AVENTURAS INTERGALÁCTICAS

Klauxo, de cima da colina, observava a cena dantesca lá embaixo: tendo como pano de fundo o céu verde e as três luas, os nativos dançavam ao redor da grande fogueira, embriagados com o sangue da sua presa, que assava num enorme espeto rotativo. Sim, e com uma maçã na boca. De vez em quando um nativo se levantava, ia até o espeto e regava a carne com sangue temperado. Outro se ocupava em lavar as tripas e fazer grossos chouriços. "Repugnante!" - pensou Klauxo - "será que eles não têm McDonald's por aqui?".

Nisso o comunicador bipou. Klauxo pôde ouvir a voz esganiçada do comandante, furioso:

- WALKER ? WALKER, SUA BESTA, O QUE ESTÁ ACONTECENDO AÍ EMBAIXO ?

- Um significativo ajuntamento, comandante. Uma festinha. Os Banthas vão encher a pança em grande estilo.

- ELES VIRAM VOCÊ ?

- Não, graças a Deus. Parece que não gostam de visitas inesperadas.

- E BECK ? ENCONTROU BECK ?

- Encontrei.

- ELE ESTÁ BEM ?

- Sim, está bem. Bem passado. Ele ia gostar deste bronzeado, se pudesse ver.

- O QUÊ ?!?

- O Beck foi convidado pro jantar. Como prato principal.

- MAS QUER DIZER QUE...

- Sim, comandante, estão assando Beck, que aliás está com uma maçã na boca. E, se eles continuarem bebendo e dançando, vai passar do ponto.

- MERDA ! E O DISCO ?

- Não vi o disco ainda. Vou tentar localizá-lo e depois entro em contato.

- TOME CUIDADO, WALKER !

- Ah, sim, té logo.

Klauxo verificou a bateria do traje: quatro horas. Esse era o tempo que dispunha para encontrar o disco e cair fora daquele maldito planeta. De preferência, vivo.

INTERLÚDIO

Klauxo e Beck foram colegas de faculdade e dividiram um quarto, mas sempre houve uma certa rivalidade entre eles. Parece que a origem disso foi que, quando entrou para a faculdade de Infocibermática, Beck não tinha muita experiência com computadores, e Klauxo sempre aproveitava para zoar com a cara dele. Certa vez, com dificuldades para concluir um trabalho, Beck pediu ajuda a Klauxo:

- Klauxo, o que é "protocolo de comunicação"?

- É a maneira de se comportar com um computador para que ele se comunique. Você diminui as luzes, põe uma musiquinha suave, chega para a máquina e diz baixinho: que tal uma comunicada agora, benhê?

- Ahhn... mas a gente usa caracteres "ASC dois"?

- Não, isso tá ultrapassado. Agora é o "ASC três". O "ASC dois" não tava fazendo muito sucesso, chegou até a mudar de nome, depois de consultar uma numeróloga. Passou a se chamar "ASC de dois". Mas infelizmente isso não ajudou, e ele acabou dançando.

- Puxa! A vida é dura para os conjuntos de caracteres!

- É, e não pense que os ícones passam muito melhor.

- E aquele novo vírus de computador, o "Mike Tyson"?

- É horrível. Tudo o que você ouviu é verdade. Ele pode apagar discos à distância, usando técnicas de comunicação via satélite. Se não tiver satélite disponível, ele emula um por software. O vírus modifica a tela do micro e bombardeia o usuário com mensagens subliminares, fazendo com que ele acredite que é um Panda Gigante. Ele submete o HD a coisas imundas, coisas nojentas, coisas indecentes, coisas que qualquer um hesitaria em pedir ao próprio disco rígido.

- Caramba! Vou correndo passar um anti-vírus!

- Não faça isso, isso pode irritá-lo. Um amigo meu passou o anti-vírus e o Tyson percebeu. Apareceu na tela: "Ah, é, seu viado? Agora você vai ver só!". O vírus ativou um loop binário de n-ésima complexidade, forçando o processador a lamentar o dia em que foi fabricado. Depois de quatro milissegundos, devido ao calor excessivo, o processador fundiu. Veio mais uma mensagem na tela: "Olha, acho que a CPU se borrou toda! Vai comprar outro micro, mané!". O cara tentou levar o micro num mecânico, para fazer uma retífica no BUS e alargar para 33 bits, mas não deu certo. Teve que jogar fora.

- Que coisa! Mas, então, como é que eu faço para saber se meu micro está contaminado?

- Você tem sentido vontade de comer folha de Eucalipto?

- Não.

- Então, tudo bem.

Beck acabou sendo ridicularizado tantas vezes que decidiu se vingar. Transformou-se no maior expert em computadores da faculdade, superando em muito Klauxo. Mas ele acabou se isolando do mundo, fechado em um universo de bits, bytes e revista de mulher pelada. Sim, essas coisas podem deformar a personalidade de uma pessoa. Foi o que aconteceu com Beck, atormentado por desejos inconfessáveis, querendo ser amado e aceito pelo seu caráter, e não pelo seu intelecto, circulando por uma galeria espectral dos seus fantasmas interiores, lutando incessantemente contra um ego cruel e arrogante, carregando o duplo fardo da inanição afetiva e um mau-hálito dos diabos. E nunca esquecendo as sucessivas humilhações a que Klauxo o submetera. O ódio foi crescendo cego e irracional no seu coração, envenenando cada pequena palavra, cada pequeno gesto dirigido a Klauxo com peçonha mortal.

Ouçam: logo depois de se formar, Klauxo estava bebendo uma pinga no bar do Lingüiça. Foi então que viu o cartaz da CosmoBrás:

VIAÇÃO DE TRANSPORTE INTERGALÁCTICO
SANTA RITA DO PASSA-QUATRO - ALFA CENTAURI
NECESSITA ENGENHEIRO DE COMPUTAÇÃO
SEM EXPERIÊNCIA PRÉVIA, etc...

Parecia ser um bom negócio. Klauxo pegou o diploma e foi ao endereço indicado no cartaz.

- Walker, Klauxo... Formação acadêmica recente... Nenhuma experiência prévia... Solteiro... OK... Já viajou de ônibus espacial?

- Não, o máximo que eu fiz foi uma sessão de realidade virtual. Eu vomitei.

- Tudo bem, temos saquinho nos ônibus. Acho que a vaga é sua. Temos pressa em colocar mais um ônibus na linha. Venha comigo.

Passaram por uma série de escritórios apertados até uma sala onde se lia na porta: SUPERVISÃO DE ENGENHARIA. O homem abriu a porta.

- Doutor Beck, aqui está o engenheiro que completa a equipe.

Klauxo parou e abriu a boca, em espanto. Era ele, sim, era Beck, seu inimigo mortal, aquele que uma vez o chamou de "bastardo obtuso"... (Klauxo não disse nada na hora, mas mais tarde foi visto consultando um dicionário). Sim, ali estava ele, olhando para Klauxo como quem olha para um cocô boiando numa privada pública.

- Klauxo, meu caro, que surpresa agradável! Então você vai trabalhar sob minha supervisão? Isso vai ser ser ótimo... Sim, ótimo!

Beck deu uma risadinha cínica. Klauxo sentiu aquela sensação de desconforto esquisita, como se tivessem asfaltado a sua cueca. Mas precisava do dinheiro. Foi com indisfarçável temor que assinou o contrato.

Hangar 14. Lá estava o gigantesco ônibus espacial. Klauxo trabalhava duro, acertando os detalhes do computador de bordo e tentando se familiarizar com a área do transporte intergaláctico.

O comunicador bipout. Era Beck.

- WALKER ? O QUE ESTÁ FAZENDO ?

- Ehhh, checando as rotinas de emergência.

- PRECISO QUE VOCÊ VERIFIQUE O TRECHO DO PROGRAMA QUE ACIONA A BUZINA DO ÔNIBUS ESPACIAL. PARECE QUE TEM ALGO DE ERRADO!

- Sim, mas onde está ele? O programa tem mais de dezenove milhões de linhas!

- ORA, VOCÊ É PAGO PARA SABER DESSAS COISAS! TE VIRA, RAPAZ!

Klauxo começou a a verificar, linha por linha, onde estava o trecho. Era uma tarefa maçante e repleta de chances para cometer um erro. Lá pelas quatro da tarde, exausto, com os olhos vermelhos, pediu ajuda para um dos analistas:

 - Ei, Eddie, pode me ajudar? Não consigo localizar dentro do programa o trecho que aciona a buzina.

Eddie parou o que estava fazendo e atirou a cabeça para trás, numa enorme gargalhada.

- E DESDE QUANDO ÔNIBUS ESPACIAL TEM BUZINA? HAHAHA... É MUITO BURRO!

Ele pegou o comunicador e falou com Luigi, o mecânico:

- LUIGI! ESCUTA ESSA: O BUNDINHA RECÉM-CONTRATADO QUER CONSERTAR A BUZINA ! ! !

Klauxo podia sentir o rosto ficando vermelho, de raiva e humilhação. Olhou para o TeleTalk e lá estava Beck, sorrindo em triunfo. Agora ele estava descontando os anos em que padeceu nas mãos de Klauxo, e parecia que os juros seriam altos...

Depois do fiasco da buzina, que foi divulgado por toda a empresa, o pessoal descobriu em Klauxo um alvo fácil para as brincadeiras de gosto duvidoso. E Beck apoiava esta atitude com óbvio prazer. Chegou a colocar um mural no hangar onde todos podiam divulgar as trapalhadas de Klauxo, como a vez em que pediram que ele escrevesse um sistema para controlar a roleta do Ônibus espacial. Klauxo suportava a tudo calado, e ia aprendendo...

Finalmente, o ônibus estava pronto. Levaram a nave gigantesca até o ponto, que ficava no mercado público. Já tinha fila de gente esperando. Um negrão enorme, com uma caixa de papelão na cabeça, disse: "Lá vem o humilhante... Mais de hora esperando esse desgraçado! A nega vai me encher de porrada se eu chegar tarde!". O Ônibus estacionou e o pessoal foi entrando. O cobrador gritava na porta: "ALFA CENTAURI VIA CIRIUS! ESCALA EM NOVA PIRACICABA E SÃO JOSÉ DO SALTO QUÂNTICO! VÃO ENTRANDO QUE TEM LUGAR SENTADO!". Como era a primeira viagem, toda a equipe de engenharia estava lá, inclusive Beck. Beck estava apreensivo. Eddie estava apreensivo. Luigi estava apreensivo. Klauxo estava pensando em levar um mil-folhas pra comer na viagem.

O ônibus partiu, deixando um grande rastro de fumaça e matando um cachorro que estava mijando na turbina, na hora da ignição. Saiu da atmosfera, dobrou à direita depois da lua e então os passageiros ouviram a voz grave e aveludada do comandante:

- Atenção, senhores passageiros: vamos acionar a velocidade de cruzeiro.

Na cabine, o piloto estagiário perguntou pro comandante:

- E agora? Como se aciona a velocidade de cruzeiro?

- Pisa na embreagem e engata a quinta marcha!

Quando o rapaz fez isso, o ônibus chacoalhou, hesitou, tremeu e então deu uma arrancada muito, MUITO brusca, mergulhando em uma velocidade insana espaço adentro.

- NÃO TÃO RÁPIDO, IDIOTA!

No setor de passageiros, a confusão era total. Muitos que viajavam de pé caíram no colo dos que estavam sentados. A caixa de papelão do negrão caiu do compartimento no teto e se arrebentou toda, espalhando camisinhas Paraguaias pelo chão. Um gaiato perguntou:

- Negrão, quanto é o quilo?

- Pergunta pra tua mãe, viado!

Beck ordenou:

- Klauxo, verifique se este piloto barbeiro causou algum dano ao sistema. Eddie, peça pro Luigi revisar o reator. Eu vou até a sala de comunicações avisar a Central.

Todos se afastaram, cumprindo as ordens. Beck subiu a escadinha em caracol e sentou à mesa de comunicações. Abriu uma gaveta e retirou uma garrafa de uísque. Bebeu um talagaço, suspirou e pensou no seu plano. Estava dando certo.

Lá pelo quilômetro 162.876.915.682.330, o ônibus começou a reduzir a velocidade. O comandante procurou Beck:

- Ei, o que que está acontecendo? Esta merda está se arrastando!

- Um momento, vou verificar...

Beck se sentou à mesa do computador central e revisou algumas informações. Finalmente, disse:

- Olha, sinto muito mas vamos ter que parar. O reator está atingindo a temperatura crítica. Tem algo de errado.

- Ah, sim, e vamos estacionar esta nave aonde?

- Um momento...

Beck consultou alguns mapas e disse:

- Parece que a melhor escolha é o planeta Byboka. Mas não podemos descer, aqui diz que é habitado. E pessimamente habitado. Os Banthas são guerreiros temíveis, e também adoram carne humana. Podemos, entretanto, permanecer numa órbita estacionária e reparar a nave.

- Mau, muito mau. Mas se é necessário, vamos lá...

Quando o comandante se afastou, Beck retirou um pequeno disco prateado do interior do computador e colocou no bolso.

O ônibus se aproximou graciosamente do planeta verde, estacionando a vinte mil quilômetros da superfície. Desligados os motores, os passageiros começaram a ficar inquietos.

- Ei, aqui não é Nova Piracicaba!

- Que merda é essa?

- Ai minha Nossa Senhora do Bom Parto!

A voz do comandante soou pelos alto-falantes:

- Atenção senhores passageiros: devido a uma pequena falha nos nossos reatores, fomos obrigados a interromper a viagem por alguns minutos. Pedimos a gentileza de permanecerem em seus lugares e aguardar o término do conserto. Obrigado.

Imediatamente todos se levantaram e começaram a perambular pela nave. O negrão perguntou para o comissário:

- E aí, chefia? Onde é que dá pra tomar uma pinga?

Uma senhora gorda, que estava olhando pela janela, disse:

- Olha só! Uma estrela cadente! Faz um pedido, Adelino!

Um garotinho, que correu para a janela, corrigiu:

- Não é uma estrela! É um módulo de manutenção!

Desta vez foi um comissário que se interessou e foi até a janela. Olhou o módulo, que caía rapidamente na atmosfera, e foi correndo até a cabine. Falou com o comandante:

- Comandante, vão fazer reparos externos na nave?

- Não, por que?

- Alguém pegou o módulo de manutenção e está indo em direção ao planeta.

- O quê? Onde está Beck?

A resposta foi o silêncio. O comandante pegou o comunicador e digitou um código, raivosamente.

Dentro do módulo de manutenção, o comunicador de Beck bipou. Ele atendeu:

- Sim?

- BECK? ALGUÉM DA SUA EQUIPE PEGOU UM MÓDULO DE MANUTENÇÃO?

- Sim. Eu.

- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AÍ FORA, HOMEM?

- Ah, resolvi dar uma voltinha. Este planeta é lindo, quero ver se consigo colher uns cogumelos.

- COGUMELOS O DIABO! PRECISAMOS DE VOCÊ AQUI!

- Comandante, vou ser sincero: você está morto. Você e todos os infelizes que estão nesta nave. Para lhe poupar trabalho, estou com o disco onde se encontra toda a programação de emergência da nave, incluindo os procedimentos de resfriamento do reator. Todos aí estão dentro de uma granada, e ela vai explodir. Acho que vocês tem umas seis horas.

- ISSO É ALGUMA BRINCADEIRA? VOCÊ FICOU DOIDO, BECK?

- Isso não vem ao caso. Boa sorte, comandante. Estou ejetando o comunicador.

Depois de duas doses duplas de vodka, o comandante procurou Klauxo e o trouxe à sala de comunicação.

- Walker, temos problemas. Acho que Beck enlouqueceu. Ele roubou o disco de emergência do sistema e caiu fora. Deve estar pousando em Byboka agora. Sem o disco, estamos fritos.

- BOSTA! Eu sabia!

- Sabia de quê?

- Beck quer ME fritar! Ele sempre me detestou! Só que nunca pensei que ele sacrificaria trezentas pessoas por uma vingança pessoal!

- Isso é mais doentio do que eu imaginava. Pare, jantei faz pouco.

- Mas como ELE vai sair dessa? Com o módulo é impossível sair do planeta!

- Sim, mas acredito que alguém vai passar para pegar Beck mais tarde... Depois que nos transformarmos em pó-de-mico.

- E o que o senhor sugere?

- Temos mais um módulo de manutenção. Só cabe uma pessoa lá dentro. Eddie é muito gordo, e além dele só você sabe operar este tipo de veículo.

Klauxo entendeu. E não gostou. O comandante prosseguiu:

- É impossível consertar o reator sem o disco! E eu quero Beck de volta! Quero aquele filho da puta no tribunal! Ele vai ser deportado para um planeta-prisão, tipo Bangu XXIII.

- Mas tem alguma forma de vida lá embaixo?

- Um bando de nativos ignorantes. É só não deixar que eles sintam seu cheiro. E você vai estar armado. Afinal, você também quer ver o Beck atrás das grades, ou não é assim?

Esse argumento pesou. Klauxo pensou em Beck preso junto com cinqüenta estupradores, pensou em Beck comendo ranho de rato, pensou em Beck batendo os queixos por muitos e muitos invernos na prisão. Finalmente decidiu:

- OK, vamos nessa.

ENQUANTO ISSO, NO MÓDULO DE MANUTENÇÃO...

O uísque sintético fora uma má idéia. Agora Beck estava com uma fome dos diabos, sentado dentro do módulo, que estava pousado na grande planície amarelada. Ele perguntou ao computador de bordo:

- Tem alguma coisa pra comer aqui nesta merda?

A resposta veio através de uma voz feminina completamente artificial e um tanto zombeteira:

- A despensa foi esvaziada pelo mecânico Luigi pouco antes do início da viagem.

"Maldito comilão" - pensou Beck. Logo depois ordenou:

- Mê dê um panorama dos arredores.

Imediatamente os monitores refletiram o cenário desolado da planície. O solo árido se estendia por milhas e milhas, aqui e ali se abrindo em profundas fendas e, de vez em quando, algo que parecia um arbusto ressequido. Num destes arbustos, Beck pôde ver uma grande esfera vermelha, pendurada.

- O que está no quadrante C15?

O computador respondeu:

- Pedúnculo fitoteratológico nativo.

- Ah, e dá pra comer?

- Positivo, pedúnculo adequado para consumo humano.

- Ótimo, envia a sonda e traz esse troço pra cá.

Beck pôde ver quando a sonda foi lançada; ela era uma espécie de bola metálica cheia de sensores, garras e impulsionada por uma pequena turbina. Descreveu uma leve curva no ar em direção ao arbusto e, quando estava quase lá, subitamente perdeu altitude e caiu no chão, levantando uma nuvem de poeira.

- Diabos, o que houve?

- Falha no sistema motor principal e secundário. Sonda não-operacional.

- Raios! Não tem nada que funcione nesta naba?!

O supervisor de engenharia mordeu os lábios; murmurou alguns palavrões em voz baixa e pensou. De repente, disse:

- Os trajes estão prontos para uso?

- Positivo. Bateria Operacional por seis horas.

- Prepare ante-câmara externa e um traje, rápido!

Caminhando pela planície, Beck ia em direção ao arbusto. Já podia ver o fruto vermelho, e lambia os lábios em antecipação. Até que aquele planeta ridículo era bonito, ao entardecer. Um grande sol azul movia-se lentamente para a cabeceira montanhosa no horizonte, deixando um rastro incandescente onde as cores se misturavam numa confusão verde, laranja, vermelha e violeta.

CLAQUE !

A surpresa foi maior que a dor. Olhando para baixo, Beck viu, horrorizado, a armadilha prendendo o seu tornozelo. Duas mandíbulas metálicas, cheias de dentes afiados, haviam se fechado ao redor de sua perna, rasgando o tecido espesso do traje e se cravando no osso. Era impossível tentar puxar a perna, pois o mínimo movimento aumentava a dor em espasmos infinitos.

Foi então que eles surgiram do chão.

A areia se ergueu à sua frente, e dois Banthas se levantaram do esconderijo. Eram bípedes, magros e muito altos, com uma couraça negra cobrindo todo o corpo. As cabeças eram em forma de cunha e possuíam quatro olhos pequenos, vermelhos e ferozes. O que eles carregavam nas mãos, Beck não sabia exatamente o que era, mas sentiu que eram instrumentos que serviam para matar.

Beck sacou o laser e atirou. Saiu uma luz muito fraca da arma, que se limitou a pintar inofensivamente um círculo laranja no peito de um dos nativos. Os Banthas se entreolharam, intrigados. Beck se desesperou e gritou no rádio do traje:

- COMPUTADOR! COMPUTADOR! EMERGÊNCIA! CONTATO HOSTIL COM NATIVOS! O LASER NÃO FUNCIONA! O QUE EU FAÇO?

- Vou acionar o tradutor e você pode tentar contato verbal.

Logo depois, Beck ouviu um chiado e conseguiu distinguir duas vozes conversando:

- Será que este aí serve?

- Olha, tá meio magro, mas mamãe cozinha muito bem. Dá pra fazer ele recheado com farofa, e ninguém vai perceber.

Beck gritou:

- SAUDAÇÕES INTERGALÁCTICAS! VIM EM MISSÃO DE PAZ! QUE A FORÇA ESTEJA COM VOCÊS!

Um dos nativos se enfureceu:

- Vai lá, Jojo, acaba com isso! Da última vez que a gente ficou de papo com eles, o sujeito te vendeu uma rifa de um rádio-relógio e nunca mais apareceu! Se lembra?

A noite caía rápido no planeta, e Klauxo andava o mais depressa que podia em direção ao módulo abandonado por Beck, na planície agora esverdeada pelo crepúsculo. O solo era duro, e facilitava um pouco as coisas. Finalmente, Klauxo pôs os pés na escada que levava ao interior da minúscula nave.

Não havia ninguém lá.

Walker pediu ao computador:

- Onde está Beck?

- Último contato a setenta minutos, quinhentos metros sudoeste.

- Como foi este último contato?

- Reporte de emergência. Contato hostil com nativos. Tradutor acionado. Mais nada.

"Raios", pensou Klauxo, "será que Beck se deu mal?". Depois de refletir por um tempo, saiu do módulo e seguiu em direção ao sudoeste.

FIM DO INTERLÚDIO

Agora Klauxo está oculto sobre a colina, após ter conversado com o comandante e descrito a cena dantesca que se desenrolava lá embaixo. Quatro horas. Quatro horas para localizar o disco, capturá-lo e voltar à nave, antes que ela explodisse.

Enquanto pensava no que podia fazer, Walker viu um Bantha sair de uma tenda. Era um pouco mais baixo que os demais, e tinha algo brilhante pendurado na tanga. Algo pequeno, redondo e brilhante. Algo que podia ser inserido, por exemplo, num computador. Klauxo sorriu.

O Bantha se afastou do acampamento, indo por uma trilha até um local reservado entre duas pedras. Klauxo o seguia cautelosamente, sempre contra o vento, esgueirando-se pelos arbustos e pedras. Ele pôde ver o Bantha olhar ao redor, baixar a tanga e se agachar contra uma rocha. Era a hora.

Klauxo correu silenciosamente até a rocha. Do outro lado, vinha um ruído indistinto e gemidos de alívio. Ligou o tradutor, sacou o laser, ajustou o facho para máxima potência e saltou para o lado, ficando frente a frente com o alienígena e gritando:

- PARADO, BESTA ESTELAR! MAIS UM GEMIDO E EU TE FRITO!

O Bantha gritou numa voz fininha:

- Aiiiiii! Será que uma dama não pode mais se aliviar em paz?

"Dama?"- pensou Walker. Em seguida, disse:

- NÃO VEM COM CONVERSA, FERA ABJETA! EU VI O QUE VOCÊS FIZERAM COM O MEU CHEFE!

- Eu não tenho culpa, foi meu noivo que pegou o humano!

- Noivo? Que estória é essa?

- Hoje é o dia do meu casamento. Os machos caçaram o dia todo procurando carne para o banquete.

Klauxo pensou: "Nossa, Beck virou prato principal de casamento alienígena! Que belo fim para um ego monstruoso como o dele". Logo em seguida, ordenou:

- Passa aqui este disco pendurado na tanga!

- Pode se virar, por favor, para que eu me recomponha?

- Ah, claro, desculpa.

Walker se virou, assobiando. Depois de um tempo, ela disse:

- Pronto, pode se virar.

Ela estava de pé, desatando o nó que prendia o disco. Klauxo então observou melhor o quanto as fêmeas Banthas eram diferentes dos machos. Claro que ainda eram muito altas para um ser humano, mas mais baixas que os machos, e sim, claro, como não tinha percebido antes? Havia um quadril mais destacado, uma certa delicadeza nas formas, um olhar diferente, uma graça nos movimentos. Walker perguntou:

- Mas, mudando de assunto, por que diabos vocês comem humanos?

- Eu não como humanos; sou vegetariana. Detesto carne, e detesto ainda mais este costume idiota de fazer churrasco no casamento. Aliás, hoje é o dia mais infeliz da minha vida.

- Mas você não vai se casar?

- Um casamento arranjado, negócio de família, sabe? Eu detesto o Jojo, ele é muito burro, rude, machista e ainda por cima não gosta de tomar banho.

A Alienígena fez uma pausa, suspirou e olhou o céu: - Às vezes, penso em ir embora deste planeta provinciano, estudar filosofia em Alfa Centauri, viver na cidade grande, ir ao teatro, enfim, ter uma vida mais agitada, e não ser uma maldita camponesa, fazendo salsicha para esse bando de caipiras.

Klauxo sentiu-se enrubescer.

- Se... bem, se você quiser,olha, eu... Eu estou com um módulo estacionado aqui perto, e vou para um ônibus espacial que está orbitando o planeta, rumo a Alfa Centauri...

O rosto da menina se iluminou: - Verdade? Alfa Centauri? Ônibus espacial? De carona?

- Sim, no módulo só cabe uma pessoa dentro, mas acho que você pode ir no meu colo...

Ela começou a saltitar ao redor de Walker. - Eu vou, eu vou, eu vou!!!

O comandante recebeu com alívio as notícias de Klauxo. A nave estava salva. Na ante-câmara, todos os engenheiros se espremiam, para dar as boas-vindas ao herói que salvou a pele de todos eles. Quando a porta se abriu, o grito de VIVA! ecoou por toda a nave, e Klauxo foi saudado com champanhe e canapés, empunhando um pequeno disco prateado. Quando conseguiu acalmar a multidão, Klauxo disse:

- Colegas! Comandante! Quero apresentar-lhes a minha amiga Kika! Venha, Kika, pode sair!

Todos os olhares se fixaram na porta do módulo, de onde saiu um longo par de coxas, e uma voz desesperada:

- Alguém pode me ajudar a sair desta maldita lata de sardinha voadora? Não sei como vocês conseguem viajar neste negócio!

Well, Klauxo passou a residir em Alfa Centauri com Kika, num apartamento modesto, o melhor que o seu salário de Engenheiro de Computação podia pagar. Nem sequer um mísero bônus a firma lhe deu. Mas Klauxo não deu bola, pois estava ocupado em explorar as habilidades de Kika em termos de, bem, digamos, assuntos de foro íntimo. E ela cozinhava muito bem. Tanto que ele estava engordando. E como. A única coisa que inquietava Klauxo foi que ontem ele, mexendo nas coisas de Kika, descobriu um livrinho que parecia um livro de receitas, escrito na língua dos Banthas. Havia uma página marcada. Mas, ora, talvez fosse neurose da parte dele. Agora Klauxo está no sofá, vendo TV. Kika vem, se aninha em seus braços, passa a mão sobra a barriga de Klauxo e diz:

- Benhê, você está ficando bem gordinho...

- É a sua comida, amor! Eu não resisto! Mas se você faz questão, posso começar a fazer um regime...

- Não precisa, paixão. Eu vou gostar de você assim mesmo...

Klauxo não viu, mas ao dizer isso, ela passou a língua pelos lábios.

 

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