasileiros. As suas outras peças, uma totalmente perdida, "Os dois
recrutas",e a outra sobre "Os inconfidentes", que deixou truncada,
confirmam esse constante pender do seu belo espírito.
No único que se imprimiu, graças a
Dilermano Cruz, vê-se que ele conhecia os segredos da encenação e da
dialogação, correndo todo o entrecho com visível naturalidade e hábil
aproveitamento das disposições do espaço tempo.
Tomou ele por tema o episódio da
conquista do Paraíba pelos colonizadores portugueses, no último quartel do
século XVI, e delineou bem a figura do chefe tabajara Piragibe, a quem se devem a
pacificação de toda aquela tribo.
É evidente que o autor não se
preocupou com o rigor das circunstâncias históricas que envolveram aquele
acontecimento. Dá como capitão-mor da Paraíba, então, a Coelho de Sousa,
quando era Fructuoso Barbosa, nomeado em 1580 e cujo governo se estendeu até
1592, data em que foi substituído por Feliciano Coelho de Carvalho. Além disso,
atribui a Piragibe o acaudilhamento da cabilda dos potiguaras, quando o era da dos
tabajaras.
Gira o drama em torno do amor entre
Henrique (nome cristão de Jurupema, filho de Piragibe) e Elvira, filha do
capitão-mor, já prometida pelo pai ao fidalgo lusitano Diogo de Mendonça. É
precisamente a mesma situação de "Maurício", entre este, Leonor e
Fernando. Também, como neste romance, o protagonista do drama não sabe se
decidir-se entre o violento impulso do coração para a mulher amada e o sagrado
dever para a pátria. Em Julião, o mameluco do drama, vêem-se traços de Tiago,
o mameluco do romance, assim como entre o pajé daquele e o Irabussú deste.
Esforçou-se Bernardo Guimarães por
adequar bem às personagens a forma de expressão, pois se manifesta claramente a
diferença entre o que dizem portugueses e o que falam índios. É nos lábios
destes ou do mestiço que abundam comparações como estas:
- "Belo e grande como o
jequitibá, ágil e robusto como o haguar", "veloz e lésto, como um
saguí"; "fronte branca e pura, como as penas do guará". Só uma
vez põe na boca portuguesa uma frase impropriada: "Estes marabás são
velhacos e fino, como cobras".
A nítida compreensão, que teve o
escritor mineiro, no tocante à melhor solução do nosso problema indígena -
sugerida pelo patriarca da Independência e ora posta em eficiente prática pelo
benemérito Rondon e seus dignos auxiliar - decorre dos períodos seguintes,
notando-se que são filhos de além mar que os proferem: "Somos
demasiadamente cruéis em nosso modo de tratar os naturais do país.Quem sabe que
povo generoso e forte surgiria dessa raça proscrita e perseguida, se, em vez de
algemas, lhe estendêssemos mão amiga e protetora, e se, em vez de guerra de
extermínio, lhe oferecêssemos aliança e amizade? "E é talvez esse rigor,
esse extermínio e perseguição, a que os condenamos, que os tornam cada vez mais
indomáveis, mais desconfiados e ferozes, e que provocam as suas contínuas e
fatais revoltas. Não é assim que utilizaremos o seu trabalho: seria talvez mais
conforme aos nossos interesses chamá-los a nós por meios pacíficos, alicia-los
pouco a pouco para o grêmio da sociedade e da religião. Quantos e quão
importante serviços não deveriam assim esperar dessas tribos errantes, que,
entretanto, só servem para nos perturbar e opor insuperáveis tropeços às
nossas tentativas de colonização nestas paragens!"
A 5 de agosto do corrente ano,
realizou o diretor do Arquivo Nacional, dr. Alcides Bezerra, uma exposição, ali,
de livros, gravuras e documentos relativos ao importante sucesso da aliança dos
portugueses com os tabajaras, acaudilhados por Piragibe, e que permitiu, naquela
ano de 1585, o início do povoamento regular da Paraíba. Não figurou, porém, em
tal comemoração, o drama de Bernardo Guimarães, que, filho da generosa terra
mineira, onde há tantas lendas e tradições dignas da luz da ribalta, foi buscar
na região do nordeste brasileiro um feito histórico, para com ele ornar o ainda
tão pouco opulento escrínio do teatro
nacional.
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