Professor Underberg

Meu pai foi um grande caçador, na época em que matar bichos a tiro não era considerado politicamente incorreto. Aliás, nem existia ainda esta veadagem de politicamente incorreto. É estranho como as pessoas são influenciadas pelas modas, ou seja, o que os OUTROS dizem que é "certo" ou "errado". Por exemplo, nos anos 40, era considerado chique fumar. É impossível precisar quanta gente adquiriu o hábito tabagístico por causa dos filmes roliudianos. O pessoal fumava que nem loucos. Não existia ala de fumantes e não-fumantes nos restaurantes. Todo mundo achava normalíssimo e - sobretudo - glamuroso enfiar um tubo de papel recheado com tabaco na boca, acender e ficar sugando a fumaça. Hoje, se alguém acende um cigarro na rua mesmo, já é quase apedrejado. Mas, esqueçamos a estupidez humana e voltemos ao meu pai.

Este maluco gostava de se embrenhar no mato e meter chumbo nos pobres animaizinhos, e também pescar nos açudes. Era um programa extremamente rústico, que incluía chacoalhar numa Kombi por estradas que só tinham este nome por uma questão de cortesia, abrir e fechar porteiras com lama até às canelas, dormir em barraca e comer sardinha em lata com pão velho. Programaço, hein? Teve um fim-de-semana que ele me levou para uma destas indiadas, e convidou também um amigo, o Bittencourt. Este sujeito só poderia existir na realidade, pois na ficção ele seria considerado bizarro demais. O que você pensaria de um sujeito que vai a uma pescaria de terno e gravata? E que, antes de dormir na barraca, coloca um pijama amarelo listrado impecável, com monograma bordado e pantufas?

Mas a questão é que o Bittencourt, por sua vez, também havia convidado um amigo. Este amigo, certamente muito prevenido, levou uma caixa de uísque. Sim, doze garrafas de oldêiti. Isso ultrapassa em muito o profissionalismo, e olha que eu sei do que estou falando. Doze garrafas de uísque em um fim-de-semana já é algo meio que ufológico, um fenômeno que deveria ser estudado pela Ciência.

Pois bem. Chegamos ao local onde iríamos montar o acampamento. Levantamos as barracas e fomos pescar. O amigo do Bittencourt, que não tinha nem se coçado para nos ajudar, simplesmente abriu o porta-malas do seu carro e tirou um enorme isopor cheio de gelo. Desdobrou uma cadeira preguiçosa e sentou-se na frente da sua barraca. Encheu um copo com gelo, depois abriu a primeira garrafa de uísque e despejou no copo. Isso mais ou menos às nove da manhã.

O tempo passou. Lá pela uma da tarde, voltamos pro acampamento e o sujeito já estava bem mamado, estando já na segunda garrafa de uísque. Fiquei impressionado com a velocidade do homem. Ele não quis almoçar. Mais tarde, também não jantaria. Era só na base da birita.

Quando chegou a noite, eu e meu velho saímos para caçar lebre. Eu estava com duas lanternas, uma meio fraquinha e outra que era um tipo de farolete. A gente ia andando pelo campo, iluminando o caminho com a lanterna fraquinha. Quando uma lebre aparecia, eu tascava a luz fortíssima do farolete bem na cara dela. O bicho simplesmente ficava estático, parado, olhando para a luz. Aí o velho mandava bala na lebre e a colocava, morta, num saco. Mas, naquela noite, nada dos bichos aparecerem. Caminhamos até cansar. Quando estávamos voltando pro acampamento, aparece uma lebre enorme no nosso caminho. Liguei o farolete e o bicho ficou lá, paradaço. Esperei o tiro do velho, mas, ao invés disso, ele agarrou o lebrão pelas orelhas e colocou o bicho, vivo, dentro do saco. Estranhei aquilo, mas ele explicou: "calma que tu vai entender".

Chegamos no acampamento e tanto o Bittencourt como o amigo dele estavam dormindo, cada um na sua barraca. Sei que três garrafas de uísque estavam vazias. O sujeito realmente bebia que nem gente grande. Aí o velho falou: "agora aquele filho da puta vai ver uma coisa". Ele simplesmente abriu o zíper da barraca do bebum, jogou o lebrão lá dentro e, rapidamente, fechou o zíper.

As lebres, para quem não sabe, emitem guinchos quando estão sob stress. Quando o lebrão caiu em cima da barriga do bebum, começou a pular e a gritar ALTO. Do lado de fora, a gente só via a lona da barraca se estufar, conforme o bicho ia pulando. Aí a gente ouviu: “SOCORRO! SOCORRO!”. Era o filho da puta desesperado, sem saber o que estava acontecendo. Imagine só estar totalmente bêbado e acordar com algo peludo, berrando e saltando ao seu redor. Ele tentou sair da barraca, mas pelo lado errado, onde não havia porta. Deu com a testa no pau da barraca, derrubando tudo. Enquanto isso, meu pai estava encostado numa árvore, rindo e olhando aquela comédia. Depois de um tempo, tentando achar a saída, o bebum  finalmente abriu o zíper da barraca. Quem saiu primeiro foi a lebre, que rapidamente desapareceu no mato. Depois ele botou aquela cara assustada para fora, e perguntou, com a voz empastada: “maiz o qui qui foi aquilu?”

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