Os movimentos nacionalistas:

 a sua interacção com a globalização e os seus aspectos histórico-culturais

 

 

            Tema de prolongada discussão nos vários círculos da sociedade, o nacionalismo é o movimento subsequente do conceito de nação, utilizado primeiramente durante a Revolução Francesa mas obra de séculos de história. O movimento das nacionalidades ou movimento nacionalista é a reacção das massas ao fenómeno das nações, nascendo da tomada de consciência de que se é nacional, isto é, de que se pertence a um grupo coeso e coerente, que, apesar de tudo, mantém as suas características essenciais ao longo dos tempos, como seja a cultura, a língua, a religião e o objectivo comum, por exemplo. Este movimento de nacionalidades é sempre actual, desde o seu nascimento, pois vai ao encontro de sentimentos, de emoções, do elemento psicológico do Ser Humano como um ser gregário, como um ser comunitário.

            O movimento das nacionalidades foi desencadeado por diversos factores, lutou contra vários inimigos, defendeu certos objectivos. Dentro dos factores de onde deriva o movimento das nacionalidades destacam-se a vontade dos povos, a inteligência humana  (na preservação e reconstituição/ renovação da língua, o passado histórico...) e os interesses ( como foi o exemplo do Zollverin na unificação alemã). Dos inimigos destacamos três tipos: os de tipo imperialista, característicos desde o século XIX até meados do século XX; os Estado-Nação (principalmente em África), desde 1920; a tendência actual para os regionalismos. Os objectivos defendidos pelos movimentos nacionalistas passam pela defesa da cultura, a procura e/ou manutenção de um aparelho político, a preservação da língua , da soberania, entre outros objectivos.

            Nos últimos anos temos assistido a diversas discussões acerca da capacidade adaptativa do Estado-Nação ( que é o paradigma, herdado da ordem bipolar, quanto á origem do Estado) ao fenómeno crescente e real da globalização. Fenómeno abrangente, a globalização tende para despersonalizar o Estado-Nação, para pôr em xeque as identidades, para pôr em sentido as mentalidades. Como um tipo de revolução silenciosa, a globalização tem elevado á existência de mudanças de mentalidade, de mudanças lentas e graduais a nível cultural. Este factor, a cultura, é importantíssimo como motor de toda e qualquer nação.

            Podemos identificar a cultura como um factor definidor do conceito de nação, como factor importante na base psíquica do homem, como ser biológico, mas acima de tudo como ser gregário, como ser social. Nos dias de hoje a cultura é um dilema da comunidade internacional. Andamos, ainda, a discutir se a cultura é fomento de união ou factor de discórdia.

            Se tivermos em conta que, em vários domínios, existem várias organizações, principalmente de âmbito não governamental, que vão desvendando determinadas questões que eram tabus em diversas sociedades, tais como os direitos humanos, a fome, a pobreza, as opressões a minorias religiosas, o racismo, e defendendo determinadas soluções universais para estas questões, escolhendo como campo de acção o mundo na sua totalidade, chegamos à conclusão que a cultura não pode ser um factor de discórdia, podendo mesmo unir os homens na luta por objectivos comuns.

            A cultura é , sim, um dos elementos que, na actualidade, maiores problemas coloca à Nação. Neste ponto, a cultura poderá dividir os homens, dissuadi-los daquilo que é realmente importante para todos, para a Humanidade, que é a defesa do Homem como um Ser Humano digno, e a defesa do meio ambiente, concentrando-os na luta cega pelo poder. Isto é desencadeado por diversos factores. Destacámos três para justificar como pode a cultura ser um fomento da divisão. Eles são o não respeito pela unicidade dos povos  ( como é o caso da África do Sub-Sahariana); o emergir do passado étnico e histórico dos povos ( por exemplo a questão do Médio Oriente); e a emergência cada vez maior dos poderes erráticos, do terrorismo ( por exemplo a famosa Al-Qaeda ou o UÇK)

            No primeiro caso há a destacar a arbitrariedade geométrica com que foi imposto, desde a conferência de Berlim, em 1890, o emparcelamento do território Africano por parte dos europeus , que não tiveram em conta a realidade étnica e cultural muito específica do continente africano. Mas, mesmo os dirigentes africanos que lideraram a descolonização não tiveram a coragem de dar a César o que é de César, isto é, de corrigir os erros  cometidos e legados pelos europeus. Esta é uma das grandes  causas dos problemas vividos hoje na África porque, por exemplo, no campo bélico e da segurança, os conflitos e a manutenção da segurança estão sempre dependentes do além-fronteiras, por muito que os conflitos sejam civis, pois as comunidades  culturais não ficam indiferentes a conflitos que a envolva, mesmo que seja do outro lado da fronteira. Isto, aliado ao aproveitamento dos blocos capitalista e comunista ao fomentar e financiar a descolonização para aumentar as suas esferas de importância, assim como os interesses de uma minoria que retirou imensos proveitos deste riquíssimo continente, leva-nos a afirmar  que em África não assistimos à aplicação do conceito Estado-Nação, como pretendia Wilson, no final da primeira guerra mundial, mas sim de um conceito de Estado-Nações, devido á grande diversidade étnico-cultural que habita cada Estado africano, o que leva a que  o movimento das nacionalidades  muito sui generis esteja ainda vivo, sobre a forma tribal, que é o regime de organização territorial genuinamente africano, e que a cultura seja um verdadeiro fomento de divisão no paradigma africano.

            No segundo ponto focado temos como principal exemplo a questão do Médio-Oriente. A problemática Israelo-Àrabe é, sem sombra de dúvidas, originada por problemas da esfera cultural. Não são de agora as animosidades entre Judeus e muçulmanos, estas remontam aos primórdios da existência da Palestina. O problema religioso é aqui de extrema importância. O passado ancestral das duas culturas gera a conflitualidade actual, pois põe em combate duas visões  um pouco diferentes sobre as relações do homem entre si, com o meio com o metafísico. Quando falamos em conflito Israelo-Àrabe é necessário reconhecer que o problema não se restringe á luta entre Israel e a OLP, mas sim entre Israel, como bastião tradicional do Sionismo, e o mundo Árabe, na sua utopia de grande estado Árabe. É uma luta, um desafio que só com diplomacia, só com relativismo cultural inculcado nas mentalidades poderá ser resolvido. Mas será também com a justa edificação de um Estado Palestiniano, por muitos avanços e recuos que possam acontecer nesse processo, que este conflito beligerante poder-se-à estabilizar. É necessário fazer coexistir o estado de Israel, actualmente muito intolerante à ideia de Estado Palestiniano, com um estado Palestiniano, pois se foi legítimo dar estado à nação de Israel , é igualmente legítimo dar Estado não à nação palestiniana, diluída numa nação maior que é a nação árabe, mas sim ao povo que há milénios povoa uma região onde estabeleceu raízes.

            Concluindo o dossier do Médio-Oriente, achamos estritamente necessário referir o papel, importante, da conjuntura internacional neste conflito. Até à queda do muro de Berlim, em 1989, vivia-se um período marcado por um "equilíbrio de contenção, rejeição e antagonismo..."1. Com a queda do Bloco Comunista assistiu-se a um favorecimento, por parte dos E.U.A., à posição israelita, principalmente a partir da Guerra do Golfo, e de um isolamento da posição palestiniana, que se tem esbatido nos últimos tempos, em parte devido à acção da Liga Árabe e à ténue acção da União Europeia, isto com a devida complacência e consentimento dos sempre poderosos E.U.A..

O terceiro ponto focado mostra o lado mais negativo da questão cultural no âmbito do movimento das nacionalidades. Os poderes erráticos são a ameaça mais perigosa, mais assustadora para o equilíbrio da ordem internacional caracterizada pelo Estado-Nação. Inimigos sem rosto, prontos a atacar, para destruir, para matar, mas em busca de quê? Receamos bem que não sejam ideais nobres como a cultura, a religião ou mesmo a Nação que possam levar à condenação, de forma tão vil, tão cruel, tão selvagem, de vidas inocentes, como são os casos mais visíveis do último atentado do comando tchetchena um teatro moscovita, ou, recuando um pouco no tempo, o ataque às Torres Gémeas, Nova Iorque. Mas é necessário que respondamos a uma simples questão. Quem é que dá assistência logística, financiamento e treino as estes exércitos de terror? São necessariamente Estados, deixando-os fixar no seu território, treinando-os ou financiando-os (ou ajudando-os destas várias formas ao mesmo tempo, como era o caso particular do Afeganistão dos Talibans em relação á Al-Qaeda). O exemplo mais gritante de ajudas aos poderes erráticos vem da potência hegemónica mundial, os E.U.A.. Tentando actuar para defender os seus interesses, os E.U.A. criaram, através de ajuda financeira, logística (sobretudo com o fornecimento de material bélico), e de treino, algumas das organizações terroristas com as quais se debatem actualmente ou se poderão vir a debater, como são o caso da Al-Qaeda, que começou como um grupo armado utilizado principalmente na Guerra Soviético-Afegã e ganhou, nos últimos anos, contornos de organização anti-Ocidental; e do UÇK, o Exército de Libertação do Kosovo, que primeiro surge como uma organização que combate, através das armas, a limpeza étnica encetada pela Sérvia de Slobodan Milosevic, mas que se poderá tornar um problema devido ás suas tendências de luta pela edificação da Grande Albânia, como defendem alguns analistas como por exemplo Alexandre Del Valle, quando cita o General do Exército Americano Harry Summers: "No Kosovo, os Estados Unidos da América comportam-se como defensores dos grupos terroristas ultrafundamentalistas que no entanto são nossos inimigos mortais."2.

Finalizando, podemos afirmar que, dentro desta problemática da globalização e da capacidade de adaptação das nações a esta realidade, verificamos, actualmente respostas a essa questão. È o caso, cada vez mais proeminente, do regionalismo, característico principalmente da Europa, e que até já tem seguidores(como a ASEAN, a UA, a Mercosul), que poderá ajudar a redefinir o papel do Estado-Nação no mundo (apesar de considerarmos que, em alguns casos este conceito precisa de um pequeno ajustamento), sendo a sua acção importantíssima na esfera regional, ao proteger os sectores expostos ao mercado, assim como a prepará-los para a feroz competição nesse mercado. Mas, principalmente aí, à que conciliar culturas, identidades, terá de existir uma predisposição para a mudança do sentido de Estado-Nação como um conceito virado, principalmente para a esfera interna, não desvirtuando o seu papel, mas sim aceitando a realidade tal qual ela é, levando-os a uma constante evolução. Por isso, toma quase valor de lei a advertência do Prof. Vítor Marques dos Santos para os facto das mentalidades não mudarem por decreto...

 

 

 

 

Rui Santos


 

1 Pervin, David J., “Building order in Arab-Israeli relation: From balance to concert”, in Regional Order, Pennsylvania University Press

2 Del Valle, Alexandre, Guerras contra a Europa, p. 138, Hugin Ed., 2001

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