Música

A Vida é curta demais para perder tempo com coisas que são vendidas como "música", mas que não passam de arremedos de cantigas infantis ("carrinho de mão, quá quá, quarararauá"). Num gesto Humanitário, mais uma vez Padre Levedo leva a Luz - neste caso, o Som - aos que estão sem rumo neste Mundo.

Aqui estão as estupendas Resenhas Musicais:
Hermeto Paschoal


Charles Mingus

Stevie Ray Vaughan - Couldn't Stand The Weather
Mahavishnu Orchestra - Mahavishnu
John Coltrane - Interstellar Space
Jeff Beck - Guitar Shop
King Crimson - Beat
George Thorogood - Bad To The Bone
Miles Davis - Bitches Brew
Roy Buchanan - When A Guitar Plays The Blues
Jimi Hendrix - Concerts
Allan Holdsworth - Metal Fatigue
Frank Zappa - Them Or Us

HERMETO PASCHOAL
Este texto não se detém sobre um determinado álbum, mas sim sobre algumas percepções de Hermeto Paschoal. Pernambucano, albino, multi-instrumentista, prolífico compositor, bom de papo. Este homem na verdade está muito mal disfarçado: trata-se de um artista que pertence ao futuro. Um vídeo veiculado pela TV Cultura, faz uns anos, deixou entrever um tanto dos segredos de seu ofício. Talvez o mais impressionante deles tenha sido o episódio que envolvia uma cachoeira. Temos a imagem do mato: uma picada em meio à floresta, percorrida por um grupo. As risadas ecoam no silêncio da manhã fresca. O caminho termina num lago raso, alimentado por uma queda d'água. Os indivíduos se despem e entram no lago; algo mágico está para acontecer. Hermeto começa a bater na água, com as mãos em concha. Ouvimos o ruído da cachoeira ao fundo. O que parecia caótico, misteriosamente começa a tomar forma à medida em que os outros componentes do grupo se juntam à percussão aquática. Eles estão fazendo música com a água - e música de qualidade. Todos estão rindo, principalmente Hermeto. Em outro episódio, num programa de televisão ao vivo, ele executou um pequeno concerto utilizando o tampo e a gaveta de uma escrivaninha. O mais espantoso é a naturalidade com que a música brota deste homem genial, que brinca com o mundo munido daquela curiosidade peculiar às crianças. É impossível notar qualquer partícula de tédio nas obras de Paschoal; há, ao contrário, uma imensa alegria em ouvi-lo.

STEVIE RAY VAUGHAN - COULDN'T STAND THE WEATHER
O grande guitarrista SRV, para quem o conheceu pessoalmente, era uma pessoa humilde e gentil. Não há registro de qualquer exagero promovido por um ego inflado, em se tratando dele. Das substâncias artificiais, parece que só o bourbon lhe era familiar. Hendrix era sua influência inegável, e SRV é apontado por muitos como legítimo sucessor daquele. Neste álbum, de 1984, ouvimos "Cold Shot", um blues pesado em que contrastam a voz sutil - quase sussurrada - de Vaughan e a base instrumental maciça. Ele fala de uma separação amorosa, tema recorrente neste tipo de música. A sua guitarra, quase desprovida de efeitos especiais, sola com honestidade e convicção. O trio, que consta de SRV na guitarra e vocais, Tommy Shannon no baixo e Chris Layton na bateria, tem um sincronismo telepático: a música está tão "apertada" que parece que vai quebrar. 

MAHAVISHNU ORCHESTRA - MAHAVISHNU
John McLaughlin é um sujeito místico e intenso. Não é possível encontrar mediocridade em sua obra: ele se situa sempre no lado mais quente do espectro. Desde os anos 70, ele lidera eventualmente um conjunto variável de músicos excepcionais, que foi batizado de "Mahavishnu Orchestra". Nesta versão, de 1984, temos um feliz encontro de vários talentos, entre eles Billy Cobham na bateria e Bill Evans no sax. Numa decisão que beneficia as finanças e penaliza a arte, a gravadora não lançou a obra em CD. Nada que não seja contornável, se é que você me entende. O álbum abre com "Radio Activity". Muito de leve, a bateria vai marcando o tempo. John está tocando uma guitarra ligada a um sintetizador Sinclavier. Ele entra em uníssono com o sax, direto no tema principal, uma melodia estranha que não parece se resolver. Os solos de Sinclavier e sax se sucedem, e gradativamente a música vai ficando mais pesada. A tensão sobe, e, de repente, Billy Cobham surge pedalando dois bumbos como um cavaleiro do apocalipse. As vozes dos instrumentos se levantam da espessa base percussiva, num grito insano. É uma música densa, no melhor sentido da palavra. E também é totalmente moderna, tanto que dezessete anos após a gravação, são poucas as músicas que podemos comparar às que estão neste álbum.

JOHN COLTRANE - INTERSTELLAR SPACE
Esta obra é destinada a um público extremamente restrito. Trata-se de um CD que consiste unicamente de improvisos do sax de Coltrane e de um percussionista. Não é de fácil audição; jamais poderia ser usada como música de fundo em batizados ou casamentos: exige atenção e ausência de preconceitos. As músicas receberam nomes de planetas - Vênus, Júpiter, Marte - e sempre iniciam com o anúncio de um chocalho metálico. Logo a seguir, Coltrane mergulha diretamente em solos vastos, que duram todo o tempo da música. A intensidade das melodias que jorram sem parar do seu instrumento pode ser apressadamente confundida com barulho. Porém, se aceitarmos embarcar nestas alucinações, nestes longos experimentos, certamente viveremos uma experiência incomum. Mais ou menos como comer sashimi pela primeira vez. E gostar. Este álbum é de 1967.

JEFF BECK - GUITAR SHOP
É bastante variado este CD de Jeff Beck, mas uma característica é comum a todas as músicas: o bom gosto. A guitarra de Beck, sempre com um timbre impecável, fala vários idiomas: raegge, blues, rock, techno, house. Temos, por exemplo, "Behind the Veil", uma viagem confortável até a Jamaica. As texturas sonoras se alternam com delicadeza, pintando uma tranqüila tarde na praia. No final, somos premiados com um estupendo pôr-do-sol, sugerido por uma intensa nota que parece arder no céu, para depois cair e ecoar e desaparecer aos poucos. Não se pode apontar qualquer displicência nas músicas deste álbum; todas parecem ter sido polidas à exaustão. A obsessiva busca da nota perfeita, no lugar perfeito, é própria de Beck. Com certeza, "Guitar Shop" oferece muitas destas notas.

KING CRIMSON - BEAT
Robert Fripp, além de ser um doido varrido, também é músico e lidera o King Crimson. Deve-se notar a capacidade administrativa de Fripp, que conseguiu com freqüência coordenar grupos de músicos que produziram um resultado superior à soma dos seus talentos individuais. Esta obra, de 1982, conta com Bill Bruford na percussão, Tony Levin no baixo e Adrian Belew nos vocais e na segunda guitarra. Em "The Howler", as guitarras, usadas para comandar sintetizadores, surgem do silêncio numa espécie de procissão macabra. É uma música muito estranha mas, digamos, de fácil digestão. A voz de Belew sutilmente vai despejando os versos de sua autoria, que narram uma espécie de pesadelo inquisitório. Levin está tocando o "stick", que é um contrabaixo elétrico com dez cordas; é ele o responsável pela nota gravíssima que atroa ao fundo, como o rosnar de alguma fera gigantesca. É um CD que abriga algumas concessões pop - devidas à liberdade que Fripp sempre ofereceu aos colegas -, mas isso realmente não prejudica o conjunto.

GEORGE THOROGOOD - BAD TO THE BONE
Um sujeito em Nova Iorque, após o trabalho, procura por um boteco diferente para beber o seu merecido uísque. Está cansado dos mesmos barzinhos modernosos de Manhattan; ao invés disso, parte para a periferia. Dirigindo meio a esmo, se depara com uma casa de dois andares que oferece bebidas e música ao vivo. Mas o que detém este homem é o som que vem do segundo piso. Da rua, de dentro do carro, o que ele ouve de lá de cima é alguém possuído pelo demônio, detonando um blues simplesmente irresistível. Subindo as escadas, ele senta-se no bar, pede o uísque e olha para George Thorogood, que está num pequeno palco, em transe, tocando para - ninguém! Não havia outra pessoa naquele lugar além do barman! Este homem, que seria o primeiro produtor de Thorogood, tinha a certeza de que não seria possível dar em nada uma gravação daquele demente. E acertou; este álbum de estréia, com a guitarra venenosa de George, temperada pelo "slide", consagrou "Bad To The Bone" como uma das músicas mais populares da história do blues, e é a vinheta de abertura deste site.

MILES DAVIS - BITCHES BREW
Uma batida seca, esparsa e esquisita surge do silêncio e delimita o tempo enquanto uivos brotam de um fagote esquivo. John McLaughlin espalha acordes quebrados com um guitarra áspera que finge estar perdida. Há muito espaço no ritmo preguiçoso. A primeira nota do trumpete de Miles Davis se dilata e se mantém, oscilando como uma imagem na água. O ano é 1969, estamos em Nova Iorque e escutamos 'Miles Runs the Voodoo Down'. 'Bitches brew' foi concebido nos primórdios do jazz elétrico por aquela figura tão curiosa e volátil, Miles Dewey Davis III. Participando de todas as fases do jazz, destacou-se em todas. Inseguro, agressivo, viciado em todas as 'inas', arrogante, trabalhador dedicado, Miles não conseguia tocar um mesmo estilo por muito tempo: a repetição o desgostava. Era um pesquisador, ávido pela experimentação. Nos muitos registros da sua música que podem ser ouvidos atualmente, sempre há um sabor de novidade e ousadia. É uma obra que, francamente, não tem a menor chance de algum dia se tornar popular. Mas os que não conhecem Davis se privam de apreciar o trabalho de um homem de gênio, cuja música não pertence a uma determinada época nem a um determinado país. Como todos os bons clássicos.

ROY BUCHANAN - WHEN A GUITAR PLAYS THE BLUES
Roy Buchanan pode não ter sido o maior guitarrista de todos os tempos, mas é certo que foi um dos mais intensos. Curiosamente, ao contrário de tantos outros músicos, ele fugia da fama. Recusou um convite de Mick Jaeger para assumir a guitarra dos Rolling Stones, pois sabia que não teria a liberdade de fazer o que lhe desse na telha. Ao invés do megaestrelato, preferiu ficar tocando em botecos nos estados unidos. Gravou vários álbuns, entre eles 'When a Guitar Plays the Blues', de 1985. Nele há uma faixa intitulada 'sneaking godzilla thru the alley', que é uma espécie de resumo do estilo de Mr. Buchanan. Temos aí a introdução de um piano e um contrabaixo em uníssono, repetindo um grave e lento mantra que sugere o andar de uma criatura pesada. A guitarra solta um lamento longo. É o início de, talvez, o maior pesadelo psicótico possível de ser expresso por um instrumento musical. Não se trata de uma música exatamente "pesada". A ênfase é na idéia, não no botão de volume. As muitas imagens grotescas pintadas por Roy se sucedem cada vez mais rápido. Em várias passagens, os sons não parecem oriundos de uma guitarra, mas de alguma besta alienígena agonizando. No final, meio a contragosto, Mr. Buchanan alivia a mão e voltam os longos gemidos do instrumento, magoado por tanta selvageria. Em termos de intensidade, é difícil que alguém supere Roy Buchanan. Talvez Hendrix, mas esse é outro capítulo.

JIMI HENDRIX - CONCERTS
O ano é 1969 e estamos no Albert Hall, Londres. Hendrix inicia 'Bleeding Heart' e cada nota que sai de sua guitarra é, sem exagero, perfeita. O blues lento é usado apenas como uma moldura para a ampla paleta de Jimi. Iniciando diretamente num solo, a guitarra canta e fala e nos diz coisas que não podem ser expressas em palavras. Só esta introdução já valeria por tudo o que se escreveu sobre o Blues - é uma espécie de epifania. Não à toa, ele chamava suas guitarras de damas elétricas: a vocalidade das suas melodias é notável. Talvez pelo fato de ser um cantor medíocre, ele tenha passado a responsabilidade de cantar para a sua guitarra. E, de fato, ela cantava. Neste blues temos raiva, lamento, calma e riso. Encarado limitadamente como um roqueiro, Hendrix foi além e conseguiu chegar ao âmago de toda arte, que é a comunicação entre almas. É impossível permanecer indiferente ao seu trabalho. Legiões de músicos foram influenciados e - talvez - intimidados pela inovação que Hendrix representou para a música. Aos 27 anos, pouco antes de gravar com Miles Davis (é difícil imaginar o que resultaria dessas sessões), Jimi passou para o andar de cima. 

ALLAN HOLDSWORTH - METAL FATIGUE
"The Un-Merry-Go-Round" foi escrita em memória ao falecido pai de Holdsworth, concebida como uma trilha sonora para uma viagem interestelar. Pelo menos em um sentido, Allan cumpre esta promessa: é impossível não se sentir transportado escutando o universo sonoro deste feliz quarteto. A impressão que se tem, em alguns trechos, é de ouvir uma orquestra, mas de outro planeta. Os solos de guitarra são, para dizer pouco, originais. O álbum foi muito aplaudido em 1985, porém apenas pelo público especializado: aqueles sujeitos estranhos que gostam de uma música que apresente desafios, de vez em quando. Esta é, inclusive, uma das queixas de Allan. Em uma entrevista à revista "Guitar Player", ele lamentava o fato de a circulação de sua obra ser restrita a um determinado grupo de pessoas. Sei que não há motivo para a sua queixa; as pessoas desse grupo podem ser determinadas e podem ser poucas, mas experimentam um raro tipo de felicidade.

FRANK ZAPPA - THEM OR US
É variada a experiência de ouvir Frank Zappa. O acervo de obras deixadas por ele abarca uns sessenta CDs, que às vezes são um pouco entediantes e muitas vezes são espantosos - no bom sentido. Frank Zappa foi antes de tudo um homem de estratégia; um sujeito que viveu equilibrando seu rigor e sua criatividade às vezes caricata de tão estranha. Guitarrista e pianista, Zappa se interessava mais pela concepção das músicas do que propriamente em executá-las, tanto que ganhou o apelido de "Maestro". Contratava guitarristas para que executassem as partes mais impossíveis dos solos que ele escrevia. Não é o caso de "Sinister Footwear II", onde ele mesmo assume o comando do instrumento. Escutando o longo solo de Mr. Zappa, temos a medida exata do quão extenso era seu inusitado mundo interior. Pelo conjunto da obra e pela variedade desta, não é incorreto afirmar que Frank Zappa está entre os mais criativos artistas do século passado. Este álbum é de 1984.

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