Três Prêmios Nobel para Neurocientistas

Artigo original por Ellen Kuwana (site Neuroscience for Kids), tradução por Fernando Lage Bastos (NeuroKidsBr)

Artigo Original: 27-Out-2000; Tradução: 13-Jan-2001

O Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia foi dado à três neurocientistas pioneiros "pelas suas descobertas sobre a transdução de sinais no sistema nervoso". Transdução de sinais é o processo pelo qual as células nervosas se comunicam. Cada um dos ganhadores estudou mudanças que ocorrem no interior das células nervosas. Os três ganhadores vão dividir o prêmio de nove milhões de coroas suecas, equivalente à R$1.830.000,00. Os prêmios foram dados em Estocolmo, Suécia, em Dezembro de 2001.

E os permiados são:

Arvid Carlsson

Cargo: Professor emérito de Farmacologia
Universidade de Gotenburgo, Suécia
Idade: 77 anos
Arvid Carlsson mostrou que a dopamina é um importante neurotransmissor no cérebro. Neurotransmissores são substâncias química que transmitem sinais de uma célula nervosa para a outra. Em 1950, os cientistas acreditavam que a dopamina era apenas uma substância química utilizada na fabricação de outro neurotransmissor, a noradrenalina (também chamada de noroepinefrina). Carlsson descobriu como medir níveis de dopamina em certos tecidos do cérebro, e descobriu que a dopamina estava concentrada em áreas diferentes daquelas onde a noradrenalina é normalmente encontrada. Na verdade a dopamina é si própria uma substância neurotransmissora. E onde estava concentrada a dopamina? Carlsson descobriu que a dopamina era presente em grandes concentrações nos Gânglios da Base, uma área do cérebro importante para a coordenação de movimentos do corpo.

Carlsson sabia que a droga chamada de reserpina, diminuía os níveis de outros neurotransmissores, mas será que ela afetaria o nível de dopamina? Os animais que recebia reserpina perdiam controle dos movimentos espontâneos. Se ao se retirar a dopamina, problemas motores ocorriam, será que ao colocá-la de volta este problemas deixaria de ocorrer? Para descobrir, Carlsson deu aos animais que receberam reserpina, um precursor (substância que é utilizada na fabricação) da dopamina, chamada L-Dopa. A L-Dopa eliminou os problemas motores nos animais de laboratório. Carlsson percebeu então que estes problemas motores eram muito semelhantes aos apresentados por pacientes com a doença de Parkinson.

Agora sabemos que os níveis de dopamina ficam reduzidos em cérebro de pacientes com a doença de Parkinson, especialmente em uma área chamada de substância negra. Ao se tratar os pacientes com L-Dopa, o nível de dopamina é restabelecido, o que diminui os problemas motores. L-Dopa continua sendo o tratamento mais utilizado para a doença de Parkinson até hoje. A pesquisa básica sobre o papel da dopamina no cérebro também levou à avanços no tratamento da esquizofrenia e a depressão.

Paul Greengard, Ph.D.

Cargo: Professor do Laboratório de Neurociência Molecular e Celular, Rockefeller University, NY, EUA
Idade: 74 anos
Paul Greengard queria saber como as células nervosas transmitiam seus sinais. Ele estudou a dopamina e outros neurotransmissores como a noradrenalina e a serotonina para descobrir como estas substâncias afetam o sistema nervoso. Este tipo de pesquisa "no nível molecular", ou seja através do estudo de como moléculas de neurotranmissores afetam afetam as células nervosas, especialmente na sinapse. O entendimento de como as células nervosas se comunicam entre si e como passam o seu sinal adiante, permitiu um grande avanço no nosso entendimento de como as diferentes drogas, como as utilizadas na depressão ou em outros problemas psiquiátricos, funcionam no cérebro.

Como as células nervosas se comunicam? A célula nervosa produz um impulso elétrico, chamado de potencial de ação. O potencial de ação ao chegar no final do axônio, faz com que haja a liberação de neurotransmissores. Estes neurotransmissores passam para uma segunda célula nervosa, que ao perceber a sua presença gera um potencial de ação próprio. Um dos eventos críticos nesta sinalização é a fosforização. Este é o processo pelo qual as proteínas são modificadas através da adição de um fosfato à sua cadeia. Isto muda a forma e a função da proteína. Estas proteínas desempenham um importante papel na alteração das propriedades da célula nervosa, permitindo a que o potencial de ação seja criado. Esta série de eventos é chamada de transdução e é como as células nervosas enviam sinais. Quando esta série de eventos é quebrada ou alterada, doenças como a de Parkinson, a esquizofrenia e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade podem surgir. O entendimento de como a sinalização funciona em circunstâncias normais tem ajudado os pesquisadores à tratar distúrbios nos quais a sinalização é anormal.

Greengard está doando a sua parte do prêmio para um fundo para mulheres que trabalham com pesquisa biomédica da Rockfeller University. Este fundo é uma homenagem à sua mãe que morreu dando a luz à ele.

Eric Kandel

Cargo: Professor do Centro para Neurociências e Comportamento; Pesquisador Senior, Howard Hughes Medical Institute, Columbia University, NY, EUA
Idade: 70 anos
Eric Kandel, o autor de um famoso livro-texto de Neurociências, "Fundamentos das Neurociências e do Comportamento", se concentrou em uma modesta lesma marinha (Aplysia, veja foto à esquerda) para investigar aprendizado e memória no nível sináptico. Kandel estava interessado no que acontece com as células cerebrais quando memórias são formadas.

A lesma marinha é um animal muito útil para a pesquisa por causa da pequena quantidade de neurônios (aproximadamente 20 mil) em seu sistema nervoso. Outra vantagem é que os neurônios são sempre organizados da mesma forma. Porém a intensidade de conexões entre neurônios pode mudar e ser influenciada pelo aprendizado. O aprendizado envolve a criação de memórias, e memórias trazem alterações ao cérebro. Kandel mostrou que as memórias alteram as sinapses no cérebro. Somente esta descoberta já é muito importante, porém Kandel foi além para mostra que as memórias de curto prazo, modificam sinapses já existentes e as de longo prazo, envolvem a criação de novas sinapses.

As lesmas marinhas tem um reflexo que protegem as estruturas que permitem a sua respiração (guelras). Este reflexo, chamado de "reflexo de retração das guelras" foi utilizado por Kandel para medir o aprendizado nas lesmas. Ele descobriu que alguns tipos de estímulo fizeram com que o reflexo se tornasse mais forte, e se mantivesse forte por alguns dias ou uma semana. Esta é uma representação de uma forma simples de aprendizado.

Kandel imaginou o que estaria acontecendo ao nível da sinapse durante o aprendizado. Ele descobriu que se uma amplificação na sinapse entre a célula nervosa sensorial (que sente o estímulo) e as células motoras, que fazem com que os músculos realizem o reflexo de retração das guelras. Isto seria como a sua mãe te chamando para o jantar. O chamado da sua mãe é o estímulo e você vir para o jantar é a ação motora, como o reflexo de retração das guelras. O que muda é a intensidade do sinal: ás vezes ele pode ser mais claro ou mais intenso. Cada vez que ela chama, você sabe que deve ir jantar, com o tempo você vai aprendendo à se sentar na mesa do jantar com cada vez menos estímulo. Isto é uma outra forma de aprendizado simples.

A fosforização das proteínas que Greengard estudou foi importante para o trabalho de Kandel também. Acontece que a memória de curto prazo envolve uma série de eventos na sinapse em que a fosforização das proteínas é um ponto chave. A memória de longa duração tem um efeito ainda mais dramático na sinapse, mudando o número de proteínas e até alterando a forma da sinapse!

Kandel expandiu as suas pesquisas e incluiu camundongos em suas experiências. Muitas das mudanças observadas na lesma marinha também foram observadas em camundongos. Isto sugere que elas podem ser aplicadas para seres humanos também. O entendimento de como ocorre a formação de memória e o aprendizado no nível sináptico vai auxiliar no desenvolvimento de drogas para serem utilizadas em problemas neurológicos como a doença de Alzheimer e outras formas de demência.

Referências:

  1. Nobel Prize announcement
  2. Columbia University coverage of Eric Kandel
  3. Rockefeller University coverage of Paul Greengard
  4. Nobel Prize Winners (Neuroscience) - from Neuroscience for Kids

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