Existe justi�a nas comiss�es judicativas?

Luiz Lopes


 

� comum, qualquer testemunha de Jeov� conhece e sabe do que se trata mas nunca � demais explicar o que � uma comiss�o judicativa e qual a sua fun��o. Como o pr�prio nome j� declara, � uma comiss�o de tr�s ou mais anci�os de uma congrega��o, que se re�ne com algu�m que porventura tenha cometido algum pecado grave, pass�vel, portanto, de ser desassociado, quer dizer, expulso da congrega��o, deixando de ser considerado como uma testemunha de Jeov� e sendo, a partir de ent�o, ignorado, nem mesmo sendo cumprimentado pelas outras testemunhas enquanto estiver nesta condi��o. Uma pena terr�vel, que interp�e um muro de isolamento entre amigos, parentes e at� mesmo entre pais e filhos.

A Sociedade Torre de Vigia, que nos �ltimos meses mudou a sua denomina��o para Associa��o Crist� das Testemunhas de Jeov�, mas que n�s - por sabermos os motivos reais da mudan�a - preferimos continuar chamando pela forma antiga, diz ser biblicamente correta a atitude de semelhante julgar, e por vezes condenar, semelhante. Baseia-se ela em alguns textos b�blicos, mas n�o �, no momento, nossa inten��o questionar a validade ou n�o da aplica��o de tais textos, nosso objetivo � questionar a capacidade de um anci�o ou de alguns anci�os que apesar de serem, na maioria, homens experientes e maduros, s�o apenas isso mesmo, homens, t�o imperfeitos e pecadores como qualquer outro. � muito importante discutir isso, pois nas m�os de muitos destes homens, deposita-se o futuro e a vida de um grande n�mero de testemunhas de Jeov�, que, por qualquer motivo, estejam sujeitas ao seu julgamento.

O KS (sigla do ingl�s Kingdom School), o Manual da Escola do Minist�rio do Reino, ministrado aos anci�os e livro de orienta��o para casos como o da forma��o de comiss�es judicativas e outros, tr�s algumas orienta��es bem interessantes sobre o tema. Na p�gina 113, segundo t�pico, diz-se:

�Nem a gravidade do erro nem a m� publicidade determinam em �ltima inst�ncia se a pessoa deve ser desassociada; em vez disso, o fator determinante � o arrependimento sincero, ou a aus�ncia dele, da parte da pessoa�.

 O texto � claro, mas queremos ressaltar que � dito que, �a gravidade� ou a �m� publicidade�, ou seja, o fato de mais pessoas na congrega��o saberem do fato, � o que vai determinar se a pessoa ser� ou n�o desassociada. O fator determinante � o �arrependimento�.

Na p�gina 114, o KS fornece mais orienta��es:

�Os anci�os devem ser capazes de discernir o genu�no arrependimento da parte do transgressor�.

Pergunta: Como poder� um homem, comum, imperfeito, reconhecer tra�os de arrependimento genu�no em outra pessoa?

Na seq��ncia, na pr�pria p�gina 114, o KS passa a fornecer orienta��es sobre como identificar um �genu�no� arrependimento, no sub-t�pico �Como se pode reconhecer o verdadeiro arrependimento�, onde se diz:

�Tem a pessoa orado contritamente (de forma arrependida) a Jeov� e procurado seu perd�o e miseric�rdia?�

Por�m, logo a seguir, o KS tr�s a seguinte palavra de cautela:

�Alguns transgressores, embora estejam arrependidos, acham dif�cil orar�.

Deveria ser uma regra de f�cil aplica��o, se a pessoa n�o est� fazendo ora��es n�o h� arrependimento, mas n�o � assim, admite-se que existem exce��es, ela pode n�o estar orando apenas porque se sente impr�pria para orar e, ao mesmo tempo, estar arrependida. Ent�o, como pode um homem ou um grupo de homens, chamados de anci�os, definirem com exatid�o se o arrependimento � genu�no ou n�o? E se n�o conseguirem definir e cometerem uma injusti�a, apenas uma que seja, j� n�o seria algo conden�vel?

O KS prossegue com suas orienta��es:

�Admitiu sua transgress�o, quer voluntariamente a alguns dos anci�os antes da audi�ncia, quer quando confrontada com seus acusadores?�

Nova palavra de cautela:

�Algumas pessoas ficam t�o profundamente envergonhadas que relutam em falar. Ou t�m dificuldades em se expressar�.

Pois bem, confessar o erro e admiti-lo seria uma maneira de demonstrar arrependimento conforme o KS, por�m, o mesmo reconhece que algumas pessoas podem sentir vergonha de admitir perante outros o seu pecado e, mesmo assim, estar profundamente arrependida no seu �ntimo. Como poderiam alguns homens, apenas com olhos humanos, penetrar no �ntimo de uma pessoa, vasculhar seu cora��o e obter a resposta?

Na p�gina 115, o Manual tr�s uma pergunta que obriga a uma an�lise muito mais do que superficial do estado de uma pessoa quando sujeita a uma comiss�o judicativa:

�O que parece motivar a tristeza, o remorso e o pesar que demonstra? � a tristeza do mundo (pesar por ter sido apanhada) ou � a tristeza piedosa, sincera?�

Imaginemos a cena: A pessoa chora perante uma comiss�o judicativa, demonstrando tristeza e pesar. Como determinar se a tristeza � motivada pelo fato de ter sido descoberta no seu erro, ou se � devido a uma tristeza �piedosa e sincera�? � sem d�vida uma tarefa sobre-humana, inadequada para ser atribu�da a simples homens, incapazes de identificar detalhes relacionados aos sentimentos �ntimos de uma pessoa, que s� poderiam ser avaliados por Deus, que, como mostra a B�blia, conhece intimamente a cada um de n�s.

Existem dois casos relatados na B�blia, similares por se tratarem de desobedi�ncia aos princ�pios divinos, mas cujo tratamento dado por Deus foi diferente. Na realidade, poder�amos dizer que para n�s, seres humanos, o julgamento de Deus nos dois casos � incompreens�vel, justamente por n�o termos a capacidade de avaliar os sentimentos �ntimos de outro ser humano semelhante a n�s.

O primeiro caso � o de Mois�s, cuja obedi�ncia �s ordens de Deus � plenamente comprovada pela sua atua��o em vida. Abdicou de uma posi��o privilegiada na corte do fara� do Egito para liderar o povo de Israel rumo � terra prometida e era conhecido com �o mais manso dos homens sobre a face da terra�. Vez ap�s vez, mesmo sob intensa press�o, Mois�s defendeu os interesses do povo escolhido por Deus e por fim o pr�prio Deus, quando este povo foi relapso quanto a prestar a Ele a adora��o devida. Vagou durante 40 anos no deserto, tendo atr�s de si mais de tr�s milh�es de israelitas, com todos os problemas inerentes a um grupo t�o grande de pessoas. Ele, no entanto, sempre foi fiel �s orienta��es recebidas e conseguiu manter o povo organizado e com um objetivo definido. Por�m, pouco antes de atingir este objetivo, Mois�s cometeu um erro. Ap�s enfrentar tantos reclamos e problemas ocasionados pelos israelitas, Mois�s, ao providenciar �gua por bater com o seu cajado em um rochedo, n�o deu honra a Deus pelo jorro de �gua que brotou da rocha e acabou por atribuir, de forma intr�nseca a si mesmo, o milagre.

O julgamento de Deus foi duro, dur�ssimo. Mois�s, que tanto sofreu e lutou para retirar o povo de Deus do Egito, que foi exigido ao m�ximo por ficar tanto tempo no deserto, mantendo a uni�o em torno do objetivo, iria, conforme a decis�o de Deus, poder apenas olhar, mas n�o poderia entrar na terra prometida. Duro, mas foi assim que ocorreu. Mois�s viu, de longe, mas ficou para tr�s enquanto os israelitas entravam na terra que por tanto tempo sonharam.

O segundo caso � o do rei Davi, cuja integridade � tamb�m igualmente conhecida. Davi foi escolhido diretamente por Deus para ser rei em Israel e sempre primou pela obedi�ncia �s leis de Deus. Davi tinha muitas esposas, conforme permitido por Deus, por�m um dia, ao observar de seu terra�o, viu uma mulher de nome Bate-Seba, e ficou encantado com sua beleza. Ocorre que ela era esposa de um de seus generais que estava fora numa batalha, mas Davi estava totalmente envolvido pela paix�o e n�o pensou nas conseq��ncias, terminando por ter rela��es sexuais com Bate-Seba e a engravidando. Desesperado, ele tomou provid�ncias para que o marido dela fosse colocado na linha de frente de batalha para que fosse morto e assim se deu. Caso resolvido, Davi tomou a mulher como sua esposa e esta teve seu filho, aparentemente nenhum arrependimento sincero se fazia notar no rei de Israel.

Apenas quando um profeta enviado por Deus lhe chamou a aten��o � que Davi deu-se conta da grandeza do erro que havia cometido, vindo ent�o a demonstrar arrependimento. A pena aplicada por Deus tamb�m foi dura, a morte do filho originado no relacionamento, mas n�o se compara ao julgamento de Mois�s, j� que Davi continuou vivo e pode continuar com Bate-Seba e ter outros filhos com ela.

Nesse ponto cabe a pergunta: Ser� que n�s, com nossos olhos humanos, ter�amos julgado ambos os casos da mesma forma que Deus? N�o ter�amos n�s, simples homens, talvez aplicado uma pena mais pesada ao caso, aparentemente pior, de Davi, do que ao caso, aparentemente mais brando, de Mois�s? Muito provavelmente a resposta � sim. Entretanto, o julgamento de Deus � baseado no conhecimento das motiva��es �ntimas, nas motiva��es do cora��o, algo que para um ser humano � imposs�vel.

Usando-se estes exemplos e aplicando-os nas atua��es das comiss�es judicativas em casos comuns envolvendo testemunhas de Jeov�, � justo perguntar: N�o estariam, em muitos casos, agindo conforme o que os olhos humanos v�em e n�o conforme o conhecimento das motiva��es do cora��o? � prov�vel que sim, mesmo porque as vari�veis de cada caso, conforme as pr�prias orienta��es do KS, impedem a aplica��o de regras claras e inequ�vocas, que s�o em �ltima an�lise, a �nica maneira de homens julgar outros homens.

Trata-se claramente de uma usurpa��o. Homens que tomam para si mesmo algo que pertence apenas a Deus: O direito de julgar a justos e injustos.



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