Recentemente,
mais precisamente na revista A Sentinela, edição de 1o. de junho de
2003, ocorreu mais uma alteração significativa em uma doutrina
importante das testemunhas de Jeová. Trata-se do retorno ao anonimato de
uma figura bastante conhecida e citada pelas testemunhas em suas palestras
na pregação de casa em casa: A imagem
da fera. Aquela que foi, durante anos, identificada
como a Organização das Nações Unidas, a ONU. Aquela que, no
ensinamento do corpo governante das testemunhas de Jeová, era o agente
aglutinador usado por Satanás, o diabo, para unir as nações, as feras
políticas da terra, num único objetivo a ser visualizado em breve: um
ataque ao “povo de Deus”, óbvio que aqui se referem às próprias
testemunhas, que seria o detonador da batalha final, o Armagedom.
Porém, o nosso objetivo neste artigo, não é discutir os valores
envolvidos, nem tampouco analisar a capacidade “profética” dos homens
que dirigem ou dirigiram a organização das testemunhas de Jeová.
Queremos tocar em um ponto interessante que é, ao mesmo tempo, assustador
e preocupante. Nos referimos a reação ou a maneira como a testemunhas de
Jeová encaram estas mudanças em doutrinas importantes, tão importantes
que muitas destas testemunhas passaram décadas de suas vidas ou vidas
inteiras pregando-as como sendo uma verdade insofismável, como sendo algo
que acreditavam, pois ensinavam com convicção e fé.
Pois bem, assim como nos casos anteriores, onde outras doutrinas
fundamentais foram mudadas sem prévio aviso, no caso desta súbita mudança
no status da ONU, que deixou de ser uma organização demoníaca para ser
apenas uma organização secular, talvez até benéfica para o mundo,
parece que o corpo governante conseguiu limpar mais um “erro do
passado” sem grandes abalos ou pelo menos sem o “terremoto” que isso
poderia causar. É evidente que entre as testemunhas de Jeová mais
esclarecidas ou pelo menos entre as mais não-conformadas, muitas devem
estar frustradas e, talvez, algumas até mesmo estejam questionando mais
fortemente a mudança de foco. No entanto, nota-se que a grande maioria, a
“massa de manobra” do corpo governante continua intacta e sem maiores
danos.
É inevitável perguntar: Será que não perceberam? Será que crêem
verdadeiramente que o corpo governante aprimorou o entendimento anterior
das profecias?
Não se pode negar que uma mensagem pode ser bem ou mal recebida, apenas
pela maneira com que é formulada ou redigida e depois apresentada e isso
independe do conteúdo que ela carrega. São incontáveis os exemplos de
mensagens que apresentavam esta característica na história. Porém vamos
ilustrar isso de maneira bem simples, simplória até, usando algo do
cotidiano de muitas pessoas. Há algum tempo, aqui no Brasil, fomos
obrigados a nos adaptarmos a um racionamento de energia brutal, que
obrigou as pessoas a tomar diversas ações no sentido de economizar
energia. No caso de prédios residenciais, muitos condomínios se viram na
necessidade de desligar os elevadores definitivamente ou durante certos
períodos de tempo, para conseguir atingir as metas de redução de
consumo. É lógico que uma mensagem do tipo:“este
elevador estará desligado entre x e y horas” seria
extremamente antipática e irritante, principalmente para aqueles que
teriam de subir dezenas de degraus até a sua porta. Entretanto, se a
mensagem conter algo mais, tipo:
“Em
virtude do racionamento de energia imposto pelo governo federal e com
objetivo de atingirmos a nossa meta de consumo e evitarmos cortes de
energia, estaremos desligando este elevador entre x e y horas”.
Muito diferente não? A mensagem é a mesma, os degraus estão todos lá e
deverão continuar a ser vencidos pelos que querem entrar em casa, mas a
maneira com que os moradores encaram a dificuldade muda radicalmente.
Sabem que fazendo algum esforço problemas maiores podem ser evitados,
como o corte definitivo de energia por exemplo, ameaça colocada bem visível
entre as palavras.
O corpo governante conseguiria ser ainda melhor do que isso, porque usaria
ainda outros motivadores inseridos no texto. Vejamos como seria a mesma
mensagem se fosse redigida por eles:
“Ao passo que os outros condomínios estavam
esbanjando, nós já há tempos somos exemplos de uso racional da energia,
mantendo nosso consumo sob controle. Falta muito pouco para atingirmos
nossa meta, basta subirmos pela escada entre x e y horas”.
Note-se que o texto é muito motivador, destaca que os moradores daquele
condomínio são de alguma forma melhor do que os demais, além de mostrar
que “falta pouco” para algum objetivo, o que é sempre motivador em
qualquer circunstância. E, importante, indica que o caminho é subir a
escada no período determinado, porém não deixa claro se o elevador vai
estar desligado, fazendo com que o morador fique constrangido de
“testar” se o elevador está ou não desligado mesmo, afinal, ninguém
quer receber a culpa em caso de não se atingir o objetivo proposto.
É exatamente isso que fazem os homens que dirigem a organização das
testemunhas de Jeová, quando perpetram mudanças radicais de doutrinas
como a que nos referimos no início. Um parágrafo inserido num texto, com
sutileza, normalmente em um artigo de estudo da A Sentinela. Uma introdução
deixando claro a diferença entre o ensino das testemunhas de Jeová em
comparação com os ensinos “falsos” das demais religiões,
evidenciado numa alegada capacidade de interpretar melhor as escrituras,
justamente porque “estão com a verdade”. Palavras motivadoras, sempre
sobre o fim próximo, sobre as bençãos que o reino de Deus trará, sobre
os benefícios advindos de manterem-se firmes e íntegros, isto é, sob a
ótica das testemunhas, manterem-se fiéis a Deus. Isso numa tradução
simples, quer dizer apenas manterem-se fiéis as determinações do corpo
governante, sejam elas quais forem.
Desta maneira, a imensa maioria das testemunhas de Jeová nem se apercebe
que acabou de deglutir uma mudança enorme em alguma doutrina importante
e, provavelmente, só saberá que a mesma ocorreu quando for corrigida por
alguém mais observador, talvez dirigindo algum estudo bíblico
domiciliar, ou no serviço de campo. Então será tarde demais, pois ao
ser surpreendida em algum engano doutrinal, a testemunha em vez de
questionar o corpo governante, o originador da mudança, questionará a si
mesma por ter sido relapsa e não ter notado alguma modificação. A
pergunta que soa terrível: “mas o irmão(ã) não leu na Sentinela?”,
soterrará qualquer chance de questionamento e a testemunha aceitará
passivamente a “nova luz”. Em tempo, qualquer testemunha de Jeová tem
pesadelos com a possibilidade de deixar transparecer que perdeu algum
ponto do estudo ou da leitura das revistas e em ser surpreendido ensinando
algo desatualizado com as diretrizes do corpo governante.
Isso não significa, absolutamente, que não exista entre as testemunhas
pessoas perspicazes, que se apercebem das mudanças e tem consciência de
que o corpo governante está tentando os levar ao engano, a crer em algo
sem base, muitas vezes sendo apenas tentativas espertas de apagar antigos
delírios proféticos dos homens que já dirigiram a organização no
passado. Entretanto, na maior parte destes casos, a testemunha de Jeová
está “amarrada” a diversos aspectos que precisam obviamente ser
levados em consideração, tais como: famílias, parentes, amigos, etc.
Elas sabem que se contestarem o “novo ensino” vindo do corpo
governante, serão simplesmente taxados de fracos na fé e se insistirem
nisso, muito provavelmente serão desassociados por apostasia, que
significa basicamente, no dicionário das testemunhas, deixar de acreditar
incondicionalmente no corpo governante e, indo além, permitir que outras
testemunhas saibam disso.
É isso o que acontece em inúmeros casos, milhares deles. A pessoa
descobre o equívoco nos ensinos, mas prefere continuar calada, guardando
dentro de si mesma o desejo de expor seus pensamentos, sabendo das conseqüências
que sobrevém àqueles que deixam transparecer, mesmo minimamente,
qualquer tipo de questionamento em relação ao que foi revelado na última
“nova luz”.
Alguns estão tão habituados com o sistema existente entre as testemunhas
de Jeová e se fecharam de tal maneira dentro do seu casulo pessoal,
mantendo a mente isolada de outras opiniões “de fora”, que aceitam
tudo que vem do corpo governante com resignação, repetindo o bordão bem
conhecido: A organização é perfeita, mas os homens que a dirigem são
imperfeitos. E em grande parte destes casos, infelizmente, isso é apenas
uma maneira de fugir do confronto íntimo, por não verem outra
alternativa de vida que não a de serem testemunhas de Jeová.
Portanto, as perguntas formuladas acima não possuem respostas simples e
diretas. Há uma grande maioria de testemunhas que nem percebem as mudanças
nas doutrinas e ensinos ou então, nem se preocupam em pesquisar e
verificar se houve ou não, uma razão concreta para a mudança. Muito
menos deixam de acreditar que o corpo governante é formado por
“ungidos” de Jeová e que irradiam a Sua verdade. É triste que aconteça
desta maneira, entretanto, em outras religiões isso também ocorre na
mesma proporção, quando não em quantidades até maiores. O mais deplorável
e desolador, é notar que também existe aquela parcela de pessoas que
citamos acima, que tem discernimento, que se apercebem das coisas
equivocadas, que sabem dos erros do corpo governante, mas são
praticamente obrigadas a se manter entre as testemunhas de Jeová, porque
já estão tão envolvidas que, se saírem, pagarão um preço altíssimo
pela escolha.
Finalizamos com outra pergunta:
Onde
está o livre-arbítrio, numa religião que expulsa e destrói a reputação
daqueles que ousam fazer uso dele?
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