Dúvida - Sinal de Falta de Fé?

 

Ser acometido por algumas dúvidas com respeito a autenticidade de algum ensino doutrinal é um sinal de que a fé está diminuindo? Pelo menos nos seus parágrafos iniciais, o artigo "Não permita que dúvidas destruam a sua fé" publicado pela Sociedade Torre de Vigia na revista A Sentinela de  1º de julho de 2001, dá a entender que seria normal uma pessoa ter dúvidas, seria até mesmo salutar que elas existissem. Na página 18, nos parágrafos 3 e 4, sob o tópico "Ter dúvida é sempre prejudicial?" o artigo declara:

Naturalmente, nem todas as dúvidas são prejudiciais. Às vezes, é preciso adiar aceitar algo até que se tenha certeza dos fatos. As exortações religiosas, de que você deve simplesmente acreditar e nunca duvidar de nada, são perigosas e enganosas. É verdade que a Bíblia diz que o amor "acredita todas as coisas". (1 Coríntios 13:7) O cristão amoroso certamente está pronto para acreditar nos que já se mostraram confiáveis. Mas a Palavra de Deus adverte também contra 'pôr fé em cada palavra'. (Provérbios 14:15) Às vezes, o passado de alguém fornece motivos legítimos para duvidar. "Embora [o conversador enganoso] faça a sua voz graciosa", adverte a Bíblia, "não lhe acredite". - Provérbios 26:24,25.

Também o apóstolo João advertiu os cristãos contra crerem cegamente. "Não acrediteis em toda expressão inspirada", escreveu ele. Antes, "provai as expressões inspiradas para ver se se originam de Deus". (1 João 4:1) Uma "expressão", um ensino ou uma opinião, talvez pareça proceder de Deus. Mas veio realmente dele? Ter alguma dúvida, ou deixar de crer nela, pode servir realmente de proteção, porque, como disse o apóstolo João, "muitos enganadores saíram pelo mundo afora". - 2 João 7.

 

Conforme estes primeiros parágrafos do artigo, acalentar dúvidas, principalmente sobre assuntos espirituais e sobre ensinos "aparentemente" inspirados, não seria prejudicial ao cristão. Cita-se inclusive o Provérbio 14:15 que diz integralmente: "Qualquer inexperiente põe fé em cada palavra, mas o argucioso considera os seus passos", deixando claro que a sabedoria está com aqueles que não acreditam piamente em tudo que entra em seus ouvidos, ao contrário, pesquisam, investigam e refletem no assunto para verificar a autenticidade das palavras ouvidas.

A alegria por ler palavras tão verdadeiras e sinceras nestes primeiros parágrafos cria uma falsa idéia do que pretende a Sociedade com este artigo, dá-se a impressão que as Testemunhas de Jeová seriam encorajadas a não recear ter dúvidas sobre ensinos que recebem, mas a leitura do próximo parágrafo põe tudo isso por terra. Sob o tópico "Dúvidas infundadas" o parágrafo 4 reza:

 

Deveras, muitas vezes requer um exame honesto e humilde dos fatos para se saber a verdade. Isto, porém, não quer dizer que se deva deixar criar na mente e no coração dúvidas infundadas e prejudiciais, que podem arruinar nossas firmemente estabelecidas crenças e relacionamentos. Tal dúvida é definida como "incerteza da realidade de um fato ou da verdade duma asserção. Dificuldade para se decidir". Lembra-se de como Satanás pôs na mente de Eva dúvidas a respeito de Jeová? "É realmente assim que Deus disse, que não deveis comer de toda a árvore do jardim?" perguntou ele. (Gênesis 3:1) A incerteza criada por esta pergunta aparentemente inocente interferiu na decisão que ela tomou. Isto é típico dos métodos de Satanás. Assim como aquele que escreve cartas caluniadoras, ele é hábil em usar insinuações, meias-verdades e mentiras. Satanás tem destruído incontáveis relacionamentos salutares e confiáveis por lançar assim dúvidas insidiosas. - Gálatas 5: 7-9.

 

Pronto, já no quarto parágrafo de um artigo com dezoito deles e quatro páginas, a real intenção do assunto está estabelecida: É prejudicial duvidar dos ensinos da Sociedade Torre de Vigia. Esqueça o Provérbio, esqueça os avisos do apóstolo João, estes são sem sombra de dúvida direcionados para outras religiões e outros líderes religiosos, nunca para a Sociedade. O artigo faz uma comparação da Sociedade com o próprio Jeová, pois foi Dele que partiu a ordem de "não comer o fruto" da árvore referida, diretamente por Ele, sem nenhum intermediário. Sua ordem não permitia interpretação dúbia ou errada. Satanás não seduziu Eva por insinuar que ela ouvira erradamente a ordem de Jeová ou que não a entendera, o contexto confirma isso pois Eva diz a seguir: "Do fruto das [outras] árvores do jardim podemos comer". Suas palavras são inequívocas, Eva sabia exatamente qual era a ordem de Jeová, as dúvidas colocadas por Satanás no seu coração não foram sobre o "conhecimento exato" que ela mostrava já possuir do assunto, e sim, sobre uma suposta negação egoísta, por parte de Deus, de permitir algo que era bom para Eva e seu esposo Adão.

Portanto, não cabe aqui uma comparação entre a dúvida colocada por Satanás no coração de Eva e alguma dúvida sobre os ensinos da Sociedade como querem forçar as palavras do parágrafo acima. São duas coisas absolutamente distintas. Eva foi levada a crer que estava perdendo algo bom, ela duvidou da justeza da ordem de Jeová, não de sua origem ou autenticidade. Quanto aos ensinos e doutrinas provindos do Corpo Governante da Sociedade Torre de Vigia, não se pode dizer o mesmo, pois são interpretações acerca de textos divinamente inspirados feitas por homens comuns, dos quais pode-se perfeitamente duvidar, por que não?

Uma frase do parágrafo 3 da revista A Sentinela é muito significativa:

As exortações religiosas, de que você deve simplesmente acreditar e nunca duvidar de nada, são perigosas e enganosas.

 

Partindo-se do pressuposto que isto é uma verdade, e o Corpo Governante o coloca desta forma, quando a Sociedade Torre de Vigia afirma ser detentora do único ensino verdadeiro entre todas as demais religiões, não seria uma "exortação religiosa"? Seguindo esta linha de raciocínio, deveriam as Testemunhas de Jeová "simplesmente acreditar e nunca duvidar de nada" nos ensinos que recebem do Corpo Governante em Brooklyn? Não seria tal atitude "perigosa e enganosa" para elas?

Dois pontos do parágrafo 4 chamam por demais a atenção:

Também o apóstolo João advertiu os cristãos contra crerem cegamente. (...)
Uma "expressão", um ensino ou uma opinião, talvez pareça proceder de Deus. Mas veio realmente dele? Ter alguma dúvida, ou deixar de crer nela, pode servir realmente de proteção, porque, como disse o apóstolo João, "muitos enganadores saíram pelo mundo afora". - 2 João 7.

 

Russell, Rutherford, Franz e de forma geral os homens que fazem ou fizeram parte do Corpo Governante, criaram "ensinos" e "opiniões" e as impressoras da Sociedade Torre de Vigia os publicaram em literaturas que alcançaram milhões de pessoas em todo o mundo que tornaram-se seguidores de tais doutrinas, aos seus olhos estes ensinos "talvez pareçam proceder de Deus". Não é justo porém, exigir destes milhões de crentes "crerem cegamente", uma confiança absoluta isenta de incertezas e dúvidas, não é justo impedi-los de questionar a procedência divina de determinados ensinos, pois isto seria privá-los de algo que "pode servir realmente de proteção" contra ensinos que podem ser equivocados por se basearem em estudos que homens imperfeitos, mesmo que sinceros, fizeram nas Escrituras Sagradas, principalmente profecias temporais, passagens obscuras ou simbologias complexas, onde sem contarem com inspiração divina, valeram-se somente do poder pessoal de dedução. Vale ressaltar que o Corpo Governante reconhece não possuir inspiração divina direta, pelo menos desde a década de 40, após a assunção de Nathan Knorr ao cargo de presidente da Sociedade.

Uma outra frase do terceiro parágrafo também é interessante:

Às vezes, o passado de alguém fornece motivos legítimos para duvidar. "Embora [o conversador enganoso] faça a sua voz graciosa", adverte a Bíblia, "não lhe acredite".

O que nos diz o "passado" da Sociedade Torre de Vigia e de seu Corpo Governante"? Será que existe um registro de sólida infalibilidade nos seus ensinos e interpretações proféticas? Muito pelo contrário, além de uma sucessão de datas falhadas para o advento do armagedom, houveram inúmeros ensinos equivocados, alguns totalmente ridículos, posteriormente alterados, alguns deles mostrados abaixo:

- Proibição do uso de vacinas.

- Proibição de uso de utensílios de alumínio.

- Proibição de uso de todos os componentes sanguíneos.

- Proibição de transplantes de órgãos.

- Afirmativa da ressurreição dos habitantes de Sodoma e Gomorra.

- Identificação da antiga URSS como o "Rei do Norte" na profecia de Daniel.

- Identificação da "última geração" como sendo a que nasceu antes de 1914.

- Separação de "ovelhas e cabritos" na obra pregação.

 

Existem muitos outros equívocos, listamos os acima apenas como exemplos básicos de ensinos que foram colocados como verdades incontestáveis pelos homens que dirigem a Sociedade Torre de Vigia, para depois serem simplesmente abandonados como obsoletos, crenças antigas. Certamente, este conjunto de ensinos errôneos "fornece motivos legítimos para duvidar" da capacidade exaltada pela Sociedade de possuir a única verdade, da qual uma Testemunha de Jeová não deveria nunca sequer permitir uma pequena sombra de incerteza. Muito embora a Sociedade Torre de Vigia "faça a sua voz graciosa", por justificar os erros e as conseqüentes mudanças nos ensinos e interpretações proféticas como novas luzes advindas do esclarecimento progressivo que Jeová dá aos seus servos verdadeiros, não há razões concretas nem base bíblica para que exijam a crença cega aos milhões de pessoas que professam ser Testemunhas de Jeová em todo o mundo.

Parafraseando a introdução do quarto parágrafo do artigo publicado pela Sociedade e referido acima, muitas vezes requer um exame honesto e humilde dos fatos para se saber a verdade, conselho apropriadamente indicado para aqueles que professam outras religiões, porém, definitivamente proibido para aqueles que já são Testemunhas de Jeová, estes já não mais possuem o direito de questionar a legitimidade e procedência dos ensinamentos que recebem, restando-lhes apenas o dever de admiti-los e apoiá-los. Parece que honestidade e humildade não são virtudes destacadas entre os homens que dirigem a organização que as congrega.


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