Manifestações Estéticas da
Eruditização da Cultura Popular
e/ou Popularização da
Cultura Erudita no Campo da
Música com Base na Obra
de Elomar Figueira de Melo
matheus pizão gouveia dos santos
estética e cultura de massa
Índice:
1- Abertura pág.03
1.1 - Apresentação
pág.03
1.2 - Esclarecimentos Preliminares
pág.03
2- Tirana
pág.04
2.1 - Discografia
pág.04
2.2 - Temas (miolo)
pág.08
a) Alma de Violeiro pág.08
b) A Grande Seca dos Noventinha
pág.09
c) Cantos de Louvor ao Rei dos Reis
pág.10
d) Nostalgia
pág.10
e) Histórias ancestrais de aura medieval
pág.11
2.3 - Forma (casca)
pág.12
2.31 - Música
pág.12
2.32 - Linguagem
pág.13
3- Parcela
pág.14
4- Contradança
pág.15
5- Amarração
pág.17
5.1- Conclusão (?)
pág.17
5.2 - Finalizando essa zorra toda.
pág.17
5.3 - Bibliodiscointernetografia
pág.18
1. Abertura:
1.1 Apresentação:
“Vou cantar no cantori primero / as coisa lá da minha mudernage / que me fizero errante violêro / eu falo sério num é vadiage / e pra você que agora está mi ovino / juro inté pelo Santo Minino / Vige Maria que ôvi o qui eu digo / si fô mintira mi manda um castigo. / Apois, pro cantadô e violêro / só hai treis coisa nesse mundo vão / amô, furria, viola, nunca dinhêro / viola, furria, amor, dinhêro não.”
Dessa forma, o poeta, cantador-cantor, violeiro-violonista, arquiteto-urbanista, mestre-professor, criador de bodes e estrelas, Elomar Figueira de Melo, inicia seu LP “...Das Barrancas do Rio Gavião” de 1973
O que dizer de um homem que, de tão culto e tão matuto criou náuseas pela suposta civilização e preferiu ficar compondo suas antífonas numa das mais áridas regiões do planeta ao lado de cascavéis e tarântulas e, iluminado pela inspiração divina de uma criação particular de estrelas cria incessantemente dezenas e dezenas de operetas sertazenas no seu rústico violão que servirá futuramente como base para delicados arranjos orquestrais?
O que falar também sobre um dos maiores nomes da música brasileira (sem os rótulos regional, popular, sertaneza, sertaneja ou naif (?))? Um dos maiores referenciais da produção cultural nordestina, apreciadíssimo no meio intelectual e musical, porém totalmente desconhecido pela grande massa, que há anos vem ilustrando a vida sofrida de um povo castigado pela seca, porém abençoado pela força-criatividade-resitência, misturando tudo num grande caldeirão cultural onde estão imersos reis, rainhas, cavaleiros-vaqueiros, e donzelas medievais, tudo incrivelmente moldado ao som original de um violão virtuosíssimo como só se encontra nos mais refinados conservatórios de música erudita...
1.2 - Esclarecimentos Preliminares:
Bom, parece que não é muito fácil classificar esse “malungo alegre de alma maneira” e sinceramente não será esse meu propósito. Ficará claro que se trata de admiração - ou talvez devoção - pela obra e figura desse baiano de Vitória da Conquista o motivo principal da escolha do tema, ou seja, é muito mais um trabalho de paixão do que de análise - totalmente parcial e que não busca nenhum tipo de conclusão a não ser a constatação da excelência da obra de Elomar.
Espero não me afastar do propósito primeiro de relacionar a criação do “cabra” com as discussões desenvolvidas durante o curso - devo confessar que essa pesquisa que inicio aqui não se limita a análise proposta no curso de “Estética e Cultura de Massa” que na verdade serviu como um grande e feliz pretexto para esmiuçar a produção de Elomar. Também acho importante ressaltar que esse é o embrião de um futuro trabalho de pesquisa que tomará outros rumos que não o proposto neste primeiro momento e por isso, como disse antes, não apresenta nenhuma conclusão.
Antes de prosseguir gostaria de fazer uma observação com relação a dificuldade de se encontrar material bibliográfico sobre Elomar. Infelizmente não há nada escrito a seu respeito a não ser um projeto experimental de uma ex-aluna da Universidade Federal de Juiz de Fora com quem infelizmente não consegui me contatar. Fora o artigo do professor Muniz Sodré gentilmente sedido por você, só pude me valer de informações dos próprios encartes dos discos que possuo, algumas matérias de jornais e revistas e, principalmente, de dados colhidos via Internet. Inclusive consta da bibliografia alguns sites quentes sobre cultura, música, pesquisa e instituições acadêmicas.
2. Tirana:
Por que grande parte dos meus amigos e colegas do IACS, do trabalho ou da praia nunca ouviram falar em Elomar? Por que ninguém na feira de São Cristóvão sabe me dar qualquer dica sobre o baiano? Por que diabos raramente um vendedor de discos encontra sozinho um disco do “hômi” sem recorrer aos seus colegas com o cenho franzido de estranhamento e por que diabos os CD’s de Elomar, quando encontrados, geralmente estão ao lado de Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Sula Miranda?
Por que eu nunca vejo o cara na televisão? Por que ele não toca nas rádios? Qual é o problema? Ele fede, tem mau hálito? É algum tipo de preconceito ou aversão aos temas populares?
Há algum tipo de “pré-requisito” para fruir sua obra? É necessário ser nordestino, ter sofrido na seca ou conhecer música a fundo, entender de escalas e arranjos para poder apreciar a riqueza singela de suas composições?
E a final de contas, o cara é um músico popular de formação erudita ou músico erudito cantador da vida simples do um povo castigado pela seca? É um artista apreciado no meio acadêmico, intelectual e “cabeça” ou companheiro de radinhos de pilha de porteiros, garçons e pedreiros desse Brasil a fora? Um cantador e violeiro de parceladas, cocos, emboladas, cantorias e desafios em porteiras de fazendas ou músico de câmara, concertista e poeta da elite intelectualizada dos grandes centros urbanos?
Um ponto de partida para a discussão sobre sua obra seria uma breve análise do conteúdo de suas composições, seus temas e motes e posteriormente a forma musical escolhida para embalar essas composições.
2.1- Discografia:
Infelizmente essa discografia não está completa. Ela conta apenas com os CD’s que tenho e os que eu sei que existem. Muito do material já gravado por Elomar está irremediavelmente perdido.
"...Das Barrancas do Rio Gavião"
Elomar
1.O Violeiro
2.O Pedido
3.Zefinha
4.Incelença do Amor Retirante
5.Joana Flor das Alagoas
6.Cantiga de Amigo
7.Cavaleiro do São Joaquim
8.Na Estrada das Areias de Ouro
9.Retirada
10.Cantada
11.Acalanto
12.Canção da Catingueira
Auto da Catingueira
Elomar, Jaques Morelembaum, Marcelo Bernardes, Andrea Daltro, Sônia
Penido,
Xangai e Dercio Marques
Gravado na Sala de Visitas da Casa dos Carneiros em Gameleira (Vitória
da Conquista-BA)
1.Bespa
2.Canto: Da Catingueira
3.Canto: Dos Labutos
4.Canto: Das Visage e das Latumia
5.Tirana da Pastora
6.Recitativo
7.Canto: Do Pidido
8.Canto: Das Violas da Morte
"Parcelada Malunga"
Elomar, Arthur Moreira Lima, Xangai, Heraldo do Monte, José
Gomes
Gravado ao Vivo no Teatro Pixinguinha (SP).
1.O Violeiro
2.As Curvas do Rio
3.Lovação
4.Cantiga de Amigo
5.Chula no Terreiro
6.Peão na Amarração
7.Cantada
8.Estrela Maga dos Ciganos
9.Puluxias
10.Clariô
Na Quadrada das Águas Perdidas
Elomar, Elena Rodrigues, Dercio Marques, Xangai e Carlos Pita
Gravado no Seminário de Música da UFBA.
1.A Meu Deus um Canto Novo
2.Na Quadrada das Águas Perdidas
3.A Pergunta
4.Arrumação
5.Deserança
6.Chula no Terreiro
7.Campo Branco
8.Parcelada (do "Auto da Catingueira")
9.Estrela Maga dos Ciganos
10.Função
11.Noite de Santo Reis
12.Cantoria Pastoral
13.O Rapto de Joana do Tarugo
14.Canto de Guerreiro Mongoió
15.Clariô (do "Auto da Catingueira")
16.Bespa (do "Auto da Catingueira")
17.Dassanta (do "Auto da Catingueira")
18.Curvas do Rio
19.Tirana (de "O Tropeiro Gonsalin")
20.Puluxias (de "O Tropeiro Gonsalin")
ConSertão
Elomar, Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e Heraldo do Monte
Gravado na Sala Cecília Meireles(RJ)
1.Estrela Maga dos Ciganos
2.Na Estrada das Areias de Ouro / Noite de Santo Reis
3.Campo Branco
4.Incelença prá Terra que o Sol Matou
5.Trabalhadores na Destoca
6.Pau de Arara
7.Festa no Sertão
8.Valsa da Dor
9.Leninia
10.Valsa de Esquina n°12, em Fá Menor
11.Espinha de Bacalhau
12.Pedacinhos do Céu
13.Corban
Xangai Canta Elomar
Xangai, Elomar, João Omar, Jaques Morelembaum, Eduardo Morelembaum,
Eduardo Pereira
1.Gabriela
2.A Meu Deus um Canto Novo
3.O Rapto de Juana do Tarugo
4.História de Vaqueiros
5.Incelença pro Amor Retirante
6.Na Estrada das Areias de Ouro
7.A Pergunta
8.Puluxia das 7 Portas / Puluxia Estradeira
9.Dassanta
Cantoria 1
Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Xangai
Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador-BA)
1.Desafio do Auto da Catingueira
2.Novena
3.Sete Cantigas para Voar
4.Cantiga do Boi Incantado
5.Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa)
6.Ai que Saudade de Ocê
7.Ai d'eu Sodade
8.Semente de Adão / Viramundo
9.Cantiga de Estradar
10.Violêro
11.Saga da Amazônia
12.Matança
13.Cantiga de Amigo
Cantoria 2
Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Xangai
Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador-BA)
1.Desafio do Auto da Catingueira / Repente / Novena
2.Era Casa era Jardim / Veja Margarida
3.Sabor Colorido / Moça Bonita
4.Na Quadrada das Águas Perdidas
5.Cantilena de Lua Cheia
6.Arrumação
7.Suite Correnteza
8.Estampas Eucalol
9.Saga de Severinin
10.Cantiga de Amigo
Cantoria 3 Canto e Solo
Elomar
Gravado ao Vivo no Teatro Castro Alves (Salvador-BA)
1.A Donzela Tiadora
2.Canto de Guerreiro Mongoió
3.Ecos de uma Estrofe de Abacuc
4.Corban
5.Calundú e Carcoré
6.Seresta Sertaneza
7.Cantiga de Estradar
8.Duvê esse Chão Quêma meus Pé
9.Faviela
Fantasia Leiga para um Rio Seco
Elomar e Orquestra Sinfônica da Bahia
Gravado no Auditório do Centro de Convenções
da Bahia
1.Abertura
2.Tirana
3.Parcela
4.Contradança
5.Amarração
Elomar em Concerto
Elomar, Jaques Morelembaum, Quarteto Bessler-Reis, Paulo Sérgio
Santos, Marcelo Bernardes, Antônio Augusto e Octeto Coral de Muri
Costa
Gravado ao Vivo na Sala Cecília Meireles (RJ)
1.Parcelada, Violeiro
2.Gabriela
3.Campo Branco
4.A Meu Deus um Canto Novo
5.O Peão na Amarração
6.Incelença pro Amor Ritirante
7.Balada do Filho Pródigo
8.Loa
9.Gratidão
10.Arrumação
Árias Sertânicas
(não possuo dados complementares)
2.2 - Temas:
Poderíamos dividir os principais temas de suas composições em cinco:
a) A alma de violeiro
b) A grande seca dos noventinha
c) Cantos de Louvor ao Rei dos Reis
d) Nostalgia
e) Histórias ancestrais de aura medieval
a) Alma de violeiro
“Só é cantador aquele que traz no peito o cheiro e a cor de sua terra, a marca de sangue de seus mortos e a certeza de luta de seus vivos” - François Silvestre, cantador.
Elomar em muitas de suas composições canta as sagas de violeiros e cantadores que saem pelo sertão a fora apenas com uma viola na mão e muita presteza de raciocínio ávidos a “enfrentar” cantadores locais em “sangrentas pelejas” de versos, verdadeiros arautos do “sertanez way-of-life” e das dores e aventuras de seu povo
A caracterização desses artistas errantes de alma livre, extremamente temerosos ao “Grande Pai” e portadores de infinita coragem e sabedoria, demonstra a força da tradição oral nessas sociedades. O violeiro além do caráter artístico traz consigo a função de repórter dos “causos das otras banda” ao embutir no seu cancioneiro as experiências que obtém vagando de “reinos em reinos”. Essas experiências agora fundidas em canções, são passadas adiante nos desafios e cantorias.
É interessante observar a influência das culturas ibérica e árabe trazidas em épocas de conquista e colonização no nordeste brasileiro. A própria figura do cantador nos remete ao trovador medieval que, munido de seu alaúde, migrava de feudos em feudos encantando seus povos com histórias de bravuras e amores trágicos. Inclusive a própria tradição dos folhetos de cordel, base de muitas canções tem origem na Europa Medieval.
Além do conteúdo, a forma dessas canções
traz características marcantes da música ibérica de
raízes mouras, o que pode ser constatado nas escalas e modos utilizados
nessas composições, além dos trejeitos vocais dos
cantadores, como exemplifica Antônio José Madureira, “pupilo”
de Ariano Suassuna, líder do extinto Quinteto Armorial : “Na música
do nordeste, a influência dos povos árabes é muito
forte - trazida que foi pelos ibéricos, principalmente, talvez,
os de sangue judeu, ligados a tradição do datino.
Nos aboios, por exemplo, nota-se a presença das escalas de
sétima menor e quarta aumentada, características muito antigas
de músicas de velhas comunidades asiáticas. Outra marca é
a tendência para evitar a sensível e, assim não realizar
a tão comum cadência dominante-tônica da música
ocidental. Note-se ainda a presença, no nordeste, do chamado pedal
harmônico, ou zumbido, tão comum a música de civilizações
primitivas, que lhe atribuem um sentido trascendente, cósmico. Também
as persistências rítmicas e melódicas, de importância
fundamental para se atingir um clima de transe e dança - tudo isso
se unindo para criação de uma música orgânica,
que é apreendida intelectualmente depois de atingir e envolver todo
o corpo.
A esses elementos asiáticos e primitivos, que aliás
reencontramos, levados pelos árabes, na música ibérica
e na provençal, vêm se juntar outras características
da música medieval - o canto em terças e certas passagens
em quartas e quintas-paralelas. Mais puramente nossa, já, é
a escala maior-menor muito encontrada na música nordestina.”
Esse tema, “alma de violeiro” ilustrado em algumas de suas principais
canções como “Violeiro”, “Desafio”, “Cantiga de Amigo”, “Parcelada”,
“Cavaleiro do São Joaquim”, etc. procura afirmar sua condição
de homem do povo, poeta de alma livre que através de símbolos
peculiares do sertão nordestino vai tecendo a rede de subjetividade
em que sua obra está imersa.
O violeiro é antes de tudo um bravo que não teme nada
nem ninguém a não ser o Rei dos reis. Pra ele só há
três coisas nesse mundo: Amor, viola e liberdade e foi assim que
Elomar estruturou sua obra e ergueu uma fiel legião de fãs.
b) A grande seca dos noventinha
Outro tema muito presente e que faz parte de algumas de suas criações
mais densas e ricas em lirismo. Poderíamos pensar o tema de forma
mais abrangente como simplesmente “seca”, mas é exatamente o episódio
do Noventinha que produz a maior carga de sentimento em sua obra.
Mais uma vez a força da tradição de transmissão de conhecimento por via oral se mostra presente. Elomar procura retratar em suas músicas as histórias que ouvira de seus familiares quando criança. “Desde as distantes noites de inverno da infância, na casa de meus pais, no São Joaquim que não me cansei de ouvir deles e de outras pessoas mais velhas, tia Mera, Vó Maricota, mãe Nenem, Mané Pé Seco, tio Vivaldo... relatos dramáticos sobre aquela seca, aquela que chibatou e ceifou milhares de vidas catingueiras. Levas e mangotes de conformados retirantes, errantes abandonados por caminhos e vales desertos como nos quadros do Rei Davi, nus, morrendo de fome e sede, trespassados pelo dardo do fogo de muitos sóis...”
Ao se utilizar desse tema, muito forte na essência do povo nordestino , Elomar se identifica com a comunidade atingida e trás toda a força de seu sofrimento para discussão - embora não haja em suas composições discursos sociais ou panfletários, o que nunca - ao menos claramente - identificou Elomar a essa ou àquela corrente política.
Talvez uma de suas obras mais densas e emocionantes seja a ópera “Fantasia Leiga Para Um Rio Seco” onde, em cinco movimentos , Elomar conta a triste história de uma “alma catingueira” que após perder mulher e filho único para a seca madrasta dos Noventinha, conscientiza-se do pior e caminha em direção Sul rumo Mato-cipó, pesaroso, já ciente do juízo que o aguarda - afinal ninguém que conhecesse retornara da retirada. Durante a ópera, Elomar vai, junto a orquestra dando cores a caminhada num duelo incessante entre seu violão matuto (catingueiro) e a orquestra (inexorável sina do retirante) até o final derradeiro quando o personagem frente a salvação - ele chega à Zona-da-Mata - sucumbe às feridas e a inanição e é levado magistralmente aos portais do céu pelo coral da Orquestra Sinfônica da Bahia.
Além de “Fantasia Seca”, podemos encontrar esse tema presente em outras composições como: “O Tropeiro Gonsalin”, “As Curvas do Rio”, “Retirada” e “Canção da Catingueira”.
c) Cantos de Louvor ao Rei dos reis
O povo nordestino é notadamente um povo religioso ao extremo. Portador de uma fé inabalável, talvez seja por isso sua capacidade de resistência às piores situações. Essa característica costuma ser atribuída aos povos primitivos, de pouco ou nenhum conhecimento das coisas, que se apegam à bitola da religião como fuga ou tábua de salvação, mas Elomar não é exatamente um matuto, o “cabra” é formado em arquitetura pela Universidade da Bahia onde inclusive já lecionou, além de ter frequentado renomados conservatórios de música erudita. Ele já foi diretor de Urbanismo de Vitória da Conquista e é possuidor de uma incrível cultura geral. Então por que a presença da religiosidade em suas obras? Bom, posso ser muito ingênuo, mas acho que ele é realmente um homem muito religioso que, embora “culto”, mantém alguns costumes “irracionais” como um forte apego à religião. Não acho saudável imaginar que ele se aproprie dessa temática de forma meramente estética tentando embutir um sentido pitoresco e/ou primitivo à sua obra, o que talvez a tornasse mais atrativa comercialmente. Na verdade acho isso tudo uma grande elucubração sem sentido, vide o fato dele, hoje em dia, se dedicar a compor suas antífonas (cânticos de louvor) apresentando-se exclusivamente em concertos. “Show eu não faço, só concertos” - avisa Elomar em entrevista cedida à Folha de São Paulo em abril último.
O caráter religioso na verdade não deveria estar isolado como um tema pois ele perpassa quase toda sua produção, sendo muitas vezes a voz maior entre as outras que compõem seu universo sertanez. Porém muitas de suas composições, como as antífonas, buscam exclusivamente a elevação espiritual através do louvor e do fortalecimento do grande mistério da fé. Alguns bons exemplos podem ser extraídos das canções: “A Meu Deus Um Canto Novo”, “Balada do Filho Pródigo”, “Loa”, “Corban” e “Gratidão”
Mais uma vez Elomar reforça sua imagem de homem do povo ao se identificar com seus valores e crenças.
d) Nostalgia
Os tempos de infância, as terras por onde passou, as pessoas que conheceu. Todas essas informações são utilizadas pelo cantador como fonte de inspiração. Fazem parte do repertório cultural desses artistas, armas rapidamente sacadas durante os desafios e cantorias. Com Elomar não é diferente. Muitas de suas composições trazem esse caráter nostálgico de “tempos que não voltam mais”.
Ao concebermos determinada história como parte de um passado nosso ou de outras pessoas, e, quando vemos relevância nesses fatos a ponto de modelarmos novas histórias, transformando o passado em presente, o ancestral em atual, damos a elas uma aura de perenidade. Essa aura contrasta com a consciência da efemeridade do corpo ante a uma ampla perspectiva futura na existência pós-morte, muito presente no discurso religioso do violeiro e do nordestino de uma forma em geral. Elomar faz soar em seu violão esse discurso tradicional de forma autêntica e sincera quando narra “causos” e situações pelos quais ele ou outras pessoas passaram.
Ele se apropria desse discurso de forma a criar novas “verdades”
a cerca dos valores sertanezes ou simplesmente para criar um clima saudoso.
Podemos constatar alguns exemplos nas composições: “O Pedido”
onde Elomar relembra os tempos de criança em que caminhava pela
feira se deparando com produtos populares característicos como “água
de flor que cheira”, “novelos de lã”, “rouge e carmim”, “um pacote
de misse”, “brevidades”, “trancelim”, “treis metro de chita”, além
de figuras marcantes formadoras das reminiscências e do imaginário
infantil como “um cego cantador” , “a mulher reizêra”, o “lubisome
cumedô dos pagão qui a mãe isqueceu do batismo salvadô”,
etc.
Além de “ O Pedido”, experimentamos também o tema
“Nostalgia” em outra canções como “Clariô”, “Chula
no Terreiro” e “Canto de Guerreiro Mongoió”.
Ao embalar suas histórias sob essa esfera nostálgica, Elomar identifica suas lembranças, seu passado, suas raízes à sua gente. Essa seria mais uma maneira de legitimar sua condição de cantador, representante e repórter de uma comunidade.
e) Histórias ancestrais de aura medieval.
Como já foi apresentado anteriormente, há uma grande influência da cultura medieval européia no imaginário e no cancioneiro nordestino. Essa influência dá-se não apenas na estrutura musical como também em temas de canções, danças, lendas, histórias de cordel e motes de desafios. Inclusive, histórias como a do Imperador Carlos Magno constituem a base da cultura sertaneja.
É estranho para nós, ditos civilizados, compararmos
os cavaleiros medievais de armadura reluzente, escudos, lanças e
espada com o simples vaqueiro sertanejo, montado em seu pangaré
ou mula ruana, com seu gibão de couro, “laço frecheiro”,
matulão, e seu inseparável facão. Mas é exatamente
assim que se apresentam os valentes heróis do medievo sertanez,
e são esses cavaleiros que “cavalgam seus corcéis” em “campos
de justas” honrando o amor de gentis donzelas e pelejando sob a ira de
um Sol cruel que a tudo devora.
Além dos cavaleiros-vaqueiros, há também os
“reis” e “rainhas”, senhores feudais do agreste nordestino, que, das torres
de seus “castelos” erguidos em “distantes reinos”, oferecem a mão
de suas filhas a nobres cavaleiros capazes de desvendar segredos insolúveis
e passar por terríveis provações mostrando serem dignos
da realeza.
Elomar, de forma magistral, dá cor a essas histórias de amor e bravura evocando a força ancestral desses símbolos de virilidade e força, duas virtudes muito apreciadas pelo homem do sertão.
Alguns exemplos: “Acalanto”, “Cantiga do Estradar”, “O Rapto de Juana
do Tarugo” e “Cantiga do Boi Encantado” e “História de Vaqueiros”
.
Bom, após completarmos essa analise dos temas principais
formadores do conteúdo da obra de Elomar, vamos passar agora à
uma breve análise da forma que esse músico dá a suas
composições para um futuro embate de forma x conteúdo.
2.3 Forma (casca)
2. 31 Música
Infelizmente não possuo sólido conhecimento musical para destrinchar a teia de acordes, escalas, modos e arranjos que Elomar extrai de seu violão para dar forma à sua poesia. Certamente teria enriquecido o trabalho com a ajuda de um músico, porém não o fiz. Portanto irei valer-me do senso comum e de um pouco de cultura musical adquirida nos poucos concertos, óperas, recitais e apresentações que presenciei além de uma pequena noção da arte do violão erudito e popular.
Que negócio é esse de botar umbuzeiros secos, ossadas de gado morto, couro curtido de sol e costelas de retirantes no meio do teatro de câmara? Quem foi que permitiu misturar o violão grosseiro de cercas de fazendas acostumado às mãos calejadas pelo trabalho duro da roça com delicados quartetos-de-corda, octetos vocais, naipes de metal, cravo, fagote, a zorra toda? Qual é o lunático que consegue conceber a existência paralela de bem-nutridos músicos de câmara que passaram a vida inteira em conservatórios de música erudita com um violeiro-cantador tosco e simples vindo do sertãozão seco da Bahia? É, minha gente, Elomar é assim. Pra ele não tem tempo ruim nem frescura. O negócio é dar corpo às suas poesias originalmente compostas para violão mas que nas mãos de competentes arranjadores com Jaques Morelembaum (Joquinha para os íntimos, entre eles, Elomar), concertistas (Arthur Moreira Lima, Heraldo Monte, Paulo Moura, mais alguém?) e maestros (Lindembergue Cardoso, regente da Orquestra Sinfônica da Bahia, nascido em Livramento, sertão baiano. Já vi isso antes!) criam asas e alcançam outras esferas que provavelmente jamais prestariam atenção em sua música.
Elomar teve em sua formação musical passagens por conservatórios mas me parece ter sido um aluno rebelde, como narra o músico Carlos Lacerda na contracapa do disco “... Das Barrancas do Rio Gavião”: “(...) Entrou numa determinada ‘escola’ de música aqui da Bahia, dessas escolas de fazer adulto, e um suíço naturalizado expulsou o rapaz da escola em menos de três meses, o que ajudou bastante; pois caso contrário Elomar ainda estaria nessa escola, analisando ‘raízes, origem e música estrutural pentatentacacofônica’, com esse suiçíssimo musicófolo...” Mas, além do erudito, Elomar bebeu, e muito, das fontes populares, pois seu violão apesar de virtuoso apresenta as mesmas construções rítmicas e melódicas de origem popular apresentadas por Antônio Madureira (vide página 08).
Hoje em dia, o próprio Elomar já não vê a possibilidade de sair de sua fazenda no meio do sertão baiano para dar shows como as célebres apresentações no teatro Castro Alves em 1984, junto de seus amigos Xangai, Geraldo Azevedo e Vital Farias. Ele é categórico “show não, só concerto” . O cabra ficou besta ou descobriu que a única maneira de expressar a grandiosidade de suas composições seria através de grandes orquestras? Nem uma coisa, nem outra; o “homi” simplesmente não compõe mais peças isoladas, agora tudo faz parte de obras maiores, complexas, já pensadas para teatros de câmaras e uma infinidade de músicos. Suas antífonas e óperas requerem um cuidado formal muito maior do que suas antigas cantorias. O Violão é necessário e fundamental, mas não apita sozinho no novo universo de Elomar.
Um distanciamento das questões populares? De forma alguma, apenas sinais de amadurecimento musical. Elomar está cada vez mais do lado do povo, do seu povo, e se preocupa com um possível preconceito por parte de seu público frente o formato erudito de suas obras: “É um público que venho amansando há muito tempo. Nosso povo tem grilo com ópera. Acha que é coisa de alemão, francês e italiano", afirma.
2.32 - Linguagem:
É de extrema importância para a discussão de sua obra analisarmos a linguagem utilizada em suas composições.
É comum, na prática dos cantadores e violeiros desse
país-continente o uso de palavras, modos de fala e expressões
populares específicas de determinada região ou comunidade,
o que afirma a identidade e procedência do artista.
Outro motivo pelo qual esses cantadores se utilizam desse tipo de
linguagem é o fato de falarem exatamente desse jeito, com todos
os “vícios”, “erros”, acentos e puxadas nesta ou naquela consoante
a que têm direito, e não da forma dita “culta”. Agora, ao
vasculharmos a poesia de Elomar, perceberemos que ele se utiliza desse
vocabulário e dessa forma de falar peculiar por mera opção
estética, ou seja, Elomar escolhe escrever de tal modo e não
de outro. Não há a imposição pela “ignorância”
da maneira dita “culta”, mas sim uma opção de se escrever
e cantar com todos os símbolos identificadores de sua comunidade
. A grande prova disso é o fato de algumas de suas letras - e não
são poucas - estarem escritas seguindo todas as regras ortográficas,
léxicas, e de concordância comuns as normas cultas. Exemplos:
“Na Quadra das Água Perdidas”, “Estradas das Areias de Ouro”, “Juana
do Tarugo”, “Seresta Sertaneza” e muitas outras.
Um cômico exemplo dessa escolha estética pode ser encontrado
durante a audição do disco “Cantoria 3 - Elomar Canto e Solo”,
quando o artista apresenta a música instrumental “Calundú
e Cacoré”.
“- Eu vou fazer um solo, que tá numa peça que tem
o nome de ‘Calundú e Cacoré’. Calundú, eu acho que
todo mundo aqui sabe o que quer dizer Calundú: infezação,
né? Mau humor. E Cacoré, eh... É a consubstanciação,
é a realização da infezação. É
quando depois do Calundú o sujeito mete os cacete quebrando tudo,
arrebentando tudo. É o Cacoré, né? Que é uma
expressão em Tupi...”
Outro fato relevante para nosso estudo: como muitas de suas músicas são escritas levando em consideração as “normas estéticas” sertanezas(?) é necessário um bem estruturado glossário, geralmente escrito por estudiosos da cultura e da “linguagem sub-dialetal sertaneza” nordestina, como a professora Jerusa Pires Ferreira (PUC-SP) e o pesquisador Ernani Maurilio (UFBA). Essa característica de suas poesias trazem à baila uma questão: ao restringir seu texto a alguns poucos intendedores, sendo necessárias traduções e detalhadas explicações prévias, Elomar não torna sua obra excludente, ou de compreensão demasiadamente difícil para o leigo, ou iniciante? E se não, não é da mesma forma um certo tipo de “eruditização”? Afinal, quem não tem acesso a seus glossários não entende suas letras, muito menos sua proposta.
Bom, então temos um violeiro de fraque possuidor de uma cultura geral milenar capaz de sintetizar os amores, sofrimentos, valentia, desgraça, e resistência de um povo através da combinação de símbolos regionais e universais dando um tratamento eruditizado preparando esse acepipe cultural para degustação em luxuosos teatros de câmara e confortáveis home-theaters. Que pepino, nós temos na mão, heim?
Agora que já passamos por sua obra em forma e conteúdo
passemos ao inferno analítico:
3 - Parcela
No canto escuro: “todo cantadô errante / trais no peito ua marzela / nas alma lua minguante / istrada e som de cancela / fonte que ficô distante / que matava a sede dela / e o coração mais discrente / dos amô da catingueira / ai o amô é ua serepente / esse bicho morde a gente / vamo pois cantá parcela / daindá daindá daindá.”
No canto claro: um regente, nove violinos, duas violas, três cellos, três contrabaixos, duas flautas, dois oboés, duas clarinetas, um fagote, duas trompas, dois trompetes, um trombone, um cravo, três percussionistas, duas flautas doces, um coro formado por sete mulheres e cinco homens.
Ding, soa o gongo para dar início ao combate do século: um cantador desnutrido contra uma orquestra de quarenta e nove pessoas, meu Deus, são 98 orelhas para morder! Será que ele consegue? Hei, peraí, num é que o hômi tá cumprimentando os músicos... Ué, parece até que ele conhece o negócio... Ó só, ele tá afinando o violão, conversando com o regente, passando umas dicas pro coro. Eu acho que é armação, o cara conhece todo mundo, parece até que é ele quem dirige essa bagunça. Atenção senhores telespectadores, o público presente no teatro está se levantando, é uma revolta? Eles querem o dinheiro de volta? O que, eles estão aplaudindo de pé? Pedindo bis? Não acredito, é o fim do mundo!
O que muitas pessoas concebem como um embate entre as esferas do popular (rústico, primitivo) e o erudito (culto, sofisticado) transforma-se numa terceira coisa: o bom. Aquilo que tem qualidade e se mostra coerente não carece classificação ou rótulos. É realmente estranho, a primeira vista, a convivência do popular e do erudito de forma tão gritante. É incrível perceber a maneira como “eles” se encaixam e alcançam ressonância até diluírem-se em notas musicais e versos cantados totalmente despreocupados com os pré-conceitos ou com os narizes empinados de meia dúzia. Mas mesmo assim é importante levantarmos certos questionamentos:
A proposta de levar cantos leigos aos teatros de câmara não distancia a composição original de seu caráter popular, e também seu público original, formado pela própria comunidade que serve como inspiração às suas composições? Em contra partida, o público dito erudito recebe essa “invasão” cultural de baixo-pra-cima com que olhos? (e ouvidos?).
1- O público de Elomar, pelo menos no Rio de Janeiro
e São Paulo, não é formado por pessoas humildes, que
se identifiquem com as histórias por ele narradas (ao menos na vivência).
Na verdade, as poucas pessoas que por essas bandas já ouviram falar
de Elomar e apreciam sua obra são músicos (afinal seria obrigatório
a um músico, qualquer músico, conhecer sua proposta), intelectuais
(pelo menos o IACS está cheio de professores que curtem o barato
sertanez de Elomar), jovens “cabeça” (faz parte da etiqueta ‘cool’
gostar de ‘cultura regional’) e bichos-grilo em geral.
2- A esfera dita ‘culta’ não está nem um pouco
avessa ao seu trabalho orquestrado, principalmente por fazer parte dos
grupos citados acima.
3- Mesmo o trabalho original de Elomar não me parecia
rústico e obviamente popular. Posso estar falando uma grande asneira
mas ao juntar a forma eruditizada e virtuosa de seu violão às
cantigas de letras rebuscadas (linguagem sub-dialetal sertaneza), obtinha-mos
algo que não está exatamente na caatinga, no sertão
baiano, mas sim, aproximando-se mais dos estudiosos. Essa coisa sempre
me pareceu de apreciação mais fácil por parte do ‘culto’
do que para o ‘matuto’. Certamente há por parte do sertanez uma
simpatia pela obra de Elomar, pois não é necessário
frenquentar teatros de câmara para apreciar sua música, porém
muitas de suas composições não são de fácil
assimilação. Em Fantasia Leiga Para um Rio Seco, como em
qualquer ópera, é necessário ter um conhecimento prévio
da história a ser contada para que se possa fruir o obra como um
todo - não que considere o catingueiro menos capaz de apreender
tal espetáculo mas certamente haverá por sua parte um distanciamento
por lhe parecer “coisa de grã-fino”.
4- Sejamos então mais mundanos. Qual é o popular
que terá condições de pagar uma entrada para um concerto
de Elomar? Mesmo o cabra não se preocupando muito com dinheiro é
óbvio que para manter uma orquestra com coral e tudo é necessário
um certo capital. Chegamos então num ponto que é crucial
para análise de sua produção: quem “consome” Elomar
normalmente não “precisa” de Elomar (como no anúncio do Diner’s
Club International). Seu espetáculo, embora popular, é para
poucos, seja por barreiras estéticas (formais) ou financeiras, e
o que é mais interessante: o fato de sua música não
ser tão difundida nas grandes massas e dos seus discos não
serem fáceis de encontrar torna seu trabalho ‘cult’ e agrega um
valor de peça única, quase uma obra-prima, item de colecionador.
4- Contradança
Então, seu discurso popular adequa-se ou não à
forma erudita? Já foi visto que sim, mas não é esse
o problema, o esquisito é que o grupo que legitima sua obra enquanto
dela representante estético não está na mesma esfera
de suas composições, o que talvez se apresente como um problema.
Seria interessante então, que conhecesse-mos a intenção
com que Elomar cria suas obras e dá a elas esse tratamento eruditizado.
Como nesse primeiro momento de meu estudo não contatei o
músico para uma entrevista, irei valer-me de alguns de seus depoimentos.
Dedicatória a Arthur Moreira Lima em seu disco “Na Quadra das Águas Perdidas”:
“Cavaleiro Arthur,
tendo você se feito paladino e mensageiro do canto aldeanesco,
com humildade passo às suas mãos estas cartas catingueiras,
cantos leigos, coisas de nossa terra, dirigidos a todos aqueles que, sem
tréguas, não descansam e se estremecem, em meio ao sono,
com o gemido distante das almas sofredoras. E, por nisto falar, a casa
de meu pai, no São Joaquim, eu menino, nas horas tardias do minguante,
no terreiro brincando com meus irmãos, não percebia às
vezes, a presença antiga dos fantasmas de Castro Alves e Chopin.
Éramos três amigos e talvez, quem sabe, a sombra de um quarto
cavaleiro por lá também rondava.
Respeitosamente,
Elomar
Outubro de 1979”
Apresentação da ópera “Fantasia Leiga Para um Rio Seco”.
(...) Para fazer esta página da história de nosso povo,
me convenci de que o narrar tradicional de menestrel não bastava.
Tomei como recurso a linguagem orquestral mais perfeita talvez, onde
fui acudido por um mago desse território, amigo e patrício
da caatinga, o compositor Lindembergue Cardoso, que com fidelidade e inteireza
abriu o acorde do violão (instrumento original da composição)
para a orquestra. Por nisto falar, Carlos Pita me disse que ele fez o mesmo
que Ravel com “Quadros de Uma Exposição” de Mussorgsky...
(...) orquestra com idades que vão de 17 a 70 anos, dificuldades
rítmicas da orquestra no pulsar do xaxado, compreensível,
pois nossas sinfônicas são de escola fundamentalmente européia,
exercitadas nos trabalhos dos autores de lá, só, desconhecendo
totalmente nossos ritmos e raízes, só...
Alguns trechos de uma entrevista à Folha de São Paulo em abril último sobre uma apresentação de suas “óperas sertanejas”
"Minhas óperas não tem nada a ver com a Europa. É
essencialmente nosso, brasileiro, nordestino"
"Vou interpretar algumas árias que foram gravadas como canções
para não chocar o público”
"É um público que venho amansando há muito
tempo. Nosso povo tem grilo com ópera. Acha que é coisa de
alemão, francês e italiano”
"Show eu não faço, só concerto”
"Minha música não tem nada a ver com o sistema de
coisas"
"Qual o artista puro no mundo que não é quixotesco?
Qual leitor e ouvinte que não é quixotesco?"
"Não sei como vivo. Vivo do mistério da graça
de Deus"
Trechos de outra entrevista também cedida a Folha em 1996 quando anunciava o fim de sua carreira (de cantor).
''Não quero mais ficar me apresentando em troca de bilheteria
de teatro''.
''Voltar à viola é como querer voltar a ser criança.
Não dá''
''Se é para gravar, queria que fosse com orquestras, cantores
líricos e isso é uma fortuna''
Afinal de contas chegamos no mesmo questionamento do início:
O que dizer de um homem que, de tão culto e tão matuto
criou náuseas pela suposta civilização e preferiu
ficar compondo suas antífonas numa das mais áridas regiões
do planeta ao lado de cascavéis e tarântulas e, iluminado
pela inspiração divina de uma criação particular
de estrelas cria incessantemente dezenas e dezenas de operetas sertazenas
no seu rústico violão que servirá futuramente como
base para delicados arranjos orquestrais?
O que falar também sobre um dos maiores nomes da música
brasileira (sem os rótulos regional, popular, sertaneza, sertaneja
ou naif (?))? Um dos maiores referenciais da produção cultural
nordestina, apreciadíssimo no meio intelectual e musical, porém
totalmente desconhecido pela grande massa, que há anos vem ilustrando
a vida sofrida de um povo castigado pela seca, porém abençoado
pela força-criatividade-resitência, misturando tudo num grande
caldeirão cultural onde estão imersos reis, rainhas, cavaleiros-vaqueiros,
e donzelas medievais, tudo incrivelmente moldado ao som original de um
violão virtuosíssimo como só se encontra nos mais
refinados conservatórios de música erudita...
5- Amarração
5-1 Conclusão (?)
Como já expus anteriormente não me preocupei em obter qualquer conclusão a cerca da produção de Elomar, a não ser a constatação de sua Excelência, mas me parece necessário observar uma característica fundamental no seu trabalho: a sinceridade.
Em momento algum, em disco algum, em faixa alguma, em compasso algum, qualquer elemento por ele apresentado soou de forma falsa ou dúbia. Sempre esteve escancarado para quem quisesse ver e ouvir, a força sobrenatural da cultura de origem popular, humilde, leiga; e o que é mais incrível, mesmo quando ouvindo suas composições isoladas de sua poesia, ao de forma fria tentarmos analisar meramente o instrumental, não conseguimos dissociá-lo, por mais virtuoso e eruditizado que pareça, dessa força popular da qual me referi.
Realmente temos em mãos um senhor objeto de análise e pesquisa, poderíamos falar horas, dias, que o assunto por mais ramificando que se torne jamais se extinguirá. Mas, submeter sua obra ao estudo acadêmico, ao colocá-la sob o monóculo inquisidor da academia é sub aproveitá-la. Lógico, pois se ela apresenta tamanha virtude, é para ser fruída, não analisada. Ao estudarmos a obra de Elomar, deixamos de curtir seu principal barato que é o nó que ela dá em nossas mentes preocupadas com as esferas culturais.
“... toda vez qui eu vô cantá / o canto de Amarração
/ mi dá um pirtucho na goela / e um nó no coração
/ mas a canga du pescoço / Deus põi outro p’modi Adão
/ dessa lei nunca mi isqueço / cum suó cumeu o pão
/ mermo Jesus quando moço / na Terra tomém foi pião
/ e toda veiz qui eu fô cantá / pra mi livrá da tentação
/ pr’essa cocera cabá / eu num canto mais marração.”
5.2 - Finalizando essa zorra toda.
Essa “malungo alegre de alma maneira”, com um pé no erudito
e outro no popular, arquiteto criador de bodes , matuto de cultura geral
invejável, traz no peito o cheiro e a cor de sua terra, a marca
de sangue de seus mortos e a certeza de luta de seus vivos.
5.3 - Bibliodiscointernetografia:
A bibliografia é bastante reduzida, limita-se apenas ao texto: “Quando a Idade Média Convive com a Modernidade” do livro O Brasil Simulado e o Real, do Professor Muniz Sodré, gentilmente sedido pela professora Ana Paula.
Utilizei sem perdão todos os encartes de discos afins que pude encontrar em minha discreta CDoteca:
Cantoria 1, 2 e 3 - Elomar, Xangai, Geraldo Azevedo e Vital Farias
Fantasia Leiga Para um Rio Seco - Elomar e orquestra sinfônica
da Bahia
Parcelada Malunga - Elomar e Arthur Moreira Lima
Elomar em Concerto - Elomar e orquestra
...Das Barrancas do Rio Gavião - Elomar
Aralume - Quinteto Armorial
Xangai Canta Elomar - Xangai
Consultei também alguns sites quentes da Internet:
O Melhor da MPB - Os Críticos (http://www.guiasp.com.br/mpb/crit2.htm)
Home Page da Biblioteca Virtual (http://www.cr-sp.rnp.br/literatura/index.html)
sobre Língua e Literatura
PUC-SP - HomePage (http://www.pucsp.br/indice.html)
UFBA - Servidor WWW (http://www.ufba.br/instituicoes/ufba/welcome.html)
Departamento de Informática - UFPE (http://www.di.ufpe.br/)
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (http://www.ufrj.br/)
Universidade Federal da Bahia - Home Page (http://www.ufba.br/)
Paiol Brasil (http://www.geocities.com/Broadway/Stage/3901/)
Folclore e Cultura Popular (http://www.internetional.com.br/funarte/~folclor.htm)
Tributo à Elomar (http://www.geocities.com/Broadway/4420/)
Capitania das Artes (http://www.di.ufpe.br/~mundi/numero2/capitania/capitania.html)
ISTOÉ On-line (http://www.zaz.com.br/istoe/)
JB On-line (http://www.jb.com.br/)
O GLOBO ON (http://www.oglobo.com.br/)
Universo On-line (http://www.uol.com.br/)