Abstract

A preponderância da imagem nos tempos atuais nos faz repensar os estímulos recebidos em doses altas e nossa real capacidade de reflexão a respeito. O recurso visual traz embutidos valores e sutilezas capazes de conduzir, ao menos em parte, nossas atitudes. Podemos dizer que em todo apelo visual há o aspecto ideológico, ou, similarmente à linguagem falada e escrita, um argumento. A proposta deste artigo é refletir sobre a ideologia existente nas imagens propagadas pela mídia.

 

A imagem nos meios de comunicação: uma ideologia

 

Uma primeira observação sobre o apelo visual é que este tem, até certo ponto, tomado o lugar da palavra. Nota-se uma reverência ao ícone, à imagem de forte impacto e sugestão, a qual aproveita-se da capacidade sintética e portanto, da brevidade, num mundo onde tempo é dinheiro. Inclua-se aí também o forte poder de sedução. A imagem traz consigo um universo de idéias de grande alcance, sem contudo excluir o verbo, uma vez que nos remete ao processo verbal da compreensão; entretanto, prioriza a sedução, como poderá ser observado.

Vale citar que para cada um de nós a apreensão da imagem é passível de diferentes interpretações, isto é, conclui-se contextualizada de forma também individual. Se bem planejado, o recurso visual possui alto nível de comunicabilidade graças a uma série de valores cristalizados nos quais baseamos nossas leituras, ambições, desejos e vontades; ou seja, o uso da imagem nos meios de comunicação vai de encontro aos nossos anseios, quando esses anseios são já resultado de uma série de investidas dos meios de comunicação de massa. Portanto, fica difícil discernir o quê é causa e o quê é efeito.

Na publicidade a informação comunicada é, via de regra, mínima, mesmo porque o nível de comunicabilidade de uma mensagem está inverso ao seu nível de informação. Quanto mais informação, menos comunicabilidade, menor alcance. Por essa razão, os meios de comunicação trabalham cada vez menos a informação e focalizam essencialmente a sedução ao consumo, diminuindo o valor informativo.

A semiologia, que analisa a linguagem não como simples sistema de sinalização mas como "matriz do comportamento e pensamento humanos", tendo por objetivo "a formulação de um modelo de descrição desse instrumento através do qual o homem enforma seus atos, vontades, sentimentos, emoções e projetos", como cita J. Teixeira Coelho Netto em "Semiótica, Informação e Comunicação" nos ajuda a observar e avaliar esse mundo codificado e em constante mutação no qual inferimos e, na qualidade de participantes e simultaneamente observadores, buscamos a consciência dos mecanismos dos quais fazemos parte.

Levando em conta certos aspectos práticos, pode-se afirmar que a aura conotativa das imagens atinge diferentemente um grande público e promove uma sofisticada política ideológica, qual seja, primordialmente, a política de consumo. De forma muitas vezes inconsciente, o público absorve valores sociais e uma ideologia de vida. Com base em certos paradigmas psicológicos, o ter sobrepõe-se ao ser. Vejamos alguns pontos:

Primeiramente, conforme registra Jean Baudrillard em O Sistema dos Objetos (1968), o sistema econômico de crédito possibilitou o consumo anterior à produção, conduzindo a sociedade a um apetite material jamais saciado. A facultação da posse prévia à produção fomenta então um estilo de consumo desenfreado e a ilusão da conquista material como a base do sucesso de uma sociedade.

Apesar de todo objeto ser passível de perda, como por exemplo uma casa durante um terremoto, ou pertences pessoais durante uma guerra; a sociedade permanece priorizando as conquistas materiais. Sob essa ótica, todo e qualquer valor humano ou, melhor dizendo, todo valor intelectual e emocional que o ser humano carrega consigo acaba relegado a segundo plano.

Antagonicamente, vivenciamos uma constante insatisfação material que nos leva a desejar sempre mais e, muitas vezes, aquilo mesmo de que não precisamos. Os objetos cedem sua importância funcional à imagem, ao incremento de modelos e estilos. Exemplificando: um espremedor de batatas pode ser funcional em seu formato mais simples, mas o mercado desenvolve tipos mais sofisticados, mais anatômicos, fabricados com material mais leve ou com design mais adequado as nossas condições sócio-econômicas; assim, embora tenhamos já um espremedor de batatas, passamos a desejar um outro, cujo modelo nos pareça mais interessante.

Temos hoje móveis confeccionados com material mais leve que há algumas décadas; objetos inquebráveis, dobráveis; enfim, uma infinidade de opções que procuram adequar-se ao nosso estilo de vida e necessidades. Contudo, a curta vida de uma realidade, transpõe aos objetos um valor extremamente vago e passageiro, gerando dessa forma uma constante necessidade de adequação e por conseguinte, insatisfação.

Nossa cota e tipo de consumo espelha inclusive nossa necessidade de aceitação social; traduz nossos valores e nossas verdades, mesmo que de forma inconsciente. É por esse canal que disseminamos nossa imagem. A ideologia do consumo estabelece, por assim dizer, nossa identidade. Somos, numa dada instância, o reflexo daquilo que conquistamos materialmente ou, o quanto exibimos ou, ainda, o quanto nos permitimos exibir dessa conquista.

Um segundo aspecto importante do comportamento social pressupõe um simples olhar à nossa volta. Que dizer dos valores virtuais, cada vez mais assombrosos? São, muitas vezes, apostas num valor futuro... Cotam-se produtos, filosofias e pessoas. A Bolsa de Valores não é só aquela que grita e registra o valor das ações de empresas, que sobem e descem. A sociedade como um todo é a grande Bolsa de Valores, com direito a crash e tudo o mais, avalia recursos virtuais extremamente frágeis e efêmeros. Em alicerces fugazes como a imagem, valor futuro ou virtual, a sociedade vem estruturando sua existência; cotando, de forma às vezes bastante leviana, grande número de valores humanos.

Os mecanismos que nos levam a essa vivência têm muito a ver com a conotação que possa pairar em torno de uma palavra, imagem, som, textura, objeto; enfim, todos os possíveis apelos aos sentidos, intrinsecamente ligados `a um contexto valorativo. A publicidade explora magnificamente esses aspectos em seus textos e imagens. Não podemos esquecer contudo que a publicidade não é um time contra o qual jogamos, nas um time do qual fazemos parte.

Ao contrário do que vem se desenvolvendo nos últimos anos, a utilização frenética de imagens (universo extremamente virtual) a palavra tem ficado relegada a uma segunda leitura e a linguagem escrita tem-se igualado à oral, pois possibilita maior e mais fácil aproximação junto ao público. A informalidade na mídia dá a ilusão de uma naturalidade que absolutamente não existe quando se trata de comunicação de massas.

Se refletirmos sobre a questão da democracia e a idéia por ela defendida de opções e liberdade de escolha e pensamento, concluimos que estas estão fomentadas na publicidade. A sociedade tem a impressão de ter à sua escolha uma infinidade de objetos e a equívoca noção de acesso à eles, principalmente sedimentada pelo conceito de propriedade no qual se apoiam as mais diversas civilizações. A produção é estimulada pela possibilidade de aquisição de uma ideologia e não a própria ideologia - produção-satisfação. Os valores sócio-econômicos ficam assim conceituados e incrementados pela propaganda; o desejo despertado e a ilusão de conquista, viabilizadores da sociedade dita democrática.

Note-se ainda que importantes padrões estético-ideológicos foram importados à sociedade brasileira pela publicidade, transfigurando também o direito a liberdade de uma identidade nacional.

Para ilustrar mais claramente, temos as recentes fusões nos mercados de todo mundo, que tanta apreensão causa à sociedade, que tende obviamente a imaginar a perda de empregos e o alto custo de produtos monopolizados. Um bom exemplo de ideologia passada pelo mass media atualmente é o caso da Ambev, cujas propagandas divulgam mais que o produto, mas uma filosofia empresário-econômico-social.

A publicidade pode toda ela ser interpretada como um ideologia, pois sua função é coerciva; quer dizer, procura induzir o público ao consumo de produtos e não a plena informação sobre eles.

Face ao desenvolvimento e levando em consideração o progresso tecnológico e a acomodação social à novos padrões de vida, a linguagem tem passado por um processo também de adequação. Diminuiu-se o vocabulário oral e escrito à proporção de termos coringas que estabelecem a comunicação mínima necessária, breve e fragmentada. Podemos acreditar que a sociedade moderna calcula seus objetivos e traça seu comportamento, que inclui a própria língua, linguagem e estilo comunicativo, para fazer frente às suas necessidades iminentes e não mais que isso, dado a própria dinâmica dos fatos.

Que a comunicação e o desenvolvimento tecnológico, hoje mais que nunca, caminham numa velocidade alucinante, ninguém duvida, haja visto a globalização e a rede mundial Internet. Nesse canal comunicativo então, fica evidente a priorização de ícones. Há na Internet um novo código lingüístico em construção (abreviações do léxico e adoção de um idioma "universal", por exemplo) e outros já estabelecidos como a imagem, a distância virtual, a globalização e democratização de informações.

O objetivo final desta reflexão é a conscientização de que nossas atitudes, individuais ou coletivas são, a um só tempo, razão e conseqüência; que o primordial fator de transformação de uma sociedade, quando assim se deseja, permanece fincado no tripé observação, crítica e ação em relação aos fatos à nossa volta. Será a imagem do progresso um fator inquestionavelmente positivo? Com a resposta em mente devemos rever quaisquer propostas de mudança, se for o caso, e também prever a responsabilidade que cada um de nós tem, quer pela passividade, quer pela crítica e atuação voluntárias.

 

 

Bibliografia:

BAUDRILLARD, Jean - O Sistema dos Objetos (1968). Trad.: Zulmira Ribeiro Tavares., ed. não mencionada. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.

COELHO NETO, J. Teixeira - Semiótica, Informação e Comunicação. 3a. ed., São Paulo, Ed. Perspectiva, 1990.

ECO, Umberto - A Estrutura Ausente. Introdução à Pesquisa Semiológica. Trad.: Pérola de Carvalho. 7a. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997.

VANOYE, Francis - Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. Trad. e adpt.: Clarisse Madureira Sabóia et al. 4a. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1983.

REVISTA O Cruzeiro, 1947

Maria de São José Tavares Dias

Março, 2000

Artigo baseado em monografia apresentada em 1999 à UniFMU.

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