Os Donos do Poder |
Bilhões de pessoas
nasceram, viveram e morreram na terra, a quase totalidade destes como anônimos
da história, coadjuvantes para pouquíssimos atores principais, raros nomes que
obtiveram destaque em algum tipo de atividade ou com algum tipo de fato
histórico. Dentre
estes poucos protagonistas, um grupo ainda menor revelou possuir um dom
especial que os tornou ímpares entre os homens de destaque na história.
Que
similaridade haveria entre Adolf Hitler e Mahatma Gandhi? Nenhuma, seria a resposta lógica,
Ghandi foi um pacifista, um ativista da não-violência, por outro lado Hitler foi um
belicista, usou as armas como instrumento de realização para seus delírios de
expansão da Alemanha e provocou a maior de todas as guerras, um derramamento de sangue
sem precedentes na história. No entanto, na personalidade de ambos havia um
mesmíssimo dom, aquele dom especial, aquela característica
singular e rara entre os homens, que é a capacidade de captar e atrair a atenção dos que
os ouviam, mais que isso, impregnar suas mentes com suas mensagens e idéias, e,
com sua personalidade carismática e magnetismo irresistível, fazer com que
passassem a obedecê-los e aceitá-los como seus líderes, a capacidade de
transformar ouvintes em seguidores fiéis de suas idéias, em alguns casos para o
bem, mas na maior parte das vezes para o mal, enfim, o poder inebriante de
influenciar, convencer, dominar e manipular o seu semelhante.
Winston Churchill | Vladimir Lênin | Josef Stalin | Mao Tsé Tung | "Che" Guevara | Fidel Castro |
Sim, alguns destes
homens foram
líderes militares e ditadores que se impuseram pela força das armas e pelo
terror, mas não podemos esquecer que antes de tudo, no início, precisaram
influenciar e convencer homens, grupos poderosos e formadores de opinião,
arrebanhar um grande número de seguidores e exercer uma liderança indivisa sobre
estes, para então ampliar os seus domínios e suprimir eventuais opositores.
Os dois primeiros
presidentes da Watchtower Society (Sociedade Torre de Vigia) possuíam as
características mencionadas anteriormente, guardadas as devidas proporções, com
relação ao mundo das Testemunhas de Jeová.
Charles Taze Russell foi o
fundador da base doutrinária que originou a atual religião conhecida como
Testemunhas de Jeová e primeiro presidente da sociedade jurídica que controlava
os interesses desta, a Watchtower Bible and Tract Society of Pensylvannia. Com
seus recursos de oratória, seu carisma pessoal, sua habilidade para envolver e
encantar os ouvintes com suas idéias sobre diversos temas bíblicos, Russell
conquistou a admiração e a liderança sobre um pequeno grupo inicial formado em
torno de sua pessoa. Russell sabia no entanto, que a comunicação verbal era
restrita, e que para atingir um crescimento maior no número daqueles que o
seguiam, o meio de comunicação impresso seria muito mais eficaz. Desta maneira
revelou-se mais uma vez como um ótimo comunicador, utilizando-se da revista The
WatchTower (A Sentinela em português), que passou editar em 1879 e de cujos
textos era único autor, além de inúmeros compêndios contendo seus entendimentos
sobre diversos aspectos das profecias bíblicas, Russell conquistou milhares de
adeptos em todo o país (EUA) e em muitos outros países onde suas publicações
foram impressas.
A adoção de “colportores”
(semelhantes aos pioneiros modernos), pessoas que dedicavam uma grande
quantidade de horas por mês na pregação, divulgando os ensinos básicos de
Russel e distribuindo exemplares das publicações da Watchtower Society, a
utilização do recém inventado e atrativo sistema de projeção de imagens com o
“Fotodrama da Criação”, bem como o grande esforço pessoal do próprio Russell ao
viajar constantemente fazendo discursos, palestras e participando em debates
com outros líderes religiosos, impulsionou o crescimento daqueles que se
autodenominavam “Estudantes da Bíblia”. Ao morrer em 1916, Russell deixava
prontas as bases para a sobrevivência de sua obra, a saber, milhares de adeptos
e uma sociedade jurídica sólida com um bem estruturado parque gráfico.
Joseph
Franklin Rutherford, mesmo
não sendo o preferido de Russell, foi o seu sucessor e segundo presidente da
Watchtower Society. Mesmo com um estilo completamente diferente de seu
antecessor, Rutherford tinha o mesmo poder de convencimento que caracteriza os
líderes citados no início, conseguiu se impor entre aqueles que viram na morte
de Russell a oportunidade de assumir o comando da sociedade, dominou alguns os
transformando em seus aliados e expulsou os demais que permaneceram resistentes,
passando a governar com mão-de-ferro o seu pequeno império.
Os devaneios de Rutherford
eram iguais ou ainda maiores que os de Russell, levando-o muitas vezes a erros
grotescos, como a previsão sobre o fim deste sistema de coisas em 1925 e a
ridícula idéia de construir um palacete para receber vários nomes notáveis da
Bíblia ressuscitados. Sua imponência como orador, sua forte presença pessoal e sua capacidade de influenciar as pessoas
com suas pretensões proféticas, mantiveram o ritmo de crescimento acelerado da religião nas décadas de 1920 e
1930. Foi sob sua liderança que as Testemunhas de Jeová adotaram este nome e
foi estabelecido que apenas 144.000 “ungidos” seriam levados para o céu,
enquanto uma “grande multidão” de milhões de pessoas teria como esperança uma vida eterna na terra
como seres de carne-e-ossos.
Rutherford, assim como
Russell, era centralizador e não admitia divisão de poder ou de “inspiração
divina”, todas as doutrinas desta época originaram-se exclusivamente dele
próprio e da forma como ele interpretava os textos bíblicos relativos a estas
doutrinas. Sem dúvida sob seu comando as Testemunhas de Jeová aumentaram em
número de forma prodigiosa, a Watchtower Society tornou-se uma organização
consolidada não somente nos Estados Unidos, mas também em muitos outros países
do mundo. Estender a obrigação de “pregar e fazer discípulos” a todas as
Testemunhas de Jeová individuais e não somente alguns à “colportores”, usar
habilmente o primeiro meio de comunicação de massa - o Rádio - na divulgação de
seus ensinos, foram os trunfos estratégicos de Rutherford para atingir este
objetivo.
Portanto, Charles Taze Russell e Joseph Franklin Rutherford, os homens que fundaram e prepararam os alicerces sobre os quais está hoje apoiada a poderosa organização Sociedade Torre de Vigia, eram homens especiais, diferentes dos homens comuns e mesmo daqueles que sobressaem-se em outras atividades, eram homens de poder, o poder de dominar outros homens.
O VÁCUO DO PODER
Um exemplo recente que pode ser citado é o do ex-líder iugoslavo Josip Broz, mais conhecido como Marechal Tito. Durante a II Guerra Mundial, Tito, croata de nascimento, organizou o grupo guerrilheiro Partizan e resistiu a ocupação nazista na Iugoslávia, terminando por expulsá-los em 1943. Após o término da guerra, o Marechal Tito montou um verdadeiro quebra-cabeças ao organizar a nova Federação Iugoslava, formada por seis republicas relativamente independentes: Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia e Eslovênia e duas regiões autônomas: Kosovo e Voivodina; três línguas oficiais: servo-croata, macedônio e esloveno, fora os dialetos; três correntes religiosas: catolicismo ortodoxo, catolicismo romano e islamismo, além de inúmeras etnias diferentes. Com seu carisma e poder de influência, Tito costurou essa colcha de retalhos transformando-a num país que apesar de comunista era independente da URSS e mesmo assim com um padrão de vida muito superior aos dos demais países do leste europeu. Durante 35 anos, Tito governou com firmeza e manteve apagados os pavios que poderiam mandar pelos ares o barril de pólvora que eram os sentimentos nacionalistas e as tensões entre as diversas facções étnico/religiosas que formavam a Iugoslávia. Todavia, ele não preparou ou pelo menos não encontrou alguém em condições de impedir a solução de continuidade no comando após a sua morte em 1980, o resultado todos nós conhecemos.
A Watchtower Society sofreu um pequeno abalo com o vácuo de poder criado devido a morte de Charles T. Russell, tanto é verdade que muitos dos seguidores, chamados de russelitas, não reconheceram a Joseph Rutherford como seu sucessor e recusaram sua liderança, criando outras denominações religiosas que subsistem até hoje, no entanto Rutherford conseguiu equilibrar o barco e mantê-lo sob seu domínio sem grandes avarias, ao mesmo tempo em que concentrava o poder em suas mãos por diminuir a importância dos ensinos de Russell na vida de seus seguidores. O problema maior viria com o seu falecimento em 1942.
Nathan Homer Knorr foi alçado da vice-presidência para o posto de comando da Watchtower Society. Homem burocrata com funções administrativas, uma frase resume com perfeição a personalidade de Knorr:
"Quase tão apelativo como uma sopa de
ervilhas".
(As
Cinco Eras Presidenciais na História das Testemunhas de Jeová, por Randall
Watters - tradução: Osarsif)
Com quase nenhum carisma e atrativo, requisitos fundamentais para um líder espiritual, Nathan Knorr era no entanto esperto e hábil como homem de negócios, e provavelmente conhecia muito bem aquele velho ditado: 'mente vazia é oficina do diabo', tanto que tratou de arrumar tarefas para seus companheiros da diretoria da Sociedade, a fim de que não tivessem tempo sobrando para pensar bobagens. Primeiro designou Frederick W. Franz como profeta oficial das Testemunhas de Jeová e "erudito grego" para coordenar a tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, depois iniciou um trabalho em ritmo frenético visando o crescimento da organização em todo o mundo, com a formação de escolas de missionários e investimentos em novas filiais. Foi uma época de ostentação de grandeza, culminando com gigantescos congressos em diversos estádios nos EUA, perfeitas obras de marketing para os olhos deslumbrados dos novos adeptos em outros países, principalmente os menos favorecidos economicamente.
Knorr certamente gostaria de possuir os mesmos poderes de domínio mental revelados por Russell e Rutherford, mas era realista e sabia que não os tinha, então usou o que tinha de melhor, seu talento de administrador e seu tino comercial. Sabia que só conseguiria manter-se solitário no comando se apresentasse números expressivos de crescimento e de fluxo constante de recursos para o quartel-general de Brooklyn e foi exatamente isso o que produziu, com um extensivo programa de viagens ao redor do mundo para organizar as filiais, construções e aquisição de edifícios, novas gráficas, multiplicando por dez o número de Testemunhas de Jeová em relação aos que haviam na época de Rutherford.
Tudo isso foi insuficiente, o poder nato de influenciar, convencer e dominar o semelhante, ausente no presidente Nathan Knorr, não tardaria em cobrar seus dividendos. Apesar de permanecer até a morte em 1977 como presidente da Watchtower Society, desde alguns anos antes seu cargo era apenas simbólico, sendo na prática apenas membro de um grupo de homens que tomava as decisões em conjunto, o Corpo Governante, formado inicialmente pelos diretores da Watchtower Society e posteriormente acrescido de alguns outros membros convidados. Knorr morreu frustrado com a perda de poder de decisão nos seus últimos anos à frente da organização, mas na realidade em nenhum momento conseguiu exercer um comando despótico similar ao de seus antecessores.
(segunda parte: A Divisão do Poder)