Tratamento ao Dissociado - Princípios Bíblicos ou Regras de Homens? |
A
Sociedade Torre de Vigia tem todo o direito de manter o controle sobre quem
entra no seu rol de membros, seria uma tolice permitir que uma pessoa se
tornasse conhecida como uma das Testemunhas de Jeová, sem ao menos conhecer
seus dados pessoais e alguns detalhes sobre sua vida privada, desde que não se
configure uma bisbilhotice das intimidades alheias. É justo que a organização
cuide da saúde e da aparência do seu rebanho impedindo que alguém
mal-intencionado ou um notório violador dos princípios bíblicos torne-se uma
Testemunha de Jeová, causando prejuízo às outras Testemunhas por seus atos ou
simplesmente atraindo má fama na região por sua conhecida má conduta.
Da
mesma maneira como é justo o controle de quem entra na organização, é
profundamente injusta a atitude de perseguir e denominar como “pecadores” e
“inimigos de Jeová” àqueles que decidem por vontade própria deixarem de
ser Testemunhas. Não condiz esta ação com a reivindicação que a organização
das Testemunhas de Jeová faz de ser a única religião verdadeira. Não é
direito que uma religião, que afirma ser formada por verdadeiros cristãos,
mostre em seus atos uma tal distorção do ensino bíblico e, ao mesmo tempo,
uma dissonância total com os ensinos daquele a quem chama de Filho de Deus,
Mediador e Rei do Reino de Deus.
Uma
pessoa normal, nem mais nem menos pecadora do que todas as outras na face da
terra, pode, em algum momento da vida, ser atraída pelos ensinos da Sociedade
Torre de Vigia, que são preparados exatamente para isso: Para serem atrativos.
Esta pessoa pode até mesmo permanecer por muito tempo dentro da organização,
servindo fielmente os interesses dela e trabalhando muito pelo que naquele
momento acredita. Mas, e se em algum momento esta pessoa muda de idéia? E se
ela percebe que não é esse exatamente o caminho que imaginava para a sua vida?
E se ela resolve, por conta própria e não porque tenha cometido algum pecado
maior do que aqueles que todos cometem diariamente por serem imperfeitos,
retirar o seu nome de entre aqueles que são conhecidos como Testemunhas de Jeová?
É
o fim. A Sociedade Torre de Vigia passará a chamá-la então pelo termo “dissociada”.
Não é “ex-membro”, “ex-Testemunha”, não, é uma
dissociada, alguém que cometeu um pecado tão ou mais grave do que os que são
desassociados por motivos como adultério ou fornicação, mesmo sem ter feito
absolutamente nada disso. Seus amigos que ainda são Testemunhas devem virar o
rosto ao vê-la, nem mesmo um cumprimento deve ser-lhe dirigido. Mais ainda,
seus familiares são induzidos, obrigados é a forma mais correta, a também
evitar o contato, reduzindo-o ao mínimo possível se não conseguirem evita-lo
na totalidade, que é o real conselho por trás das palavras. O Nosso Ministério
do Reino, folheto impresso pela Sociedade Torre de Vigia usado pelas
Testemunhas nas Reuniões de Serviço, no suplemento da edição de agosto de
2002, usa como referência artigos de outras publicações para reafirmar que
esta ainda é a regra a ser usada pelas Testemunhas.
Sob
o tópico “Como tratar um desassociado”, na página 3, parágrafo 2,
a matéria destaca:
“A
Palavra de Deus ordena que os cristão não tenham companheirismo com uma pessoa
expulsa da congregação”.
Cita-se
então o texto de 1 Coríntios 5: 11,13:
“[Cessai]
de ter convivência com qualquer que se chame irmão, que for fornicador, ou
ganancioso, ou idólatra, ou injuriador, ou beberrão, ou extorsor, nem sequer
comendo com tal homem... Removei o homem iníquo de entre vós”.
O
apóstolo Paulo cita com clareza os motivos que poderiam levar alguém a ser
expulso da congregação cristã no primeiro século. Aqueles que persistissem
em praticar os pecados graves relacionados ali deveriam ser desassociados. Pode
se dizer então que a Sociedade Torre de Vigia age corretamente ao desassociar
Testemunhas que praticam o mesmo? A conclusão lógica diz que sim, mesmo sendo
esta uma questão discutida e rebatida por muitos, não resta dúvida que existe
uma base bíblica sólida para desassociação de membros das Testemunhas de
Jeová que cometem pecados similares. Não fazemos aqui uma apologia dos métodos
de julgamento dos acusados de pecados por parte da Sociedade Torre de Vigia,
longe disso, pode-se discutir, e o fazemos em outros artigos, os métodos, a
falta de preparo e mesmo a má intenção de alguns anciãos que participam de
comissões judicativas, que são grupos de três ou mais anciãos que julgam os
que cometeram pecados. Pode ser questionada a legitimidade de um julgamento
feito por homens tão imperfeitos quanto o réu. O que não se pode discutir é
que existe uma base bíblica para fazer isso e esta é usada pela Sociedade
Torre de Vigia para expulsar membros culpados de pecados graves. Mas, que dizer
dos que voluntariamente resolver sair da organização. E o que dizer daqueles
que mesmo sem a intenção de sair, decidem tornar publica alguma crítica ou
restrição ao modo de agir da Sociedade e por isso são desassociados, sem
terem cometido nenhum dos pecados citados pelo apóstolo Paulo no texto acima?
O tratamento recomendado pelo Ministério do Reino é o mesmo, conforme destacado na introdução, parágrafo 1:
“Esses
princípios aplicam-se tanto para os que foram desassociados como para os que se
dissociam”.
Princípios?
Não seria melhor dizer regras? A diferença é muito grande. Princípios são
aqueles fortemente arraigados, com base bíblica, com apoio de palavras de Jesus
Cristo ou dos apóstolos, ou de algum outro profeta da Palavra de Deus. Regras são
aquelas criadas por homens, rasteiras, sem nenhuma razão de existir exceto pelo
fato de satisfazer o ego ou defender os interesses daqueles que as criam. Um
simples dicionário expõe a diferença drástica entre uma coisa e outra. Princípios,
conforme o dicionário Aurélio, remete ao grego Filos, quer dizer “proposições
diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência
deve estar subordinado”. Portanto, a ciência, ou o conhecimento do
cristianismo, esta subordinada aos princípios pregados por Jesus e seus apóstolos
e deve destes se utilizar sem deturpa-los. Já no verbete “regra”, o mesmo
dicionário revela, entre outras coisas, “estatutos de certas ordens
religiosas”, algo mais condizente com o que ocorre na Sociedade Torre
de Vigia.
Usa-se
em vários pontos o mesmo texto bíblico citado no início, 1 Coríntios 5:11,
como se este fosse o princípio, a base legal, a “proposição diretora” do
cristianismo para as atitudes desrespeitosas aos direitos individuais dos seres
humanos devidamente infringidas pela Sociedade neste assunto. Mas isto é
correto?
O apóstolo Paulo revela o motivo de sua indignação contra o que ocorria em Corinto no versículo 1 do mesmo capítulo 5:
“Realmente, relata-se entre vós fornicação, e fornicação tal como nem há entre as nações, que certo [homem] tenha por esposa [a] de [seu] pai”.
Falava
então Paulo de coisas horríveis, sexo imoral, talvez até incesto, tudo isso
dentro da congregação cristã, com permissão dos demais cristãos, sendo que
os fornicadores eram até mesmo pessoas “respeitáveis” e destacadas.
Ademais, nos versículos 11 e 13, Paulo enumera os pecados passíveis de expulsão
de forma inequívoca, não dando margem a outras interpretações ao citar
“fornicadores”, “gananciosos”, “idólatras”, “injuriadores”,
“beberrões” e “extorsores”. Os praticantes de tais coisas eram
praticantes dos “frutos da carne” e deviam ser expulsos. Este é o princípio
bíblico, esta é a proposição diretora de uma organização que deseja seguir
os passos dos primeiros seguidores de Jesus Cristo. Incluir entre estes os que não
culpados de tais práticas e que por vontade própria decidem sair de uma
organização como a própria Sociedade Torre de Vigia, é ir “além das
coisas escritas”, é apenas criar regras não baseadas em princípios bíblicos,
mas apenas idéias e ensinamentos de homens.
Existem
outros textos bíblicos que são usados para apoiar as regras impostas pela
Sociedade. Um deles é citado no mesmo artigo do Ministério do Reino, é Mateus
18:17, onde Jesus diz:
“Seja [aquele que foi expulso] para ti apenas como homem das nações e como cobrador de impostos”.
Se
porém, observarmos o contexto do versículo 17 do capítulo 18 do livro de
Mateus, veremos que Jesus estava dissertando sobre a necessidade de buscar as
“ovelhas perdidas”, quer dizer, procurar aqueles de quem se sabe serem
pecadores para prestar ajuda, daí, se a ajuda fosse recusada e o pecador fosse
impenitente, devia ser expulso. Conforme as palavras de Jesus, apenas após a
constatação da prática do pecado e após a expulsão, aquela pessoa seria
considerada como “homem das nações”, nunca antes disso ou por qualquer
outro motivo.
Se
folhearmos a Bíblia algumas páginas para trás e lermos o que diz Mateus
7:1,2, poderemos ver que Jesus, ao contrário do que nos tenta fazer enxergar a
Sociedade Torre de Vigia, tinha uma posição clara sobre pré-julgamentos ou
acusações levianas:
“Parai de julgar, para que não sejais julgados; pois, com o julgamento que julgais, vós sereis julgados; e com a medida com que medis, medirão a vós”.
O simples fato de alguém se sentir compelido a deixar de ser uma das Testemunhas de Jeová e solicitar dissociação, não deveria ser motivo para que esta pessoa seja tratada como culpada de grave pecado, não necessariamente. Pode ser que alguns busquem um tipo de liberdade que permita o usufruto de uma vida imoral ou desonesta sem ser incomodado, mas não se pode generalizar. Muitos foram levados a se dissociar por não concordar com as diretrizes da organização, ou por não mais crerem nas promessas do Corpo Governante, ou ainda por não se sentirem mais à vontade dentro de uma religião que comete tais abusos. isto não significa que se tornaram "mundanos" no sentido pejorativo da palavra como usado pela Sociedade. Não significa que se tornaram violadores dos preceitos bíblicos, nem que deixaram de Crer em Deus ou coisa parecida. Significa apenas e tão somente que resolveram deixar uma organização religiosa, por isso, é uma imensa injustiça e uma violação clara dos direitos humanos universais impedir estas pessoas de associar-se com seus amigos e, principalmente, com seus familiares. Infelizmente estas são as regras impostas pelos que dirigem aquela que se considera a "religião de Deus".