O Canto do Sabiá e o Pio da Coral
Portas abertas e olhos fechados nas novas perspectivas
de entendimento do Orixá
Thiago Luiz Ferreira Miranda
Já com algum tempo de leituras e pesquisas
incessantes sobre o assunto, a Umbanda me aparece com o curioso aspecto
de religião em formação. Muitas são suas faces. Teses são
apresentadas sobre seus múltiplos aspectos, almejando sempre a
expressão completa, a totalidade das Leis que a regem, ou seja, sua
Codificação.
Do muito e do pouco já dito, aparecem alguns pontos
comuns, a presença das manifestações espirituais de antepassados
culturais brasileiros como o preto-velho, o caboclo, o boiadeiro e
tantos outros que se "manifestam" nos inumeráveis terreiros
espalhados por este Brasil afora. Do uso da magia para fins diversos e
cânticos sagrados (as curimbas), não há terreiro ou tenda que não
possua.
Estamos então diante de um caldeirão fervendo,
chamado Umbanda. Seus mistérios vão desde o seu nome correto uns dizem
possuir origem sânscrita !, passando por sua origem - histórica ou
mítica - e pelos Orixás - quais seus nomes corretos, quais deles devem
ser cultuados e de que forma.
Uma dentre as várias correntes existentes no
movimento umbandista, vem crescendo em aceitação, seja em sua prática
ritualística, seja em sua parte teórica e mesmo no esboço para uma
filosofia na ou da Umbanda. Digo pois da Umbanda Esotérica, cujo
divulgador mais conhecido foi W.W. da Matta e Silva (1917 -1988)
escritor de nove livros sendo que, o primeiro é também o mais
importante deles, "Umbanda de Todos Nós", primeira edição
em 1956.
As dificuldades de entendimento desta raiz estão -
assim como toda a Umbanda - imersos ainda em alguns véus,
principalmente aos novos umbandistas, ou melhor, aos umbandistas que
não tiveram a oportunidade de conviver com os primeiros praticantes
desta religião. Infelizmente eu também não tive esta oportunidade,
não obstante meu espírito intrigado e sedento por conhecimento das
coisas às quais me interesso não me deixam desistir da pesquisa, da
investigação, da procura pelos primórdios desta religião bem como
suas diversas correntes que quem sabe num futuro próximo ou distante
venham a se unir em nome de um conhecimento único ou constituir escolas
de entendimento que apesar de distintas em suas práticas apenas fazem
engrandecer a Umbanda.
Dois problemas lançarei à discussão neste texto. O
primeiro deles é sobre a origem histórica desta Umbanda Esotérica e o
segundo, sobre a mudança paradigmática operada por esta corrente no
entendimento do Orixá, influenciando drasticamente em suas formas de
culto, bem como o ponto arquimediano que vem permitindo esta operação.
Dois motivos principais me impulsionam a publicar
este texto em caminhos virtuais: a busca por novas informações que
possam engrandecer meus conhecimentos e a discussão por parte de todo o
meio umbandista, principalmente os seguidores desta corrente, sobre as
trilhas abertas nas Matas da Jurema por este diferente pensamento
instaurado e nem sempre, creio eu, tão bem analisado ou discutido em
seus alicerces. A sua adoção depende de modificações profundas no
consciencial umbandista e que dificilmente estão sendo percebidas. E se
o canto da Sabiá dentro das Matas da Jurema é sedutor, a picada da
Coral é certeira, venenosa e quase sempre mortal.
Deixo claro que nenhuma das palavras que direi neste
momento em nada afetam a importância dos personagens envolvidos, seja
pelas idéias, seja pela influência que vem exercendo no espírito de
tantos. Meu objetivo único é conhecimento, conhecimento, conhecimento.
Respeitados aqueles que possuem conhecimento. Respeitada é a religião
cujos integrantes tem conhecimento de suas origens e de sua doutrina.
No início deste texto disse que o maior divulgador
da Umbanda Esotérica, teria sido Mestre Yapacani. Ao que nos consta ,
realmente o foi. Mas alguns fatos me levam a crer que apesar de
reconhecida importância, não fora este insigne mestre o iniciador de
tal doutrina dentre o meio umbandista.
No ano de 1941 fora realizado, dos dias 19 a 26 de
outubro, na cidade do Rio de Janeiro, até então capital brasileira, o
Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, com a
participação de médiuns pertencentes a diversas Tendas, almejando por
objetivo a apresentação de teses relacionadas à Umbanda em suas
diversas matizes e interesses (estas teses estão registradas em um
livro editado em 1942 pela Federação Espírita de Umbanda na época
sito à rua São Bento n. 28 - RJ) Dentre elas estava a Tenda Espírita
Mirim cujo delegado representante fora o sr. Diamantino Coelho
Fernandes.
No dia 19 de outubro do transcorrido ano a Tenda
Espírita Mirim apresentava a seguinte tese:
"O Espiritismo de Umbanda na Evolução dos
Povos - Fundamentos históricos e filosóficos".
Eis pequena parte da tese (transcrição literal) :
"O vocábulo UMBANDA é oriundo do sanskrito, a mais antiga e
polida de todas as línguas da terra, a raiz mestra, por assim dizer,
das demais línguas existentes no mundo. Sua etimologia provém de
AUM-BANDHÃ (om-bandá) em sanskrito, ou seja, o limite no ilimitado...
A significação de UMBANDA (o correto seria Ombanda) em nosso idioma,
pode ser traduzida por qualquer das seguintes fórmulas: Princípio
Divino; Luz Irradiante; Fonte Permanente de Vida; Evolução
Constante."
Bem, nos encontramos diante do primeiro problema.
Tais afirmações seriam editadas no ano de 1956 por Pai Matta o qual
requer autoridade intelectual sobre tal tese, não por ter ele mesmo
formulado tais explicações mas como por ele mesmo escrito em Umbanda
do Brasil pag.74 em sua 2ª edição "...essa
Revelação que originalmente nos foi feita pelo Astral
Superior da Lei de Umbanda."
Lembremo-nos que a primeira publicação de seu
primeiro livro " Umbanda de Todos Nós" seria em 1956 ou seja
, aproximadamente 15 anos após o Primeiro Congresso do Espiritismo de
Umbanda. Estamos portanto diante de duas informações, de dois fatos
que não se coadjuvam.
Segundo pesquisas feitas pela Internet existe uma
Federação no Rio de Janeiro tendo por nome Primado de Umbanda que
professa os mesmos conceitos expostos por Mestre Yapacani, quanto à
designação de 7 Orixás ( Orixalá, Ogum, Oxossi, Xangô, Yemanjá,
Yori, Yorimá) bem como a concordância com a origem sanscrita da
palavra Umbanda e o Nheenghatu (língua indígena derivada do Abanheegá,
também indígena) usada com diversas finalidades dentro deste
movimento, por exemplo, quanto à formação de nomes iniciáticos e
mântras sagrados. Ao consultar a bibliografia usada por tal Federação
bem como por todos os terreiros a ela filiados, constatei a não
utilização dos livros de W.W. da Matta e Silva não obstante, dois
livros formam citados como fonte e ambos anteriores a 1956 ou seja,
anteriores à publicação de Umbanda de Todos Nós. Portanto, ou
esqueceram de citar o uso de tal bibliografia, ou realmente estas
explicações são anteriores a W.W. da Matta e Silva.
E curiosamente a entidade fundadora desta Federação
chama-se Tenda Espírita Mirim, cujo fundador sr. Benjamim Figueiredo,
médium do conhecido Caboclo Mirim, mesma entidade que apresentou a tese
sobre as origens sanscritas da palavra Umbanda no Primeiro Congresso
Brasileiro do Espiritismo de Umbanda.
Gostaria que pesquisadores, umbandistas ou não, mas
sinceros e que de fato sejam conhecedores deste momento histórico na
Umbanda possam me disponibilizar informações com as respectivas
"provas" para que possamos traçar linhas mais claras sobre o
desenvolvimento desta corrente na Umbanda. Volto a afirmar que meu
interesse neste momento é única e simplesmente histórico e que
quaisquer afirmações não influenciarão em nada a figura de Mestre
Yapacani, portentoso médium cujo esforços em muito ajudou e ainda vem
ajudando de forma vigorosa o movimento umbandista através de seus
livros, mesmo após 45 anos de suas primeiras publicações e 12 anos de
seu desenlace.Com todas suas bênçãos, Saravá Pai Matta!
Iniciarei neste momento o segundo ponto que me propus
a discutir neste texto, as mudanças operadas pela Umbanda Esotérica no
culto aos Orixás e o ponto arquimediano desta mudança. Peço a partir
de agora um pouco da paciência dos leitores e atenção redobrada, pois
talvez o texto se torne algo mais denso para compreensão.
Nada mais claro nos é hoje que, com a vinda dos
africanos para o Brasil, vieram com eles também a suas religiões.
Estas, com o passar dos tempos e outras causas que não cabe a este
texto discutir se uniram e se amalgamaram constituindo então aquilo que
hoje chamamos de Candomblé. O Candomblé possui como cerne de sua
adoração os Orixás, chamados por uns de Inkices e por outros Voduns.
Estes de modo geral foram antepassados dos povos que para cá vieram,
como por exemplo, Xangô era rei da cidade de Oyó e Ogum da cidade de
Irê. Com uma série de contos sagrados os itán-ifá, que hoje
simplesmente identificamos por "lendas" do candomblé,
constituem todo a base deste sério sistema religioso possuindo
inclusive uma profunda filosofia nos conceitos para entendimento do
Homem e a profunda integração com a Natureza.
Estes mesmos Orixás eram lembrados por seus feitos
quando humanos, e pelos motivos de suas transformações em Orixás. A
transformações destes homens importantes em Orixás por vezes remetem
a uma guerra ou a uma grande paixão, podendo passar por grande ódio ou
desilusão, ou por possuírem poderes de cura. Eram lembrados também
por suas principais características na Terra ( Aye ), como ser justo,
ou brigão, vaidoso, charmoso ou mesmo vingativo. A lembrança destes
Orixás, portanto seus cultos consiste em oferendas destas ou daquelas
comidas, panos de diversas cores, ou bebidas que mais os agradam e isto
também relacionado a todo um sistema de práticas de magias e
curandeirismos daquele povo, ou melhor daqueles povos.
Geralmente estes importantes homens ao se
transformarem em Orixás tornavam-se elementos da Natureza como um rio,
uma árvore, o mar, ou do Orum poderiam ter domínio de uma força
natural como os trovões, as chuvas, as matas. Então podemos ressaltar
que para os povos africanos e também em seus cultos no Brasil, a
ligação dos Orixás é com a Natureza sendo eles próprios os
elementos da Natureza ou Forças Divinizadas dela e não com os astros,
cuja presença em todo o sistema de culto aos Orixás é inexpressiva ou
mesmo inexistente. "Os iorubás como povos da floresta, pouco se
interessam pelos astros, para eles, florestas e rios são mais
importantes que a Lua ou as estrelas." "A morada dos deuses
iorubás, emblematicamente, não fica no céu, mas sob a superfície da
terra." ( Prandi ,R. 2002 ).
Tentarei agora a delimitar o problema que quero
expressar.
A noção da "morada dos Orixás sobre a
superfície da terra" é um conceito importantíssimo para este
culto pois representa, a meu ver, um profundo enraizamento do homem na
Natureza. Tudo está aqui e aos nossos olhos e mãos. Isto é o Orixá,
os rios, o mar, as matas, as folhas e o vento e tudo isto que é a
Natureza é o Orixá. Guardemos claramente isto em nossa mente e
espírito.
Vejamos agora a mudança operada na Umbanda
Esotérica:
Por diversas vezes Pai Matta em seus livros cita o
nome de um pesquisador francês, Saint-Yves D'Alveydre.
Este pesquisador parece ter sido escritor de alguns
livros, dentre eles "L' Archéomètre", ou "O
Arqueômetro". Poucas informações temos sobre o livro ou o autor
mas, sabemos que ele apresenta um alfabeto dito como adâmico ou wattan,
ou seja, um dos ou o primeiro alfabeto surgido entre os homens, segundo
Mestre Yapacani. Sabemos ainda que este arqueômetro permitiu a
ligação entre o dito alfabeto adâmico com os alfabetos hebraicos,
sanscrito e latino, e destes com a numerologia bem como aos signos
astrológicos.
Creio eu que a aplicação que a Umbanda Esotérica
faz é, associar o nome dos Orixás à estas correlações dadas por
Saint-Yves associando o nome do Orixá com suas correspondências
numerológicas e astrológicas e daí a correlação com cores e dias da
semana. Esta nos parece ser a grande diferença existente no ritual da
Umbanda Esotérica. Isto a meu ver implica em drástica mudança ante o
entendimento e culto do Orixá.
O Orixá como anteriormente dissemos, não está
relacionado com o culto das estrelas ou quaisquer outras
correspondências astrológicas, (apoiados estamos sobre pesquisas de
respeitados antropólogos). O Orixá relaciona-se com as coisas da
Natureza e não com a Lua ou as estrelas, segundo a Tradição.
Não que na Umbanda Esotérica a Natureza e seus
reinos, sejam descartados mas tornam-se moradas deste ou daquele Orixá
pelas influências astrológicas que estas exercem sobre este ou aquele
reino. Então a relação do Orixá com a Natureza torna-se secundária
!
Apenas sete tornam-se os Orixás cultuados, Oxalá,
Ogum, Oxossi, Xangô, Yemanjá, Yori, Yorimá, sendo estes dois últimos
termos completamente desconhecidos. Com uma interpenetração um pouco
maior neste estudos e atenção nas leituras conseguimos entender o
surgimento deste dois termos.
Yori é cultuado por todos como Ibeji, são as
crianças, os erês, os populares meninos de angola. Existe uma
discussão se Ibeji é Orixá ou não, mesmo nos cultos africanos onde
parece realmente não ser. Aqueles que queiram se aprofundar nesta
discussão , ver livro Os Candomblés da Bahia , Roger Bastide.
Quanto a Yorimá, peço a licença para a Ordem
Iniciática do Cruzeiro Divino para reprodução de um pequeno trecho do
artigo "Os Sete Grandes Mistérios" publicada na "Revista
Umbanda - Uma Religião Brasileira" em seu número sétimo, mês
maio /junho, do ano 1995, seu autor, William do Carmo Oliveira. Hei-la:
"Yorimá: conhecido nos meios externos da
Umbanda , como Obaluayê, Omulu, Shapanan, Yorimá é o termo sagrado do
Orixá que assim era fonetizado pela Antiga Raça Vermelha. Representa a
terra." .
Apresentando um mito de Obaluaye, que interpretado
sob correlações numerológicas, chega-se a um mesmo valor numérico do
termo Shapanan e Yorimá. Seriam portanto uma mesma força, um só
Orixá.
A explicação dada para tais modificações seria
que, os termos Yorimá e Yori seriam termos litúrgicos esquecidos nas
"noites do tempo", num glorioso passado da humanidade, de
forma pura e límpida estas sete vibrações eram cultuadas. Os mais
habituados a tais leituras verificam que sempre referentes aos termos
Yorimá e Yori, estão vocábulos como, desvelado, reimplantado ou
reaparecido.
Estes mesmos termos constituiriam a "Coroa do
Verbo", isto significa, termos sagrados para a movimentação das
energias. Realmente, existe um mito narrando um nome oculto de Omulu/Obaluaiê,
sendo, por algum motivo, muito perigoso ser pronunciado. Seria Yorimá
!?
Na página virtual do "Primado de Umbanda",
complementar a estas informações, dizem: "... os fundamentos
continuam os mesmos." Será ?
As alterações também estão nas cores que
representam as divindades. Estas anteriormente lembravam d'algum modo o
Orixá e seus feitos ou moradas - por exemplo o verde das matas de
Oxossi, ou o azul dos mares de Yemanjá, na Umbanda Esotérica sob as
correspondências astrológicas tornam em amarelo, Yemanjá, Oxossi em
azul, Ogum em alaranjado e Xangô, verde.
Problemas podem ser identificados; o primeiro
relaciona-se ao ponto arquimediano desta operação, ou seja, o "arqueômetro".
Este livro ou aparelho faz relações entre os alfabetos wattan,
sânscrito, hebraico e latino, não parece fazer diante das línguas e
dialetos africanos. Não havendo a ligação entre estes alfabetos,
improvável se torna a relação. Talvez o motivo de ligar estes termos
litúrgicos africanos a um passado na Índia ou de um antepassado comum
entre eles, expressados por Pai Matta e seus seguidores seja este.
Um último problema que vejo seria que Orixás tão
queridos e importantes como Oxum, Iansã ou Nanã não mais podem
assumir a "cabeça" de um filho, função esta restrita aos
sete Orixás supracitados. Quais funções passam a assumir estes
Orixás? Ou será que, sendas futuras, assim como fazemos nós, também
chorarão termos sagrados, esquecidos nas brumas de um passado áureo,
que incautos reformadores e seguidores pouco vigilantes não souberam
honrar ?!
Espero que não tenha sido eu, pedante ao ponto de
afastar-vos de meus escritos. Também deixo claro que sou
"filho" da Umbanda Esotérica e que minha vivência nesta
religião já trilhada por 6 anos initerruptos de práticas e estudos.
Porém de olhos bem abertos tento caminhar.
Que a beleza do canto do Sabiá e a força presente
na Cobra Coral acompanhem a todos os que por Amor à Verdade caminham
devagar porém firmes.
SARAVÁ UMBANDA !
SARAVÁ TODOS OS ORIXÁS !
SARAVÁ MEU PAI XANGÔ!
SARAVÁ VOVÔ REI CONGO E CABOCLO SR.OGUM BEIRA MAR
QUE ME ILUMINAM!
SARAVÁ!
e-mail:[email protected]
13/09/2002
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