CUENTOS

CHEGADA ATRIBULADA

Contavam-se v�rias perip�cias dos brasileiros rec�m-chegados ao ex�lio. Pode-se dizer que na primeira leva � logo depois do golpe militar de 1964 � iam pessoas com maior preparo, pol�ticos conhecidos, gente mais madura e acostumada a viajar ao exterior. J� na turma de exilados posterior ao Ato 5 de 1968, a composi��o do pessoal era diferente. Tratava-se de gente mais jovem, com grande predomin�ncia de estudantes de n�vel superior, mas tamb�m estavam entre eles dirigentes sindicais, l�deres do movimento campon�s, havendo grande diferencia��o do n�vel de prepara��o para uma vida em um pa�s estrangeiro.

Cada exilado tinha uma est�ria sobre os primeiros dias de sua chegada ao Chile. Todos iam enfrentar o desconhecido, alguns com maior, outros com menor capacidade de adapta��o a situa��es novas. A maioria n�o conhecia a l�ngua espanhola, o que dificultava sua comunica��o no pa�s, principalmente no come�o.

Houve por exemplo o caso de um cidad�o que assim que chegou no Aeroporto de Santiago entrou num t�xi. Em seguida desenrolou um envelope e mostrou ao motorista um nome e logo abaixo o que deveria ser o endere�o da �nica pessoa que conhecia no pa�s: Casilla 3471. Dando uma boa risada, o chofer informou-lhe que Casilla de Correo � Caixa Postal e sugeriu que mandasse uma carta � pessoa pedindo seu endere�o!Sem outra refer�ncia, a sa�da foi entrar em um hotel modesto e esperar pela resposta � Urgente � conforme ele escreveu ao amigo!

- x - Eu tive mais sorte, pois por telefone localizei o amigo de um primo, que era da primeira leva, e que se disp�s a me buscar no Aeroporto, de onde me conduziu para uma pens�o onde j� estavam outros exilados. A partir da� comecei a procurar um Pensionato de estudantes, pois meu objetivo era terminar o curso interrompido no Brasil. Fui t�o bem recebida e tive tanta sorte que no primeiro pensionato de estudantes que cheguei havia uma vaga tempor�ria que me permitiu mudar para l� ap�s permanecer apenas 15 dias na pens�o onde me encontrava.

Logo depois, consegui lugar no Pensionato Feminino de estudantes de Economia, onde me integrei tanto � vida das estudantes que cheguei a ser presidente do Pensionato por mais de uma gest�o. Havia realmente uma atitude muita aberta com os estrangeiros por parte do povo chileno em geral e no meio acad�mico encontrei toda a boa vontade necess�ria para o reconhecimento de disciplinas que me permitiu terminar em prazo razoavelmente curto a gradua��o. Assim mesmo, nos primeiros dias em que entrei no �nibus para ir ao Pensionato tive meu batismo no pa�s, pois minha carteira foi batida, e dentro dela eu inadvertida e irresponsavelmente havia deixado a c�dula de identidade. S� n�o fiquei sem documenta��o � meu passaporte estava vencido � porque, apesar de ter muito pouco dinheiro, a carteira com o documento foi devolvida em uma Delegacia de Pol�cia e na mesma tarde fui localizada no Pensionato e pude reunir-me com minha identidade! At� os ladr�es tinham boa conduta nesse pa�s, pensei! - x -

Entre as est�rias que corriam entre n�s estava tamb�m a de brasileiros que marcavam encontro na esquina de Morand�, rua central da cidade de Santiago, com Peatones (que significa Pedestres), casos que eram mais aned�ticos que verdadeiros, pressupondo que os brasileiros confundiam a placa indicativa de �reas exclusivas para pedestres com o nome da rua onde estavam afixadas. - x -

Mas o mais interessante de todos os casos foi o de Tom�s, que chegou a Santiago de trem em uma hora imprudente para procurar quem quer que fosse. Sendo j� mais da meia-noite, resolveu procurar um hotelzinho pr�ximo da Esta��o Central de Santiago, e deixar para o dia seguinte o contato com os brasileiros no Chile, ainda que a regi�o fosse pouco recomend�vel �quela hora. Tanto � assim que Tom�s s� conseguiu naquela noite uma cama no quarto de um outro brasileiro, no �nico hotel das redondezas.

- Voc�s s�o patr�cios, v�o-se entender, - disse o dono do hotel, ao mesmo tempo porteiro e recepcionista.
Tom�s ficou meio apreensivo, pois quem chegava ao Chile depois de escapar de uma persegui��o pol�tica andava sempre desconfiado.
Ainda levou um tempo, mas meia hora depois chegou o compatriota. Era um sujeito dobrado, forte como um touro, de maus bofes, que foi cumprimentando com um grunhido e abriu uma maleta de onde tirou um chicote e passou a acarici�-lo.
Tom�s n�o p�de esconder o susto, pensando consigo: Mas at� aqui? Ser� que ele vai me torturar?
Percebendo o ar de medo de Tom�s, o cidad�o acalmou-o: - Calma, rapaz! Eu sou domador de le�o! Trabalho no circo aqui pertinho! Pensei que o porteiro tinha lhe avisado!
Refeito do susto, Tom�s deu boas risadas e acabou dormindo tranq�ilo pela primeira vez em muitos dias!

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