O Papel das Nações Unidas no "State-Building" : o exemplo de Timor Leste

 

 

 

Enfrentar um punhado de folhas em branco para iniciar um capítulo da história é uma tarefa árdua. E porque assim é, e para dar corpo á expressão comunidade internacional, quando após 24 anos de subjugação Timor Leste sentiu ao seu alcance o aroma da liberdade em forma de acordo conducente a um referendo, vários países espalhados pelos cantos do mundo prestaram apoio a Timor e aos valores democráticos, atingindo este movimento a sua máxima consolidação através das acções concretizadas pelas mãos da organização das nações unidas.

A consulta popular a que os timorenses acorreram massivamente e que lhes ofereceu, a custo, a independência, teve lugar envolto num ambiente de massacre e violência gratuitos, que comoveu o mundo, e fez despontar manifestações de solidariedade em torno do Globo. O sentimento que este embrião fez brotar além fronteiras foi quase maternal: de repente, tivemos a oportunidade de assistir ao renascer de um Estado; de repente, pudemos comprovar que quando a liberdade não reconhece um território que dela já não tem memória, ambos se sentem perdidos um do outro, ainda que se lhes proporcione um reencontro.; de repente compreendemos e vimos ao encontro da expressão state-building e da sua inegável necessidade.

É no contexto descrito, que a ONU vê reconhecida a importância que se lhe atribui através dos seus já quase incontáveis países membros, e é nesse sentido que a responsabilidade que lhe compete e conduz á posição de tutora do mais novo Estado do mundo, auxiliando a construção e consolidação das suas instituições democráticas e garantindo a persecução do sonho de resgatar para si o território do grande crocodilo.

O papel das Nações Unidas está, no entanto, longe de concluído: suportando o país através de um sistema de responsabilidades partilhadas entre os organismos criados para a concretização dos objectivos pré- definidos, e os Timorenses que tomaram as rédeas de algumas instituições nacionais reaprendendo dirigi-las, Timor subsiste como um dos países mais pobres do mundo; em que o desemprego ronda os 80%; em que o mercado não conhece os limites da sua própria precariedade; e em que as instituições políticas necessitam ainda de solidez e diversidade.

Apesar da informação sobre o fenómeno do state-building escassear devido á sua história recente, este não deixa de suscitar inúmeras curiosidades que põem em causa o seu processo, questionando-o e especulando acerca de outros possíveis modelos de acção: será que as Nações Unidas têm legitimidade para exercer ingerência na vida interna de um Estado, ainda que nestas circunstâncias? Será que o sistema político dos países ocidentais se aplica e resulta em quaisquer culturas e situações, uma vez que a herança portuguesa no território não se mantém tão viva como se desejaria,? ( No que toca a esta questão é fundamental recordar que embora a língua portuguesa tenha sido escolhida como língua oficial do território, raro é o cidadão com menos de trinta anos que a domina). Será que com relativa facilidade e rapidez se reconstrói uma identidade cultural capaz de chegar e contagiar a todos os timorenses, ou como nos conta Huntington no seu Choque de Civilizações , corremos o risco de ver a bandeira timorense hasteada de cabeça para baixo, antes de se criarem laços mais fortes com os símbolos nacionais. E será que não se deveria esperar pela consolidação desses valores culturais e nacionais antes de se proceder á elaboração de uma constituição adequada á cultura do país?

Estas e outras questões assolam-nos o pensamento ao depararmo-nos com o fenómeno do state-building, atentando no caso de Timor, e são elas que justificam um painel que nos permitirá aliciar a curiosidade despertada pelo tema, enquanto o tempo não nos revela o que se esconde no capítulo seguinte do tal punhado interminável de folhas em branco, que é a história da humanidade.

 

 

 

 

Joana Clemente

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