Mais do Mesmo (1998): (Veja a capa do disco) Seria em princípio, o título do disco que acabou sendo lançado dez anos atrás com o título de Que País É Este 1978/1987. Se aquele era um espécie de autobiografia precoce, no bom sentido, poético, este Mais do Mesmo é a autobiografia sem adjetivo, no bom sentido, histórico. Autobiografia até porque as 16 faixas do CD foram selecionadas por Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria), os dois legionários urbanos sobreviventes a Renato Russo (voz e baixo), morto em 11 de outubro de 1996. Parece um disco perfeitamente coerente e não uma mera coletânea: a Legião Urbana sempre fez todo o sentido do mundo. São três faixas do primeiro CD, o politizado Legião Urbana, de 1985: "Será", "Ainda É Cedo" e "Geração Coca-Cola". São três faixas do segundo, o amoroso Dois, de 1986: "Eduardo e Mônica", "Tempo Perdido" e "Índios". São duas faixas do irado Que País É Este 1978/1987: a própria e "Faroeste Caboclo" (até aqui o baixista era o Renato Rocha). São três faixas do religioso As Quatro Estações, de 1989: "Há Tempos", "Pais e Filhos" e "Meninos e Meninas". E uma faixa do sombrio V, de 1991: "Vento no Litoral". Duas do reflexivo O Descobrimento do Brasil, de 1993: "Perfeição" e "Giz". Uma do deprimido A Tempestade, de 1996: "Dezesseis". E uma do redentor Uma Outra Estação, de 1997: "Antes das Seis". Dezesseis faixas de discos politizados, amorosos, irados, religiosos, sombrios, deprimidos, redimidos, discos que configuram quase um evangelho, por mais que Renato Russo, a certa altura da vida renegasse qualquer messianismo. Nenhuma das faixas exige maiores floreios de apresentação. Elas estão aí, como se aí estivessem desde sempre, são músicas incorporadas ao inconsciente coletivo, dessas que a gente cantarola sem nem saber por quê – são clássicos. E os clássicos são clássicos porque sempre devem ser ouvidos, revistos e relidos.

Mais do Mesmo (DISCO 07)

SERÁ

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Tire suas mãos de mim

Eu não pertenço a você

Não é me dominado assim

Que você vai me entender

Eu posso estar sozinho

Mas eu sei muito bem aonde estou

Você pode até duvidar

Acho que isso não é amor.

[refrão]

Será isso imaginação?

Será que nada vai acontecer?

Será que é tudo isso em vão?

Será que vamos conseguir vencer?

Nos perderemos entre monstros

Da nossa própria criação

Serão noites inteiras

Talvez por medo da escuridão

Ficaremos acordados

Imaginando alguma solução

Pra que esse nosso egoísmo

Não destrua nosso coração.

[refrão]

Brigar pra quê

Se é sem querer

Quem é que vai

Nos proteger?

Será que vamos ter

Que responder

Pelos erros a mais

Eu e você?

AINDA É CEDO

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá/Ico Ouro-Preto

Uma menina me ensinou

Quase tudo o que eu sei

Era quase escravidão

Mas ela me tratava como um rei

Ela fazia muitos planos

Eu isso queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir

Mas, egoísta que eu sou,

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

E não quis me separar.

Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

Eu me agarrava nela

Porque eu não tinha mais ninguém.

E eu dizia: - Ainda é cedo

Cedo

cedo

cedo

cedo

[solo]

Sei que ela terminou

O que eu não comecei

E o que ela descobriu

Eu aprendi também, eu sei.

Ela falou: - Você tem medo.

Am eu disse: - Quem tem medo é você.

Falamos o que não devia

Nunca ser dito por ninguém

Ela me disse:

"- Eu não sei mais o que eu sinto por você.

Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê."

E eu dizia: - Ainda é cedo

cedo

cedo

cedo.

 

 

GERAÇÃO COCA-COLA

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

Quando nascemos fomos programados

A receber o que vocês nos empurraram

Com os enlatados dos USA, de 9 às 6.

Desde pequenos nós comemos lixo

Comercial e industrial

Mas agora chegou nossa vez

Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.

[refrão]

Somos os filhos da revolução

Somos burgueses sem religião

Somos o futuro da nação

Geração Coca-Cola.

[I]

Depois de vinte anos na escola

Não é difícil aprender

Todas as manhas do jogo sujo

Não é assim que tem que ser?

Vamos fazer nosso dever de casa

E aí então, vocês vão ver

Suas crianças derrubando reis

Fazer comédia no cinema com as suas leis.

[refrão]

[solo de voz]

[repete I]

[refrão]

EDUARDO E MÔNICA

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

Quem um dia ira dizer

Que existe razão

Nas coisas feitas pelo coração?

E quem ira dizer

Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar:

Ficou deitado e viu que horas eram

Enquanto Mônica tomava um conhaque,

Noutro canto da cidade,

Como eles disseram.

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer

E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.

Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse:

"- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir."

Festa estranha, com gente esquisita:

"- Eu não estou legal. Não agüento mais birita."

E a Mônica riu e quis saber um pouco mais

Sobre o boyzinho que tentava impressionar

E o Eduardo, meio tonto, isso pensava em ir pra casa:

"- É quase duas, eu vou me ferrar."

Eduardo e Mônica trocaram telefone

Depois telefonaram e decidiram se encontrar.

O Eduardo sugeriu uma lanchonete

Mas a Mônica queria ver o filme do Godard.

Se encontraram então no parque da cidade

A Mônica de moto e o Eduardo de camelo.

O Eduardo achou estranho e melhor não comentar

Mas a menina tinha tinta no cabelo.

Eduardo e Mônica eram nada parecidos

Ela era de Leão e ele tinha dezesseis.

Ela fazia Medicina e falava alemão

E ele ainda nas aulinhas de inglês.

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,

De Van Gogh e dos Mutantes,

De Caetano e de Rimbaud

E o Eduardo gostava de novela

E jogava futebol-de-botão com a seu avô.

Ela falava coisas sobre o Planalto Central,

Também magia e meditação.

E o Eduardo ainda estava

No esquema "escola-cinema-clube-televisão."

E, mesmo com tudo diferente,

Veio mesmo, de repente,

Uma vontade de se ver

E os dois se encontravam todo dia

E a vontade crescia,

Como tinha de ser.

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia,

Teatro e artesanato e foram viajar.

A Mônica explicava pro Eduardo

Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar:

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer

E decidiu trabalhar;

E ela se formou no mesmo mês

Em que ele passou no vestibular.

E os dois comemoraram juntos

E também brigaram juntos, muitas vezes depois.

E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa,

Que nem feijão com arroz.

Construíram uma casa uns dois anos atrás

Mais ou menos quando os gêmeos vieram

Batalharam grana e seguraram legal

A barra mais pesada que tiveram.

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília

E a nossa amizade da saudade no verão.

Só que nessas férias não vão viajar

Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação.

E quem um dia ira dizer

Que existe razão

Nas coisas feitas pelo o coração?

E quem ira dizer

Que não existe razão?

 

TEMPO PERDIDO

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

Todos os dias quando acordo,

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo.

Todos os dias antes de dormir,

Lembro e esqueço como foi o dia:

"Sempre em frente,

Não temos tempo a perder."

Nosso suor sagrado

É bem mais belo que esse sangue amargo

E tão sério

E selvagem.

Veja o sol dessa manha tão cinza:

A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.

Então me abraça forte e me diz mais uma vez

Que já estamos distantes de tudo:

Temos nosso próprio tempo.

Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.

O que foi escondido é o que se escondeu

E o que foi prometido, ninguém prometeu.

Nem foi tempo perdido.

Somos tão jovens.

"ÍNDIOS"

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

Quem me dera, ao menos uma vez

Ter de volta todo o ouro que entreguei

A quem conseguiu me convencer

Que era prova de amizade

Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Esquecer que acreditei que era por brincadeira

Que se cortava sempre um pano-de-chão

De linho nobre e pura seda.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Explicar o que ninguém consegue entender:

Que o que aconteceu ainda esta por vir

E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Provar que quem tem mais do que precisa ter

Quase sempre se convence que não tem o bastante

E fala demais, por não ter nada a dizer

Quem me dera, ao menos uma vez,

Que o mais simples fosse visto como o mais importante,

Mas nos deram espelhos

E vimos uma mundo doente.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Entender como isso Deus ao mesmo tempo é três

E esse mesmo Deus foi morto por vocês

É isso maldade então, deixar um Deus tão triste.Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.

Entenda - assim pude trazer você de volta para mim,

Quando descobri que é sempre isso você

Que me entende do início ao fim

E é isso você que tem a cura do meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Acreditar por um instante em tudo que existe

E acreditar que o mundo é perfeito

E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Fazer com que o mundo saiba que seu nome

Esta em tudo e mesmo assim

Ninguém lhe diz ao menos obrigado.

Quem me dera, ao menos uma vez,

Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,

Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho,

Entenda - assim pude trazer você de volta para mim

Quando descobri que é sempre isso você

Que me entende do início ao fim

E é isso você que tem a cura do meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente -

Tentei chorar e não consegui

 

Dado Villa-Lobos: Guitarras, Voz

Renato Russo: Violões, Voz, Teclados

Renato Rocha: Baixo, Voz

Marcelo Bonfá: Bateria, Percussão, Voz

QUE PAÍS É ESTE?

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

Nas favelas, no senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que pais é este?

No Amazonas, no Araguaia, na Baixada fluminense

No Mato grosso, nas Gerais e no Nordeste tudo em paz

Na morte eu descanso mas o sangue anda solto

Manchando os papéis, documentos fiéis

Ao descanso do patrão

Que país é este?

Terceiro Mundo se for

Piada no exterior

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilão.

Que país é este?

FAROESTE CABOCLO

Letra: Renato Russo

Música: Renato Russo

PARTE 01

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo

Era o que todos diziam quando ele se perdeu

Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda

Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

Quando criança só pensava em ser bandido

Ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu

Era o terror da cercania onde morava

E na escola até o professor com ele aprendeu

Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro

Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar

Sentia mesmo que era mesmo diferente

Sentia que aquilo ali não era o seu lugar

Ele queria sair para ver o mar

E as coisas que ele via na televisão

Juntou dinheiro para poder viajar

E de escolha própria escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade

De tanto brincar de médico aos doze era professor

Aos quinze foi mandado pro reformatório

Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror

Não entendia como a vida funcionava

Discriminação por causa da sua classe e sua cor

Ficou cansado de tentar achar resposta

E comprou uma passagem foi direto a Salvador

E lá chegando foi tomar um cafezinho

E encontrou um boiadeiro com quem foi falar

E o boiadeiro tinha uma passagem

Ia perder a viagem mas João foi lhe salvar:

Dizia ele "-Estou indo pra Brasília

Nesse país lugar melhor não há

Tô precisando visitar a minha filha

Eu fico aqui e você vai no meu lugar"

E João aceitou sua proposta

E num ônibus entrou no Planalto Central

Ele ficou bestificado com a cidade

Saindo da rodoviária viu as luzes de natal

PARTE 02

"- Meu Deus mas que cidade linda!

No Ano Novo eu começo a trabalhar"

Cortar madeira aprendiz de carpinteiro

Ganhava cem mil pro mês em Taguatinga

Na sexta feira foi pra zona da cidade

Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador

E conhecia muita gente interessante

Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia

E muitas coisas trazia de lá

Seu nome era Pablo e ele dizia

Que um negócio ele ia começar

E Santo Cristo até a morte trabalhava

Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar

E ouvia às sete horas o noticiário

Que dizia sempre que seu ministro ia ajudar

Mas ele não queria mais conversa

E decidiu que como Pablo ele ia se virar

Elaborou mais uma vez seu plano santo

E sem ser crucificado a plantação foi começar

Logo logo os maluco da cidade

Souberam da novidade

"-Tem bagulho bom ai!"

E João de Santo Cristo ficou rico

E acabou com todos os traficantes dali

Fez amigos, frequentava a Asa Norte

Ia pra festa de Rock pra se libertar

Mas de repente

Sob um má influência dos boyzinhos da cidade

Começou a roubar

Já no primeiro roubo ele dançou

E pro inferno ele foi pela primeira vez

Violência e estupro do seu corpo

"-Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!"

Agora Santo Cristo era bandido

Destemido e temido no Distrito Federal

Não tinha nenhum medo de polícia

Capitão ou traficante, playboy ou general

 

PARTE 03

Foi quando conheceu uma menina

E de todos os seus pecados ele se arrependeu

Maria Lúcia era uma menina linda

E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu

Ele dizia que queria se casar

E carpinteiro ele voltou a ser

"-Maria Lúcia eu pra sempre vou te amar

E um filho com você eu quero ter"

O tempo passa

E um dia vem na porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão

E ele faz uma proposta indecorosa

E diz que espera uma resposta, uma resposta de João

"-Não boto bomba em banca de jornal

E nem em colégio de criança

Isso eu não faço não

E não protejo general de dez estrelas

Que fica atrás da mesa com o cú na mão

E é melhor o senhor sair da minha casa

Nunca brinque com um peixe de ascendente escorpião"

Mas antes de sair, com ódio no olhar

O velho disse:

"-Você perdeu a sua vida, meu irmão!"

"-Você perdeu a sua vida, meu irmão"

"-Você perdeu a sua vida, meu irmão"

Essas palavras vão entrar no coração

"-Eu vou sofrer as conseqüências como um cão."

Não é que o Santo Cristo estava certo

Seu futuro era incerto

E ele não foi trabalhar

Se embebedou e no meio da bebedeira

Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro

Que também tinha dinheiro e queria se armar

Pablo trazia o contrabando da Bolívia

E Santo Cristo revendia em Planaltina

Mas acontece que um tal de Jeremias

Traficante de renome apareceu por lá

Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo

E decidiu que com João ele ia acabar.

PARTE 04

Mas Pablo trouxe uma Winchester 22

E Santo Cristo já sabia atirar

E decidiu usar a arma só depois

Que Jeremias começasse a brigar

Jeremias maconheiro sem vergonha

Organizou a Roconha e fez todo mundo dançar

Desvirginava mocinhas inocentes

E dizia que era crente mas não sabia rezar

E Santo Cristo há muito não ia pra casa

E a saudade começou a apertar

"-Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia

Já está em tempo de a gente se casar"

Chegando em casa então ele chorou

E pro inferno ele foi pela segunda vez

Com Maria Lúcia Jeremias se casou

E um filho nela ele fez

Santo Cristo era só ódio pro dentro

E então o Jeremias pra um duelo ele chamou

"-Amanhã, as duas horas na Ceilândia

Em frente ao lote catorze é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas

Que eu acabo com você, seu porco traidor

E mato também Maria Lúcia

Aquela menina falsa pra que jurei o meu amor"

E Santo Cristo não sabia o que fazer

Quando viu o repórter da televisão

Que a notícia do duelo na TV

Dizendo a hora o local e a razão

No sábado, então as duas horas

Todo o povo sem demora

Foi lá só pra assistir

Um homem que atirava pelas costas

E acertou o Santo Cristo

E começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta

João olhou as bandeirinhas

E o povo a aplaudir

E olhou pro sorveteiro

E pras câmeras e a gente da TV que filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança

E de tudo o que viveu até aqui

E decidiu entrar de vez naquela dança

"Se a via-crucis virou circo, estou aqui."

 

PARTE 05

E nisso o sol cegou seus olhos

E então Maria Lúcia ele reconheceu

Ela trazia a Winchester 22

A arma que seu primo Pablo lhe deu

"-Jeremias, eu sou homem. Coisa que você não é

Eu não atiro pelas costas, não.

Olha pra cá filha da puta sem vergonha

Dá uma olhada no meu sangue

E vem sentir o teu perdão"

E Santo Cristo com a Winchester 22

Deu cinco tiros no bandido traidor

Maria Lúcia se arrependeu depois

E morreu junto com João, seu protetor

O povo declarava que João de Santo Cristo

Era santo porque sabia morrer

E a alta burguesia da cidade não acreditava na história

Que ele viram da TV

E João não conseguiu o que queria

Quando veio pra Brasília com o diabo ter

Ele queria era falar com o presidente

Pra ajudar toda essa gente que só faz

Sofrer

 

 

HÁ TEMPOS

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Parece cocaína mas é só tristeza, talvez tua cidade.

Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.

E o descompasso e o desperdício

herdeiros são agora da virtude que perdemos.

Há tempos tive um sonho.

Não me lembro não me lembro.

Tua tristeza é tão exata.

E hoje o dia é tão bonito.

Já estamos acostumados.

A não termos mais nem isso.

Sonhos vem. E sonhos vão.

O resto é imperfeito.

Disseste que se tua voz tivesse força igual

A imensa dor que sentes

Teu grito acordaria não só a tua casa

Mas a vizinhança inteira.

E há tempos nem os santos

Tem ao certo a medida da maldade.

E há tempos são os jovens que adoecem.

Há tempos o encanto esta ausente.

Há ferrugem nos sorrisos.

E só o acaso estende os braços

A quem procura abrigo e proteção.

Meu amor,

Disciplina é liberdade.

Compaixão é fortaleza.

Ter bondade é ter coragem.

E ela disse: - lá em casa tem um

poço mas a água é muito limpa.

PAIS E FILHOS

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Estatuas e cofres. E paredes pintadas.

Ninguém sabe o que aconteceu.

Ela se jogou da janela do quinto andar.

Nada é fácil de entender.

Dorme agora.

É isso o vento lá fora.

Quero colo. Vou fugir de casa.

Posso dormir aqui com vocês?

Estou com medo. Tive um pesadelo

Só vou voltar depois das três.

Meu filho vai ter nome de santo.

Quero o nome mais bonito.

É preciso amar as pessoas como se

Não houvesse amanhã.

Porque se você parar para pensar,

Na verdade não há.

Me diz porque o céu é azul.

Explica a grande fúria do mundo.

São meus filhos que tomam conta de mim.

Eu moro com a minha mãe

Mas meu pai vem me visitar.

Eu moro na rua, não tenho ninguém

Eu moro em qualquer lugar.

Já morei em tanta casa que nem me lembro mais.

Eu moro com os meus pais.

É preciso amar as pessoas como se

Não houvesse amanhã.

Porque se você parar para pensar,

Na verdade não há.

Sou uma gota d'agua

Sou um grão de areia.

Você me diz que seus pais não entendem.

Mas você não entende seus pais.

Você culpa seus pais por tudo.

E isso é absurdo.

São crianças como você

O que você vai ser, quando você crescer?

 

MENINOS E MENINAS

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Quero me encontrar mas não sei onde estou.

Vem comigo procurar um lugar mais calmo.

Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita.

Tenho quase certeza que eu não sou daqui.

Acho que gosto de S. Paulo. E gosto de S. João.

Gosto de S. Francisco. E S. Sebastião.

E eu gosto de meninos e meninas.

Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre.

Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente.

Estou cansado de bater e ninguém abrir.

Você me deixou sentindo tanto frio.

Não sei mais o que dizer.

Te fiz comida.

Velei teu sono.

Fui teu amigo.

Te levei comigo e me diz: Pra mim o que é que ficou?

Me deixa ver como viver é bom.

Não é a vida como esta e sim as coisas como são.

Você não quis tentar me ajudar.

Então a culpa é de quem?

A culpa é de quem?

Eu canto em português errado.

Acho que o imperfeito não participa do passado.

Troco as pessoas.

Troco os pronomes.

Preciso de oxigênio.

Preciso ter amigos.

Preciso ter dinheiro.

Preciso de carinho.

Acho que te amava.

Agora acho que te odeio.

São tudo pequenas coisas.

E tudo deve passar.

Acho que gosto de S. Paulo. Gosto de S. João.

Gosto de S. Francisco. e S. Sebastião.

E eu gosto de meninos e meninas.

 

VENTO NO LITORAL

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

De tarde quero descansar, chegar até a praia

Ver se o vento ainda está forte

E vai ser bom subir nas pedras.

Sei que faço isso para esquecer

Eu deixo a onda me acertar

E o vento vai levando tudo embora

Agora está tão longe

Vê, a linha do horizonte me distrai:

Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade,

Quando olhávamos juntos na mesma direção.

Aonde está você agora

Além de aqui dentro de mim?

Agimos certo sem querer

Foi só o tempo que errou

Vai ser difícil sem você

Porque você está comigo o tempo todo.

E quando vejo o mar

Existe algo que diz:

"-A vida continua e se entregar é uma bobagem."

Já que você não está aqui,

O que posso fazer é cuidar de mim.

Quero ser feliz ao menos.

Lembra que o plano era ficarmos bem?

"-Ei, olha só o que achei: cavalos-marinhos."

Sei que faço isso pra esquecer

Eu deixo a onda me acertar

E o vento vai levando tudo embora.

PERFEIÇÃO

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Inc. "O Bêbado e a Equilibrista" (A. Blanc/J. Bosco)

1

Vamos celebrar a estupidez humana

A estupidez de todas as nações

O meu país e sua corja de assassinos

Covardes, estupradores e ladrões

Vamos celebrar a estupidez do povo

Nossa polícia e televisão

Vamos celebrar o nosso governo

E nosso estado que não é nação

Celebrar a juventude sem escolas

As crianças mortas

Celebrar nossa desunião

Vamos celebrar Eros e Thanatus

Perséphone e Hades

Vamos celebrar nossa tristeza

Vamos celebrar nossa vaidade

2

Vamos comemorar como idiotas

A cada fevereiro e feriado

Todos os mortos nas estradas

E os mortos por falta de hospitais

Vamos celebrar nossa justiça

A ganância e a difamação

Vamos celebrar os preconceitos

E o voto dos analfabetos

Comemorar a água podre

Todos os impostos, queimadas, mentiras e sequestros

Nosso castelo de cartas marcadas

O trabalho escravo e nosso pequeno universo

Toda a hipocrisia e toda a afetação

Todo o roubo e toda a indiferença

Vamos celebrar epidemias

É a festa da torcida campeã

3

Vamos celebrar a fome

Não ter a quem ouvir

Não se ter a quem amar

Vamos alimentar o que é maldade

Vamos machucar um coração

Vamos celebrar nossa bandeira

Nosso passado de absurdos gloriosos

Tudo o que é gratuito e feio

Tudo o que é normal

Vamos cantar juntos o hino nacional

(A lágrima é verdadeira)

Vamos celebrar nossa saudade

E comemorar a nossa solidão

4

Vamos festejar a inveja

A intolerância e a incompreensão

Vamos festejar a violência

E esquecer a nossa gente

Que trabalhou honestamente a vida inteira

E agora não tem mais direito a nada

Vamos celebrar a aberração

De toda nossa falta de bom senso

Nosso descaso por educação

Vamos celebrar o horror de tudo isso

Com festa, velório e caixão

Está tudo morto e enterrado agora

Já aqui também podemos celebrar

A estupidez de quem cantou essa canção

5

Venha, meu coração está com pressa

Quando a esperança está dispersa

Só a verdade me liberta

Chega de maldade e ilusão

Venha, o amor tem sempre a porta aberta

E vem chegando a primavera

Nosso futuro recomeça

Venha, que o que vem é perfeição

 

 

GIZ

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

E mesmo sem te ver

Acho até que estou indo bem

Só apareço por assim dizer

Quando convém aparecer

Ou quando quero

Desenho toda a calçada

Acaba o giz tem tijolo de construção

Eu rabisco o sol

Que a chuva apagou

Quero que saibas

Que me lembro

Queria até que pudesses me ver

És parte ainda

Do que me faz forte

E pra ser honesto

Só um pouquinho infeliz

Mas tudo bem

Tudo bem

Tudo bem

Tudo bem

Tudo bem

Tudo bem

Lá vem lá vem lá vem de novo

Acho que estou gostando de alguém

E é de ti

Que não esquecerei

DEZESSEIS

Letra: Renato Russo

Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

João Roberto era o maioral

O nosso Johnny era um cara legal

Ele tinha um Opala metálico azul

Era o rei dos pegas na Asa Sul

E em todo lugar

Quando ele pegava no violão

Conquistava as meninas

E quem mais quisesse ver

Sabia tudo da Janis

Do Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones

Mas de uns tempos pra cá

Meio sem querer

Alguma coisa aconteceu

Johnny andava meio quieto demais

Só que quase ninguém percebeu

Johnny estava com um sorriso estranho

Quando marcou um super pega no fim de semana

Não vai ser no CASEB

Nem no Lago Norte, nem na UnB

As máquinas prontas

Um ronco de motor

A cidade inteira se movimentou

E Johnny disse:

"-Eu vou pra curva do Diabo em Sobradinho e vocês ?"

E os motores sairam ligados a mil

Pra estrada da morte o maior pega que existiu

Só deu para ouvir, foi aquela explosão

E os pedaços do Opala azul de Johnny pelo chãoNo dia seguinte, falou o diretor:

"-O aluno João Roberto não está mais entre nós

Ele só tinha dezesseis.

Que isso sirva de aviso pra vocês."

E na saída da aula, foi estranho e bonito

Todo o mundo cantando baixinho:

Strawberry Fields Forever

Strawberry Fields Forever

E até hoje, quem se lembra

Diz que não foi o caminhão

Nem a curva fatal

E nem a explosão

Johnny era fera demais

Pra vacilar assim

E o que dizem que foi tudo

Por causa de um coração partido

Um coração

Bye, bye Johnny

Johnny, bye, bye

Bye, bye Johnny.

 

 

ANTES DAS SEIS

( Dado Villa-Lobos / Renato Russo )

Quem inventou o amor?

Me explica por favor

Quem inventou o amor?

Me explica por favor

Vem e me diz o que aconteceu

Faz de conta que passou

Quem inventou o amor?

Me explica por favor

Daqui vejo seu descanso

Perto do seu travesseiro

Depois quero ver se acerto

Dos dois quem acorda primeiro

Quem inventou o amor?

Me explica por favor

Quem inventou o amor?

Me explica por favor

Enquanto a vida vai e vem

Você procura achar alguém

Que um dia possa lhe dizer

- Quero ficar só com você

Quem inventou o amor?

 

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