1.º Semestre

 

 

1 - OS GRANDES RAMOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

 

            As ciências sociais têm como objecto de estudo a vida em sociedade, as relações que os indivíduos estabelecem uns com os outros e com as coisas.

            As ciências sociais utilizam, sobretudo dois métodos de estudo. Por um lado, pode estudar-se a realidade da forma como nós desejaríamos que ela fosse - óptica normativa. Por outro lado, pode estudar-se a realidade tendo como preocupação fundamental explicar o que existe de facto, estuda-se a realidade tal como ela é - óptica positiva.

 

¨    Óptica Normativa

           

            A óptica normativa é constituída, essencialmente, por três disciplinas: a ética, a moral e a estética.

 

·       Ética é a teoria normativa relacionada com a conduta e os costumes humanos.

·       Moral é a teoria normativa da acção humana enquanto submetida ao Bem, ao dever de praticar o Bem. É uma teoria relacionada com a qualidade dos actos.

·       Estética é a teoria normativa do Belo que varia consoante as épocas, as culturas e as pessoas.

 

¨    Óptica Positiva

 

            A óptica positiva é o que caracteriza as ciências sociais empíricas (empirismo metódico) e objectivas.

 

·       as ciências sociais empíricas defendem a submissão de todas as teorias à prova dos factos.

·       as ciências sociais objectivas aspiram a não dependerem da subjectividade do investigador. Existe uma relação de distanciamento entre o observador e o objecto, o que não impede esse observador de afirmar um facto.

 

            É difícil elaborar uma classificação das ciências sociais. Contudo, pode fazer-se uma distinção entre as disciplinas que têm como objecto de estudo o conjunto da realidade social e as disciplinas que se especializam num determinado aspecto da vida social.

 

Þ   Disciplinas que visam o estudo do conjunto da realidade social

 

·       História

            É a ciência social que estuda o passado com o intuito de melhor compreender o presente. É das ciências sociais mais antigas, pois desde há muitos séculos que a História faz a análise das estruturas económicas, políticas, sociais e culturais dos povos. Aquilo que tem variado é o método e a forma de encarar os assuntos.

            O grande desenvolvimento da História deu-se a partir do século XIX, o seu método foi sendo aperfeiçoado pelo que os seus critérios de trabalho são agora mais rigorosos.

 

·       Etnologia

            Surgiu no fim do século XVIII como filosofia da história, e no século XIX como estudo dos usos e tradições dos povos exóticos (Africanos, Asiáticos, Australianos, entre outros). Actualmente estuda parte dos usos e costumes tradicionais, visando a sistematização e formulação dos princípios gerais de interpretação.

 

·       Etnografia

            Surge para designar a descrição dos elementos que constituem a cultura dos povos. Deve entender-se por cultura o conjunto de tradições. Aquilo que define a cultura é o alheamento de qualquer forma de herança genética.

 

·       Antropologia Física

            Desenvolveu-se durante os últimos 20 anos do século XIX, quando se generalizou a prática de medir as características físicas dos homens.

- craneometria: medição dos crânios.                 - grupos sanguíneos.

- osteometria: medição dos ossos.                    - genética.

 

·       Antropologia Cultural

            Desenvolveu-se durante o século XIX em países de influência cultural anglo-saxónica, estudando costumes e culturas. Estuda o Homem como ser criador, portador e transmissor de cultura.

 

·       Antropologia Social

            Os antropólogos sociais centram o seu estudo nas estruturas sociais, estudam pequenas comunidades. Mesmo quando estudam uma cidade abordam o ponto de vista de um bairro.

 

            NOTA: o método utilizado pela Antropologia é a observação participante, que consiste em ir observando a realidade social ao mesmo tempo que se participa na mesma.

 

·       Sociologia

            É a ciência do social, dedica-se ao estudo das consequências da modernização das sociedades urbanas e industriais que se verifica, fundamentalmente, nos fins do século XVIII (durante a Revolução Francesa e a Revolução Industrial). O termo Sociologia foi criado por Auguste Comte em 1839, e a Sociologia em si nasce da profunda transformação da sociedade.

            A Sociologia desenvolveu-se sob a influência conjunta de Karl Marx, Max Weber, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim.

 

            NOTA: para além da observação participante, o método privilegiado da Sociologia consiste nos inquéritos de opinião pública.

 

 

Þ   Ciências sociais que se especializaram num determinado aspecto da vida social

 

·       Ciência Política

            Ocupa-se dos factos relacionados com o funcionamento do Estado. Estuda os fenómenos ligados ao exercício do poder, à forma como o Estado fixa os valores, e de como é definido por três elementos: um território, um povo e um poder político, que se subdivide em governantes (aqueles que governam) e governados. A Ciência Política estuda, pois, a forma como é estabelecida a diferença entre quem governa e quem é governado.

 

·       Economia

            O verdadeiro objecto de estudo da Economia são as leis de produção, repartições e o consumo dos bens escassos necessários à satisfação das necessidades humanas.

            A Economia conheceu um maior desenvolvimento durante o século XVIII (1758) quando o Doutor Quesnay publicou Tableau Economique, um livro que retractava a forma como as riquezas circulavam na sociedade. Doutor Quesnay fundou a escola fisiocrática que tem a particularidade de assumir que só a terra é capaz de gerar riqueza, que todos os outros trabalhos existentes são meras transformações das riquezas pela terra fornecidas.

 

·       Demografia

            É o estudo quantitativo do elemento população. É uma ciência relativamente recente quando comparada com a Economia. A primeira referência a Demografia ocorre durante o século XIX numa obra de Achille Guillard, Élements de statistique humaine ou demographie comparée (1855). A Demografia é hoje uma ciência em crescente popularidade.

            O objecto de estudo da Demografia divide-se em:

*      Estrutura da População

à      Arranjo Espacial: forma como a população está distribuída no espaço. Existe uma desigual distribuição de população, pois existem vários factores que condicionam essa distribuição. Prevê-se que para lá do ano 2000 mais de 50% da população seja urbana.

à       Composição da População: são as características da população, que se subdividem em:

- composição etária: num país subdesenvolvido há entre 40 a 50% de jovens, num país desenvolvido a situação é inversa.

- razão de sexo: sexratio, o número de homens existentes para cada mulher. Nascem muitos mais homens do que mulheres, no entanto aqueles têm grande dificuldade em sobreviver durante a infância, verificando-se uma elevada taxa de mortalidade masculina. Assim, o número de mulheres é superior ao número de homens.

- sistema matrimonial: estado civil.

- alfabetização: em Portugal existem cerca de 15% de analfabetos, que são maioritariamente idosos.

- taxa de actividade económica: com a industrialização é natural que as mulheres assumam uma posição mais autónoma dentro da sociedade, o que justifica a baixa da natalidade.

 

*      Movimento da População

à      Mortalidade: desde sempre que se procuram formas para se evitar a morte ou para adiar a morte. Só a partir do século XIX se verifica um aumento da esperança média de vida, devido ao melhoramento das condições de vida. Na Europa morrem 10 pessoas em cada 1000.

à      Natalidade: sempre existiu uma elevada taxa de natalidade, e só no século XIX se verifica uma baixa da natalidade, mais precisamente no fim dos anos 50 e 60 (em Portugal só depois de 1974). O que se verifica é que as mulheres deixaram de ter muitos filhos, antes verificava-se o nascimento de 200 mil crianças por ano e agora o número é de 114 mil por ano. Levanta-se, então, o problema de como fazer aumentar o número de filhos: em França, depois de 1945, dava-se por mês mais de 35% do ordenado do operário metalúrgico por cada filho, contudo, o número de filhos não disparou.

à      Movimentos Migratórios: antigamente, pessoas oriundas de outros países vinham preencher os lugares de um determinado país, que os naturais desse país não queriam preencher, como foi o caso da Alemanha. Agora verifica-se o contrário. Em 70, os alemães não queriam desempenhar determinadas funções consideradas menos dignas, como era trabalhar nas oficinas. Então, recrutava-se turcos e gregos que, após lá trabalharem durante vários anos, ficavam com os mesmos direitos que os alemães. Mas agora os alemães já querem desempenhar essas funções, levantando-se o problema “quem é que se despede”. Sob o ponto de vista dos recursos humanos, tem que se dar prioridade a quem já lá estava antes, ou seja, aos turcos e aos gregos. Sob o ponto de vista do nacionalismo, tem que se dar prioridade aos naturais do país, ou seja, aos alemães.

 

Se houvesse uma elevada taxa de natalidade nada disto aconteceria, pois nunca se iria sentir a necessidade de recrutar esforços humanos a outros países.

 

·       Psicologia Social

            Distingue-se da Psicologia Tradicional porque esta estuda apenas o comportamento e os processos mentais de um indivíduo enquanto ser único (consciência, memória e percepção). O que a Psicologia Social estuda é o comportamento dos indivíduos em sociedade. Os indivíduos, enquanto membros da sociedade, afectam e são afectados por grupos.

            A Psicologia Social nasceu em 1876, numa altura em que ficaram célebres as discussões determinantes do comportamento. Tentava-se descobrir qual era a influência que a hereditariedade e o meio ambiente tinham na formação dos comportamentos dos indivíduos.

 

            O professor César Lombroso publicou um livro, O Homem Delinquente, em que afirmava que era a hereditariedade que determinava o comportamento dos indivíduos. Considerava que os estigmas de degenerescência e as assimetrias corporais eram características de indivíduos criminosos. Assim, Lombroso defendia a ideia de que todas essas pessoas não podiam viver em sociedade, pelo que tinham de ser presas. Pois se assim não fosse, haveria sempre a possibilidade dessas pessoas cometerem outros crimes.

 

            Em 1877, Dugdale e Goddard escreveram duas monografias sobre o estudo das famílias, incluindo a genologia (ascendentes). Dugdale escreveu sobre uma família denominada The Jukes, constituída por cerca de 800 elementos, dos quais centenas eram vagabundos e mendigos e 74 eram criminosos. Goddard escreveu sobre uma família denominada Kalikaks, cujos membros não apresentavam comportamentos medíocres. Ambos os autores procuravam provas para explicar a questão da hereditariedade.

 

            Em 1890, Grabiel Tarde (juiz) escreve Leis de Imitação, onde afirma que o comportamento dos indivíduos é influenciado pelo meio ambiente em que vivem. Grande parte dos condenados vivem em condições muito promíscuas e não se integram na sociedade, pois seguem o mau exemplo daqueles que os rodeiam.

 

            A Psicologia Social nasceu desta querela entre os defensores da hereditariedade e os do meio ambiente. A partir do início do século XIX publicam-se as primeiras obras de Psicologia Social, primeiro com o autor Cooley, em 1902, e mais tarde com os autores McDougall e Ross, em 1908. A Psicologia Social desenvolve-se em consonância com as ciências de laboratório técnicas: um indivíduo quer estudar o sono e as suas fases, então, observa um outro indivíduo durante o sono e conclui que durante a fase do sono em que se sonha os olhos movimentam-se rapidamente (REM - Rapid Eyes Moves), e durante a fase do sono em que não se sonha os olhos não se movimentam rapidamente (NREM - No Rapid Eyes Moves). Concluiu, ainda, que todas as pessoas sonham todas as noites. Se esta técnica não tivesse sido desenvolvida não se sabia nada sobre o sono.

 

            NOTA: O método da Psicologia Social é, por excelência, o método experimental.

 

·       Linguística

            É a ciência que se ocupa do estudo e da estrutura e transformação das línguas. Tem sido objecto de estudo desde o século XIX, quando se autonomiza como ciência social. Deve muito à escola estruturalista.

 

·       Semiologia

            É a ciência que estuda, para além da linguagem, todos os sistemas de signos ou símbolos de que os homens se servem para comunicar entre si.

            Roland Barthes procurou estudar o conteúdo divulgado pelos meios de comunicação de massa, que podem ser estudados através da sua linguagem - metalinguagem. 

            Charles Morris em vez do termo Semiologia usa o termo Semiótica.

 

·       Geografia Humana

            Esta ciência dedica-se ao estudo da relação entre o modo de vida dos indivíduos em sociedade e a paisagem na qual se inscreve a sua acção.

            O termo Geografia é utilizado desde tempos remotos, mas deve o seu actual significado à obra de Alexandre Humboldt e Charles Ritter, este último deu origem à escola geográfica alemã no século XVIII.

            Existem duas concepções de Geografia Humana, uma de Ratzel e outra de Vidal de la Blache. Até ao fim do século XIX as concepções incidiam numa concepção determinista, que significa que o meio físico exerce um efeito determinante na distribuição espacial. O domínio tecnológico não é tão evidente como é hoje, o que levou Ratzel a criar a Antropogeografia (concepção determinante sobre as populações).

            Foi ainda criada a Escola Possibilista, que deve a sua fundação à obra póstuma de Vidal de la Blache, concluída por Emanuel de Mortonne, e publicada em 1921. Obra esta que afirma que o Homem, dadas as condições, pode modificar a seu favor o meio ambiente. É a concepção da terra moldável.

            Para além da Geografia Humana há ainda a Geografia Física, embora esta última não seja uma ciência social.

 

 

2 - ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

 

2.1. A emergência das ciências sociais no século XIX

           

As ciências sociais emergem do interesse pela questão social e pela expansão dos povos europeus na Ásia e em África, que se revela sobretudo nos fins do século XVIII e princípios do século XIX.

             A questão social viu os seus problemas aumentarem como consequência da Revolução Industrial e da Revolução Política. A primeira revolução desencadeou a concentração urbana, suscitando migrações internas e internacionais, pelo que muitas pessoas foram obrigadas a romperem com as suas aldeias de origem, deixando para trás as suas raízes. Essa concentração urbana juntou nos bairros operários das grandes cidades industriais um elevado número de pessoas que viviam em condições de promiscuidade. Por sua vez, a Revolução política pôs fim às solidariedades tradicionais, instituindo a liberdade da concorrência. Tentou reduzir o apoio a influência social do apoio colectivo pois acreditava que o indivíduo era capaz de velar pelos seus próprios interesses.

            As ciências sociais também foram impulsionadas pela expansão dos povos europeus na Ásia e em África, pois desenvolveu-se a curiosidade pelos usos e costumes de tais povos, o que levou à viajem de muitos administradores, militares e missionários cujos escritos estimularam os primeiros passos da etnologia. Isto deu origem a outros interesses que se vieram a desenvolver posteriormente, tais como o estudo da organização social dos povos, entre outros.

 

 

 

 

2.2. Da filosofia social à ciência social

 

A emergência das ciências sociais foi precedida pelo Movimento Intelectual, que radica no período absolutista e assenta no reflexo filosófico e político sobre as sociedades contemporâneas, e na reflexão sobre a forma dos regimes políticos.

 

1688 - Revolução Política Inglesa

1789 - revolução Francesa

 

Þ   Jonh Locke é a grande figura da Revolução Política Britânica, tendo escrito duas obras que exerceram uma forte influência sobre as sociedades seguintes.

Uma das suas obras foi um tratado sobre política, Two Treatises on government (1690), que defende o princípio de que existe um interesse geral que se concilia no interesse de todas as pessoas. Se cada um seguir o seu interesse com prudência verifica-se harmonia na sociedade.

Todo o seu pensamento político é penetrado pela lei natural, dirigindo todas as coisas da Natureza. Os homens devem ser deixados livres de prosseguirem os seus próprios fins, guiados pelo critério do seu interesse pessoal, uma vez que todos os interesses individuais tendem a harmonizar-se no interesse comum. A propriedade ocupa um lugar de relevo na procura do interesse individual, e a defesa da mesma é uma das preocupações que inspiraram a união dos homens em comunidades políticas. No pensamento político de Jonh Locke, os limites à acção dos poderes públicos e especialmente do poder executivo, a doutrina do equilíbrio dos poderes, têm por fim garantir a liberdade que os cidadãos utilizarão para conseguir a plena satisfação dos seus interesses.

Nesta obra, Locke defende ainda a divisão de poderes:

            - poder governativo: atribuído ao rei.

            - poder executivo: atribuído às assembleias.

            - poder federativo: estabelecimento das relações diplomáticas.

Outra das suas obras foi um tratado de filosofia, Essay Concerning Human Understanding, escrito em 1687 (1690). Nesta obra, Locke, fundador do empirismo, estabelece que a fonte das ideias são, por um lado, a sensação e, por outro lado, a percepção do funcionamento do cérebro. Nada do que sabemos é anterior à sensação, a “doutrina da tábua rasa”. Afirma que não há possibilidade de um indivíduo herdar conhecimentos dos seus antepassados.

 

            Filósofos ingleses progressistas, em especial Jonh Locke, vieram a exercer uma forte influência sobre filósofos racionalistas franceses como Montesquieu, Voltaire e Rousseau, que muito contribuíram para a generalização do clima intelectual e político que havia de conduzir à Revolução Francesa.

 

Þ   Montesquieu publicou em 1748 Do Espírito das Leis, onde explica a forma como o espírito humano reage a solicitadas circunstâncias para criar um regime jurídico político orientado para um determinado fim que encontra a sua expressão mais sintética no princípio do governo. É uma análise da forma como o ordenamento jurídico de diversos regimes existentes reflecte as exigências do clima, da economia, do relevo, da demografia, etc. O ordenamento jurídico de cada país tem ser diferente, pois o espírito das leis tem que respeitar os factores acima referidos.

 

·     Tipos de governo (estrutura):

·       Democrático

·       Aristocrático

·       Monárquico

 

·     Princípios de governo (aquilo que o orienta, as paixões que o movem):

·       ao governo Democrático associa-se a Virtude, que é percursora de três funções do governo:

                                   - legislativa: compete à assembleia (concepção das leis).

                                   - executiva: compete ao governo (execução das leis).

                                   - judicial: compete aos tribunais (execução da justiça).

·       ao governo Aristocrático associa-se a Moderação.

·       ao governo Monárquico associa-se a Honorabilidade.

 

Cada tipo de governo tem um princípio de governo. A divisão de poderes é estruturada desta forma para que nenhuma instituição albergue vários poderes.

 

            Montesquieu na verdade não fornecia um princípio de crítica política ou de reconstrução das sociedades. Fornecia sim uma técnica, indicava os aspectos a ter em atenção para estruturar o Estado em novos termos e para conciliar essa nova organização. Pois explicava como as leis se organizavam em função dos fins do Estado, e segundo as diversas circunstâncias. Mas essa harmonia, com o fim último dos diversos tipos de governo, era também o único critério da bondade e da justiça das leis.

 

Þ   Voltaire é o espelho máximo do racionalismo francês. Apela aos seus contemporâneos que denunciem o absurdo da sociedade. Sustentava nunca ter encontrado leis geralmente justas ou boas. Considerava ridícula a organização das sociedades conhecidas da Europa, achando que se deviam construir novas bases para a vida dos povos. Assume uma posição anticlerical e apela ao exercício da liberdade. Escreveu duas grandes obras: Cândido e Cartas Filosóficas.

            Em Cândido, revela os argumentos a favor e contra determinadas concepções, que aparecem substanciados em comportamentos e acontecimentos, em que o factor absurdo aparece sempre em evidência.

 

Þ   Rousseau defende a ideia de que todas as pessoas nascem boas, mas são sucessivamente corrompidas pela sociedade. Para evitar isto há que construir uma nova sociedade de acordo com a qual o indivíduo perca a sua liberdade original e ganhe uma liberdade política e civil.

            Escreveu duas grandes obras: Emílio, onde descreve a forma como se deve educar, e Contrato Social, que é uma obra de teor político.

 

 

            Este clima intelectual originou um novo debate político, e foram publicados escritos que revelam a violência da Revolução Francesa.

 

1790 - Edmund Burke é um inglês cuja reputação política se deve aos seus discursos liberais na Câmara dos Comuns, e é marcada pela sua oposição aos revolucionários franceses.

            Escreve Reflections on the Revolution in France, onde diz que não se devem eliminar as instituições anteriores. Estas reflexões são uma longa condenação das abstracções dos filósofos da Revolução.

            Tal como Montesquieu, Burke considera que são os hábitos e as práticas estabelecidas pela força da evolução histórica que levam as leis a adaptarem-se gradualmente às circunstâncias da vida dos diversos países e as aspirações dos povos. Afirma que o sistema de governo do seu país assenta realmente na natureza das coisas.

            Assim, escreve que se deve preservar o método da Natureza na condução do Estado, e que se aceitarmos a hereditariedade (Burke considera que em Inglaterra as liberdades e direitos dos cidadãos são transmitidos de pais para filhos) estaremos a dar «à nossa estrutura política a imagem de uma relação de sangue».

            As reflexões de Burke enunciam muitas das ideias que irão servir na luta dos tradicionalistas contra a Revolução.

 

1793 - Godwin escreve Political Justice, onde estabelece uma posição sobre a defesa dos pobres, dos injustiçados e dos que vivem à margem da sociedade. Todos devem ser ajudados pelos estados (Poor Laws).

 

1794 - Condorcet escreve Esboço de um quadro histórico necessário ao progresso do espírito humano, em que defende a ideia de progressos em todos os campos.

 

            Ambos acreditam que as sociedades humanas caminham para a felicidade, antevendo uma época em que os métodos de produção serão tão aperfeiçoados que os homens poderão viver confortavelmente com um mínimo de esforço e em que o desenvolvimento da ciência aumentará indefinidamente a duração da vida humana.

 

¨    Thomas Malthus opõe-se às concepções optimistas de Godwin e Condorcet. Oposição patente no seu Essay on the Principle of Population as it Affects the Future Improvement of Society (1798), onde argumenta que se o homem for deixado ao livre exercício dos seus instintos, estes conduzi-lo-ão à decadência. Uma obra escrita sem grandes evidências empíricas.

           

            Esta sua teoria do desequilíbrio assenta em duas teses: a de que a população cresce de acordo com uma progressão geométrica; e a de que as subsistências crescem de acordo com uma progressão aritmética.

 

·       A população dobra todos os 25 anos:

                                                                       Note-se que este crescimento verifica-se apenas nos

                        1          2          4          8          Estados Unidos.

 

 


                                    depois de 25 anos

 

·       As subsistências crescem de acordo com uma proporção aritmética:

 

                        1          2          3          4

 

 

 


                                   depois de 25 anos

 

Verifica-se, assim, um acentuado desequilíbrio, uma vez que as subsistências não são suficientes para garantir a sobrevivência da população. Mas, para além deste desequilíbrio, existem outros obstáculos ao crescimento da população.

 

·       Obstáculos repressivos: existem desde sempre. São as pestes, as epidemias, as guerras, a fome, entre outros, que sempre têm aniquilado o crescimento da população (Tríade Fatídica de 1983/85). É possível eliminar os obstáculos repressivos com o aumento demográfico.

·       Obstáculos preventivos: moral restritiva, ou seja, é necessário impedir o casamento das pessoas que não têm condições (económicas, psicológicas, etc.) para ter filhos, praticando assim a abstinência sexual. De modo algum o estado deve ajudar os necessitados, porque se as pessoas tiverem o seu rendimento garantido terão mais tempo para procriar.

 

            Malthus analisou a lei dos rendimentos não proporcionais: se o rendimento não compensa o investimento, este deixa de ser rentável. Esta análise comprometeu as ideias que alguns do seus contemporâneos tinham sobre o progresso.

            No fim do século XVIII e início do século XIX desenvolvem-se concepções de uma nova sociedade que emerge com a Revolução Francesa.

 

 

 

 

·       Concepção Política: divisão de poderes.

·       Concepção Filosófica: Jonh Locke - princípio do laissez faire.

·       Concepção Económica:

·       David Ricardo abalou profundamente a tese de que o interesse individual coincide necessariamente com o interesse colectivo. Ricardo veio a revelar-se um grande inovador do pensamento económico. Escreve, em 1817, The Principles of Political Economy and Taxation, onde se realça a sua teoria da renda da terra. Ricardo pretende explicar como é que o produto é repartido pelas três partes interessadas: o proprietário, o arrendatário capitalista e o agricultor. Afirma que o mais importante é determinar as leis que regulam essa distribuição, pois esse é o maior problema da economia política.

Ricardo sustenta que as condições de mercado condicionam a forma como se cria a renda da terra, fenómeno que não anda ligado ao volume mas sim ao valor do produto. Existem dois aspectos concepcionais da renda da terra (riqueza):

                        - lei dos rendimentos não proporcionais ou decrescentes.

                        - fertilidade da terra: como é que se cria a renda da terra nas diversas situações.

Contrariamente às concepções política e filosófica, David Ricardo afirma que não há uma harmonia de interesses entre todos os agentes económicos (proprietário, arrendatário e agricultor).

David Ricardo considerava que as “Poor Laws” viciavam as leis da oferta e da procura, criando uma situação falsa e perigosa, pois iria favorecer um crescimento demográfico para além da capacidade de absorção do mercado de trabalho.

·       Jean Sismondi foi um dos que mais se empenharam na tarefa de encaminhar a ciência para o estudo do real. Em 1803 escreve De La Richesse Comerciale, onde explica como se cria a riqueza. Seguiu Adam Smith até à queda de Napoleão, pois após a queda deste verificaram-se sucessivas crises de superprodução. Há uma oferta excessiva e uma procura deficiente, pelo que os preços baixam. Esta realidade contradiz a escola fisiocrática. Em 1819, Jean Sismondi escreve Noveaux Principes d’Économie Politique, onde se revela contra o optimismo daqueles que acreditam que o preenchimento dos interesses particulares conduzirão sempre ao interesse colectivo. Procura chamar a atenção para o estado de miséria humana escondido por detrás das indústrias europeias.

                        Sismondi é o primeiro economista defensor da necessidade de uma política social e de uma intervenção moderadora por parte dos poderes públicos no jogo das forças económicas.

 

*      Constituição de Federações é a forma mais fácil de superar estes problemas, fazendo do operário senhor do seu trabalho, patrão de si próprio.

            Dá-se início a uma visão mais social das condições em que se exerce o trabalho (particularmente nas fábricas). É a ponte entre a Economia clássica e os percursores do federalismo.

 

 

2.3. O pensamento e a escola de Saint-Simon (1760 - 1825)

           

Saint-Simon é a figura de sucessão da antiga ordem e a nova ordem que sucede à Revolução Francesa. As suas concepções tiveram uma enorme influência no pensamento político e social do século XIX. Participou na Revolução Francesa, o que lhe permitiu reconstituir a sua fortuna, que se encontrava a baixo nível devido às despesas feitas pelos seus projectos anteriores e pelos seus hábitos de liberdade. Era defensor de uma nova forma de governo assente na ciência e na técnica modernas, proclamando a capacidade da indústria para reorganizar a sociedade, que ficou desorganizada pelos legistas e pelos militares que a geriam. É necessário colocar os industriais no governo.

 

            Ao longo da história existem três grandes épocas designadas por épocas orgânicas:

¨    Sociedade Feudal/Medieval: caracterizada pelo poder conferido aos militares.

X - Época de Crise

¨    Sociedade Teológica: os conhecimentos são de natureza conjectural e metafísica, por isso é natural que os teólogos da Igreja detenham o poder.

                        X - Época de Crise

¨    Sociedade Industrial: apela-se para a transformação, para a produção, é a moral do trabalho.

           

            Até se chegar à Sociedade Industrial verificam-se épocas de crise porque a sociedade está desorganizada. É preciso conferir o governo aos trabalhadores, aos industriais, pois este seria um poder de demonstração e de ensino e não um poder autoritário.

           

            A sua obra revela um espírito fértil e uma grande capacidade de penetração dos acontecimentos do seu tempo. Os seus primeiros escritos são dedicados a diversos temas científicos e filosóficos, tendo como máxima preocupação colocar a ciência ao serviço do progresso da humanidade.

            Contudo, a partir de 1814, dedica-se, sobretudo, a defesa das suas ideias sobre a organização da nova sociedade. O tema em que centra todos os seus escritos desta fase é a necessidade de confiar o governo aos industriais, que constituem as forças reais da sociedade.        

 

·       Carta de Saint-Simon:

            As pessoas têm duas grandes necessidades: precisam de “pão para comer” e de educação, e a melhor maneira para se obter isso é através do trabalho. Saint-Simon acha que deve ser a classe empresarial a governar a nova sociedade porque é esta classe que está mais habituada a contactar com as pessoas.

            Esta nova autoridade é um poder de coordenação das partes através da comunicação.

            Em todas as sociedades existem dois poderes fundamentais: o poder político, conferido aos industriais; e o poder de desenvolvimento das capacidades produtivas, conferido à população.

 

·       Conselho de Newton: o governo deve ser constituído por três assembleias.

·       criar: devem estar presentes os principais criadores da sociedade (pintores, escritores, escultores, etc.), todos aqueles que idealizam.

·       examinar: aqui só têm lugar os matemáticos e físicos que vão apreciar as ideias e verificar a sua viabilidade.

·       execução: aqui têm lugar os engenheiros, os banqueiros, aqueles que conseguem aplicar as ideias, que já têm uma viabilidade técnica, uma viabilidade financeira.

 

¨    Gurvitch escreveu um tratado, A vocação actual da sociologia, onde chama a atenção para duas concepções que considera como traves mestras do pensamento sociológico de Saint-Simon:

 

·       oposição entre o Estado e a sociedade Económica: verifica-se que Saint-Simon vê na sociedade contemporânea o predomínio, neste período crítico, de um governo que não corresponde às necessidades da população, opondo-se, por isso, ao interesse do desenvolvimento económico.

·       teoria das classes sociais: Saint-Simon verifica que existem diversas classes sociais na sociedade do seu tempo, mas que são “classificadas” de acordo com o princípio de cada um e segundo a capacidade de cada um. Por exemplo, os bancários, que são realizadores de grandes acções, são uma classe superior a outra composta por pequenas organizações.

O professor Gurvitch sustenta que Saint-Simon não deve ser considerado como um predecessor da escola bio-organicista, pois «a “fisiologia” de Saint-Simon invoca a história, a civilização, a produção económica, a produção espiritual , a luta de grupos e classes sociais, e de nenhuma maneira invoca a biologia, nem mesmo essa parte da biologia a que se chama fisiologia».

            Gurvitch chama ainda à atenção para o valor que Saint-Simon atribui à moral na sua análise da vida colectiva. Pois existe considera a moral como a estrutura essencial à sociedade, já que não são possíveis sociedades sem ideias morais comuns. Saint-Simon afirma que a cada época e a cada tipo de governo corresponde uma moral própria. Por exemplo, na sociedade industrial impõem-se a moral do trabalho.

 

Contribuição para a teoria sociológica:

- Saint-Simon tem uma concepção dinâmica da sociedade, pois vê-se como um constante movimento de criação e de transformação, sustentado por um esforço contínuo. O trabalho é típico desse esforço.

- Atribui grande importância às ideias, considerando-as como parte estruturante da sociedade. Mostra como ideias e concepções diferentes andam historicamente ligadas aos diferentes regimes.

- Todavia, não atribui nenhuma importância predominante à produção espiritual, pois, como afirma no Catecismo dos Industriais, «a capacidade do espírito humano é igual para o espiritualismo e o materialismo; e desenvolvimento de ambos contribui igualmente para o progresso da civilização, e a verdadeira filosofia consiste em realizar, com igual proporção de conhecimento sobre o homem físico e moral, uma boa organização social».

 

            Saint-Simon teve igualmente uma influência muito profunda na vida política do século XIX. Os seus escritos inscreveram-se num ambiente marcado pela luta da burguesia liberal, detentora do poder económico, contra a antiga nobreza. Essa burguesia representa a classe que Saint-Simon designa por classe industrial.

            É desta burguesia que vêm os seus apoios financeiros e é dela que saem os seus discípulos, que foram quem principalmente contribuiu para a grande influência que as ideias de Saint-Simon tiveram na condução dos negócios.

            Logo a seguir à morte de Saint-Simon, os seus discípulos fundaram um jornal, “Le Producteur”, onde expunham as suas ideias, das quais as preocupações da reforma social assumiam maior relevo. De 1828 a 2830 expuseram publicamente as ideias de seu mestre numa série de conferências, que mais tarde reuniram em dois volumes sob o título de Exposição da Doutrina de Saint-Simon, marcada por um tom mais extremista do que a obra do Mestre.

 

 

Saint-Simon conduziu à autonomização da sociologia e sistematizou as ciências:

¨    Física: ciência dos corpos brutos.

¨    Fisiologia: ciência dos corpos organizados e da vida. É uma ciência que se subdivide em:

·       fisiologias particulares: estudam a vida das várias espécies, desde o Homem até ao mais pequeno animal.

·       psicologia: estudo da vida mental dos homens.

·       fisiologia geral: que se subdivide em:

- fisiologia social: estudo dos esforços dos indivíduos em sociedade, e dos seus comportamentos em sociedade.

                        - política.

 

Na obra O Novo Cristianismo, Saint-Simon defende a moral do trabalho, que assenta no valor da fraternidade na escala mundial. Os industriais devem trabalhar e produzir mas sempre com amor ao próximo.

Outras das suas obras são:

Da Reorganização da Sociedade Europeia

A Indústria

O Organizador

O Sistema Industrial

O Catecismo dos Industriais

 

            Os discípulos de Saint-Simon formaram novas sociedades, como por exemplo a sociedade comandita (sociedade por acções). Um dos seus discípulos, Lesseps, foi o responsável pela abertura do canal de Suez.

 

 

2.4. O ensino de Auguste Comte (1798 - 1857)

           

            Auguste Comte foi quem introduziu na linguagem científica a palavra Sociologia. Considerava-se fundador desta nova disciplina, não só por ter sido o primeiro a dedicar-se a fundo à sistematização do método e do objecto da Sociologia mas também por se considerar aquele que descobriu a primeira lei sociológica - a lei dos três estados.

            Comte, movido pela sua paixão política, foi um dos principais dirigentes de um protesto de alunos que levou o governo da Restauração a licenciar toda a Escola. Depois de passar uns tempos na suas terra natal, retorna a Paris tendo publicado o seu primeiro ensaio político, Nos Réflexions.

 

1817 - Tornou-se secretário pessoal de Saint-Simon, tendo colaborado na elaboração de A Indústria e do O Organizador, e noutras publicações do grupo, o que lhe permitiu amadurecer as suas concepções políticas. Estas afastavam-se cada vez mais das ideias do Mestre chegando à ruptura em 1824.

 

            Comte tem, de facto, uma interpretação própria da evolução social recente.

 

1822 - Publicou a sua grande obra, Plano dos Trabalhos Científicos Necessários para Reorganizar a Sociedade, onde faz uma análise da crise que as nações mais civilizadas enfrentam. Nesta obra está patente a distinção de épocas orgânicas e críticas históricas, que são muito importantes no seu pensamento. Comte considera que a época de crise é uma transição de uma fase em que as ideias estão desactualizadas pelo progresso dos conhecimentos humanos para uma outra fase em que serão incorporados os últimos desenvolvimentos filosóficos, de forma a ser possível estabelecer uma nova era orgânica.

 

1825 - Casou com uma antiga prostituta.

 

            Comte achava que havia necessidade de definir os caminhos a seguir de forma a assentar em bases incontestáveis os princípios a extrair dos factos sociais. Para tal, Comte abre a o público um Curso de Filosofia Positiva.

            A preparação deste curso foi algo turbulenta, pois Comte, casado com uma antiga prostituta, conheceu frequentes dissabores conjugais, o que lhe perturbava a preparação das lições.

 

1826 - O Curso iniciou-se, então, em Abril, no seu apartamento, para um número de alunos pouco numeroso mas que contava com alguns homens de grande reputação intelectual. Comte foi obrigado a interromper o seu Curso, em virtude de um esgotamento, originado pela instabilidade da sua vida.

 

1829 - Retomou em Janeiro o seu Curso de Filosofia Positiva.

 

1830/42 - Publica em seis volumes o curso de Filosofia Positiva, que visava a sistematização de todo o saber contemporâneo.

1.º Volume: Preliminares Gerais e Filosofia Matemática, promove a sistematização da matemática do seu tempo.

2.º Volume: Filosofia Astronómica e Física, desenvolve todas as concepções da física celeste (astronomia) e da física propriamente dita.

3.º Volume: Filosofia da Química e da Biologia, afirma que para se estudar o corpo humano tem de se saber primeiro química e só depois se pode estudar biologia.

4.º Volume: Parte Dogmática da Filosofia Social, define pela primeira vez o termo Sociologia (1839).

5.º Volume: Parte Histórica da Filosofia Social.

6.º Volume: Complemento da Filosofia Social. Conclusões.

 

Concepção da Filosofia Positiva: estudo individualizado de todas as ciências, como se estivessem submetidas a um método único.

            Comte tem como primeiro cuidado explicar o sentido em que emprega as palavras filosofia e positiva. Filosofia é como que a designação do sistema geral das concepções humanas, e positivo é, no entender de Comte, o método que consiste em atribuir uma causalidade ao fenómeno. Nota que a concepção de Filosofia Positiva vai mais além que a de Filosofia Natural, já que compreende também o estudo dos fenómenos sociais.

            Comte considera que a primeira necessidade do Homem é a de conhecer e entender o mundo em que vive. E a forma como essa necessidade é satisfeita em cada momento da história é de extrema importância na explicação de toda a orgânica social.

            Comte afirma que o espírito humano passa pela “lei dos três estados” na conceptualização dos diversos aspectos do mundo exterior. E, para que a sociedade evolua, é preciso que o espírito humano evolua do estado teológico para o estado metafísico, atingindo, por fim, o estado positivo. Cada um destes diferentes estados conheceu uma evolução que facilitou a transição dos espíritos de um estado para outro. No entanto, Comte nota que, como métodos, os diversos estados coexistem, apesar de considerar que o método positivo é mais facilmente empregado nas ciências que estudam factos muito gerais.

 

¨    Matemática: é a ciência mais simples, que é ao mesmo tempo a ciência natural que estuda os fenómenos de maior generalidade e um poderoso instrumento de investigação filosófica, subdivide-se em:

·       concreta.

·       cálculo ou abstracta.

 

¨    Física: subdivide-se em:

                                       social - Sociologia    

·       fisiologia

                            geral - Biologia

                                                                 química                             

                                   física terrestre

                                                                 física

·       física

                                   física celeste - Astronomia

 

As diversas ciências sucedem-se como uma pirâmide:

 

                                               Moral*

                                               Sociologia (mais complexa)

                                               Biologia

Teorema de Comte                    Química

                                               Física

                                               Astronomia

                                               Matemática (mais simples)

* mais tarde, Comte afirma ser esta a ciência mais importante.

 

            Levar o estudo dos fenómenos sociais ao estudo positivo, consolidando de vez a Sociologia, é sem dúvida o primeiro objectivo do Curso de Filosofia Positiva, de Comte.

 

1844 - Auguste Comte conhece uma rapariga pela qual se apaixona, Clotilde de Vaux, que exerceu sobre ele uma tremenda influência. A morte desta levou Comte a mudar a sua concepção filosófica.

1851/54 - Publicou a sua segunda grande obra, na qual desenvolve as suas concepções de Filosofia Positiva, Sistema de Política Positiva que tem como subtítulo Tratado de Sociologia instituindo a Religião da Humanidade. Esta obra predispõe-se em quatro volumes:

            1.º volume: Discurso Preliminar. Introdução Fundamental.

            2.º volume: Estatística social. Teoria da Ordem.

            3.º volume: Dinâmica Social. Teoria do Progresso Humano.

            4.º volume: Quadro sintético do futuro humano.

A partir desta obra os seus discípulos distanciam-se do mestre, afirmando que esta obra é uma contradição da primeira, pois Comte, inicialmente salientava que pensar de maneira positiva era o mais importante, agora afirma que só a «religião da humanidade» é capaz de assegurar o perfeito desenvolvimento do homem. Comte entende que o progresso só pode encontrar-se numa cada vez mais perfeita exploração das potencialidades da cooperação social.

 

            A Sociologia é o estudo positivo das leis próprias aos fenómenos sociais, que se dividem quanto à estática e dinâmica sociais.

 

·       Estática Social: estudo, um por um, de cada elemento da natureza humana (natureza tríplice): afectividade, inteligência, actividade. Procura estudar as suas características próprias, as influências recíprocas destes elementos, e as necessidades que regem a sua formação.

·       Dinâmica Social: procura estudar como esses elementos evoluem, estando sempre em interligação.

 

Þ   Leis relativas à estática social: Comte atribui uma grande importância à influência de certas disposições cerebrais que se traduzem em certos motores afectivos, funções intelectuais e qualidade práticas. Assim:

 

à   Afectividade:

¨    Predisposições Egoístas:

                                                    individual - o mais importante é o instinto nutritivo

                                                                       sexual

                                                    espécie

                                                                       maternal

·       Instintos                             

                                                                       militar

                                                     sociais

                                                                       industrial

 

                                                      orgulho

·       sentimentos

                                                      vaidade

 

Estas predisposições têm a ver com o próprio indivíduo.

 

¨    Predisposições Altruístas:

·       igualdade - relação entre marido e mulher ou entree irmãos.

·       superioridade - relação entre pais e filhos ou patrão e empregados.

·       veneração - os filhos veneram os pais.<

 

Estas predisposições têm a ver com a subordinação do indivíduo na sociedade em que está inserido.

 

à   Inteligência:

¨    Concepção:

                                                                 inteligência indutiva

·       inteligência activa

                                                                 inteligência dedutiva

 

                                                                 concreta

·       inteligência passiva

                                                                 abstracta

¨    Expressão:

·       escrita

·       oral

·       gestual/mímica

à   Actividade:

¨    coragem para empreender

¨    prudência na execução

¨    perseverança

 

Þ   Leis relativas à dinâmica social: estuda as transformações das sociedades humanas, tendo sempre presente a consciência da evolução histórica. Comte considera que a dinâmica social representa a essência da Sociologia.

            É neste quadro que vem inscrever-se a lei dos três estados, que respeita justamente a evolução intelectual.

 

 

Antiguidade

Idade Média

Idade Moderna

Espírito

Teológico

Metafísico

Positivo

Épocas

Militar

Feudal

Industrial

Inteligência

Dogma

Abstracção

Demonstração

Actividade

Conquista

Defesa

Moral do Trabalho

Sentimentos

Cívicos

Colectivos

Universais

Religião

ver abaixo

 

Esta Religião, em correspondência com os elementos próprios à natureza do Homem, tem de contemplar simultaneamente o sentimento, a inteligência e a acção. Por isso Comte prevê:

- um dogma: o positivismo - cessam as disposições egoístas e generalizam-se as disposições altruístas.

- um culto: o da humanidade e dos grandes mortos.

- um regime: regulador da conduta privada e pública.

 

A fórmula sagrada dos positivistas será «o Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por objectivo».

 

Para Comte existe sempre um equilíbrio na dimensão temporal e espiritual. Do ponto de vista temporal os homens são superiores às mulheres, do ponto de vista espiritual as mulheres são superiores aos homens.

           

A Filosofia Positiva de Comte teve um enorme impacto na segunda metade do século XIX, impulsionando, juntamente com as ideias de Saint-Simon, os primeiros desenvolvimentos da Sociologia.

 

 

2.5.  A Sociologia de Herbert Spencer (1820 - 1903)

 

            Herbert Spencer foi o apóstolo do expoente/poder do império Britânico. Foi o autor de um dos primeiros sistemas de sociologia e a mais importante influência na divulgação da nova disciplina científica nos países de língua inglesa. Na Inglaterra as suas posições filosóficas e políticas traduziam a ideologia dos empresários e profissionais da classe média que ascendiam social e politicamente com a Revolução Industrial.

            Em todos os países onde a Revolução Industrial ainda não tinha chegado, os livros de Spencer eram bem aceites, procurando-se neles a compreensão dos princípios de que decorria o progresso científico e económico e as formas de organização social mais apropriada para o alcançar.

            Nasceu em Derby, numa família de dissidência religiosa protestante. Nunca frequentou a escola nem a universidade, nem nunca foi professor, no entanto, os seus livros eram manuais obrigatórios na universidade. O seu pai era bibliotecário da Derby Philosophical Society (algo nos moldes da Lunar Society). As origens de Spencer moldam toda a sua orientação ideológica: a sua crença no valor da ciência, a sua convicção de que todos os factos se explicam por causas naturais, a sua defesa da liberdade do indivíduo contra a ameaça do totalitarismo estadual.

 Spencer estudou matérias tão diferentes como química, sociologia, matemática, biologia, entre outras, e aos 13 anos foi viver com um seu tio reverendo. Aos 16 anos seguiu, por recomendação de seu pai, uma carreira de engenheiro de caminhos de ferro sob a orientação do Engenheiro Carles Fox. Como consequência de ter exercido durante vários anos a profissão de engenheiro civil, trabalhando em empresas de caminhos de ferro, vários dos seus trabalhos versam temas de engenharia. Foram publicados de 1839 e 1842 no Civil Engineer and Architect’s Journal.

 

1842 - Lança-se na actividade de ensaísta, tratando de problemas políticos e de filosofia das ciências. Redigiu uma série de cartas, On The Proper Sphere of Government, para o jornal “The Nonconformist”, do qual se veio a tornar editor, e no qual eram bem visíveis as suas concepções liberais.

            Em On The Proper Sphere of Government, Spencer defende a ideia de que o governo deveria intervir o menos possível na vida social, pois esta é regida por leis naturais, cujas tendências não podem ser ignoradas sob pena de os inconvenientes superarem os benefícios esperados de qualquer intervenção.

            Devido à sua participação no “The Nonconformist”, Spencer entrou, ainda, em 1842, em certas iniciativas de política activa, o que deu origem a ligações com um político influente, Joseph Sturge, que levou a que Spencer fosse convidado, em 1844, para sub-editor do “Birmingham Pilot”, onde escreveu artigos sobre políticos e comerciais. A ligação de Spencer a Sturge ainda fez com que ele voltasse à engenharia, que abandonou definitivamente em 1846.

 

1848 - Por intermédio de relações familiares, tornou-se sub-editor da revista “Economist”, onde publicou numerosas obras. Este emprego levou Spencer à mudança para Londres e à sua entrada no meio intelectual da capital britânica.

 

1850 - Surgiu um livro, Social Statics, onde Spencer exprime as suas concepções radicais que até então tinham informado a sua experiência. A este seguiram-se outros ensaios famosos que mostram a evolução que se processava no seu espírito e que constituía a preparação das grandes obras da segunda metade da sua vida.

 

            Apesar de publicações sobre diversas questões, como a política e a economia, o interesse fundamental de Spencer continuava a ser as questões exploradas pelos diversos ramos das ciências da natureza. Spencer mantinha a convicção de que toda a realidade conhecida estava sujeita a um mesmo dinamismo.

 

A partir de 1853 Spencer pôde deixar o “Economist” dedicando-se somente aos seus escritos.

 

1855 - Publica a primeira edição de Princípios de Psicologia, mais tarde reeditado em dois volumes.

 

1860/97 - Escreveu um sistema de filosofia sintética. As suas obras incluem princípios de teologia, de sociologia, de psicologia, de ética, entre outros.

 

1872 - Elaborou The Study of Sociology, onde aborda os aspectos a salvaguardar para uma análise científica da vida social, e que veio a ser publicado em 1873.

 

1884 - Publicou The Man Versus The State, uma compilação de ensaios sobre temas políticos. Mas os seus melhores ensaios foram aqueles que vieram a público sob o título Essays (1857).

 

1902 - Publicou, ainda, Facts and Comments. A sua autobiografia saiu só em 1904, depois da sua morte, em 1903.

 

            A análise sociológica de Spencer é marcada pelo facto de Spencer considerar que os factos específicos do funcionamento das sociedades estão sujeitos à lei geral da natureza.

            É neste espírito que se desenvolve a sua famosa tese de que a sociedade é uma organismo. Esta tese veio a ter uma forte influência na evolução das ideias sociológicas durante a segunda metade do século XIX. O ensaio entitulado The Social Organism, publicado em 1860, é portador desta tese.

            Spencer defende a tese de que a sociedade é um super organismo, constituído pelas interacções dos organismos individuais entre si e destes com os corpos inorgânicos. É um super organismo que está sujeito às mesmas forças que governam a evolução dos fenómenos de todas as ordens, ou seja, quer as sociedades quer os organismos estão submetidos a um mesmo dinamismo de estrutura e função.

            Admite que a sociedade não é um organismo, cresce é da mesma forma que um organismo. Assim os organismos e as sociedades têm quatro analogias - analogia orgânica.

 

 

 

Þ   ANALOGIAS  ORGÂNICAS

 

à   semelhanças entre as sociedades e os organismos:

·       ambos começam com pequenos agregados e aumentam gradualmente a sua massa.

·       à medida que os organismos e as sociedades crescem vão assumindo estruturas cada vez mais complexas.

·       de início não se observa mútua dependência entre as partes componentes, mas à medida que se tornam mais complexas, assumem tal dependência que o funcionamento de uma parte só é possível devido ao funcionamento das outras partes.

·       a vida do todo prolonga-se para além da vida das partes que o integram, as quais cumprem um ciclo de vida, do nascimento até à morte. O todo mantém-se de geração para geração.

 

Para além das semelhanças existentes entre os organismos e as sociedades, Spencer também considera quatro diferenças entre os mesmos, julgando no entanto que são insuficientes para invalidar a analogia.

 

à   diferenças entre as sociedades e os organismos:

·       as sociedades, contrariamente aos organismos, não têm formas exteriores específicas. No entanto, a geografia de uma sociedade constitui a sua forma exterior, que é condicionada pelo meio ambiente. Se se conseguir provar que a forma exterior dos organismos também é condicionada pelo maio ambiente, esta diferença desvanece-se.

·       as sociedades apresentam largas descontinuidades entre os elementos que as constituem, enquanto o organismo individual apresenta uma massa contínua.

·       num organismo as partes que o constituem estão em regra fixas, enquanto que na sociedade os indivíduos que as constituem têm liberdade de movimentos. Contudo, Spencer considera que, já que os indivíduos no exercício das suas funções sociais estão substancialmente fixos, também obedecem a regras fixas.

·       no organismo individual a sensibilidade está localizada apenas num certo tecido, enquanto na sociedade a sensibilidade está dispersa, pois cada indivíduo é naturalmente dotado de sensibilidade.

 

            O que Spencer julga ser realmente relevante é o facto de nas sociedade se observarem fenómenos de crescimento, estrutura e função análogos aos que se verificam nos organismos individuais.

 

 

Conteúdo e contingências do estudo da Sociologia

 

            O livro de Spencer sobre The Study of Sociology, escrito à margem do sistema de filosofia sintética, é uma análise pioneira dos problemas postos pelo estudo das sociedades.

            A necessidade de uma Sociologia parece-lhe evidente atendendo à complexidade dos fenómenos ligados à vida colectiva, que requerem um estudo metódico a fim de sobre eles se poder formar opiniões correctas ou de adequadamente neles se poder intervir.

            É certo que o elemento da liberdade individual de que todos podem prevalecer-se torna difícil previsões rigorosas. Mas também não se pretende chegar a previsões rigorosas de actos individuais. Antes, o que se deseja é apurar as forças dominantes que condicionam a evolução de conjunto das sociedades. Não haver previsões rigorosas não invalida a qualidade científica da sociologia.

            Também se objecta que os factos da vida social nunca se repetem exactamente nos mesmos termos, antes se verificam sempre de modo mais ou menos diverso.

            Qual é então o objecto da ciência social entendida nestes termos?

            A ciência social visa pôr à vista as tendências que se afirmam ao nível do todo social e que necessariamente decorrem das características das partes que o compõem.

            É difícil que uma sociedade venha a ser algo substancialmente diverso daquilo que resulta das características das pessoas de que é composta. Averiguar as relações necessárias entre umas e outra e o que daí decorre é o objecto essencial da Sociologia.

            Para Spencer, esta ciência é validada pela previsibilidade evidente das características de crescimento, desenvolvimento, estrutura e funções dos agregados de que se ocupa.

            A Sociologia explica, pois, como se forma, progredi e se transforma a organização dos grupos à medida que se expande o número dos seus membros, como se diferenciam e especializam as categorias e funções, como as estruturas têm de formar-se e reformar-se em ligação com o processo de crescimento dos agregados sociais.

            À ciência social deparam-se muitas dificuldades, na verdade mais dificuldades do que a qualquer outra ciência, e que decorrem da natureza do seu objecto, dos problemas de observação que daí resultam e da própria condição em que o estudiosos se encontra em relação aos factos da vida social.

            Dificuldades objectivas, em primeiro lugar, provenientes da natureza dos factos que há que interpretar, dispersos, fragmentários, difíceis de congregar em uma imagem de conjunto. Em muitos casos a importância atribuída a factos essenciais varia de época para época, como consequência das concepções dominantes na opinião comum. Depois, muitas pessoas com cujo testemunho tem de contar-se relatam os factos tal como lhes convém que eles sejam e não como na realidade são. Deformações que resultam de interesses pessoais, benefício material em perspectiva, paixão ideológica e assim por diante.

            Todavia, apesar do seu número e qualidade, estes obstáculos à observação são superáveis, pois que por detrás deles é possível surpreender, desde que se tomem as cautelas devidas, os factos essenciais, que interessam à ciência.

            Há, de facto, muitas causas bem conhecidas de desvirtuação das interpretações dos factos sociais. Uma é a deformação educacional que faz com que todos nós sejamos criados no que Spencer chama duas religiões diferentes - uma é a da salvaguarda do nosso interesse pessoal, defesa própria face aos outros, sem a qual a sobrevivência seria impossível; outra é a da amizade e da cooperação com outros, sem qual, por seu lado, a vida social seria impraticável.

            Outras deformações, que Spencer analisa em pormenor, decorrem de sentimentos patrióticos, da visão em termos do interesse da classe profissional a que se pertence, do preconceito político, da concepção religiosa.

            Por isso é necessário ainda o correctivo intelectual que apenas as ciências concretas podem dar. A Lógica e a Matemática ajudam a compreender as formas. A Mecânica, a Física e a Química permitem entender o papel dos factores. É necessário passar depois ao estudo dos produtos, através das ciências concretas que permitem chegar aos conceitos de continuidade, complexidade e contingência. A Astronomia e a Geologia permitem eficazmente apreender a ideia de continuidade. As ciências orgânicas, que lidam com os fenómenos da vida, conduzem à apreensão mais correcta dos fenómenos de causalidade complexa que determinam as transformações e da extrema contingência das circunstâncias que estão subjacentes a cada mudança.

 

Lei geral da evolução e a estrutura das sociedades

 

            Segundo Spencer, explicar algo é traçar a sua história desde «o seu aparecimento a partir do imperceptível até ao seu desaparecimento no imperceptível». Assim, explicar as sociedades é explicar as suas transformações sucessivas.

            Considera a sociedade um super-organismo, pois nela se fazem sentir os efeitos das interacções dos organismos individuais entre si e destes com os corpos inorgânicos. E acredita que explicar este super-organismo é mostrar como se fixam as leis gerais que regem a evolução dos fenómenos de todas as ordens.

            Spencer sustenta que a lei geral do progresso é a lei de evolução comum a toda a natureza, afirmando sem qualquer dúvida que o progresso orgânico consiste na passagem do homogéneo para o heterogéneo, e do indefinido para o definido, da simplicidade para a complexidade. É esta tese que Spencer mostra no seu ensaio, Progress: it’s law and cause, publicado em 1857.

            Segundo Spencer, o progresso consiste numa série de transformações sucessivas, que assenta numa lei universal de transformação - Lei da Natureza.

            Esta força pode levar à evolução da sociedade, ou à dissolução da mesma.

            Com o objectivo de estudar a forma como as sociedades evoluem, Spencer junta-se a David Duncan, um universitário, e escrevem um tratado entitulado Sociologia Descritiva. Agruparam as sociedades conhecidas em três classes:

·       Sociedades não-civilizadas

·       Sociedades civilizadas, extintas ou decaídas

·       Sociedades civilizadas, recentes ou ainda florescentes

            Usando os materiais dos álbuns de tabelas da Sociologia Descrita, em Princípios de Sociologia mostra-se como na vida das sociedades se verifica a lei geral da evolução.

            Spencer mostra como as sociedades crescem por agregação de partes, do simples para o complexo. Classifica as Sociedade quanto ao seu grau de composição e quanto ao tipo organizacional dominante.

 

 

 

 

à   Classificação das sociedade quanto ao grau de composição:

 

Verifica quatro tipos de sociedades:

¨    Simples

¨    Compostas

¨    Duplamente compostas

¨    Triplamente compostas

 

Nas Sociedades Simples verifica quatro tipos de chefia:

¨    sem chefia

¨    com chefia ocasional

¨    com chefia vaga e instável

¨    com chefia estável

 

Nas Sociedades Compostas e nas Duplamente Compostas verifica três tipos de chefia:

¨    com chefia ocasional

¨    com chefia instável

¨    com chefia estável

 

O grau de sedentarismo é igual em todos os tipos de sociedade:

¨    Sociedades nómadas

¨    Sociedades semi-sedentárias

¨    Sociedades sedentárias

 

            Em todas as sociedades existem três sistemas:

·       sistema operativo: com a complexidade social verifica-se a constituição de escravos, uma classe de pessoas que se ocupa basicamente da manutenção e que constituem a parte operativa da sociedade.

·       sistema regulador: diz respeito ao exercício da actividade militar.

·       sistema distributivo: é intermédio aos outros dois sistemas, e regula a transferência de bens e serviços. Este sistema só surge nas sociedades duplamente compostas.

 

Nas sociedades triplamente compostas estes três sistemas assumem a sua maior complexidade.

 

à   Classificação das sociedades quanto ao tipo organizacional dominante:

 

Þ   Tipo Militante: neste tipo toda a sociedade está organizada para a guerra, toda a organização social é penetrada pelo espírito que usualmente enforma as instituições militares. O chefe militar é também o chefe político. A distinção entre os cidadãos é feita segundo uma hierarquia análoga à dos exércitos, pois há uma diferenciação social em ordens ou níveis. Muitas vezes, o chefe militar e político é também o chefe religioso.

            Também na área das actividades de manutenção se faz sentir o efeito do tipo militante, pois a economia da nação tem como fim básico servir a intendência dos exércitos.

            A ideologia dominante numa sociedade de tipo militante é a de que os indivíduos existem para servir a sociedade, e não que esta existe para servir as pessoas que a compõem.

 

Þ   Tipo Industrial: neste tipo a sociedade está organizada de acordo com as conveniências do exercício de actividades de manutenção - agrícolas, manufactureiras e comerciais.

            Este tipo é caracterizado por uma maior autonomia das partes. Na área industrial e comercial predomina o espírito da negociação entre os interessados, afastando-se as práticas de imposição, predomina o sistema distributivo.

            Nesta sociedade o dogma já não é imposto rigidamente e aceita-se, pouco a pouco, a opção individual em matéria religiosa. Perde-se, também, a mentalidade do “dever de obediência” e surge a doutrina de que a vontade dos cidadãos é soberana, e que o governante deve executar decisões colectivas.

 

            Spencer acreditava, ainda, na possibilidade de evolução para outra sociedade, a do tipo social.

Þ   Tipo Social: neste tipo a sociedade estaria organizada para servir o indivíduo. A sociedade é instituída à imagem dos indivíduos.

O Homem em face do Estado

            Spencer considera que o Estado deve interferir o menos possível na vida social, sob pena das desvantagens serem muito superiores às vantagens. Sobre este assunto publicou várias obras, entre elas The Coming Slavry.

 

 

3. AS ESCOLAS DE PENSAMENTO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS DO SÉCULO XIX

 

3.1. A Sociologia Biológica

 

a) A Teoria Orgânica das Sociedades

           

            Dentro da Teoria Organicista surgiram vários autores que tratam o tema de diversos modos. Entre esses autores encontra-se Von Lilienfeld, Schaffle, Fouilleè, Espinas, Worms, Novicow, entre outros. Note-se que a tese de Spencer de que a sociedade é um organismo teve forte influência nesta teoria - a Teoria Orgânica das Sociedades.

 

Lilienfeld tinha uma perspectiva biológica da sociedade, e procurava entender como ela funciona. Afirma que a forma elementar da vida é a célula, um conjunto de células formam tecido, e um conjunto de tecidos formam um órgão, e um conjunto de órgãos constituem um indivíduo, e um conjunto de indivíduos formam uma sociedade. Assim, Lilienfeld verifica que a sociedade está sujeita ao mesmo processo de transformação que os organismos.

 

Schaffle também pensava que a sociedade tinha de ser vista como um organismo. Pois, tal como o corpo humano possui o sangue que possibilita o seu funcionamento, também a sociedade possui um sistema de bens que lhe permite a sua sobrevivência. Tal como o corpo humano possui um sistema de comando, o cérebro, também a sociedade possui um, o governo.

 

Ideias análogas se encontram, com variantes mais ou menos significativas, nos outros representantes desta corrente de pensamento.

 

b) O Darwinismo Social

 

            São designadas por este nome as concepções dos que viram a evolução da sociedade como resultando de um processo de luta e de competição, de que decorre a sobrevivência dos mais aptos.

            Estas ideias surgem desenvolvidas segundo duas correntes: uma que se apoia bastante em analogias tiradas dos estudos sobre a luta dos animais e plantas pela sobrevivência face à ameaças do meio que as rodeia; e outra que recorre sobretudo à interpretação dos exemplos históricos de lutas entre povos e de conquistas de um povo por outro.

            A primeira corrente é representada por diversos escritores ingleses e americanos da segunda metade do século XIX, como por exemplo Walter Bagehot e William Graham Sumner.

 

Bagehot (1826/1877) pertencia a uma família inglesa de classe média, estudou em Oxford e ingressou nos negócios bancários. A partir de 1860 foi directo do “Economist”, tendo apresentado, numa primeira fase, os seus pontos de vista em forma de artigos numa revista, que mais tarde vieram a ser compilados, dando origem ao livro Physics and Politics (1872).

            Nesta obra, Bagehot, desenvolve a teoria da evolução dos grupos humanos assente na luta entre uns e outros. Uma luta conduzida por grupos de homens em cooperação e não por indivíduos. A evolução dos costumes nascia da pressão das necessidades de defesa e de conquista. A coesão do grupo é o principal pré-requisito para a vitória na luta de grupos.

            Bagehot, tal como Spencer, acreditava no progresso. Sustentava que este era possível desde que a força da legalidade baseada na imitação fosse bastante poderosa para unir a nação num todo, mantendo, no entanto, a variação necessária para garantir a sobrevivência e a transformação natural das sociedades.

 

Sumner (1840/1910), professor da Universidade de Yale, foi bastante influenciado pelas ideias de Spencer. Sumner via a sociedade como um sistema de forças sujeitas a leis que é tarefa da ciência investigar. Afirma que a lei básica é a da evolução, um processo  que o esforço social não pode modificar.

            Sumner defende o sistema liberal e para ele, o darwinismo social resume-se à luta pela sobrevivência, da qual sobreviverão os mais aptos. Todas as formas de regulamentação social que impeçam o livre desenvolvimento da competição e a recolha dos frutos do seu êxito por parte dos mais hábeis e lutadores devem ser afastadas como contrárias às necessidades do progresso.

            Sumner tentou publicar um tratado de Sociologia, mas só o seu assistente o conseguiu, no entanto, publicou Folkways, que é uma tentativa para explicar a origem evolucionista, a natureza, a função e a persistência dos hábitos de grupos. A primeira tarefa do Homem é viver, por isso começa com actos e não com pensamentos.

 

            A segunda corrente é representada pelas obras de autores da Europa central, como Gumplowicz e Ratzenhofer.

 

Gumplowicz (1838/1909) era um judeu polonês, tendo sofrido toda a vida de um complexo de inferioridade. Na sua opinião a evolução social e cultural resulta inteiramente da luta entre os grupos sociais. Somente o grupo é importante, pois o indivíduo é produto do grupo.

            Gumplowicz acha que os grupos precisam de lutar porque os grupos humanos têm origens diversas (tese poligenética), não mantendo entre si laços de sangue, e porque existe um ódio insuperável entre as diferentes raças. Estas lutas dão origem à constituição do Estado, assente no processo de imposição de um grupo a outro. Nestas condições os Estados só podem crescer continuamente pela absorção dos vizinhos ou serrem vencidos na luta e decaírem até serem por sua vez integrados em um Estado constituído por um povo vizinho mais dinâmico.

            Contrariamente a outros evolucionistas, Gumplowicz mostrava-se pessimista em relação ao progresso. Não aceitava a ideia da evolução da humanidade como um todo, porque para ele não existia humanidade. Considerava que não existia progresso nem retrocesso da história como um todo, pois para ele só se observa progresso em períodos particulares e em países particulares.

 

Ratzenhofer (1842/1904) afirma que a Sociologia é a ciência das relações recíprocas entre os seres humanos, e a sua tarefa é descobrir as tendências fundamentais da evolução social e as condições do bem-estar dos seres humanos. A ordem social é a organização da luta pela existência. O conflito prevalece devido à disposição inata do homem a obedecer aos impulsos primitivos e a odiar todos os companheiros.

            A teoria de Ratzenhofer assenta no papel dos interesses individuais como chave do dinamismo dos grupos. O processo social resulta da contínua formação de grupos à volta dos interesses fundamentais em causa e da influência recíproca de uns grupos sobre os outros. A luta entre os grupos conduz à conquista e incorporação na área do poder de um grupo de outros grupos vizinhos, formando-se uma estrutura política, um Estado, assente na diferença entre dominantes e dominados. Daí decorre a formação de classes diferentes em conflito. Numa fase ulterior os interesses que poderão ser satisfeitos por uma via pacífica poderão predominar sobre o ambiente de conflito. Assim, ao “estado de conflito” poderá suceder o “estado de cultura”, caracterizado pela igualdade política e social graças ao aperfeiçoamento da organização social.

 

3.2. Teorias da Influência Social da Raça e da Hereditariedade

 

a) Teoria Racial da História

 

Esta teoria deve-se ao Conde de Gobineau e a Houston Stewart Chamberlain, que explicaram a evolução das civilizações pelos efeitos das características rácicas dos povos. Os povos progridem quando o seu fundo rácico é de boa qualidade e se mantém protegido contra os efeitos de cruzamentos desfavoráveis. Pelo contrário, entram em decadência quando as suas características rácicas se alteram.

           

Gobineau publica, de 1853 a 1855, um Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, em que faz uma crítica às teorias que ao longo dos tempos surgiram para explicar a evolução dos povos. Sustentava que o factor relevante na decadência ou evolução dos povos era a raça. Pois as raças são desiguais, enquanto umas se mostram enérgicas e capazes de criarem civilização, outras mantêm-se num estado primitivo. Afirmava que de início existiam três raças: a branca, a amarela e a negra, de cujos cruzamentos provêm todas as outras raças conhecidas.

            Gobineau achava que a raça branca era a raça com maior capacidade de criação, sustentando que foi a criadora das principais civilizações. Dentro da raça branca, Gobineau destacava a raça ariana, que considerava ser a raça superior. Pois parecia-lhe que os Arianos foram os que mostraram maior criatividade, e que melhor souberam preservar a sua identidade rácica. Esta raça só entrou em decadência quando começou a cruzar-se com outras raças

            Gobineau escreveu isto tudo para mostrar que a França estava a entrar em decadência. A Revolução Francesa foi considerada como uma luta entre a nobreza e o povo, que seriam de raças diferentes, sendo a nobreza descendente dos francos e, por isso, de raça superior. Gobineau achava-se representante da nobreza e, por isso, achava que tinha direitos históricos. Após a Revolução Francesa, Gobineau disse ao povo francês que por a nobreza ter sido afastada do poder francês, a França entrava agora em decadência, ao contrário da Alemanha que continuava a progredir pois era governada pela nobreza, pelas pessoas de melhor raça.

 

Chamberlain também considerava decisivo o factor raça. Divergia, no entanto, de Gobineau pois considerava que não existiam raças puras. Considerava que, se era possível, deveria aproveitar-se o “material” humano favorável e fazer cruzamentos e selecção apropriados para obter um enobrecimento rácico.

Tal era o fundamento do génio teutónico. No entanto, Chamberlain achava que o génio teutónico estava a ser corrompido pela raça judaica, que era preciso aniquilar. É sobre este tema que trata o seu livro Grundlagen des Neunzehnten Jahrhundert (1899). É de salientar que tal tese teve forte influência na política racista do Governo Hitleriano.

 

b) Teoria Eugénica de Base Biométrica

           

Esta teoria foi desenvolvida pelo médico inglês Sir Francis Galton. Dedicou-se ao estudo biométrico, tendo concluído que se as características físicas dos indivíduos se distribuem segundo uma curva normal, o mesmo deve acontecer quanto às características mentais. Conclui que a maior parte das pessoas se distribui em torna da média, havendo um pequeno número de pessoas excepcionais, muito acima ou muito abaixo da média.

            Sustenta que quer as características físicas quer as mentais são hereditárias, pois as inteligências acima da média encontravam-se em determinadas famílias e passam de pais para filhos - os talentos são hereditários. Afirma, então, que é preciso aplicar esta teoria à política. Assim, deve incentivar-se as pessoas inteligentes a terem filhos e dissuadir as pessoas menos inteligentes de os terem, tendo em vista o aperfeiçoamento sucessivo das gerações. A capacidade mental é a grande força das pessoas, é por isso que existem classes mais altas e outras mais baixas.

            Este Eugenismo também se conjugou muito bem com a Teoria racial da História. Veja-se o caso do Nazismo: perseguição dos judeus e dos ciganos como política de “higiene racial”. Inventou-se um sistema de esterilização na Alemanha que consistia em esterilizar os ciganos, sem estes saberem, através de um raio X, quando estes estivessem ao balcão de um café. Também se praticou muito a eutanásia em pessoas portadoras de deficiências ou doenças incuráveis. Muitos prisioneiros dos campos de concentração foram levados para experiências médicas. Também a China executou estas experiências.

            O Eugenismo teve o seu auge nos finais do século passado e no início deste século. A Alemanha teve uma grande influência na expansão do Eugenismo.

            Hoje estas práticas ainda existem, pois está a ser recolhido esperma de grandes personalidades, como o prémio nobel.

 

c) Teoria das Selecções Sociais

           

Esta teoria nasceu da obra de dois autores, um francês e um alemão. Vacher de Lapouge e Otto Ammon trabalharam com dados biométricos, e ambos observaram a existência de diferenças sensíveis nas dimensões do crânio, estatura, pigmentação, cor dos cabelos, entre outros, em indivíduos provenientes das várias regiões e de diferentes camadas sociais dos seus países.

 

Lapouge, a partir das observações antropométricas que realizou, distingiu três grandes tipos de raças: Homo Europaeus, Homo Alpinus e Homo Mediterranicus. Sendo a melhor raça a do Homo Europaeus.

            Concluiu também que estava em curso um processo de selecção europeia, mas que era uma selecção negativa pois os homens de melhor qualidade estavam a ser eliminados.

 

Factores de Selecção Social Negativa:

 

à   militar: nos exércitos há um grande número de Homo Europaeus, pois estes eram muito mais aguerridos, mas a guerra matou muitos destes grandes homens que não chegam a reproduzir-se, diminuindo assim a melhor raça.

à   política: estes Homo Europaeus são pouco hábeis para a política, são muito frontais e a política exige hipocrisia. Como não sabem agradar a população são “perseguidos”, massacrados e até assassinados.

à   religião: os Homo Europaeus seguem a carreira eclesiástica, são pessoas puras e sinceras, dedicando-se à suas fé e à sua convicção. Daí resulta a impossibilidade de se reproduzirem.

à   moral: as pessoas que se sujeitam às regras morais têm uma grande limitação sexual.

à   jurídico: limitativo da liberdade das pessoas. Exemplo: a lei proíbe as pessoas de casarem com parentes próximos, assim, obrigava as pessoas a casarem com pessoas de outras famílias que, possivelmente, seriam de outras raças, o que levava à reprodução de pessoas com menos qualidade.

à   económico: o poder económica resulta da diferente capacidade de iniciativa das pessoas de diferentes características físicas. Os Homo Europaeus são pessoas muito criativas, lançam-se em novos negócios empresariais, mas como têm pouca manha são ultrapassadas pela concorrência, ficando em risco. Assim originam-se casamentos por conveniência: Um Homo Europaeus casa-se com uma mulher rica mas que pode não ser de boa raça.

à   ocupacional: resultava do processo de promoção nas diversas profissões. AS pessoas bem sucedidas profissionalmente têm menos filhos.

à   diferenciação rural e urbana: tem a ver com o facto dos citadinos terem menos filhos do que os rurais, o que resultava numa migração selectiva.

 

d) Escola Italiana de Criminologia

 

            Esta escola teve início com o médico italiano César Lombroso, que publicou em 1876 um livro entitulado O Homem Delinquente, onde tenta explicar pela hereditariedade a propensão para o crime.

 

Lombroso faz a tentativa de uma caracterização biométrica dos criminosos. Distingue, então, vários tipos de criminosos:

·       Criminoso nato: nasceu com características que o poderão muito inclinar para a delinquência, tendo recebido por hereditariedade esta propensão para o crime.

·       Criminoso epiléptico: é aquele que pratica crimes dominado pela sua doença.

·       Criminoso imbecil moral: não tem sensibilidade moral, pratica crimes sem se dar conta do que está a fazer.

·       Criminoso tipo criminalóide: leva uma vida normal, mas certas circunstâncias podem levá-lo a praticar crimes.

·       Criminoso impetuoso e apaixonado: actua sob o impulso da irritação, da cólera, da paixão.

·       Criminoso involuntário: pratica um crime sem se dar conta, sem se aperceber (ex: copiar programas informáticos).

·       Criminoso habitual: é aquele que foi criado de uma maneira tal que já está habituado a cometer crimes, é para ele algo de natural.

 

O criminoso que mais interesse suscitou foi o criminoso nato, que mais tarde um jurista italiano, Ferri, designa por criminoso atávico (a pessoa nasce já com propensão para o crime). Ferri aparentava este tipo de delinquente com os homens das cavernas.

            O criminoso nato é descrito por Lombroso como tendo algumas características físicas designadas por estigmas. Entre essas características encontra-se o progmatismo:

- dentes e nariz salientes

- barba escassa

- olhos oblíquos

- maças do rosto salientes

- oxicefalia

- cabeça estreita ou comprida

- céu da boca pontiagudo

- cabelos crespos

- etc.

            Estes dados eram importantes na dimensão prática, nomeadamente para a polícia. Os polícias franceses, por exemplo, utilizavam as orelhas como meio de identificação, hoje em dia existem as impressões digitais.

 

            O livro O Homem Delinquente suscitou problemas a nível jurídico, pois foi posto em causa o princípio da responsabilização, pois “se o criminoso nato nasce já com propensão para o crime, a culpa não é dele”.

 

Houve quem repudiasse a teoria de Lombroso, como por exemplo:

 

Grabiel Tarde não aceitou as teses de Lombroso e publicou vários livros que afirmavam que era através da imitação que as pessoas se tornavam criminosas, e que era mais frequente encontrarem-se criminosos habituais.

            Criou uma teoria sociológica sobre as modificações da sociedade, afirmando que as sociedades mudam segundo as vagas de imitação e invenção que se confrontam umas com as outras. Deste confronto dá-se uma adaptação que funciona como ideia nova, isto é, uma invenção que suscita a repetição e assim sucessivamente. Tarde escreveu um livro denominado As Leis de Imitação.

            Foi convidado para professor de um colégio de França, criado há muitos séculos para funcionar “ao lado” da universidade. A teoria de imitação que Tarde desenvolveu serviu de base à Psicologia Social.

 

Emile Durkheim, catedrático de sociologia, repudiava as concepções de Tarde. Teve uma grande influência na América e contribuiu bastante para a divulgação da Psicologia Social.

 

Gorins também contestou as ideias de Lombroso, tendo escrito The English Convict. Comparou as pessoas das ruas de Cambridge e Londres com os criminosos presos, tendo verificado que não existiam grandes diferenças com excepção do peso e da altura.

            Os criminosos vinham de classes mais baixas, o que implica uma má alimentação. Os estigmas não tinham, portanto, grande relevância.

 

3.3. A Corrente da Ciência Social

 

a) A Obra de Frederic Le Play (1806/1882)

 

            Frederic Le Play exerceu forte influência no desenvolvimento da sociologia aplicada. Era aluno da Escola Politécnica, tendo-se formado em engenharia pela Escola de Minas, da qual se tornou professor e dirigente.

            Le Play recolheu documentação sobre a pobreza operária, tendo-se interessado particularmente pela situação social dos mineiros. Estes, devido às precárias condições de trabalho, ficavam inválidos ou sofriam de outros males de saúde. Van Gogh provinha de uma família rica e passou uma temporada da sua vida a trabalhar nas minas em actividades de beneficência.

            Le Play publicou, então, um livro acerca dos dados que ele tinha sobre os mineiros entitulado Os Operários Europeus (1855). Prosseguiu a sua actividade de recolha de informação sobre os mineiros e, em 1856, fundou uma sociedade interna para estudos práticos da economia social e das condições de vida dos operários. Isto abriu-lhe uma carreira política publicando, em 1864, um livro entitulado A Reforma Social em França, e em 1870, baseando-se no funcionamento das oficinas publicou A Organização do Trabalho. Uns anos antes, em 1867, foi eleito senador, o que contribuiu para aumentar a sua visibilidade.

            Para Le Play, a unidade de referência para o estudo de factos sociais era a família, e o meio mais eficaz para estudar as suas condições de vida era através da realização de um orçamento familiar. Este era conseguido através de uma comparação das receitas e das despesas.

            A base da sociedade é a família e parecia a Le Play que para resolver a urgente tarefa de melhorar as condições de vida dos operários era preciso “olhar” para a família. As famílias estavam muito abaladas por causa da Revolução Francesa, que introduziu uma coisa boa - o Código Civil -, o que alterou bastante a situação da família.

            Anteriormente era a “família patriarcal” que predominava na sociedade. A autoridade estava a cargo do chefe de família e, quando este falecia, os bens eram para o filho mais velho que se tornava no novo chefe de família. Mais tarde começava a predominar na sociedade a “família instável”, em que a autoridade não estava unicamente a cargo do chefe de família (pai) e quando este falecia os bens eram divididos por todos os filhos, o que, no entender de Le Play, criou instabilidade familiar que levará ao fim da instituição familiar. O fim da família patriarcal leva à pobreza. A maneira de lutar contra a pobreza é reforçar a família, alterando depois o sistema:

                                   conservação forçada

Partilha de Bens           partilha forçada            

                                   liberdade de testamentar

                                  

 

Famille Souche: os camponeses emigram sem nunca perderem os bens que tinham na sua terra antes de partirem. Pode ficar um irmão a tomar conta das terras, mas os outros irmãos podem voltar quando quiserem.

            Le Play achava que este era um método de diminuir a pobreza e a marginalidade.

 

Uma das reformas revogadas por Le Play era a reforma civil para advogar este sistema.

            Le Play também achava que a miséria dos operários estava relacionada com a igualdade e a liberdade, já que não eram acompanhadas pela fraternidade. Pois, considerava que a liberdade excessiva leva à indisciplina e a igualdade era fictícia.

            Le Play sustentava que existiam obrigações morais por parte dos mais ricos para ajudar os mais pobres. Mas a partir do momento em que se estabeleceu nas leis que os mais pobres eram iguais aos mais ricos, estes achavam que não tinham mais obrigações para com os pobres. No entanto, Le Play, achava que os patrões (mais ricos) deviam assumir as suas responsabilidades de tomar conta dos seus empregados (mais pobres). O pagamento dos salários não era suficiente, a lei tinha de mudar. Assim, Le Play criou um movimento de responsabilização moral do patronato, pelo que muitas empresas criaram abonos de família, serviços de acção social, etc.. Tudo isto conduziu ao sistema actual, em que se verifica este tipo de ajuda patronal e estatal.

 

Gerou-se um grande entusiasmo em torno das ideias de Le Play, e mesmo depois da sua morte, em 1882, a projecção das suas ideias e sobretudo dos seus métodos de investigação social mantiveram-se, dando origem à escola dos discípulos de Le Play.

 

b) Os Discípulos de Le Play

           

Os discípulos de Le Play esforçam-se por compreender as causas da evolução das sociedades. O seu grupo de discípulos divide-se em dois: o grupo francês, formado por Henri de Tourville, Edmond Demolins, Roberto Pinot, Paul Rousiers, Vidal de la Blache, entre outros, que deu origem à Sociedade Internacional da Ciência Social; e o grupo inglês, que conta com Patrick Geddes, Vitor Branford e Charles Booth.

 

            A Sociedade Internacional da Ciência Social promoveu uma brochura entitulada Nomenclature de la science sociale, que expõe todos os pontos a considerar em qualquer estudo de campo. Os seus discípulos franceses interessaram-se especialmente pela constituição da família como elemento básico da vida dos povos. Sustentavam que o factor mais importante na evolução das sociedades não era a raça mas sim o factor ambiental, a situação geográfica dos grupos humanos.

 

Demolins escreve, então, um livro denominado Comment la route crée le type social, que se revelou num estudo dos usos e costumes dos asiáticos e como esses elementos foram mudando ao longo dos tempos. Como modelo asiático, Demolins tomou os Mongóis, que eram uma família patriarcal e que viviam muitas vezes em tendas. Não têm propriedade privada e toda a família está organizada para se submeter à autoridade dos mais velhos. Este sistema é tradicionalista, o que deu um grande mérito aos Mongóis, pois muitos dos seus membros pertenceram ao exército de Gengiskhan. Esta família patriarcal foi-se transformando devido à situação geográfica que por vezes obrigava a dividirem-se em pequenos grupos.

 

            Henri de Tourville, padre, escreveu O Crescimento das Nações Modernas, História da forma particularista de sociedade. Dedicou-se ao estudo do ambiente específico da Escandinávia, tendo verificado que as famílias deste país eram muito reduzidas dadas as condições geográficas. As famílias patriarcais que emigravam para a Escandinávia eram obrigadas a habituarem-se a viver em famílias pequenas, sendo obrigadas a adoptar uma nova forma de educação. Agora os jovens são educados para se tornarem independentes e não para respeitar e obedecer à autoridade do chefe de família. Assim, a família patriarcal dá lugar à família particularista.

 

            Os escritos deste autor não são só estudos socialistas, são também uma crítica à sociedade francesa.

 

            Os seus discípulos britânicos dedicaram-se mais aos estudos de campo sobre a pobreza e as condições de vida dos operários. São os discípulos ingleses de Le Play que vão dinamizar o estudo da sociologia.

 

            Charles Booth, por exemplo, alugou um quarto em Londres e fez um inventário sobre o modo como as pessoas viviam, assim escreveu Life and Labour of the People in London.

 

            Vitor Branford também se dedicou ao estudo da pobreza, tendo fundado a “Le Play House”, a primeira Associação de Sociologia e, ainda, a primeira Revista de Sociologia.

 

            Patrick Geddes interessou-se pela melhoria das condições de vida das pessoas e dos bairros mais pobres. Foi quem iniciou o interesse pela organização e planeamento das cidades.

Nesta altura, torna-se moda fazer o “social survey”, levantamento tipográfico. O tipógrafo faz a medida das propriedades e o mapa mostra a disposição das casas (cadastro das propriedades). Este método inspirou a sociologia americana.

 

 

3.4. Os Teóricos do Movimento Operário

 

a) A Ideologia do Trabalho

 

            O movimento operário surge em meados do século passado. A Revolução Industrial e os novos métodos de produção levam ao crescimento da classe operária. Começam a surgir pessoas que não têm como sobreviver senão pelo seu salário, pois, antes de se verificar esta grande concentração urbana até o mais pobre tinha um pedaço de terra que ia dando para plantar o suficiente para garantir a sua sobrevivência. Agora as pessoas compram tudo o que comem.

            Os diversos autores que se esforçam por sistematizar uma ideologia susceptível de valorizar politicamente o movimento operário constróem análises que são, simultaneamente explicativas e normativas. Esses autores procuravam evidenciar as transformações sócio-económicas, de que decorre a miséria operária, e as medidas a tomar para remediar tal situação.

            Começam, então a surgir sindicatos e reformadores que acreditavam que era possível aproveitar a “força operária” para pressionar a sociedade, e levar à reforma das instituições sociais.

            Este tipo de raciocínio está fortemente documentado nos trabalhos de Proudhon, Karl Marx e Friedrich Engels.

 

b) A Filosofia Social de Proudhon (1809/1865)

 

            Proudhon, nascido em Besancon e membro de uma família de classe média, começou a sua carreira como revisor tipográfico. Desde os seus primeiros escritos que insistia em identificar-se com a classe trabalhadora, mais concretamente, com o proletariado. Através da Academia de Besancon, Proudhon solicita uma bolsa para poder continuar os seus estudos, onde apresenta como motivo, para tal deferimento, a promessa de dedicar a sua vida à melhoria das condições de vida do proletariado.

 

            Em 1839 publica A celebração do domingo, em que faz a primeira defesa de um novo princípio de justiça social: todos temos direito à ajuda da sociedade, em troca do nosso esforço, independentemente do valor intrínseco do trabalho produzido. A sociedade tem para com todos os cidadãos as mesmas responsabilidades que as famílias têm para com os seus membros.

 

            Em 1840 publica O que é a propriedade? Investigações sobre o Princípio do Direito e do Governo, livro que ficou conhecido como a primeira memória sobre a propriedade. Nesta obra, Proudhon afirma que a propriedade é um roubo, apesar de ser vista como a base da sociedade. As afirmações que Proudhon faz nesta obra levam a sociedade a vê-lo como uma pessoas corrosiva, pelo que lhe foi cortada a bolsa que lhe tinha sido concedida.

            Proudhon torna-se, então, jornalista para sobreviver, tendo, no entanto, continuado a publicar os seus livros.

           

            Publica, em 1843, a Criação da Ordem na Humanidade, onde afirma que existe uma ordem na humanidade e tenta explicar as raízes de tal facto. Este é um trabalho que mostra as lacunas da educação de Proudhon, e é uma crítica à obra de Auguste Comte, que escrevia nessa altura um tratado sobre Filosofia Positiva, nomeadamente no que diz respeito à Economia Política, que Proudhon considerava que Comte ignorava, e que para ele era a ciência do trabalho, sendo por isso uma ciência fundamental.

 

            Em 1846, publica O Sistema das Contradições Económicas ou Fiolosofia da Miséria. Um trabalho baseado nas obras dos economistas da época que Proudhon usava para mostrar as contradições que existiam na economia da época. Neste livro, Proudhon pretende promover uma nova ciência económica, diferente da antiga Economia Política. Este foi um trabalho que veio a ser bastante criticado por Marx em Miséria da Filosofia.

 

            A seguir à publicação do Sistema das Contradições Económicas, Proudhon dedica-se mais à política francesa, entendendo que era necessária uma reforma social, que passava pela transformação progressiva das formas tradicionais da propriedade.

            Proudhon faz, então, uma crítica constante ao Governo Provisório levado ao poder pela Revolução de Fevereiro, que considera incapaz de entender as raízes da crise social.

 

Proudhon propõe novas fórmulas para a organização da sociedade:

·       tentou criar um “Banco do Povo”, destinado a resolver parte do problema social pelo crédito gratuito.

·       considerava que o Estado Tradicional impedia a sociedade de se organizar e governar em função do trabalho, pelo que é necessário reorganizar o estado, impondo-se uma “constituição social” a uma “constituição política”, que Proudhon considera artificial.

·       sustentava que esta organização espontânea da sociedade económica levaria a equilíbrios diferentes, consoante o grau de avanço do capitalismo. Verifica-se primeiramente uma “anarquia industrial”, caracterizada pela concorrência, depois um “feudalismo industrial”, pertencente aos monopólios privados, atingindo o “império industrial”, em que o actor central da vida económica era o Estado. Proudhon defendia a ideia de que se deveria chegar à “democracia industrial”, assente na “comandita do trabalho ou mutualidade universal”.

 

 

            Em 1858, Proudhon escreve, em três volumes, A Justiça na Revolução e na Igreja, obra que originou uma nova condenação, e que constitui uma revisão do conjunto de toda a sua sociologia.

            O seu ponto de partida é o trabalho, que resultava do esforço colectivo, que, por sua vez, é a base das ideias colectivas, do espírito colectivo e da consciência colectiva. Tudo isto se reflecte sobre a acção, que é regulada pelo Direito, através da justiça, que constitui a preocupação central de todo o seu pensamento. Proudhon considera que a força colectiva está na base da sociedade, e a par dessa força está um conjunto de ideias comuns. Assim, da acção surge uma razão colectiva, pois as pessoas têm uma maneira comum de encarar os problemas que resultam dessa acção, pelo que o órgão da razão colectiva é o grupo de acção que está na origem da força colectiva.

            Proudhon sustenta que a justiça e o Direito são os intermediários entre as ideias e a acção. Acredita que é preciso entregar a direcção da reforma social a um grupo, que tenha por base a reforma do Direito, das regulamentações sociais, e que seja capaz de assegurar a justiça. Segundo Proudhon, esse grupo seria o dos operários, pois considerava que, uma vez que os operários estão em constante contacto com o saber (trabalho), aqueles são os que melhor organizarão a sociedade.

            Tudo isto se relaciona com o progresso que é uma das preocupações de Proudhon. Este considera o progresso um esforço para realizar a justiça na sociedade, esforço esse que pode ser corrompido dada a sua liberdade.

 

            Em 1863, Proudhon publica O Princípio Federativo ou a Necessidade de reconstruir o Partido da Revolução, onde defende a ideia de que era preciso reduzir o poder do Estado e desenvolver as ideias acerca das coorporatividades. Sustenta que só o equilíbrio de poderes garante a liberdade de cada um.

 

            Proudhon insiste sempre que é à classe operária que cabe a missão de tomar o lugar da burguesia na condução do progresso.

 

            As obras de Proudhon eram muito acessíveis, pelo que tiveram muita influência, sobretudo, nos movimentos dos operários.

            Note-se, ainda, a notável contribuição de Proudhon no plano sociológico.

 

 

 

 

 

c) As Concepções de Marx e Engels

 

            Karl Heinrich Marx (1818 - 1883), filho de um advogado, entrou na Universidade de Berlim como estudante de direito, mas saiu de lá licenciado em filosofia. A mudança das suas intenções deveu-se ao ambiente peculiar da Universidade de Berlim, que na altura era capital da Prússia, pelo que era muito militarizada e burocratizada, e onde subsistia  a lembrança de Hegel.

            Na obra de Marx encontram-se muitas influências dos grandes teóricos da Revolução Francesa, como Proudhon e Saint-Simon. Muitas das concepções económicas de Marx apoiam-se em Ricardo e em Sismondi. Assim, os seus escritos assentam, substancialmente, em ideias recebidas de outros.

 

            Marx estava preocupado com a reforma do Estado, pelo que tentava convencer a Alemanha de que era necessário a intervenção de uma classe capaz de reformar a sociedade. Sustentava que essa reforma caberia ao proletariado, e encarregou-se de demonstrar que essa era a melhor opção.

 

            A maior influência que Marx sofreu foi, sem dúvida, a hegeliana. Na escola de Hegel acentuava-se a divisão entre os conservadores e os progressistas. Os conservadores repudiavam a hipótese de se modificarem as instituições políticas na Prússia. Os progressistas  contestavam tudo o que fosse irracional, sustentavam que a sociedade se transforma segundo uma certa racionalidade, pelo que entendiam que deviam denunciar e corrigir as contradições da organização política da Prússia.

            Foi este ambiente que levou Marx a juntar-se aos jovens hegelianos de esquerda, como Bruno Bauer, Edgar Bauer, Egbert Bauer, Max Stirner, entre outros, que tiveram uma forte influência na política alemã e na evolução do pensamento de Marx. Os jovens hegelianos eram notórios pela sua hostilidade ao Rei, à Igreja e a burguesia, e tendiam a enunciar uma doutrina reformista a partir da filosofia de Hegel.

            Esta visão do hegelianismo de esquerda teve a sua primeira manifestação em 1838, num livro de A. Von Cieskowski intitulado Prelegómenos à Filosofia da História. Este livro advogava a necessidade de denunciar as irracionalidades contestando o poder e as instituições existentes.

            Os jovens hegelianos são convidados a trabalhar com os “Anais de Halle para a ciência e a arte alemão”.

            Ludwig Feuerbach, filósofo alemão, publicou nos “Anais de Halle” três artigos de crítica à filosofia de Hegel. Estas críticas influenciaram Marx na sua passagem do idealismo de Hegel para o materialismo.

 

            Com a orientação de Marx para o jornalismo político activo, acentua-se a sua preocupação com os problemas concretos. Marx veio a colaborar na redacção do “Jornal renano para a política, o comércio e a indústria”, a convite de jovens hegelianos que tinham entrado para a direcção do mesmo jornal.

            Dada a sua capacidade e organização de trabalho, Marx ganha no jornal uma forte influência, verificando-se a passagem do jornal a uma política de violenta oposição ao Governo. Nos artigos que aí publicou é notória a sua tendência para situar os desenvolvimentos ideológicos no seu contexto económico e social. De todas as suas críticas aí publicadas, destacam-se as feitas aos debates da Dieta Renana. Anunciava-se já ai uma das suas teses principais da fase comunista, a ideia de que a lei é um instrumento ao serviço da protecção dos interesses das classes que detêm o poder legislativo. Nessas críticas estava também implícita a ideia de que os fenómenos económicos e sociais influenciam a orientação das instituições do Estado.

 

            Na sequência do fim do jornal renano para a política, o comércio e a indústria, surgem os “Anais Franco-Alemãs”. Apesar da sua efémera existência, o único número publicado marca uma nova fase na evolução do pensamento de Marx e Engels.

 

            O professor Gurvitch chama a atenção para a influência das ideias francesas no pensamento de Marx, destacando-se a influência da escola de Saint-Simon, sobretudo, pela relevância que Marx dá à análise da vida concreta, ao esforço do homem por si próprio. Gurvitch considera que o hegelianismo teve em Marx uma influência limitada.

 

            Marx, no seu estudo da economia, reconhece que teve como uma das primeiras influências um artigo de análise económica publicado por Engels. Também Engels tinha evoluído do hegelianismo para o comunismo, tendo-se familiarizado com o movimento operário e com os trabalhos dos economistas ingleses. Muitos dos temas que Marx viria a desenvolver já se encontram nesse artigo de Engels.

 

            Durante a sua estadia em Paris, de 1843 a 1845, Marx manteve relações com elementos comunistas e alemães emigrados e com muitos dos principais chefes franceses das esquerdas. Interessou-se pela acção política dos emigrados e assistiu frequentemente às reuniões dos diferentes grupos.

            Mantinha, ainda, a convicção de que o proletariado possuía a capacidade de efectuar uma revolução total, pelo que se interessou pelas condições que a isso conduziriam.  Ao mesmo tempo, interessou-se pelo estudo da economia política e continuou a sua crítica da filosofia de Hegel, o que levou ao desenvolvimento das suas próprias ideias.

            Nesta altura, em colaboração com Engels, escreve Sagrada Família, que consiste numa crítica aos irmãos Bauer e aos seus seguidores, por estes acharem que conhecem a história sem conhecer a indústria e os modos de produção da época que estudam.

            Desenvolve o mesmo tema noutra obra, A Ideologia Alemã (1845/46), que ficou inédita. Defende que a historiografia para analisar um indivíduo precisa de estudar a sua constituição física e as suas relações com o resto da Natureza, e também as suas modificações ao longo do tempo. Sustenta a tese de que aquilo que um indivíduo é depende das condições materiais da sua produção.

            Em Miséria da Filosofia (1847), afirma que as relações sociais e as forças de produção influenciam-se mutuamente.

            Engels, em 1888, publica uma obra de Marx, Onze Teses sobre Feuerbach, onde a sua atitude sobre essa questão se encontra fixada. Estes escritos contêm as teses sociológicas essenciais de Marx.

 

            Marx sustenta que aquilo que condiciona tudo é o modo como se efectua a produção social da existência do homem. Qualquer tipo de produção exige um qualquer tipo de colaboração, até mesmo o estabelecimento de relações sociais. Por sua vez, estas relações pressupõem um qualquer tipo de linguagem que permita a comunicação entre os intervenientes.

            Começa, agora a desenvolver-se a divisão do trabalho, que começou por ser uma mera distinção sexual, mas que agora emerge naturalmente devido às capacidades físicas, às necessidades, entre outros.

            Os instrumentos utilizados influenciam a divisão do trabalho, e as relações sociais variam consoante as condições em que se processa a produção.

            A divisão do trabalho pressupõe, logo, a repartição dos instrumentos de trabalho e das matérias-primas, o que implica a separação do capital e do trabalho e as diferentes formas de propriedade. Assim, as várias fases da divisão do trabalho correspondem a várias formas de propriedade. A propriedade tribal foi a primeira forma, e assentava no trabalho familiar. Segue-se a propriedade comunal e estadual na Antiguidade, depois a propriedade feudal, e assim por diante.

            Desta divisão de trabalho e das diferentes formas de propriedade resulta uma diferenciação de classes. E a superioridade de uma classe sobre as outras reflecte-se, por sua vez, sobre o teor geral das ideias políticas dominantes. São as ideias que presidem à organização do Estado.

            Marx explica que o desenvolvimento dos meios de produção obriga, inevitavelmente, ao estabelecimento de novas relações de produção.

           

            Em 1848, Marx e Engels escrevem o Manifesto do Partido Comunista, um trabalho encomendado pelo “Centro Londrino da Liga Comunista”, que pretendia um documento onde estivessem assentes as condições e os objectivos do movimento. Como resultado desta publicação, Marx foi expulso pelo governo belga, pois aí expunha as suas teses sobre a evolução histórica da luta de classes, incitava à revolução, atacando todos os movimentos reformistas que se opusessem aos processos violentos, e acreditava na inevitável vitória do proletariado.

            A expulsão da Bélgica coincidiu com a Revolução de 1848 em França, e Marx pôde voltar a Paris mas não ficou por lá muito tempo, tendo partido para colónia. Marx foi levado a julgamento acusado de incitamento à revolta, dado o aumento do seu extremismo nas suas actividades e nos seus escritos. Tal levou-o a abandonar a Alemanha, novamente, tendo voltado a Paris mas transferiu a sua residência para Londres, onde permaneceu até à sua morte.

            Chegou a Londres em 1849, e desenvolveu ligações com os meios extremistas e retomou a acção política. Continuou a publicação do “Neu Rheinischer Zeitung”, que é agora uma revista de economia política. Publicou nesta revista vários artigos sobre a evolução política francesa. Ao mesmo tempo mantinha uma actividade jornalística como correspondente europeu de “New York Tribune”, para o qual escreveu, muitas das vezes com a colaboração de Engels, vários artigos sobre os mais variados aspectos da política europeia.

            Em 1859, publica Contribuição para a Crítica da Economia Política, que antecede o seu tratado de economia, cujo primeiro volume veio a público, em 1867, em Hamburgo, intitulado O Capital. Nunca se dedicou à publicação dos outros volumes, tarefa de que se ocupou Engels.

 

            No prefácio da Contribuição para a Crítica da Economia Política, mostra como a superestrutura se transforma consoante o dinamismo da base. Mostra, também, como o dinheiro e o trabalho assumiram conteúdos diferentes em cada época e sociedade. Chama a atenção para as diferenças essenciais pelo que é preciso ter em conta o contexto em que os fenómenos efectivamente se produzem.

 

            Um dos aspectos centrais da obra de Marx é o seu compromisso com um partido político.

            Marx afirmou-se como percursor da análise social pela sua preocupação em explicar as relações dos diferentes aspectos da realidade social da vida das sociedades.

            Foi este assunto que muitos retomaram e desenvolveram, pelo que é correcto afirmar que a obra de Marx teve forte influência no desenvolvimento da sociologia do conhecimento, dos grupos e classes sociais, da sociologia económica e da social geral.

 

4.   AS RAÍZES TEÓRICAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ACTUAIS

 

4.1. Durkheim e a sua escola

           

Emile Durkheim (1857/1917), diplomado pela Escola Normal Superior, foi nomeado para tutelar um curso de Ciência Social em 1887, depois de já ter leccionado Filosofia no secundário durante algum tempo.

           

A sua obra foi iniciada com o livro A Divisão do Trabalho Social, publicado em 1893. Durkheim pretende estabelecer a especificidade do social, procurando mostrar como as sociedades são diferentes consoante a divisão de trabalho que nelas é feita. Sustenta que a coesão das sociedades parte das formas de solidariedade que se ligam com a própria divisão do trabalho.

            Assim, Durkheim distingue a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. A primeira verifica-se, sobretudo, nos meios rurais e nas sociedades tribais, em que há uma pequena divisão do trabalho. Todas as pessoas fazem as mesmas coisas, pelo que a única divisão que existe é a nível do sexo, da idade e da origem familiar. A segunda verifica-se nas sociedades avançadas, onde existe uma acentuada divisão do trabalho. As pessoas especializam-se numa determinada profissão, e trocam bens e serviços que produzem por bens e serviços produzidos por outros. Vive-se, assim, numa sociedade de interdependência.

            Estes tipos de solidariedade associam-se a modelos culturais específicos.

A solidariedade mecânica:

·       acarreta uma sociedade caracterizada pela homogeneidade mental, moral e social.

·       a tradição ocupa um lugar importante na sociedade; governa o chefe de família.

·       existe um forte controlo social, pelo que o direito é repressivo: todas as pessoas devem ser iguais porque tudo o que é diferente causa escândalo, nesta sociedade tal não é permitido, as pessoas são proibidas de “fugir” à cultura.

·       nesta sociedade a propriedade é colectiva, tudo é de toda a gente.

·       a religião é totémica, Deus exerce protecção mas não é relacionável.

 

A solidariedade orgânica:

·       esta sociedade tolera facilmente as diferenças sociais, a nível dos gostos, crenças, opiniões, entre outros.

·       por conseguinte, o direito atenua-se, pois o sistema jurídico já não visa punir os que actuam fora das regras      mas sim reparar os danos que aqueles causam.

·       esta sociedade é governada por uma classe política, que agora é uma profissão.

·       nesta sociedade, dado o individualismo económico, a propriedade é privada.

·       a religião é personalizada, Deus é visto à imagem dos homens.

 

 

            O seu segundo livro intitula-se As Regras do Método Sociológico, foi publicado em 1895. Neste livro, Durkheim leva mais além esta procura da especificidade do social, e aconselha o caminho a seguir para compreender as características próprias dos factos sociais. Assim, afirma que é preciso tratar os factos sociais como se fossem coisas, eliminando a afectividade e sendo-se imparcial.

 

            Segue-se, em 1897, outra grande obra sob o título de O Suicídio. Durkheim tenta mostrar que o suicídio resulta de condicionantes colectivas, e procura entender as causas do mesmo.

            Durkheim distingue dois tipos de causas para o acto de suicídio: os factores extra-sociais e os factores sociais.

Entre os factores extra-sociais, Durkheim distingue:

*      efeitos dos estados psicopáticos: conclui que a tendência para o suicídio nada tem a ver com uma inclinação para a loucura.

*      efeitos da raça e da hereditariedade: conclui que nem a raça nem a hereditariedade exercem forte influência sobre a taxa de suicídios.

*      efeitos dos factores cósmicos: conclui que no Verão se verifica uma taxa de suicídios superior à do Inverno, resultante de uma maior duração do dia, que implica uma maior intensidade da vida colectiva.

*      efeitos de imitação: conclui que a imitação tem realmente influência em diversos casos de suicídio.

 

            Os factores sociais que causam suicídios permitem a Durkheim distinguir três tipos de suicídio:

*      suicídio egoísta: há factores que levam o indivíduo a isolar-se do resto da sociedade, cometendo posteriormente o suicídio. Veja-se o caso dos Protestantes e dos Judeus que, pela sua religião, eram postos à margem da sociedade, ao contrário dos Católicos.

*      suicídio altruísta: determinados factores levam o indivíduo a subordinar-se excessivamente à colectividade, ou  um ideal. Veja-se o caso das viúvas indianas que se suicidam para morrer com os maridos.

*      suicídio anómico: há factores que conduzem a grandes transformações sociais e, quer sejam elas negativas (ex. época de crise económica), quer sejam positivas (ex. melhoria das condições de vida), existem indivíduos que perdem a referência, pelo que não conseguem adaptar-se às novas mudanças, cometendo, assim, o suicídio.

 

            Por tudo isto, Durkheim conclui que a única explicação plausível para justificar a taxa de suicídios é uma explicação sociológica. É nas tendências colectivas que se deve concentrar qualquer tentativa de entendimento deste fenómeno social. Pois só assim é possível encontrar as soluções adequadas para este problema.

 

            O seu último grande livro foi publicado em 1912 sob o título de As Formas Elementares da Vida Religiosa. Aqui, Durkheim tenta explicar o modo como determinadas coisas se tornam sagradas, ocupa-se, especialmente, do sistema totémico na Austrália. É o percursor da sociologia do conhecimento.

 

            Os seus discípulos continuaram a sua obra e dominaram a sociologia francesa até à década de 1950. Destacam-se entre esses:

Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim que continuou a sua obra, embora se tenha dedicado mais à Antropologia do que à Sociologia.

Maurice Halbwachs que escreveu sobre as classes sociais, sobre o suicídio e especialmente sobre a memória colectiva.

François Simiand que publicou estudos sobre a evolução dos salários e os ciclos económicos.

Celestin Bouglé que deixou um grande estudo sobre o regime das castas.

Entre outros...

 

 

4.2. A Sociologia de Max Weber (1864/1920)

 

            Max Weber, filho de uma família abastada teve excelente formação em Direito e Economia. Em 1894, Weber tornou-se professor de Economia na Universidade de Friburgo, e em 1896 foi chamado para exercer as mesmas funções na Universidade de Heidelberg. Devido a um esgotamento, foi forçado a abandonar a actividade académica, ficando vários anos impossibilitado de realizar qualquer trabalho intelectual.

 

            O seu primeiro grande trabalho foi uma dissertação sobre a Contribuição para a História das Organizações Comerciais da Idade Média, que serviu de tese ao seu doutoramento, em 1889. Aí fez um levantamento dos princípios que deveriam presidir à repartição dos custos, riscos e lucros pelos intervenientes de uma empresa colectiva. Por exemplo, os comerciantes da época corriam o risco das suas naus serem assaltadas ou naufragadas, por isso começaram a estabelecer entre si regras de ajuda e benefício mutuo, o que dá origem ao Direito Comercial.

 

            O seu segundo trabalho foi um estudo sobre A História Agrária Romana e a sua Relevância para o Direito Público e Privado, publicado em 1891. Neste estudo, Weber procura relacionar os conceitos jurídicos com a evolução social, política e económica da sociedade romana. Weber introduziu um método sociológico de estudar o direito que procurava estudar as raízes históricas das instituições jurídicas.

 

            Em 1903 tornou-se membro da revista alemã “Arquivos para a Ciência Social e a Política Social”, onde publicou alguns artigos, entre eles o ensaio Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

            Em 1918, foi consultor da Comissão Alemã de Armistício de Versalhes, e foi também consultor da comissão que preparou o projecto de constituição de Weimar. 

 

            A sua obra é constituída por muitos ensaios e alguns livros. As colectâneas que se seguem só foram editadas após a sua morte, pela sua viúva.

¨    Colectânea de Escritos Políticos, Munique, 1921

¨    Colectânea de Ensaios sobre História Social e Económica, Tubingen, 1924

¨    Colectânea de Ensaios sobre Sociologia Religiosa, Tubingen, 1920/21

¨    Colectânea de Ensaios sobre Sociologia do Conhecimento, Tubingen, 1922

¨    Colectânea de Ensaios sobre Sociologia e Política Social, Tubingen, 1924

¨    História Económica, Munique, 1924

¨    Economia e Sociedade, Tubingen, 1921

 

            Note-se que foi graças a Talcott parsons que a obra de Weber focou conhecida na América, pois aquele foi quem se encarregou da tradução das obras de Weber.

 

            Weber define as acções humanas dotadas de sentido como objecto de estudo da Sociologia. Considera que a acção dotada de sentido compreende todos os comportamentos possíveis, com excepção do comportamento que Weber designa por reactivo. Assim, Weber entende que as acções sociais podem ser classificadas, segundo o modo de orientação, em quatro tipos:

 

·       acções racionalmente orientadas para o sistema de fins individuais discretos: são aquelas em que temos em conta os meios para atingir os fins.

·       acções racionalmente orientadas para um valor absoluto: são aquelas que realizamos para satisfazer unicamente fins religiosos, éticos ou estéticos.

·       acções orientadas por considerações afectivas: são aquelas que decorrem dos impulsos emocionais.

·       acções orientadas pela tradição: são aquelas que realizamos pela tradição.

 

Weber interessou-se particularmente pela influência da religião nas acções das pessoas.

 

            Weber sustenta que a sociologia visa entender as acções sociais, de modo a encontrar uma explicação causal, o que implica necessariamente um esforço de compreensão, que se pode realizar de duas formas: a compreensão por entendimento observacional directo das ideias e comportamentos; e a compreensão explicativa, que assenta no entendimento dos motivos do agente. Weber considera, ainda, necessária a referência aos valores, já que estes representam um dos problemas principais do estudo sociológico.

Weber considera que as ciências sociais deviam ter um método de tipo ideal, que seria a abstracção, isto é, forma de reconstruir a realidade para melhor a compreendermos. Ciente de que é impossível apreender o real na sua diversidade, sustenta que devemos começar por analisar a parcela do real, que estudamos, como um todo.

 

            O seu ensaio sobre a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é um exemplo famoso da aplicação deste método de tipo ideal. Esta obra foi escrita numa época polémica intelectual, em que Weber se envolveu com Werner Sombart, um teórico da história do capitalismo que afirmava que o capitalismo fora inventado pelos Judeus. Sombart achava que o capitalismo era toda a procura de riqueza, ponto em que Weber discordava, pois considerava que o capitalismo era uma forma racional e metódica de ganhar dinheiro (organiza-se o trabalho, a produção, a venda e procura-se acumular os lucros obtidos).

            Nesta obra, Weber parte da construção de um tipo ideal de capitalismo. Para Weber, aquilo que caracteriza o capitalismo não é a procura do lucro, em si, mas sim a racionalidade que caracteriza essa procura. Assim, Weber define quatro condições racionais do capitalismo:

·       separação entre a economia doméstica e a da empresa: esta separação é essencial para se poder raciocinar em termos metódicos. O capitalismo surgiu quando o empresário aprendeu a fazer esta distinção, o que foi tardio.

·       trabalho livre: durante muitos séculos a mão-de-obra utilizada eram escravos, o que tornava difícil saber ao certo quanto é que custava a mão-de-obra. Hoje em dia o patrão sabe exactamente quanto é que lhe custa o trabalho de cada um dos seus operários.

·       contabilidade racional: registo de todos os custos e de todas as receitas que uma empresa tem, de modo a saber qual é o seu lucro (gastos - despesas =)

·       racionalidade burocrática: sistema organizado de colaboração entre pessoas que dividem o trabalho e coordenam os seus esforços.

 

            Weber considera que só quando estas condições se encontram reunidas é que uma empresa está metodicamente organizada, sendo possível falar de capitalismo. Só assim o capitalismo evolui. Os protestantes tiveram grande influência nas classes menos abastadas (operários, artesãos), e Weber considerava que se inseriam muito bem neste modelo racional do capitalismo. A corrente calvinista, em especial, teve grande papel nas lutas religiosas dos séculos XVI e XVII nos Países Baixos, na Inglaterra e em França, justamente os países onde a nova organização do comércio e da indústria se começa a desenvolver.  

            O elemento mais característico desta corrente é a doutrina da predestinação. Sob o ponto de vista do protestantismo a riqueza é o sinal da salvação religiosa. O gozo dos prazeres é associado ao pecado. É preciso ganhar dinheiro, mas devemos gastá-lo somente para investir em mais trabalho e nunca em prazeres. Em face de tal doutrina é compreensível a angústia de cada um, que não sabe se está salvo ou condenado, mas que sabe que nada dos seus próprios actos poderá alterar o seu fim.

            A ética protestante, no entender de Weber, está por detrás do capitalismo moderno.

 

            Weber explica o capitalismo como sendo o resultado de um processo religioso. Marx considera a religião uma superestrutura determinada pela infra-estrutura.

 

4.3. A Obra de Vilfredo Pareto (1848/1923)

 

            Vilfredo Pareto era um fidalgo italiano, filho de pai italiano e de mãe francesa, daí o seu domínio das duas línguas. Em 1870 licenciou-se na Escola Politécnica de Turim com o curso de engenharia, pelo que esteve, durante um período, empregado na actividade empresarial, como dirigente de Caminhos de Ferro de Roma.

            Em 1882, Pareto recebeu uma herança que lhe permitiu dedicar-se somente ao estudo e à pesquisa. Tornou-se conhecido em Itália pelos seus artigos de Economia e Matemática, e em 1893, foi nomeado para suceder Walras na Universidade de Lausanne, como professor de economia política.

            A obra de Pareto divide-se entre a Economia e a Sociologia. Criticou bastante a sociedade italiana, e era conhecido como um partidário da liberdade de comércio e do desarmamento, e considerava a classe alta incompetente e desprezível. A partir de 1900 tornou-se anti-democrata, criticando o aburguesamento dos políticos em França. 

            Em 1902 publica Os Sistemas Socialistas, onde faz uma critica mordaz às ideias socialistas que caracterizavam o governo francês.

            Em 1907 começa a trabalhar no seu grande sistema de sociologia, o seu Tratado de Sociologia Geral, que só veio a ser publicado em 1916. A sua ideia básica é a de que é preciso refazer a sociologia e a economia com bases mais científicas. Tudo o que havia existido era um misticismo, o progresso não existia. Era, pois, preciso ver a vida social como um sistema de elementos em interacção. Os elementos a considerar, no seu entender, podem dividir-se em quatro categorias:

à   elementos naturais: solo, clima, flora, fauna, condições geológicas, entre outras.

à   elementos externos à sociedade no espaço: outras sociedades.

à   elementos externos no tempo: elementos resultantes do estado histórico anterior à sociedade.

à   elementos internos da sociedade: dos quais os mais importantes são:

·       resíduos: propensões psicológicas.

·       interesses: os bens.

·       derivações: ideologias.

·       heterogeneidade e circulação: diferenças de pessoas na sociedade, subida e descida na vida.

 

            Para Pareto a sociedade é um sistema e é preciso compreender as acções humanas nesse sistema. A teoria psicológica de Pareto parte da análise das acções humanas que podem dividir-se em:

·       acções lógicas: são aquelas em que existe um ajustamento lógico entre os meio utilizados para atingir os fins.

·       acções não lógicas: são aquelas em que os meios utilizados não têm relação com os fins, por exemplo, a dança da chuva.

            Pareto considera Economia como a ciência das acções lógicas. E a Sociologia como a ciência das acções não lógicas.

 

            O comportamento dos seres humanos tem por base impulsos psíquicos, sentimentais, desejos ou instintos. Aos impulsos psíquicos Pareto chama resíduos, alertando-nos para não confundirmos os resíduos com os sentimentos ou instintos a que correspondem. Pareto agrupa os resíduos individualizados em seis classes básicas com várias subdivisões.

 

 

Þ   Classes de resíduos:

 

à   Instinto das combinações: a psicologia humana precisa de explicar as coisas, e fá-lo através da associação de ideias (ex. se me dói as costas é porque vai chover). Esta classe subdivide-se em:

·       combinações em geral.

·       combinações de coisas parecidas e díspares.

·       poder misterioso atribuído a certas coisas e a certos actos.

·       impulso para combinar resíduos.

·       impulso para procurar explicações lógicas.

·       crença na eficácia das combinações.

 

à   Persistência dos agregados: instinto conservador, tendência para manter determinados “valores” adquiridos. Esta classe subdivide-se em:

·       persistência das relações de indivíduos com outros indivíduos ou lugares.

¨    relações com a família ou a comunidade.

¨    relações com lugares.

¨    relações com classes sociais.

·       persistência de relações entre os vivos e os mortos.

·       persistência de relações entre os mortos e as coisas que possuíram em vida.

·       persistência de uma abstracção.

·       persistência de uniformidades.

·       sentimentos transformados em realidades objectivas.

·       personificação.

·       necessidades de novas abstracções.

 

à   Manifestação de sentimentos por actividades: as pessoas sentem necessidade de exteriorizar as suas emoções. Esta classe subdivide-se em:

·       combinações.

·       exaltação religiosa.

 

à   Sociabilidade: relações entre as pessoas. Esta classe subdivide-se em:

·       sociedades particulares.

·       necessidade de uniformidade.

·       piedade e crueldade.

·       auto sacrifício por outros.

·       sentimentos de hierarquia.

·       ascetismo.

 

à   Integridade do indivíduo e dos seus atributos: preservação da honra e da dignidade. Esta classe subdivide-se em:

·       sentimentos que se opõem a alterações no equilíbrio social.

·       sentimentos de igualdade entre os inferiores.

·       restauração da integridade por operações no sujeito da mudança.

·       restauração da integridade por operações no objecto da mudança.

 

à   Resíduo sexual: condiciona as relações interpessoais.

 

            Esta classificação dos resíduos é acompanhada pela classificação dos restantes elementos:

¨    interesses: é aquilo a que Marx chama a luta de classes.

¨    derivações: são os comportamentos que resultam dos resíduos. Pareto considera que as ideologias são derivações. As pessoas têm ideias revolucionárias ou conservadoras consoante tenham predominantemente resíduos de combinações ou predominância de agregados.

¨    heterogeneidade: as sociedades são racialmente heterogéneas. Gera-se uma pirâmide social, com uma hierarquia definida pela diferença de aptidões, de resíduos. Esta pirâmide é composta por uma minoria de muito dotados (classes altas) e uma larga massa de menos dotados (classes baixas), passando por uma camada intermédia de pessoas de dotação média (classes médias).

            Circulação: é o fenómeno de subida e descida de classes por parte das pessoas. Pareto sustenta que «as aristocracias não duram muito. Qualquer que seja a razão, é incontestável que ao fim de certo tempo desaparecem. A história é um cemitério de aristocracias».

 

            Pareto afirma que se se juntarem os melhores de cada profissão encontra-se a elite de cada país. E elite divide-se em:

·       política: o conjunto de pessoas que se dedicam ao exercício do poder.

·       não política: os economistas e os engenheiros.

 

            As elites diferenciam-se das não-elites pelo tipo de resíduos que as caracterizam. A umas corresponde o instinto da combinação e a outras a persistência dos agregados.

            Os resíduos da elite precisam de estar em harmonia com os resíduos da massa. Caso isto não aconteça a elite tem de ser substituída.

 

            Em termos políticos verifica-se uma alternância entre a Elite das Raposas e a Elite dos Leões. É a alternância dos que tendem a recorrer sobretudo à habilidade como meio de governo e a dos que estão dispostos a recorrer à força.

            A Elite das Raposas não usam a força para impor as ordens do governo, negoceiam. Esta elite acha a repressão um meio incorrecto de governar.

            A certa altura as pessoas cansam-se do diálogo e começam a considerar os governos da raposa um pouco caóticos. As pessoas sentem a necessidade de uma autoridade. A elite transforma-se, então, numa elite autoritária, a Elite dos Leões, que acha que devem ser suprimidas todas as formas de “distúrbio”. Esta situação dura até as pessoas sentirem novamente uma necessidade de diálogo, pelo que a Elite das Raposas sobe de novo ao poder, e assim sucessivamente.

            Para Pareto esta rotação das elites resulta da alteração dos resíduos da massa.

 

            Ao nível das elites económicas, Pareto distingue os “rentiers” e os especuladores. Cada um destes grupos tende a actuar socialmente segundo os resíduos que os caracterizam. O especulador é o sujeito no qual predomina o instinto das combinações, e o proprietário (rentier) é o sujeito no qual predomina o resíduo da persistência dos agregados.

            No entender de Pareto há ao longo dos séculos uma alternância entre ciclos de fé e ciclos de dúvida. Nos primeiros predomina o resíduo da persistência dos agregados, nos segundos predomina o instinto das combinações.

 

            Pareto não define a relação existente entre a Sociologia e as outras Ciências Sociais. Contudo, sustenta que a Sociologia deve basear-se no método lógico-experimental, deve ter princípios unicamente científicos, e deve ver a sociedade como um sistema de equilíbrio imperfeito. Esta foi a principal contribuição de Pareto.

 

Pareto morre em 1923.

 

 

 

 

 

 

 

5. O DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

 

5.1. A Escola de Chicago

           

Após as teorias dos autores Emile Durkheim, Max Weber e Vilfredo Pareto, a sociologia sofre uma transformação.

            Surge agora a Sociologia Aplicada com a criação, em 1892, de uma nova universidade, a Universidade de Chicago, sob a orientação de Albion Small. O novo departamento de sociologia pretende contribuir para a compreensão dos problemas específicos da cidade de Chicago.

 

            Albion Small fundou a primeira revista americana de sociologia, “ The American Journal of Sociology” (1895). Esta revista foi durante muito tempo o órgão essencial da Associação Americana de Sociologia. Criou-se depois uma outra revista denominada “The American Sociological Review”.

            Small lançou o seu departamento no caminho de utilizar a teoria na prática. Estimulou um grande inquérito que falava do problema da imigração.

 

            Surgiu, então, um projecto sobre a imigração dirigido por William Thomas. Tomou como objecto de estudo os imigrantes Polacos, e procurou estudar o modo como eles se inseriam na sociedade americana. Verificou que eram, sobretudo, camponeses que ao chegarem aos Estados Unidos se tornavam em operários de fábricas.

            Thomas vai à Polónia para reunir documentação sobre a vida dos Polacos. Nesse país contactou com Florian Znaniecki, e produziu um livro em nome de ambos intitulado The Polish Peasant in Europe and America, é o primeiro estudo prático e concreto de um tipo de pessoas.  Este estudo revelou métodos inovadores:

·       utilização de cartas pessoais (método que depois foi criticado).

·       obtiveram a autobiografia de um rapaz polaco que contou a sua vida desde que habitava na Polónia até à emigração para a América.

·       Thomas comprou artigos de um jornal polaco que já tinha fechado.

·       serviram-se da documentação das paróquias.

·       dirigiram-se à polícia e aos tribunais para saber dos aspectos criminosos praticados pelos Polacos.

                        Entre outros...

 

            Na altura da I Guerra Mundial, Robert Ezra Park foi para Chicago, até então tinha trabalhado como jornalista e era uma pessoas com ideias liberais. Doutorou-se na Alemanha com uma dissertação sobre A Massa e o Público.

            Park propunha que se estudassem as diversas zonas da cidade, de modo a saber-se quais as características das pessoas que aí viviam, qual o seu modo de vida e quais os seus problemas. Sustentava que as pessoas viviam num certo equilíbrio com o ambiente, ou seja, há um equilíbrio e uma interdependência das vidas humanas com as plantas e os animais no espaço. Park ficou, então, conhecido pelos seus estudos sobre a Ecologia Humana.

 

            Em 1921, publica em colaboração com Ernest W. Burgess a Introdução à Ciência da Sociologia, manual conhecido por “Bíblia Verde”.

            Em 1925, também em colaboração com Burgess, publica The City, um estudo sobre o meio urbano realizado segundo a abordagem ecológica - Ecologia Urbana. Mostra que na cidade de Chicago se podiam distinguir várias zonas: o núcleo central da vida, que é a zona de negócios. Esta é rodeada pela zona pobre, que por sua vez é rodeada pela zona de habitação de operários. Logo a seguir encontra-se a zona dos prédios de apartamentos e, por fim, a zona das vivendas.

 

            Esta teorização ecológica continuou na obra de McKenzie.

 

A Escola de Chicago construiu uma teoria nova sobre a organização das cidades. E fizeram vários estudos sobre os aspectos humanos da área de Chicago.

 

*      Um dos primeiros estudos que aqui se realizou foi sobre os negros de Chicago, levado a cabo por C. S. Johnson na obra The Negro in Chicago (1922). A libertação dos escravos permitiu-lhes movimentar-se livremente pela América. Quando surge a I Guerra Mundial as fábricas do Norte ficaram sem mão-de-obra, então, fez-se restrições à imigração, privilegiando os habitantes do Sul. Foi assim que surgiram os chamados bairros negros, especialmente nos Estados Unidos.

 

*      O estudo de Nels Anderson foi sobre o “hobo”, The Hobo: The Sociology of Homeless Man (1923). O “hobo” é um tipo de cidadão que não trabalha para viver mas sim para sobreviver, vive ao ar livre. Para efectuar o seu estudo, Nels foi viver como “hobo”, descrevendo a forma como este tipo de cidadão vivia. Foi depois professor universitário e presidente da assembleia académica da sociologia.

 

*      Um outro estudo foi o de Frederic M. Thrasher, que escreveu The Gang, um estudo sobre os bandos de rapazes. Thrasher constatou que muitos destes rapazes estavam ligados a actividades delinquentes (roubos). Começou a percorrer as ruas de Chicago para inventariar estes bandos, tendo verificado que estes chegavam a passar as noites inteiras a marginalizar. Thrasher verificou, também, que estes bandos eram fontes de recrutamento de “gangsters”, que recorriam, sobretudo, a clubes desportivos para recrutar rapazes de físico forte.

            Nos anos 20 vivia-se na América a Lei Seca, que proibia o consumo de bebidas alcoólicas em lugares públicos. Assim criou-se o contrabando destas bebidas, dirigido por membros desses bandos. Por causa da competição de mercado os bandos eram rivais entre eles. Transportavam as bebidas em camiões do lixo e atacavam-se mutuamente. Para se defenderem começaram a usar armas.

 

*      O estudo de Cressey foi sobre The Taxi Dance Hall, um sítio onde se alugavam as mulheres para dançar, como um táxi. Este tipo de coisa era uma forma disfarçada de prostituição. A Escola de Chicago pretendia perceber como é que funcionam estes clubes.

 

*      Harvey Warren Zorbaugh escreveu The Gold Coast and the Scum (1929) um estudo sobre uma área da cidade onde coexiste uma zona de habitações ricas (“The Gold Coast”) e uma zona de habitações mais pobres (“Slum”). Verificou que a chamada Costa do Ouro foi-se tornando menos prestigiada, os bairros foram envelhecendo e ocupados por pessoas de classes mais baixas.

 

*      como estes, outros estudos foram realizados por diversos autores sobre variados temas.

 

A Escola de Chicago foi a responsável pelo desenvolvimento e homogeneização da sociologia americana.

 

5.2. O Exemplo da Antropologia. As Monografias de Comunidade

 

            A Universidade de Columbia também contribuiu para o desenvolvimento da sociologia, tendo desenvolvido, sobretudo, duas linhas de investigação: os estudos de comunidades e os estudos sobre fenómenos de opinião pública.

 

            Franklin H. Giddings (1855/1931), professor catedrático desta universidade, criou aí um departamento de ciências sociais e políticas. A sua maior preocupação era com problemas de teoria sociológica, tendo contribuído bastante para o desenvolvimento dos estudos de campo.

 

            Franz Boas (1858/1942), nascido na Alemanha, tornou-se professor de Antropologia na Universidade de Columbia. Formou-se em física, em 1881, com uma dissertação sobre a cor da água do mar.

            Boas foi bastante influenciado pelo seu professor Theobald Fisher. Boas viajou até à Terra de Baffin, donde trouxe muito material sobre as populações esquimós. Numa outra viajem, Boas recolheu material sobre os índios Kwatiutl.

            Durante alguns anos colaborou com alguns museus.

            Boas esforçou-se sempre por manter um controlo rigoroso das informações recolhidas nos trabalhos de campo, de modo a evitar generalizações que lhe pareciam prematuras.

 

            Clark Wissler foi um dos discípulos de Boas, e propôs regras para o estudo da cultura. Publicou Man and Culture, em 1923.

 

 

            São de notar os estudos de Malinowski sobre os indígenas das ilhas Trobiand, Argonauts of Western Pacific (1922), e a monografia de Radcliffe-Brown sobre os indígenas das ilhas Andaman, no Oceano Índico, The Andaman Islande - A Study in Social Antropology (1922). Este último autor foi bastante influenciado por Durkheim, e parecia-lhe que a Antropologia Cultural não dava bastante atenção às estruturas sociais.

 

            Estes dois livros publicados em 1922 causaram um impacto muito grande nos livros dos maiores académicos.

 

            Nesta altura, Robert Lynd, um padre presbiteriano que trabalhava no instituto de intervenção social e religiosa, quis fazer um estudo sobre a prática religiosa na América. Abordou, então, pessoas que lhe soubessem indicar o melhor método para o fazer, pelo que entrou em contacto com Wissler, que lhe sugeriu que a aplicação dos métodos de Malinowski, ou seja, que estudasse uma cidade pequena como se fosse uma tribo.

            Robert Lynd e sua mulher, Helen Lynd, foram com uma equipa de colaboradores viver durante 18 meses para uma cidade indiana chamada Muncie, para fazer um trabalho de campo. Para tal, utilizaram os seguintes métodos:

- foram viver com os habitantes de Muncie.

- serviram-se de documentos.

- recolheram informação numérica (estatísticas).

- metiam conversa com a população de Muncie procurando investigar sobre o seu modo de vida.

- falavam também com pessoas que ocupavam posições estratégicas (padres), e também com as donas de casa (Working class e Business class).

- serviram-se, ainda, de questionários que mandavam a clubes desportivos, escolas, etc.

 

            Assim, obtiveram material suficiente para escrever o livro Middletown, A Study of a Modern American Culture (1929), que obteve logo um grande êxito, pelo que Ogburn, presidente da Associação Americana de Sociologia, dedicou a Lynd o seu discurso presidencial. A família Lynd usou de um pseudónimo neste livro, pois algumas das coisas que aí referiam não agradavam aos habitantes de Muncie.

            A grande depressão dos anos 30, leva a família Lynd a voltar a Muncie, com o intuito de saber como é que os habitantes desta cidade tinham sido afectados pela crise, o que deu origem à publicação de um outro livro intitulado Middletown in Transition (1937).

 

            Com estas duas obras inicia-se uma época de monografias de comunidades.

 

            Assim, Lloyd Warner, um antropólogo que inicialmente estudou os indígenas da Austrália, seguiu as pisadas de Lynd e publicou um livro sobre a cidade de Newburyport, atribuindo-lhe o pseudónimo de Yankee City.

            Com base nos estudos das estruturas da população, fez uma descrição da sociedade Yankee (ingleses) e um estudo sobre as greves. Estudos que resultaram numa compilação de volumes intitulada Yankee City Series.

            Daqui surge um novo sistema de classes denominado por “status de classes”. Em paralelo às classes em luta de Marx aparece o prestígio das classes de Warner. 

 

            Depois destas muitas outras monografias foram realizadas, entre elas:

Cast and Class in a Southern Town (1937), de John Dollard.

Deep South: A Social Anthropological Study of Caste and Class (1941), de Allison Davis, B. B. Gardner e Mary Gardner.

Plainville, U. S. A. (1945), de James West.

 

 

5.3. Os Estudos de Opinião Pública e de Fenómenos de Comunicação Social

 

a) Sondagens de opinião

           

            O interesse pelas questões relacionadas com as tendências da opinião pública é antigo. Ganhou relevo em sequência de situações ocorridas na I Guerra Mundial: a propaganda. Esta técnica foi utilizada por Inglaterra desde as guerras napoleónicas. A Revolução Bolchevique de 1917 também contribuiu para o desenvolvimento destes estudos.

 

            É neste contexto que surge o primeiro libro de opinião pública de Walter Lippman intitulado Public Opinion (1922). Aqui discute-se o papel da imprensa na sociedade e o modo como a propaganda, concretamente na Revolução Bolchevique, pode influenciar e informar.

 

            Mussolini chega ao poder em Itália através de uma acção de propaganda muito eficaz.

            Hitler chega ao poder mais tarde, imitando os métodos de Mussolini. Hitler cria, pela primeira vez, um Ministério da Propaganda chefiado por Giebbels. Uma das formas de propaganda era a rádio, que era transmitida muito para lá das fronteiras alemãs.

 

            Nos Estados Unidos, uma das primeiras formas de aplicação sobre estudos de opinião foi através de sondagens eleitorais. Os jornais mandavam questionários para os seus leitores, juntavam os resultados e publicavam-nos.

            Em 1933, Hoover concorreu contra Roosevelt para a presidência americana. A maioria dos jornais previram a vitória de Hoover, sendo o “Litterary Digest” o único que previu a vitória de Roosevelt. Em 1936, as eleições foram entre Laudon e Roosevelt e aí, apesar de gastos espectaculares, o “Litterary Digest” enganou-se ao prever que Laudon seria o vencedor.

 

            George Gallup, presidente do “American Institute of Public Opinion”, organizou algumas sondagens com resultados interessantes. Crossley também o fez, mas foi Elmo Roper, numa sondagem para a “Fortune”, que inquirindo 4500 pessoas acertou no resultado de umas eleições presidenciais.

            O sucesso destes três homens estava no método que utilizavam para as sondagens. A eles não lhes interessava a quantidade mas sim o tipo de pessoas que inquiriam, preocupavam-se, pois, em inquirir representantes das várias classes sociais.

 

            Por não terem usado este método é que as sondagens das eleições de 48, em que Truman e Dewey disputavam a presidência, falharam redondamente ao darem a vitória a Dewey. É que as sondagens foram feitas por telefone, e o povo, que votou maciçamente em Truman, não tinha telefone.

 

b) Escalas de Medida de Opiniões e Atitudes

 

            Vários investigadores tentaram elaborar questionários de forma a saber qual era a intensidade com que as pessoas sustentam uma determinada opinião ou atitude.

            Assim, E. Bogardus publica um estudo, em 1928, intitulado Imigration and Race Attitudes. Bogardus procurava medir as atitudes dos americanos em relação a várias nacionalidades estrangeiras, de onde podiam provir candidatos à emigração para os E. U. A. No entanto, a sua escala pecava por não ser uma escala de intervalos iguais.

 

            Com o objectivo de resolver esse problema, L. L. Thurstone e E. G. Chave propuseram em The Measurement of Atitudes (1929), uma fórmula de estabelecimento de itens, que servi-se de escala de medida da intensidade das opiniões e atitudes em relação ao objecto para que foi elaborado.

 

c) Estudos sobre Fenómenos de Comunicação Social

 

            Foram vários os estudiosos que tentaram investigar a forma como funciona difusão de opiniões.

            Um grupo de investigadores do “Bureau of Applied Social Research” da Universidade de Columbia, liderado por Paul Lazarsfeld fez um estudo da evolução da opinião pública por efeito da campanha eleitoral nas eleições presidenciais de 1940. Concluíram que a campanha eleitoral produz um efeito de activação do interesse do leitor e um efeito de reforço das suas próprias preferências.

            O resultado deste estudo foi publicado em 1944 sob o título de The People’s Choice: How the Voter Makes up his Mind in a Presidential Campaign.

 

d) Análise de Conteúdo

 

            Na década de 1930, Lassel introduziu uma técnica de análise quantitativa do material noticioso, que designou por análise de conteúdo, técnica que foi imitada e desenvolvida por outros.

            A técnica consiste na contagem de palavras e espaços dedicados a cada assunto e, ainda, na determinação por métodos simplificados, da orientação favorável/desfavorável das notícias.

 

5.4. A Sociologia do Trabalho

 

            Na década de 1920, começam a organizar-se novos métodos de gestão.

 

            Taylor foi um engenheiro americano que procurou simplificar o sistema de trabalho, tendo como objectivo uma máxima produção. Achava que um operário deveria especializar-se somente numa determinada área de trabalho.

 

            Gilbreth também se dedicou a estudar a cientificação do trabalho. Criou-se, assim, a Organização do Método, tendo em vista uma melhor e maior produção.

 

            Apesar das contribuições destes engenheiros, acaba por surgir um problema: o cansaço. Pois, os operários trabalhavam continuamente, sem tempos mortos. Assim, na Universidade de Harvard cria-se o “Laboratório do Cansaço Industrial”, com o intuito de estudar este problema. Também as empresas estudaram o assunto e tentaram arranjar um meio de aumentar a produção sem cansar os operários.

 

            A “Western Electric Company”, numa experiência, melhorou os sistemas de iluminação e introduziu a pausa para o café, de modo a estudar quais seriam os efeitos de tais melhorias no rendimento dos trabalhadores. Juntou, então, um conjunto de operárias numa sala à parte e variavam os níveis de iluminação para analisar a produção, que aumentava a cada dia. Com a pausa para o café a produção aumentava ainda mais.

            Sem perceber como tal acontecia, os administradores da empresa resolveram chamar uma equipa de Harvard para analisar o comportamento das operárias. Esta equipa era chefiada por Elton Mayo.

            Mayo e a sua equipa concluíram que uma das razões pela qual a produção aumentava era porque as operárias sentiam-se privilegiadas por serem visitadas constantemente por pessoas importantes, e faziam o mais que podiam.

            Nasceu, assim, a corrente das Relações Humanas, que visa melhorar o ambiente de trabalho. Pois, se as pessoas se sentissem estimuladas pela empresa, os níveis de produção aumentavam.

 

Foram publicados vários livros sobre o assunto.

 

5.5. O Estudo dos Fenómenos de Interacção em Pequenos Grupos

 

a) A Sociometria

 

            Nasceu da obra do médico psiquiatra austríaco Jacob Levy Moreno, que havia emigrado para os Estados Unidos. Moreno verificou que as doenças mentais eram essencialmente provocadas pela dificuldade de relacionamento que certas pessoas têm com as outras. Isto levou-o a estudar fenómenos de grupo e as interligações que no seio dos grupos se estabelecem entre os indivíduos.

            O método que encontrou para avaliar o relacionamento entre as pessoas designa-se por sociometria (medição das relações sociais). Um sociograma é um desenho onde se representa as pessoas e as escolhas feitas por elas.

            Moreno publica, em 1934, Who Shall Survive, onde expões os princípios das suas análises. Foi um livro que teve um considerável impacto, reunindo-se à volta de Moreno um grupo de discípulos que ajudaram a desenvolver os seus métodos.

 

            Os métodos iniciados por Moreno, têm hoje aplicação corrente em sociologia e psicologia social.

 

b) Teoria de Campo e Dinâmica de Grupos

 

            Kurt Lewin, um psicólogo alemão, iniciou um método de análise do comportamento dos indivíduos, com base no campo social em que as pessoas se movem.

Em 1945, fundou o “Research Center for Dynamic Groups” no “Massachusetts Institute of Technology”.

            Mesmo depois da sua morte, em 1947, os seus discípulos continuaram o seu trabalho.

 

            A teoria do campo social e a dinâmica de grupos, junto com a sociometria, continuam a constituir a base teórica de todas as actuações que visam a melhoria das relações humanas no seio das organizações.

 

5.6. Os Estudos do “American Soldier”

 

            Durante a II Guerra Mundial, as Forças Armadas dos E. U. A. empregaram numerosos especialistas das ciências sociais no estudo de problemas postos pela adaptação ao serviço militar e às condições de guerra.

            Este trabalho foi iniciado em 1941, e em 1942 Stouffer foi nomeado responsável técnico por estas actividades. Assim, durante toda a guerra foram realizados numerosos inquéritos entre os militares e foram feitos estudos sobre reacções de indivíduos e grupos em diversas circunstâncias da vida militar nas casernas, nos campos de treino e nas áreas operacionais.

            Quando a guerra terminou, foi escolhida uma equipa presidida por Stouffer para tornar públicos os resultados mais interessantes destes estudos, que vieram a ter um considerável impacto na metodologia das ciências sociais.

 

5.7. Os Estudos da Personalidade de Base

 

            O interesse pelo condicionamento cultural e social dos comportamentos humanos levou à formulação da teoria de que existem características de personalidade comuns aos membros de um mesmo grupo que decorrem do treino social.

            O médico psiquiatra Adam Kardiner, publicou um primeiro livro sobre este problema, em 1939, com o título The Individual and his Society: The Psychodynamics of Primitive Social Organization.

            Estas novas concepções estimularam logo diversos estudos do carácter nacional de alguns povos. O mais conhecido é talvez o estudo da cultura japonesa realizado durante a guerra, que foi publicado em 1947 por R. Benedict, com o título The Chrysanthemum and the Sward - Pattern of Japanese Culture. Esta obra serviu de base a certos aspectos da política dos E. U. A. em relação ao Japão.

 

5.8. O Problema das Relações Raciais

 

            Desde sempre que sociólogos se interessam pelas relações entre grupos étnicos diferentes que vivem sob uma mesma soberania. E nos finais do século XIX começou a constituir-se uma sociologia colonial, onde este problema assumiria uma papel importante.

 

            A alteração das condições de vida nos territórios africanos levou à realização de diversos inquéritos e ao aparecimento de interpretações renovadas sobre este problema. Representativas desta nova abordagem são as obras de George Balandier, designadamente Sociologie des Brazzavilhes Noires (1955) e Sociologie Actuelle de L’Afrique Noire (1955).

 

            Na Inglaterra, a preocupação com o problema levou à fundação do “Institute of Race Relations”, em 1958, que publicou desde sempre a revista “Race”.

 

            Nos E. U. A., onde existe uma importante minoria negra, o estudo das relações raciais é uma antiga preocupação antiga dos sociólogos.

            Este é um problema que se tem mantido relevante aos olhos dos investigadores, pelo que foram publicados sobre este assunto numerosos volumes que reflectem a evolução das ideias e também os condicionamentos políticos que rodeiam a situação do negro nos E. U. A.

 

            Com a afluência à Europa de imigrantes de países do 3º Mundo, constituíram-se em diversos Estados europeus, importantes núcleos africanos e asiáticos, que igualmente têm estimulado estudos no âmbito das relações raciais.

 

5.9. O Estudo das Sociedades Industriais

 

            Com o pós guerra começam a acentuar-se os problemas da sociedade pós-industrial, particularmente na América do Norte. A população urbana cresce desenfreadamente, acrescendo o anonimato.

            Vive-se num clima de acentuada competitividade e insegurança. Factores que despertaram a curiosidade dos sociólogos, tendo surgido nas últimas décadas diversas obras que representam etapas relevantes no entendimento da nova sociedade.

 

            David Riesman e os seu colaboradores dedicaram-se a analisar o novo ambiente humano nos E. U. Escreveu The Lonely Crowd (1950), mais tarde Faces in the Crowd (1952), e dois anos depois Abundance for What.    

            Achava que a América estava a mudar a sua ética, estava tornar-se diferente do que era antigamente.

 

Ideia de Notestein: distingue três estádios no comportamento humano:

·       mortalidade e natalidade alta.

·       mortalidade baixa, pois melhoram as condições de saúde.

·       mortalidade e natalidade baixas.

 

            Riesman sustenta que também no comportamento das pessoas, nos E. U., se pode distinguir três fases:

·       High Growth Potential: está ligada a uma mentalidade denominada por “Tradition Directed”, orientada pela tradição e para os estudos da Bíblia, é uma mentalidade conservadora.

·       Transitional Growth: período do século XIX, de grande expansão territorial. Corresponde a uma mentalidade que Riesman caracteriza por “Inner Directed”, as pessoas preocupam-se somente com os seus interesses.

·       Incipient Population Decline: início da baixa mortalidade que origina a mentalidade “Other Directed”. Vive-se o espírito de conformismo, em colectivo, vive-se segundo a opinião dos outros.

 

            William Whyte Jr. escreveu The Organization Man (1956). A sua tese é a de que as empresas suprimiam a ética protestante, a recusa do individualismo, direcção das empresas feita com cautela no âmbito de promover o trabalho de grupo.

 

            Morris Janowits escreveu The Professional Soldier (1960). É um estudo sobre os militares, procura conhecer a sua psicologia, o que encaminhou um novo estudo na sociologia: a sociologia dos militares.

 

5.10. A Sociologia dos Processos de Mudança

 

            A mudança é algo que faz parte da vida no mundo moderno, a que têm de adaptar-se os que residem nos países mais industrializados. Mas as atenções voltam-se para os países subdesenvolvidos, onde se começam a desenvolver as novas técnicas e os novos modelos culturais.

            No começo da década de 1950, a UNESCO promoveu a publicação de diversas obras sobre o progresso técnico, o seu impacto sobre as tradições, as suas consequências no que respeita à mudança e à integração social.

 

            O Conselho Americano de relações internacionais financiou desde cedo este tipo de estudos. Encomendou a elaboração de um livro sobre o assunto, pelo que Staley escreveu O Futuro dos Países Subdesenvolvidos.

 

            Nesta matéria há uma grande rivalidade entre a França e a América. Assim, surgiu em França uma instituição, INED, que publica uma colecção de livros relacionados com os problemas económicos da população dos países subdesenvolvidos.

 

            George Balandier viveu e trabalhou em África muitos anos, publicando vários estudos. A convite do INED organizou um dossier denominado Le Tiers Monde. Foi este livro que deu origem à expressão “terceiro mundo”.

 

            A Universidade de Chicago manteve-se nesta área de investigação, promovendo uma revista denominada “Economic Development and Cultural Change”.

            Em França, como resposta, criou-se uma outra revista intitulada “Le Tiers Monde”.

 

2.º Semestre

 

 

6. O Estudo do Social

 

6.1. Natureza e Cultura

 

A) Os factores básicos de explicação social

 

Consideram-se factores determinantes da realidade social:

- a hereditariedade

- o meio físico (Le Play)

- a cultura (usos e costumes)

- as relações sociais

 

            Ainda que, por vezes, se tenha tentado reduzir a explicação do social à explicação de um factor, é comum o recurso a estes 4 factores, ainda que variando a importância dada a cada um.

 

B) A Hereditariedade

 

            As teorias hereditaristas de superioridade não resistiram à crítica científica e foi a genética que renovou a explicação social assente na hereditariedade, sendo este estudo positivo mas precisando de ser enquadrado.

 

            Mendel, um monge austríaco, em 1866 faz uma comunicação à Sociedade de Ciências Naturais de Brno, comunicação que é redescoberta e se torna conhecida só em 1900.

            Considera a hereditariedade como a dotação de genes a cada indivíduo no momento da fecundação (metade do pai e metade da mãe), num acto único e irrepetível. Assim, os genes são unidades independentes que se combinam pelo acaso em cada indivíduo, conceito que é  oposto ao de uma hereditariedade contínua dentro de uma raça.

            “A transmissão dos genes é uma questão de probabilidades. Os resultados não são facilmente previsíveis e traduzem-se por combinações estatísticas.”

 

            Genótipo é a combinação genética própria de cada indivíduo.

            Fenótipo é o conjunto das características efectivamente observadas no indivíduo.

            A cada genótipo podem corresponder diferentes tipos de fenótipos.

 

Na experiência de Mendel este cruza ervilhas de flores brancas e flores vermelhas e surgiram desse cruzamento flores vermelhas. Com cruzamentos posteriores surgiam flores brancas mas nunca flores de cores intermédias.

Do estudo retirou 4 conclusões: que as características genéticas são transmitidas integralmente como as dos progenitores, que o elemento que determina a cor vermelha é predominante e o vermelho é recessivo, que existe uma lei de combinações genéticas que permite apurar a proporção dos tipos de descendentes nos cruzamentos e que o mesmo fenótipo (flores vermelhas) pode originar um genótipo puro ou um genótipo misto.

 

Deste modo, para aparecerem flores brancas o pai e a mãe têm de ser brancos.

Quando o alelo (elemento genético) proveniente de cada progenitor é semelhante diz-se que o indivíduo é homozigótico, quando são diferentes é heterozigótico.

 

As células de um organismo têm um número definido de cromossomas, em que cada cromossoma tem um grande número de genes, cujo elemento constituinte é o ADN, que ocupam um lugar determinado: locus.

Cada célula humana tem 46 cromossomas.

A multiplicação de uma célula faz-se por uma divisão sucessiva em que a nova célula recebe o número exacto de cromossomas da célula original. Assim se desenvolve o organismo.

Contudo, a geração de um novo organismo faz-se por um processo diferente. As células reprodutivas contêm apenas um cromossoma de cada par. Assim aos 23 cromossomas masculinos vão-se juntar os 23 cromossomas femininos no momento da fecundação. É esta célula de 23 pares de cromossomas que vai originar o indivíduo adulto.

            Sendo que a mulher tem no óvulo apenas cromossomas x o homem no espermatozóide tem cromossomas x ou y, é pela combinação destes cromossomas que se encontra o género da pessoa (xx = mulher, xy = homem).

            Podem eventualmente existir alguns erros, pouco frequentes, chamados mutações genéticas ou remanejamentos cromossómicos.

 

            Este mecanismo de mutações provoca uma grande variedade genética. O valor da sobrevivência traduz-se pela capacidade e eficiência da adaptação ao meio ambiente.

            A poligenia é a combinação de genes diferentes, feita aleatoriamente, para assegurar o concurso de todos para uma melhor adaptação. No entanto o mesmo genótipo pode verificar diferentes fenótipos, diferentes adaptações ao meio ambiente: o caracol de concha colorida é comido mais facilmente que o de concha discreta, sendo este fenótipo que prevalece. Imperará o fenótipo mais vantajoso.

            A heterose é a superioridade, que a experiência demonstra, de que os heterozigoticos têm sobre os homozigoticos. De facto, de geração em geração, os genes libertam-se das combinações desfavoráveis. Contudo, convém preservar uma variabilidade suficiente para futuras adaptações.

 

            A dotação genética é o potencial de adaptação que as espécies têm.

            Se o cruzamento entre diferentes espécies  animais origina animais estéreis (égua & burro = macho estéril), o cruzamento entre homens diversos produz indivíduos férteis, o que permite dizer que somos todos da mesma espécie.

 

Classificação das raças existentes, segundo Henri Vallois:

 

Raças

Europa

África

Ásia

Oceânia

América

Primitivas Negras

 

Etíopes

Negritos

“Khoisan”

Vedas

Melano-indiana

Australianos

Negritos

Melanésia

 

 

Brancas

Nórdica

Dinárica

Alpina

Mediterrânica

 

Aino

Anatólia

Turaniana

Indo-afegã

 

 

 

Amarelas

 

 

Siberiana

Norte-central

Sul mongol

Indonésia

 

Polinésia

Esquimós

Ameríndios

 

            Esta classificação menciona, praticamente, apenas as características físicas. Para as Ciências Sociais, contudo, interessa averiguar outras diferenças para além das físicas.

            De qualquer forma, a ciência moderna, hoje em dia, não distingue as raças pelas características físicas mas pelo tipo sanguíneo. A distinção mais comum é em tipos de sangue que podem ser A, B, O, AB. A transmissão do tipo sanguíneo obedece às leis de Mendel e, em todas as raças, aparecem todos os tipos de sangue. Este facto é importante para refutar certas teorias raciais.

 

As diferenças físicas serão meras adaptações ao meio ambiente, como:

·       olhos mais claros nos países onde o Sol é menos frequente

·       pele mais escura para proteger o organismo do excesso de vitamina D (W. Loomis)

·       nariz mais achatado para se perder menos humidade corporal devido às altas temperaturas.

            Porque durante milénios os grupos humanos viveram, quase totalmente, isolados verificam-se estas diferenças, ainda que nas orlas se encontrem grupos com influências diversas.

           

Mas o verdadeiro debate é sobre se a inteligência é aquilo com que se nasce ou o potencial genético intelectual pode ser influenciado pelo meio ambiente pela educação que se tem.

 

            Hoje em dia, acredita-se, que o ambiente social e educacional é muito importante para o sucesso na vida (contrariando Galton que dizia que os ricos eram os mais inteligentes: estes seriam-no porque lhes eram dadas mais oportunidades).

            Experiências com gémeos monozigóticos (os únicos com “hereditariedade” idêntica) separados à nascença provam que, mais que a hereditariedade, é importante o ambiente para o desenvolvimento intelectual.

 

            Desde o século passado que, para todos terem igualdade de educação, esta se estendeu a todas as crianças.

            Programas como o Headstart de Kennedy, nos anos 60 para a recuperação de jovens, o sistema Busing, que visava integrar várias raças numa mesma escola, tentaram dar igualdade de oportunidades na educação.

Mas ao ter-se uma escolaridade de 100%, encontra-se o problema dos chumbos e das desistências (porque é que as pessoas chumbam?). Para o resolver achou-se que se deviam encontrar níveis de aprendizagem consoante a capacidade de cada um (“Tese de Jensen”). Mas colocar esta medida na prática é muito difícil. Nos EUA foi alvo de um amplo debate (“A resposta à tese de Jensen”), até pela atitude racista que podia assumir contra as crianças negras, que seriam “mais burras”.

 

            Esta questão vem trazer outra: a dos testes de inteligência que diferenciariam os vários níveis intelectuais das crianças.

            O teste de Binet seria: QI= idade mental : idade cronológica x 100. Assim, uma criança mentalmente adiantada para a sua idade teria um resultado elevado e vice-versa.

            Mas este teste tem algumas deficiências, como o facto de ter sido pensado para crianças brancas de classe média. Estes testes, para avaliarem correctamente a idade mental têm de ter em conta a classe, o ambiente da criança que os faz. Crianças negras, maioritariamente de classes pobres, faziam testes de classes médias. Da mesma forma, o teste era pensado para crianças urbanas, que nunca tinham visto animais e não para crianças rurais, que não identificam formas geométricas. Daí que a desigualdade natural que o teste enunciava, era, em grande parte, uma influência ambiental.

 

            O cérebro humano tem 2 características principais: a especificidade (aquilo com que se nasce) e a plasticidade (adaptação ao ambiente), uma modificação da dieta aumenta os resultados nos testes, p.e., que obriga a que testes de inteligência tenham em conta estes dois elementos.

 

A relação entre a hereditariedade e a criminalidade tem toda uma história de estudo, como são os casos de Lombroso e Tarde. Contudo, com diz Grapin: “o crime não é visto como consequência da hereditariedade ou do meio ambiente, mas como resultado de várias componentes em interacção, cujas proporções importa apurar”. Tal como se disse a propósito da inteligência as propensões que decorrem da hereditariedade não podem ser ignoradas. Mas é necessário apurar como essas propensões são moldadas pelo meio social em que o indivíduo se insere.

 

Em Agosto de 1964, a UNESCO profere uma declaração em Moscovo, em que procura sintetizar as posições dos especialistas nesta questão dos aspectos biológicos  das raças. Considera “que nenhuma diferença foi detectada nas dotações hereditárias dos vários grupos humanos. Amplas informações atestam, por outro lado, a influência do meio social, físico e cultural nas respostas das várias raças.

Nem no campo das potencialidades hereditárias respeitantes à inteligência geral ou no campo da capacidade cultural há uma justificação para o conceito da raças superiores ou inferiores”.

 

C) O Meio Físico

 

Tradicionalmente, dá-se alguma influência ao meio físico pela forma como este pode estruturar as sociedades.

 

Maximilian Sorre refere a forma como uma paisagem, pelo solo, clima, flora, obras humanas, modifica a vida de um povo, seja a nível alimentar, de vestuário ou capacidade de trabalho. De facto, a marca do meio físico embebeu a cultura tradicional em todas as suas formas.

Em conclusão, em harmonia com o regime económico dominante é pelos acidentes físicos que se estabelecem laços entre os diversos grupos implantados no mesmo espaço geográfico (algo que é facilmente exemplificado pelo nascer dos sistemas de comunicação).

 

Ellsworth Huntington, em As fontes principais, investigou profundamente a questão de as variações do meio físico e clima poderem relacionar-se com os níveis de civilização alcançados nas várias regiões.

Investiga os EUA (um país que funciona a uma escala continental) e considera que as diferenças em factores como os nascimentos, o número de crimes, o conforto se explicavam à luz do estado geral de vigor físico e à inclinação para trabalhar. Considera que, independentemente da influência que a hereditariedade possa exercer, o meio físico e, sobretudo, o clima contribuem para a verificação destas disparidades.

Considera que a diversidade regional do nível de vida nos EUA se deve a um factor a que chama Eficiência Climática (a relação de eficiência do trabalho das pessoas das várias regiões se tudo nelas fosse igual excepto o clima).

 

Seria o clima o elemento fundamental do padrão geográfico revelado pelas civilizações. As primeiras grandes civilizações surgirão em latitudes entre os 25º e os 35º, numa temperatura facilmente suportável pelo corpo humano. Os casos de civilizações em zonas fora dessas áreas seriam apenas migrações de populações provenientes dessa faixa original.

Mesmo os nascimentos concentrar-se-iam no início da Primavera porque era nessa altura que o homem primitivo tinha mais possibilidade de sobrevivência, pois havia mais alimento e as temperaturas eram mais amenas. Hoje, o aumento dos  nascimentos na Primavera seria uma herança disso.

Huntington procurou estatisticamente estabelecer estas relações, inclusivamente encontrando ciclos económicos e sociais a partir de ciclos climáticos. As épocas de seca seriam mais propícias para a as invasões, facto que seria comprovado pelas invasões dos bárbaros na Europa.

Mas conclui dizendo que o clima não será exclusivamente determinante. Actua em conjunto com a hereditariedade e o nível cultural, afastando a acusação de que defenderia um determinismo geográfico. Ele, antes, considera o clima um factor “possibilista”, enquanto conjunto de possibilidades que o homem pode aproveitar e modificar consoante as suas tendências culturais.

 

De qualquer forma, hoje em dia, o homem consegue controlar melhor a influência do clima na sua vida, mesmo ao nível dos ciclos económicos e por isso esta influência é menor.

 

D) A Cultura

 

Segundo Herkovitz, a cultura será a parte do ambiente feita pelo homem, compreendendo a ciência, o direito, a moral, etc..

Aquilo que antes se designava por civilização agora chama-se cultura (existem aglomerados não-civilizacionais que possuem cultura).

 

Tylor, em Primitive Culture de 1871, define cultura como o complexo que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a lei, a moral e outros hábitos que o homem, por ser membro de uma sociedade, adquire.

 

Será a capacidade de criar a cultura que distingue o homem dos outros animais. Consolidada pelo passar das gerações, é transmitida aos mais novos e molda os seus comportamentos. É um complexo que absorve toda a vida das pessoas.

 

Para se estudar uma cultura é útil e mais fácil decompô-la nos elementos que a constituem.

 

Foi Clark Wissler em Men and Culture que iniciou esse estudo.

Propôs que se distinguissem em cada cultura os traços componentes (as unidades culturais individualizáveis, como os hábitos do casamento: 1º namoro, 2º casamento). Estes traços agrupam-se em complexos culturais, também chamados instituições: conjunto de práticas padronizadas, como o vestido de noiva ou a lua de mel. Estes complexos ao combinarem-se formam padrões de cultura, que, quando são comuns a vários grupos de uma dada região originam áreas culturais.

Contudo, a aplicação destes conceitos é difícil e origina grandes debates e controvérsias.

 

Kroeber e Kluckhohn reúnem 164 definições de cultura no seu trabalho o que, por si só, demonstra as divergências, até neste conceito, entre os antropólogos.

 

Aquilo que, de qualquer forma, é análogo a todas as culturas e que surge com frequência tem-se chamado universais da cultura. Também aqui surgem divergências mas conceitos como a família, a vida económica, o governo, a religião surgem comummente aceites como universais.

 

A dificuldade geral em encontrar um modelo comum por parte dos antropólogos traduz a complexidade e a diversidade das formas culturais do homem. Esta dificuldade acaba por se estender a todas as Cc. Sociais.

 

Em conclusão, o homem está profundamente marcado pelo meio cultural onde nasceu e fez o seu treino social. A cultura é o resultado da interacção contínua entre o fundo genético da espécie e o meio ambiente.

 

E) As Relações Sociais

 

            Durkheim, na sua Teoria das Solidariedades Orgânica e Mecânica é o primeiro a falar seriamente destes factores.

 

            Georg Simmel, prossegue este estudo e considera ser possível distinguir conteúdo (o que está nos indivíduos e pode provocar efeitos em outros ou receber esses efeitos) de forma (como os indivíduos realizam, em conjunto, actividades que satisfazem os seus interesses). O estudo da forma seria a Sociologia Pura ou formal.

            Pela conjugação das várias formas se chega ao conceito de sociabilidade.

            A relação social é, independente de qualquer conteúdo, o que se exemplifica por uma reunião social em que todos se esforçam por manter a conversa em terrenos neutros por forma a não comprometer o sucesso da reunião. Está-se junto apenas pelo prazer da ligação social, não precisa de haver um objectivo determinado.

 

            Radcliffe-Brown, estudioso inglês, distingue antropologia cultural, que estuda a cultura, a essência ou o conteúdo da vida social, de antropologia social, que estuda as relações sociais, um processo dinâmico de interacções.

            Esta antropologia social encontraria regularidades na diversidade, o que permite descrever certos traços gerais de uma região a que podemos chamar uma forma de vida social.

 

            Assim esquematizando teríamos:

 

                                                                                              Adapatação Ecológica (ao ambiente)

 

Sistema Social                         Sistema Adaptativo                   Adapatação Institucional (às instituições)                                                         

                                                                                              Adaptação Cultural (à cultura do grupo) 

 

 

            Ao ordenamento das partes chamar-se-ia Estrutura Social, sendo a relação entre um traço e a Estrutura a Função.

            O processo, à estrutura e à função são os componentes da mesma teoria, os elementos dos sistemas sociais humanos.                                                                                 

 

            Radcliffe-Brown e Malinowsky têm uma acentuada divergência que alastra à relação entre os antropólogos americanos mais “culturalistas” e os antropólogos ingleses mais “estruturalistas”.

            De facto, o funcionalismo é uma adaptação do estudo biológico anatómico, em que tudo, numa sociedade, tem uma função (o que não é necessário desaparece).

 

            Georges Gurvitch procura sistematizar as formas de sociabilidade enquanto fenómenos sociais totais. Assim, tenta encontrar os tipos sociais mais gerais e abstractos que originam os fenómenos sociais mais complexos.

            Distingue a sociabilidade espontânea das expressões organizadas de sociabilidade (mais rígidas) que obedecem a princípios de domínio ou de colaboração.

 

            Ao analisar a sociabilidade espontânea considera-a por:

·       participação no Nós (por interpenetração ou fusão)

·       relações com outrém (uma oposição parcial e uma ligação mútua no Eu, Tu, Ele)

 

            A participação no Nós leva à formação, no conjunto de indivíduos, de algo diferente das contribuições individuais. Mas esta participação não implica uma identificação total mas uma semelhança com diferenças. A total identidade originaria um género abstracto, que não precisava de fazer ligações. A total diferenciação, por outro lado, impediria uma afinidade entre os participantes.

            No Nós podemos distinguir:

·       massa: o grau de participação é fraco, superficial.

·       comunidade: a participação ainda reserva uma certa independência pessoal.

·       comunhão: o máximo da fusão no Nós.

 

            O elemento de delimitação e diferenciação dos participantes é o mais importante nas Relações com outrém. Por isso Gurvitch as caracterizou como “oposição parcial” pois que os elementos mantêm-se, essencialmente, irredutíveis.

            Na oposição parcial distinguem-se relações de:

·       aproximação Convergem para o nós);

·       afastamento (afastam o elemento de ligação mútua);

·       mistas

 

            Estas relações são tão válidas para situações de conflito como para situações íntimas como a vida dos casal que tem participação no Nós (relação com os filhos) e oposição social (relação com o cônjuge).

 

            Gurvitch vai então debruçar-se sobre o fenómeno do grupo, começando por elaborar uma lista daquilo que ele não é:

·       não são indivíduos com características iguais;

·       não são médias estatísticas;

·       não são ajuntamentos de pessoas;

·       não são relações sociais;

            Acaba por definir grupo como uma unidade colectiva real mas parcial, assente em atitudes colectivas, contínuas e activas.

 

6.2. A observação e a análise dos factos sociais

 

A) Os problemas da observação

 

A metodologia das Cc. Sociais enfrenta problemas que as Cc. Naturais não possuem, como:

·       o segredo: as pessoas tendem a dizer aquilo que pensam que o entrevistador quer que digam.

·       o sagrado: é difícil conseguir informações sobre a intimidade e, por vezes, não é socialmente correcto tentar obtê-las.

 

            A observação, nas Cc. Sociais, deve ter em conta estes problemas.

            Duverger agrupa as várias técnicas de observação em 3 categorias:

1.    observação documental: estuda os facto sociais pelos documentos existentes.

2.    observação directa extensiva: estuda os grandes grupos.

3.    observação directa intensiva: estuda pequenas comunidades e indivíduos, numa visão de profundidade.

 

à   Observação Documental:

 

            Duverger prossegue a sua classificação dos vários tipos de documentos dividindo-os em:

 

1) Documentos escritos:           

·       arquivos públicos e documentos oficiais

·       imprensa

·       arquivos particulares (empresas, memórias)

·       documentação indirecta (anuários, dicionários, ficções)

 

            Os documentos oficiais são as fontes de informação mais importantes. Os organismos públicos editam documentos que valem pelo que neles está explicitamente expresso, mas também implicitamente.

Contudo, o segredo a que certos documentos são obrigados, nomeadamente acontecimentos recentes, obriga ao recurso à imprensa. Este recurso é importante não tanto para a obtenção de informações, muitas vezes inexactas, mas mais pelo testemunho da evolução da opinião pública.

Os arquivos particulares de entidades com posições privilegiadas sobre certos assuntos são fonte de esclarecimento, ainda que sejam, também, alvos de segredo.

A documentação indirecta pode fornecer informações sobre personalidades e grupos. Todos os escritos, incluindo a ficção, mostram gostos, atitudes interesses e paisagens de grupos e épocas.

 

2) Estatísticas: em Portugal: INE, na EU: EUROSTAT

            As estatísticas, numerosas nos países desenvolvidos, servem de apoio às Cc. Sociais.

            Os censos de população dão informação sobre as características básicas das gentes de diversas áreas e grupos étnicos ou sociais. Aliados a estes, as estatísticas do registo civil, do comércio, dos tribunais e dos impostos esclarecem os diversos aspectos da vida das sociedades.

 

3) Outros documentos:

·       Documentação técnica: recolha de objectos usados para os fins mais diversos;

·       Documentação iconográfica e fotográfica: reúne as fotografias e as pinturas;

·       Documentação fonética: permite o estudo da evolução de uma língua, por exemplo;

 

            A análise dos documentos compreende uma crítica interna que precisa o sentido exacto do conteúdo do documento e uma crítica externa que esclarece o conteúdo em que este surgiu. Isto assegura a autenticidade e o real significado dos documentos.

            A estas análises tradicionais pode-se juntar a semântica quantitativa que assenta na frequência do aparecimento de certos vocábulos nos textos e a análise de conteúdo que visa isolar as linhas mestras e a tendências de certo texto.

 

à   Observação Directa:

 

·       Extensiva: visa o estudo de uma população numerosa por meios expeditos, com razoável aproximação.

            Isto pode-se fazer pela amostragem, pelo método das quotas ou pelo método das probabilidades.

            O método das quotas encontra um certo número de pessoas entrevistadas com características específicas que correspondem, num plano reduzido, à realidade geral.

            A sondagem probabilística escolhe as pessoas ao acaso, onde cada uma das categorias consideradas tema mesma probabilidade de ser incluída na amostra. Isto pode-se fazer por métodos diversos: escolhendo indivíduos à sorte, escolhendo agregados à sorte, etc.

 

            A colheita de informação, neste tipo de observação, faz-se, habitualmente, por um questionário. É essencial fazer-se uma boa elaboração do questionário para se assegurar a fidelidade das respostas à verdade, a validade das respostas e a representatividade da amostra.

            Quanto ao tipo as questões podem ter respostas de sim ou não, alternativas, abertas ou gradativas.

            Quanto ao número e à ordem as questões têm de ser limitadas ao alvo deve-se evitar que certas respostas influenciem outras.

            Por fim, o questionário pode ser feito directamente pelo entrevistado ou por intermédio do inquiridor.

 

·       Intensiva:

            Uma das técnicas habituais é a entrevista, que difere do questionário na medida em que o entrevistado é alvo de uma mais demorada e metódica atenção. O objectivo da entrevista é recolher informações e comportamentos prováveis. Se a entrevista seguir uma ordem estabelecida diz-se dirigida, se as questões surgirem soltas diz-se livre.

 

Existem 3 tipos de entrevista:

 

·       panel: feito por Lazarsfeld durante uma campanha eleitoral, consiste na entrevista repetida e regular das mesmas pessoas.

·       focused interviews: usadas por Merton, são entrevistas feitas a indivíduos logo após certa experiência (p.e., um filme).

·       entrevista clínica: feita por Adorno, aborda os diferentes aspectos da personalidade das pessoas.

 

            Outra técnica habitual é a medida das atitudes.

            O processo mais vulgar são os Testes, usados para medir atitudes e avaliar aptidões. Os testes de personalidade mais conhecidos são o Teste de Rhorschach, em que gravuras que não representam nada são interpretadas, e o TAT (Thematic Apperception Test), similar ao anterior. O Teste de Associação de Palavras é outro deste género.

            O grande problemas destes testes é a interpretação, subjectiva e controversa.

 

            Outro processo usado é o das “escalas”, em que se coloca o sujeito numa escala graduada em relação a uma questão e se pede que este assinale a posição da sua opinião na escala.

            A primeira das escalas empregadas com algum valor foi preparada por Bogardus para aferir dos preconceitos raciais nos EUA. Esta, muito simples, serviu de base para outras, como  a de Thurstone, a de Lickert ou a de Guttman.

 

            O terceiro processo de observação intensiva é a Observação Participante, que é a participação na vida do grupo. Isto tanto pode ser na participação de uma reunião da população como na permanência de anos junto dos grupos estudados.

            Este método tem sido o mais corrente na antropologia cultural. Pioneiros deste método foram os Lynd, Warner, Malinowsky e, entre nós, Jorge Dias.

 

           

B) Os Quadros de Interpretação

 

            É difícil, nas Cc. Sociais, o acordo geral sobre as diferentes classificações e explicações dos fenómenos estudados.

            Uma das grande dificuldades na interpretação é a existência de um continuum em que é difícil distinguir o essencial e constante do superficial e acidental.

            De facto, se a descrição dos factos é o sector mais desenvolvido, as classificações dos fenómenos apresentam resultados ainda pouco seguros. Antigamente, a uma causa A dava-se necessariamente, um determinado efeito B. Hoje, este determinismo matemático transformou-se num cálculo probabilístico que deixa margem à liberdade humana. Mesmo esta visão actual é relativizada por um aqui e agora, que ajuda a explicar o social. Além disso, como na economia, começa-se a distinguir entre microssocial e macrossocial.

            De qualquer forma, as grande teorias sociais como as de Marx ou de Toynbee, ainda que debatíveis, deixaram a sua marca no pensamento contemporâneo.

 

C) O Problema da Experimentação

 

Uma das grandes dificuldades de investigação é a falta de condições para a experimentação.

            Nas Cc. Sociais a manipulação de acontecimentos para uma experiência é limitada eticamente pelo facto de o objecto da manipulação ser o homem. Contudo, esta dificuldade tem sido engenhosamente contornada, ou criando situações artificiais ou aproveitando circunstâncias favoráveis, ainda quer o controlo destas “experiências” não seja tão eficiente quanto o desejado.

Os especialistas americanos têm conduzido a experiência em salas espelhadas por dentro onde desencadeiam um processo de reacções entre as “cobaias” e as observam. A investigação de Mayo foi um primeiro exemplo disso.

Quando o especialista se aproveita de determinados acontecimentos para investigar as reacções sociais de uma nova situação, como a instalação de famílias pobres em bairros sociais, podem-se encontrar informações de grande interesse.

 

D) O Método Comparativo

 

O instrumento de análise essencial nas Cc. Sociais é o método comparativo.

Segundo Duverger, este método pode ser empregue de 2 maneiras:

 

1.    Pelo estudo, pela mesma técnica, de fenómenos independentes, embora semelhantes. Este é o método tradicional. Implica uma classificação anterior dos factos para garantir uma analogia estrutural ou funcional. Não se podem comparara situações muito diversas, no espaço ou no tempo, pelas diferenças culturais que estas, obviamente, comportam.

       Existiriam “comparações próximas”, que procuram aperceber o sentido da influência dos elementos de uma situação por comparação com algo similar, anotando variações que surgiriam. Existiriam “comparações afastadas”, que se fazem entre coisas cuja analogia não é evidente e que abrem novos caminhos à ciência. Implicam que as faça seja uma pessoa com grande domínio do campo de estudo.

 

2.    Pelo estudo do mesmo fenómeno por técnicas diferentes. É um método cada vez mais utilizado nos grandes inquéritos, onde vários especialistas de diversos campos se debruçam sobre o mesmo problema.

 

7. A Estrutura da Sociedade

           

A sociedade é estruturada por:

·       grupos;

·       famílias;

·       dicotomia sexual;

·       diferenciação etária;

·       profissões;

·       classes sociais;

 

8. O Individual e o Colectivo

 

8.1. A vida em grupo na formação da experiência imediata dos indivíduos

 

A) Os grupos Primários

 

            Todos os indivíduos participam em grupos, mais ou menos numerosos, mais ou menos íntimos.

            Do estudo desta relação ressalta um “sentimento de participação no grupo” que mostra que a influência do grupo resulta do nível de intimidade que o indivíduo com ele estabelece.

Charles Cooley, em Social Organization de 1909, sustenta que é nos grupos primários que assenta a natureza humana, conforme esta é conhecida.

            Os grupos primários mais importantes são a família, os amigos de infância, a vizinhança. Seria pelos contactos com estes grupos (a família e os amigos treinam a criança socialmente e a vizinhança define o horizonte de cada um) que se formaria a personalidade.

            O ego, para Cooley, resultaria da interacção com outros indivíduos. É pela referência dos outros que o homem se vê na sua individualidade. “Um ego social seria um ego reflectido: looking-glass self”.

            O crescimento social do indivíduo permite-lhe partir da consciência do ego próprio para a consciência de um ego do grupo: “we”.

 

B) A Teoria de G. H. Mead

 

            Mead, da Universidade de Chicago, sobretudo em Mind, Self and Society, constrói uma teoria da formação da mente (“mind”) e do ego (“self”) a partir das relações do indivíduo nos grupos em que participa.

 

            Considera absurdo ver a mente apenas do ponto de vista do individual, pois esta é, sobretudo, social. Ela forma-se no processo social, através de diversas interacções sociais. De facto, quando este processo social entra na experiência individual o indivíduo ganha consciência.

A mente vai-se desenvolvendo por esta interacção, primeiro por gestos, que vão ganhando significado, depois por uma comunicação sonora. O sistema nervoso compreende o processo - gesto do agente, comportamento e resposta - e, dentro da sua consciência, decide o que vai fazer.

 

            Da mesma forma, também o ego é formado por interacções sociais.

            O ego não existe à nascença mas surge no início das actividades sociais, resultado das relações com outros indivíduos. De facto, o aprender a pensar é eminentemente social.

            É pela consciência que o indivíduo tem da forma como os outros o vêem a si que o ego se forma. Só indirectamente (pelos outros) o indivíduo se experiência a si próprio. O comportamento social será moldado por aquilo que lhe é permitido na interacção com o “generalized other”. O ego interioriza as atitudes comuns ao grupo e forma uma personalidade. Só sendo membro de uma comunidade se pode ter um ego.

            O ego divide-se em:

 

·       eu (“I”): resposta do indivíduo às atitudes dos outros.

·       mim (“me”): padrão organizado das atitudes dos outros que nós assumimos.

            O eu é um elemento indeterminado, a reserva da liberdade do indivíduo face aos outros. O eu é a fonte das inovações no comportamento enquanto o mim é a expressão do controlo social.

 

C) Grupos e Organizações

 

            Os grupos têm um papel essencial na formação da personalidade.

 

            MacIver e Page distinguem entre grupos de relações primárias, mais emotivos, e grupos secundários, mais racionais.

            O grupo primário é espontâneo, o “face to face group”, a companhia e ajuda. É a célula da estrutura social. Acaba por ser o centro das satisfações sociais. Constituem este grupo a família, os amigos, os vizinhos, .... estes grupos tendem a não ser muito numerosos e os seus membros mantêm um contacto íntimo, prolongado e directo.

            O grupo secundário é mais impessoal, as relações são contratuais. À medida que a sociedade se desenvolve os grupos secundários, pela diferenciação de interesses e tarefas humanas, pelo grande número dos membros da sociedade e pela sua dispersão, passam a ser os mais habituais, não deixando de haver, contudo, grupos primários.

            O grupo primário será sempre o elemento activo no meio dos outros grupos. Na base de tudo estarão as relações sociais elementares, que tanto podem ser de amizade como de hostilidade.

 

8.2. O Interesse pelo estudo dos Efeitos de Grupo

 

            Os efeitos de imitação, enunciados por Tarde, ainda que limitados por outros critérios, confirmam a influência de outrém no comportamento de alguém.

            Assim, muitas vezes, as pessoas seguem sem esforço crítico os comportamentos daqueles que admiram: sugestão de prestígio.

 

            LeBon demonstra que o impacto das multidões provoca uma certa libertação das inibições individuais e um contágio em atitudes e comportamentos.

            Outros estudiosos deste fenómeno forma Moreno com o estudo da sociometria e Levin com o estudo da dinâmica de grupos.

            Um dos críticos destes conceitos foi Sorokin que considera que estes não correspondem a nenhuma realidade observável.

 

8.3. Componentes Psicológicos e Processo Social

 

A) Motivações e Percepção

 

            A motivação, segundo Newcomb, Turner e Converse é um “estado do organismo em que a energia corporal é mobilizada e dirigida de uma maneira selectiva para elementos que chamamos de objectos.”

            Contudo, toda a formação das motivações é parte da organização cognitiva e do processo de percepção (a aprendizagem) que é selectiva, registando, apenas, os aspectos relevantes de certo acontecimento. Assim, a percepção faz-se consoante a informação que já foi acumulada no espírito. Por isso, quando certo objecto surge o indivíduo já tem uma pré-inclinação favorável ou desfavorável.

            Estas pré-organizações cognitivas têm um nome: atitudes.

 

B) Atitudes

 

            Uma atitude pode ser descrita pela sua direcção (o sentimento que a guia) e pelo grau de afecto representado (o grau de sentimento) pelo objecto.

            As atitudes são mais firmes em relação a objectos mais centrais e menos em relação a objectos mais marginais.

            A modificação das atitudes é influenciada pela firmeza destas e pela informação que vai sendo recebida. O estudos desta modificação é feito pelos especialistas em opinião pública.

 

 

C) As primeiras impressões

 

            A percepção que as pessoas têm uma das outras influencia as atitudes que se tomam. Esta percepção refere-se às características pessoais. Aqueles que têm mais relações de amizade evidenciam uma maior percepção das personalidades alheias, facto que acontece com os “leaders”.

 

D) O Processo de Interacção Social

 

            Paul Hare define as seguintes variáveis no Processo de interacção do grupo.

 

Þ   Composição do Grupo:

 

à   Características da personalidade dos membros:

·       inteligência;

·       adaptação/ajustamento;

·       sensibilidade interpessoal;

·       masculinidade/feminilidade;

·       inclinação radical/conservadora;

·       autoritarismo/igualitarismo;

·       introversão/extroversão;

 

à   Características sociais dos membros:

·       idade;

·       sexo;

·       classes sociais;

·       origem étnica;

 

à   Número de membros                                

                                              

Þ   Organização do Grupo:

 

à   Tarefa ou actividade: orienta-se para a criação de relações sociais satisfatórias entre os participantes, o que influencia as personalidades dos indivíduos e a partilha do trabalho destes.

à   Linhas de Comunicação

à   Leadership: existem certas características que permitem identificar os líderes. De facto, não chega terem grandes qualidades. Qualidade em excesso pode significar impopularidade. Tem de haver uma combinação certa das características.

 

8.4. As normas do grupo e a tendência para o Conformismo

 

O fenómeno do conformismo regista-se ao nível das normas, das regras de conduta, das atitudes ou opiniões formuladas no seio do grupo.

Perante uma situação, os grupos estabelecem certos quadros de referência em função dos quais os membros tendem a determinar-se.

 

Uma experiência realizada por Asch, teve como objectivo avaliar a influência do grupo sobre os juízos individuais. Os primeiros resultados mostraram que há muitos erros cometidos quando se tende a seguir a opinião do grupo, mesmo perante uma situação muito simples. Notou-se uma diversidade de reacções em função da personalidade dos indivíduos. Durante todo o processo houve indivíduos que se mantiveram seguros, confiantes, e outros que se encheram de dúvidas porque não queriam ser diferentes  da maioria.

 

Todas as experiências que se fizeram neste sentido, revelaram que o fenómeno do conformismo perante as normas de grupo varia em função da natureza do objecto, da personalidade do indivíduo e do tipo de situação.

A ambiguidade do objecto acentua o fenómeno do conformismo: as influências das normas do grupo são reduzidas quando o objecto é claro e elevadas quando o objecto não é claro.

 

Perante uma mesma situação, há diversidade de reacções individuais, da personalidade dos indivíduos. Neste campo, a experiência de Hare levou-o a concluir a importância da autoconfiança em certos problemas, a capacidade do indivíduo lidar com determinados problemas, e também os preconceitos que o indivíduo pode ter sobre o objecto ligados à participação noutros grupos. Hare nota ainda que o conformismo  se acentua nos indivíduos que precisam de ser objecto de aprovação dos outros.

 

No que diz respeito às características da situação, o conformismo é mais comum quando o indivíduo tiver de definir-se em público e também quando o grupo exerce grande influência devido a amizades ou alto prestígio. Também é relevante a maioria (como já referido). É de notar que o conformismo acontece ao nível dos membros menos influentes como dos mais influentes do grupo.

 

8.5. A Interacção Social

 

A) A Dimensão dos Grupos

 

Em grupos muito grandes, torna-se difícil haver intimidade e a intervenção no grupo varia para os diferentes indivíduos. O aumento do número de membros leva, provavelmente, a uma fragmentação em subgrupos.

Nos grupos reduzidos, há fenómenos de amizade e companheirismo. Por isso, há uma tendência em reduzir a dimensão dos grupos, por haver assim, mais intimidade.

Nos grupos grandes, assume importância o “leader”, como coordenador das actividades e na polarização das intervenções dos membros.

Se por um lado, o aumento do número de membros leva à inibição, por outro representa um enriquecimento para o grupo (mais talentos e energia para desempenhar a tarefa).

No entanto, os grupos com um mínimo de cinco membros são os estáveis, e evitam o isolamento no grupo.

 

B) O Objecto da Acção Comum

 

O tipo de actividade de um grupo leva-o a organizar-se em certos padrões.

 

Primeiramente, a actividade pode orientar-se para a criação de relações sociais entre os membros, ou então, para a execução de uma tarefa. Normalmente, esta orientação interliga-se.

 

O desempenho da actividade pressupõe o fim a que se destina e os critérios para apreciação dos resultados, bem como as regras a seguir e o grau de tensão.

 

Quanto ao fim, o grupo procura a satisfação socio-emocional dos membros ou a execução de uma tarefa, que tem efeito na repartição do trabalho e das funções dos indivíduos no grupo.

 

As regras a seguir podem acentuar uma acção comum ou uma acção individual, criando um ambiente de cooperação ou de concorrência, respectivamente.

Uma experiência de Deutsch revelou que a cooperação leva a uma maior motivação individual e maior sentido de obrigação do indivíduo em relação ao grupo;  maior divisão e coordenação do trabalho; melhor comunicação do grupo; maior produtividade do grupo.

 

A tensão acentua-se de acordo com o tipo de actividade. Leva a uma baixa do rendimento, depois a procura da satisfação socio-emocional que resulta de um colapso do grupo. Mas a tensão é importante para a tarefa; uma tensão mínima provoca um maior interesse pela tarefa sem gerar fenómenos de reacção negativa.

 

C) A Comunicação dentro dos Grupos

 

As comunicações estabelecem-se dentro de determinados padrões que afectam as interacções no grupo.

Definem-se as posições nas linhas de comunicação do grupo para cada indivíduo, ou seja, cada indivíduo tem uma determinada posição na comunicação do grupo.

 

A maior influência liga-se às posições centrais e à facilidade de acesso ou não  ao leader ou aos vizinhos directos. Os membros que estão nas zonas marginais das linhas de comunicação são os mais insatisfeitos com o grupo.

A posição de afastamento ou proximidade nestas linhas relacionam-se também com o grau de intimidade dos membros: amizade => proximidade; afastamento => hostilidade.

 

A experiência de Leavitt permitiu verificar que:

·       os padrões de comunicação  dos grupos afectam o seu comportamento;

·       a ocupação das posições na rede de comunicação afecta também o comportamento dos indivíduos; 

·       a centralidade influencia o comportamento também impõe limites à acção do indivíduo;

 

D) As Personalidades Centrais

 

Uma destas personalidades são os leaders. A estes andam associadas características de personalidade, como a inteligência, o entusiasmo, a autoconfiança, a participação social e o igualitarismo.

Os leaders têm capacidades acima da média dos indivíduos do grupo. No entanto, estas capacidades não podem ser muito elevadas, senão pode torná-los em objecto de hostilidades.

Têm obrigações claras para com o grupo e é o cumprimento destas que os faz serem leaders.

 

Assim, há cinco funções principais:

 

     1. Promover os fins do grupo;

     2. Administrar;

     3. Inspirar as actividades comuns e definir o ritmo de acção do grupo;

     4. Ajudar na integração dos indivíduos ao grupo;

     5. Actuar sem interesse (neutralidade).

 

Um dos problemas do leader é satisfazer e corresponder aos desejos dos membros. Por um lado, tem de dar uma regra firme que todos possam perceber e seguir, e por outro tem de criar um ambiente de livre expressão de desejos e provocar a interacção.

 

Redl distingue os casos onde o indivíduo central aparece como “centro”:

 

Þ   Personalidade Central: funciona como:

 

à   Objecto de identificação:

·       Identificação com base no amor:

            - identificação por incorporação na consciência (soberano patriarcal);

            - identificação por incorporação no ideal do ego (leader);

·       Identificação com base no medo.

 

à   Objecto de impulsos:

·       Impulsos amorosos;

·       Impulsos agressivos;

 

à   Apoio do ego:

·       fornecedor de meios;

·       dissolve as situações de conflito;

                                              

8.6. A rede de ligações entre os indivíduos

 

As teias de papéis sociais são um factor importante na coesão dos grupos. A estrutura do grupo é feita pelas posições e papéis dos vários membros, que podem entrar em conflito.

 

A experiência de Whyte verificou que nos grupos se definem e consolidam certas posições e estatutos que fazem a coesão do grupo.

As posições individuais nas relações estão ligadas às características particulares da personalidade, e na maneira como cada um desempenha o seu papel no grupo. Estas posições marcam a influência que cada um tem no grupo. Há, então, uma estrutura nas relações dos vários membros de acordo com o seu estatuto. A saída do grupo de membros pouco influentes apenas implica pequenos ajustamentos, mas a saída do leader implica uma desagregação ou reorganização das relações.

 

As experiências de Moreno incidem na rede de relações de preferência, rejeição e indiferença dos membros do grupo. Ele elabora um sociograma onde se marcam as escolhas, rejeições e indiferenças. Por aqui se conclui sobre a posição do indivíduo e o clima social e coesão do grupo.

 

É também conhecida a aplicação do método sociométrico de Moreno para descobrir das preferências num instituto feminino.

As escolhas cruzam-se e fazem surgir uma organização dinâmica invisível, para lá da oficial.

 

Há indivíduos que são objecto de mais escolhas que outros. Isto permite verificar os indivíduos mais influentes do grupo. Estas escolhas estão ligadas á proximidade no trabalho ou nos tempos livres, posse de características individuais semelhantes, a comunhão e interesses e valores e a semelhança de personalidades. Os indivíduos que são mais escolhidos são como que um modelo para o grupo, e não são necessariamente os leaders do grupo.

 

            A actuação sobre um grupo, seja na gestão de empresas ou na estrutura militar, deve influenciar aqueles que têm maior saliência no grupo. Por isso é importante definir o organograma.

 

8.7. A Personalidade e a Cultura

 

            As atitudes e os comportamentos são condicionados pela cultura em que se nasceu e se foi criado.

            Será uma socialização: uma aprendizagem daquilo que convém ao nosso estatuto social.

            Isto é diferente da enculturação (a aprendizagem da nossa cultura) e da aculturação (passagem da cultura de um povo para outro).

 

            Do trabalho de Linton e Kardiner nasceu a convicção de que se pode falar de personalidade base ou modal de uma cultura a par da variedade de personalidades próprias. Esta personalidade base é formada por um processo de enculturação.

            Linton distingue, ainda, uma personalidade de status que tem a ver com o estatuto sexual, etário ou de classe: uma rapariga não se comporta como um rapaz, nem um adulto como um velho).

 

9. As Ligações Familiares

 

9.1. A família como elemento social

 

Em todas as sociedades, a família e os laços que daí advém, são elementos fundamentais de agrupamento e diferenciação social. Apesar da discrepância destes elementos de sociedade para sociedade, é possível descortinar algumas constantes, que têm de ver-se como elementos centrais de todos os arranjos relativos à constituição da família.

 

            Assim, as funções sociais da família são:

 

1.   Procriação: a procriação, devido à fragilidade das mulheres grávidas, crianças e jovens, requer efectivamente arranjos duradouros para a geração de novos seres e para a sua protecção e instrução nos valores e experiência colectivas até estarem em condições de auto subsistência. É necessária para garantir a sobrevivência da sociedade, pois é uma “renovação das gerações”.

 

2.   Transmissão da herança social: esta é uma herança cultural (tradições de um povo, como a língua) e material (bens materiais, como um quadro).

 

3.   Atribuição da qualidade de membro do grupo e da posição social: necessidade de fixar os termos em que o indivíduo, pode ser considerado membro da sociedade e as condições em que pode ser reconhecido como membro de uma dada família e gozar do estatuto social que daí resulta:

·       Laços de Parentesco: relação biológica resultante da procriação.

·       Laços de afinidade por aliança: relação social derivada do casamento.  

 

            A família constitui-se pelo casamento, e forma-se uma família de procriação. A família onde nós nascemos é a família de orientação. Todo este conjunto é o que se designa por família extensa.

 

            Seguindo a análise de Murdock, a família é constituída por pessoas que vivem juntas, que colaboram mutuamente, e onde há, pelo menos duas pessoas adultas de sexo oposto e os filhos deste casal.

 

C.C. Harris diz que convém distinguir Família Nuclear de Família Elementar.

 

à   Família Nuclear: família constituída por efeito de procriação e é composta pelo casal e pelos seus filhos.

à   Família Elementar: reporta-se à unidade solidária formada pelos membros de uma família nuclear.

 

 

Família Elementar:

Trata-se pois, das mesmas pessoas, procurando-se com duas designações diferentes traduzir dois grandes conjuntos de relações que entre elas se estabelecem

De facto, a família nuclear extingue-se por ter cessado a função de procriação ou por ter falecido um dos cônjuges. No entanto, os laços que unem os cônjuges tendem a manter-se para além do fim do período de fecundidade da mulher, como se mantém os laços que unem entre si os siblings e estes com os pais, ou com o cônjuge sobrevivo em caso de viuvez.

Deixa de ser uma família nuclear, convindo-lhe melhor a designação de família elementar. Assim sendo, «os membros de um dado grupo biológico começam como membro de uma família nuclear, tornam-se membros de uma família que é simultaneamente nuclear e elementar e acabam como membros de uma família elementar».

 

C.C.HARRIS sustenta que há que diferenciar estes diversos elementos e individualizar adequadamente os grupos a que eles podem conduzir. Família nuclear: Grupo constituído para fins de procriação. A vida em comum, requerida para uma satisfatória realização dos fins do grupo biológico, suscita a constituição de vários grupos. A saber:

 

1.Grupo Doméstico: fornecer abrigo e subsistência para as pessoas que vivem em comum. Fazem parte do mesmo os, que vivendo no mesmo lar, partilham por direito próprio do comer e de habitação e outros bens domésticos. Estes são simultaneamente

 

2.Grupo Económico: na medida em que consomem certos tipos de bens. Contudo, podem também para além de uma actividade consumidora ter uma actividade produtora.

 

3. Grupo de Trabalho: Realização em comum de operações produtivas.

 

4. Grupo proprietário: Ter em comum direitos de propriedade sobre certos bens, em que não trabalham directamente como grupo económico. Proprietários, sem que haja execução em comum do trabalho.

 

Quando, como acontece com frequência, pais e filhos trabalham na mesma terra ou na mesma oficina ou, ainda, no mesmo estabelecimento comercial, que é propriedade do chefe da família, ou deste  e da sua mulher, o GE assim formado é um GT. Quando vários membros de uma família são proprietários de uma mesma terra, ou oficina, ou estabelecimento comercial, ou empresa de qualquer tipo sem que haja execução em comum do trabalho, o GE formado na base familiar é um GP.

 

A verdade é que, ao nível da família conjugal e da família elementar o GD e o GE tendem a ser coincidentes. De modo que pode razoavelmente sustentar-se que a procriação em termos socialmente aprovados envolve a coabitação e a cooperação económica. E que, por isso, estes diferentes elementos são atributos da noção de família.

 

A família nuclear é com frequência submersa no GD, mais vasto, devido à protecção que filhos e mulheres acarreta. Os membros de um GD não são necessariamente apenas os mesmos do grupo biológico.

9.2. O casamento

 

A) Elementos do casamento

 

1.   Definição de direitos sobre os cônjuges e os seus bens: quando as pessoas casam adquirem direitos sobre o seu cônjuge e os seus bens. São direitos de solidariedade, de apoio recíproco dentro da família.

 

2.   Definição de direitos de acesso sexual: um casamento implica relações sexuais, quem casa tem o dever de praticar relações sexuais com o seu cônjuge.

 

3.   Definição de direitos sobre as crianças nascidas dos cônjuges: as crianças nascidas numa família pertencem à família de cada um dos cônjuges. Embora tal não se verifique em todas as sociedades.

 

4.   Legitimação das crianças como membro de uma família e da sociedade e a atribuição do direito a herdar os bens da família e a sua posição social.

 

            Os pais procuram sempre influenciar as decisões dos filhos (namoro), isto nas sociedades ocidentais. Pois, nas sociedades orientais, os pais arranjam uma noiva ao filho, quando este atinge a idade de casar.

 

O casamento envolve muitas vezes a transferência de bens significativos que, em regra geral desempenham um papel importante na consolidação dos laços entre os cônjuges e as respectivas famílias.

 

            Existem três tipos de prestações que acompanham o casamento:

 

à   Aqueles em que há prestação de bens ou serviços à família da noiva (pagamento de um dote à família da mulher): esta é uma situação muito frequente em África. Numa situação de separação, a família da mulher tem de devolver o dote, mas se ela deixar ficar os filhos só tem de pagar parte do dote. Contudo, não tem direito aos filhos enquanto o dote não for pago.

 

à   Aqueles em que a Família da noiva constitui um dote, ou são feitos outros arranjos destinados a beneficiar o noivo ou a família deste: esta é uma situação que acontecia na Europa. Nenhuma rapariga casava se não levasse o dote. Se uma rapariga tivesse um bom dote arranjava um bom marido, por isso, muitas raparigas não casavam e iam para o convento. A mulher ao levar o dote para o casamento era como uma antecipação da herança. Não podia gerir os seus bens, quem o fazia era o marido que, contudo, tinha a sua actuação limitada. Mesmo que o marido não pagasse o dote por inteiro, tinha direito aos filhos.

       Ex.: na Irlanda há a prática das mulheres levarem um dote para o casamento. O pai da rapariga paga ao pai do noivo um dote que é uma propriedade agrícola e, no dia do casamento, a escritura é passada para o nome do noivo.

 

à   Casos em que há trocas de presentes de valor substancial entre os noivos ou directamente entre as duas famílias em causa: esta é a situação que se verifica hoje em dia. As famílias entram com bens no casamento (ex.: os pais podem comparar um andar aos filhos).

 

B) Tipos de casamentos e regras de residência

 

            O casamento tem várias modalidades:

 

Þ   Monogamia: em Portugal é crime uma pessoa ser casada legalmente com mais de uma pessoa.

 

Þ   Poligamia:

 

à   Poligenia: casamento de um homem com duas ou mais mulheres. Por exemplo, nos países Islâmicos, com excepção da Tunísia, quem tem mais mulheres tem mais propriedades para cultivar.

 

à   Poliandria: casamento de uma mulher com dois ou mais homens. Um dos problemas destas uniões é que depois não se sabe de quem são os filhos. Por exemplo, no Tibete muitas raparigas são mortas à nascença para não haver muitas raparigas. Já na Ásia, em geral, as filhas não são apreciadas porque têm de pagar um dote para casar.

 

à   Casamento de Grupo: um grupo de homens casa com um grupo de mulheres. Este casamento é pouco frequente, chegando mesmo a duvidar-se da sua existência.

 

            Em muitas sociedades há regras de residência, ou seja, há determinados locais onde os jovens casais devem fixar a sua residência.

 

            Regras de Residência:

 

1.    Neolocal: é o que acontece na nossa sociedade, quando duas pessoas casam vão viver para a sua própria casa.

2.    Patri-local: o noivo leva a sua mulher para ir viver com a sua família (acontece em famílias extensas).

3.    Matri-local: o rapaz casa e vai viver com os seus sogros e sujeita-se à autoridade do seu sogro.

4.    Avuncu-local: o noivo leva a mulher para viver junto do seu tio materno (ex.: Moçambique).

5.    Matri-patri-local: o casal, até ao nascimento dos filhos, vivem na casa da família da mulher, depois do primeiro filho nascer vão viver para casa da família do marido.

6.    Bi-local: ou vivem na casa da família do marido ou da família da mulher.

7.    Nato-local: a mulher não se separa dos seus familiares.

 

O tipo de prestação realizada por ocasião do casamento tem significativa relação com a regra da residência. O casamento em que não se verifica prestação por parte do noivo anda associado com especial frequência às regras de residência matrilocal, neolocal, e bilocal.

 

9.3. Parentesco e linhagens

 

A) Regras de filiação

 

A constituição de grupos de parentesco anda ligada às ideias aceites sobre a linhagem das pessoas.

Uma linhagem é o conjunto das pessoas que, por terem um ascendente comum, constituem uma linha de família.

No entanto, é evidente que neste campo existe, por um lado, a realidade biológica, pela qual cada pessoa pertence ao mesmo tempo à linhagem do pai e da mãe, e por outro, as práticas sociais que podem interpretar os laços de sangue de diversas formas, e que, na verdade, se sobrepõem às realidades biológicas na definição do comportamento das pessoas.

Existem vários de linhagens, podendo entender-se que, para efeitos de direitos e obrigações resultantes da descendência, os filhos podem pertencer  à linhagem só da mãe ou só do pai, os filhos à linhagem da mãe e as filhas à linhagem da mãe, enfim, de formas várias que analisaremos com pormenor de seguida:

 

·       Filiação indiferenciada ou cognática: se a linhagem é traçada sem distinção, se os laços de parentesco são iguais para o lado da mãe e do pai;

 

·       Filiação patrilinear ou agnática: se a linhagem for contada só pelo lado do pai (pai, avô, bisavô, e por aí fora);

 

·       Descendência matrilinear ou uterina: se a linhagem é traçada integrando os indivíduos do lado da mãe;

 

(estas duas últimas são, portanto, linhagens unilineares)

 

·       Filiação dupla: se o indivíduo é ligado, simultaneamente, ao grupo patrilinear do pai e ao grupo matrilinear da mãe (a qual se verifica em algumas sociedades tribais).

 

É evidente que a observância de uma regra unilinear não significa que na sociedade em causa a criança não tenha, ao mês o tempo, laços com a mãe e com o pai. Mesmo nos casos de descendência unilinear, o indivíduo tem, geralmente, algumas obrigações para com o progenitor do grupo unilinear a que não pertence. O que tem de ser entendido em termos diferentes é a intervenção de cada um dos sexos na geração.

Como nota Radcliffe-Brown, o que leva a qualificar de matrilinear ou patrilinear certo tipo de descendência é o facto de se atribuir socialmente predominância a uma das linhagens.

Ou, como acrescenta C.C. Harris, o reconhecimento da filiação é por toda a parte bilateral, pois o indivíduo relaciona-se com as duas partes (pai e mãe). O que varia, na realidade, são as regras de descendência, isto é, os princípios a que se obedece na transmissão de direitos e deveres, e na atribuição de posições sociais.

 

Nas sociedades de tipo europeu, a regra é a filiação indiferenciada ou cognática, mas entre as populações tribais, encontra-se mais facilmente casos de descendência unilinear.

Os casos de dupla filiação parecem, contudo, muito raros. Para grupos em que o critério do parentesco é um elemento fundamental de identificação e solidariedade, e mesmo de estruturação social, como é o caso das sociedades tribais, a descendência unilinear apresenta evidentes vantagens.

Com base num critério unilinear de descendência, é possível saber claramente qual a que grupo cada pessoa pertence, e assim, quais os direitos e deveres que lhe assistem. Pelo mesmo critério é possível constituir com facilidade um grupo muito numeroso, ligado por laços de parentesco bem definidos. O mesmo já não acontece quando a regra seguida é a filiação cognática. Como tal, nas sociedades onde vigora esta descendência, os grupos de parentesco têm usualmente um menor papel social

 

B) Grupos de parentesco

 

A regra unilinear permite a constituição de grupos de parentesco consanguíneo mais amplos, através da agregação das linhagens.

Quando várias linhagens têm uma tradição de ascendência unilinear comum constituem um grupo de parentesco mais vasto que é o clã. Este termo não é consensual, pois autores como Morgan defendem que o termo só se aplica aos grupos compostos na base da ascendência matrilinear, designando-se os grupos de ascendência patrilinear de gens.

Murdock fala, em conjunto, destes dois grupos de descendência como sib, distinguindo entre matri-sib e patri-sib. Para Murdock, clã não é um qualquer grupo de descendência, mas sim um grupo constituído numa base residencial, incluindo, por isso, além dos parentes de sangue, afins como os cônjuges, e exclui mesmo alguns parentes consanguíneos, nomeadamente os que, através do casamento, se fixaram noutro grupo residencial.

Fox contraria vivamente esta utilização da palavra sib. Para si, este termo designa, entre os povos teutónicos, uma unidade exôgamica que corresponde ao núcleo da parentela, e que ainda hoje sobrevive, perpetuando a Igreja Católica o casamento entre indivíduos com certo grau de parentesco. Fox prefere conservar o termo clã, apesar de não ser satisfatório, para classificar os grupos de descendência mais amplos que os de linhagem.

 

Diversos clãs que estão unidos por um parentesco unilinear constituem uma fratria.  Em certas sociedades existem apenas duas fratrias, repartindo-se os indivíduos entre elas. Isto vai resultar numa estruturação social característica, que se manifesta na forma de grupos de parentesco que se designam por metades, ou moitiés. Todos estes grupos estão, em regra, associados a normas de exogamia, isto é, à proibição de casamento com elementos do mesmo grupo unilinear.

Quando uma regra de parentesco consanguíneo anda ligada à formação de um grupo residencial, são naturalmente necessárias algumas adaptações, em especial quando a filiação unilinear corresponde, como é habitual, com  regra da exogamia. No grupo residencial têm sempre de incluir-se alguns afins, e excluir-se parentes consanguíneos, nomeadamente aqueles que, por efeitos o casamento, vão residir junto de outros grupos. Assiste-se , assim, a um grupo misto de residência e filiação.

Os Nayares são uma casta marcial do Malabar, dividida em certo número de grupos, cuja organização social tem por base o Taravad. Este é uma linhagem matrilinear que vive em colectividade, dela fazendo parte todos os descendentes de ambos os sexos na linha feminina.

Com o objectivo de manter todos os filhos das mulheres da linhagem juntos, os Nayares adoptaram um sistema de acasalamento que priva o progenitor de todos os direitos sobre os filhos nascidos de uma mulher da linhagem. Quando atinge a puberdade, a rapariga é casada com um homem escolhido pela família numa outra linhagem, com a qual a família mantém relações para este fim. No terceiro dia após o casamento, procede-se o divórcio de acordo com a regra hindu. Deste modo, o marido legal perde todos os direitos aos filhos da mulher. Esta, que em virtude deste casamento se tornou adulta, pode tomar amantes, que lhe permitirão gerar mais filhos, mas que não terão qualquer tipo de direitos sobre estes, que pertencem à linhagem da mãe.

 

Estes grupos residenciais estão sujeitos às consequências do seu dinamismo demográfico. Quando o número de membros se torna demasiado para permitir a residência em comum, alguns separam-se para constituir uma nova linhagem, preservando, através do nome que transportam, uma tradição de origem comum. Este processo de formação de novas unidades ou estirpes é designado de segmentação.

 

As linhagens e clãs podem, em certos casos, guardar a memória do grau de antiguidade da sua separação, conservando, assim, uma hierarquia entre os vários ramos ou estirpes, ou então, podem apenas preservar a memória do parentesco. No primeiro caso, em que os segmentos constituem séries convergentes, as pessoas da linhagem têm em regra precedência, em funções cerimoniais ou no acesso a certos direitos, sobre as outras, e estas entre si têm precedência por ordem de proximidade da sua própria linhagem, relativamente ao tronco de onde todas provêm.

A memória dos laços entre os vários segmentos é um aspecto importante da coesão entre os grupos, podendo mesmo ser a base de toda uma nacionalidade. Os Somalis são um bom exemplo disto. Encontram-se divididos em várias linhagens, mas unidos por um ascendente comum, somaale.

 

9.4. Exogamia e aliança. Sistemas de parentesco

 

Na generalidade das sociedades conhecidas existem regras que interditam as relações sexuais entre pais e filhos, irmãos e irmãs, e ainda entre parentes muito próximos. A proibição do incesto, que  parece regra geral, é relativa às relações sexuais, está geralmente associada a regras relativas às pessoas com quem não se pode casar e muitas vezes a regras relativas às pessoas com quem se deve casar.

Existem, assim, regras de exogamia que obrigam homens e mulheres a procurar cônjuge em grupos de parentesco diferentes do seu, dando origem a um sistema de relações complexas entre grupos. Frequentemente, a pessoa não é livre de escolher o seu cônjuge em qualquer grupo, devendo limitar-se a aliar-se necessariamente com pessoas de um grupo de definido.

 

            Sistemas de casamento:

·         sistemas complexos: sistemas de casamento em que apenas existe uma regra proibitiva de casamento com certa categoria de pessoas – designadamente parentes próximos.

·         sistemas elementares: aqueles em que vigoram, em simultâneo, regras que interditam o casamento dentro de certo grupo de parentesco, e impõem o casamento dentro de um ou mais grupos bem delimitados. Subdividem-se em:

·         sistemas simétricos ou directos: aqueles em que há troca directa de cônjuges entre os grupos. As trocas podem fazer-se em cada geração, e o sistema diz-se imediato, ou pode ser feita de uma geração para outra, e o sistema diz-se diferido.

·         sistemas assimétricos: aqueles em que não há tal troca directa.

 

O casamento de um homem implica, em virtude da regra exogâmica, que uma outra família deva ceder-lhe uma mulher. Por seu lado, os irmãos desta mulher têm de procurar mulher fora da sua própria família para se poderem casar. Uma forma prática de se resolver este problema é através da troca de irmãs. Um homem recebe como mulher a irmã de outro e cede-lhe a sua própria irmã. Ou seja, mais realisticamente, aqueles que têm a responsabilidade de realizar os casamentos dos jovens (pai, mãe, irmão da mãe) obtém para o seu rapaz uma mulher em outra família, e cede uma das mulheres da sua própria família em troca. Os homens do grupo A casam com mulheres do grupo B, e os homens do grupo B, por seu lado, casam com as mulheres do grupo A.

Esta troca de mulheres favorece a necessidade de constituir família atendendo às regras de exogamia, e é, simultaneamente, um elemento importante do relacionamento entre grupos que vivem no mesmo território.

Estas trocas de mulheres é de tal modo importante para a formação de alianças entre grupos vizinhos que alguns antropólogos como Lévi-Strauss consideram mesmo a necessidade de preservar as mulheres como o fundamento da exogamia. Um exemplo bastante claro deste processo é o que pode ser demonstrado com duas linhagens patrilineares A e B.

De geração para geração os homens da linhagem A casam com as mulheres da linhagem B e reciprocamente. Com o crescimento do grupo e a agregação das linhagens em clãs, preservando-se a memória as sua origem pelo nome que designa o grupo, pode resultar que os homens A casem sempre com mulheres de linhagem B, e homens B sempre com mulheres A disto resulta a divisão da tribo em duas metades exôgamicas. Estas metades desempenham um papel fundamental em toda a vida social, mantendo entre si relações simultaneamente de cooperação e rivalidade. Esta organização encontra-se em povos de diversas regiões, como em algumas tribos da Oceânia, em algumas tribos da América do Norte, e também em algumas tribos africanas.

Este é um sistema simétrico, que implica a troca directa de mulheres entre linhagens na mesma geração, correspondendo, assim, ao que se chama de troca imediata. Contudo, o sistema pode sofrer certas alterações que  conduzam a uma situação de troca diferida, ou seja, de uma geração para a outra.

Quando vigora um sistema assimétrico, a tendência é para a sociedade se repartir, em relação a cada linhagem, em linhagens que dão esposas e em linhagens que recebem. Em regra, um homem pode casar-se apenas com mulheres da ou das linhagens a que a sua própria linhagem não cede esposas. Ou seja, não há trocas directas. O que um homem faz é casar com uma  mulher de um grupo que já deu uma mulher ao seu próprio grupo. A essência dos sistema assimétrico é que, havendo várias linhagens A, B, C, D, o casamento se faz de A para B, de B para C, de C para D, de D para A e assim por diante, sempre atendendo à regra de que uma linhagem não cede mulheres àquela  linhagem onde toma esposa.

Os sistemas complexos são essencialmente baseados na proibição do casamento dentro de certos graus de parentesco, juntamente com a regra da livre escolha do cônjuge fora disso. Nas sociedades tribais, onde o parentesco tem  maior importância, esta regra tende a completar-se com outras, transformando os sistemas complexos que aí encontramos em sistemas intermédios entre os sistemas elementares e os sistemas correntes na sociedades europeias.

Duas fórmulas muito estudadas pelos antropólogos são os sistemas Crow e Omaha, sistemas particulares de escolha do cônjuge em prática no continente americano.

O sistema Crow é matrilinear, e a regra que se segue é que um homem não pode casar dentro do seu próprio clã, nem do clã do seu pai, nem do clã do pai da sua mãe.

O  sistema Omaha é patrilinear, e a regra adoptada é que um homem não pode casar dentro do seu próprio clã, nem no clã da sua mãe, nem no clã da mãe do seu pai.

O que distingue estes dois sistemas de troca indirecta, em que há clãs dos quais se recebe mulheres e outros a que se dá mulher, é o facto de se aplicarem a indivíduos e não a grupos no seu conjunto.

 

9.5. Tipos de famílias

 

Como consequência, cada adulto torna-se membro de duas famílias, pois àquela onde nasceu vem juntar-se a que constituiu, por sua vez, juntando-se com uma pessoa do outro sexo. Assim, formam-se dois tipos de famílias:

 

·         a família de orientação: que é aquela em que o indivíduo nasce;

·         a família de procriação: aquela que ele funda pelo casamento;

 

A constituição de uma família de procriação não implica necessariamente o afastamento em relação à família de orientação.

A junção na mesma residência de uma ou mais famílias de procriação e da família de orientação de um dos cônjuges gera um fenómeno designado por família extensa.

Murdock  define a família como «um grupo de pessoas que vivem na mesma casa, com actividade laboral e que têm, pelo menos, dois adultos de sexo diferente e que mantêm entre si uma relação sexual socialmente aprovada».

 

9.6. A teoria de Talcott Parsons sobre a funcionalidade actual da família nuclear

 

Talcott Parsons, sociólogo americano, procedeu a uma análise do papel da família na moderna sociedade industrial.

Na sua visão sociológica, o papel social da família resulta das funções que esta realiza no quadro da estrutura social. Considera que viver numa família nuclear é mais conveniente do que numa família extensa, porque tem mais adaptabilidade e mobilidade.

 

Parsons avança com a ideia de que nas sociedades primitivas ou exóticas, a família exerce diversas funções. A saber:

·         procriação;

·         regulação sexual;

·         apoio sócio-emocional (necessidade de amizade);

·         criação dos filhos;

·         produção de recursos necessários à subsistência;

·         defesa contra o exterior;

·         educação e socialização das crianças;

·         apoio na doença;

·         apoio na velhice;

·         culto religioso;

·         funções de inserção na realidade social global;

 

Face a todas estas funções e condições, a forma de organização familiar  mais adequada às necessidades é a família extensa.

 

A modificação da estrutura social implica, naturalmente, em muitos casos, a perda de funções da família. Na sociedade industrial e urbana, o processo de diferenciação levou a uma ainda maior transferência de funções para estruturas exteriores à família. Além do Estado, da Igreja, da escola, as novas estruturas de produção, as empresas enquadram os indivíduos em muitos sectores da sua vida. Como tal, a  família esvazia-se, cada vez mais de funções que não tenham directamente a ver com a procriação e a criação e socialização das crianças e o apoio emocional aos membros da família.

A função decisiva e insubstituível da família é gerar novos seres e assegurar as condições socio-emocionais necessárias ao bom equilíbrio das personalidades, e proporcionar o apoio para uma boa socialização na infância e na juventude.

 

Nas sociedades urbanas e industriais a ligação entre a unidade familiar e a estrutura social de conjunto faz-se através da actividade profissional. A profissão é o meio essencial de o homem prover ao sustento dos seus. É também a via por onde se define a posição social da família. É o prestígio relativo da profissão exercida pelo chefe de família e o nível de rendimentos que por ela se alcança que decidem substancialmente o estatuto social da família na sociedade urbana.

Pelo aqui exposto, do ponto de vista de Parsons, o modo de funcionar dinâmico da sociedade urbana e industrial requer um tipo de família facilmente móvel, desligada de qualquer rede rígida de laços de parentesco. Como tal, o tipo de família para que se tende nestas condições é o da família nuclear isolada.

 

9.7. O facto da interajuda familiar

 

A) Formas de Corrente de Interajuda

 

Esta análise de Talcott Parsons sobre a tendência para o desaparecimento da família extensa e a emergência de um padrão de vida baseado no modelo de família nuclear isolada ganhou uma particular importância, especialmente dadas as reacções que provocou entre os investigadores britânicos. Muitos insurgiram-se, na realidade, contra esta tese, e surgiu diversa literatura a defender o papel que a família ainda desempenha nas sociedades urbanas e industriais

Vários inquéritos realizados sobre famílias evidenciam, de facto, a existência de ligações frequentes entre os seus membros, ainda que eventualmente dispersos por famílias nucleares geograficamente separadas. Sussman ressalvou precisamente este facto nos inquéritos que realizou e, procurando sistematizar a documentação disponível, nota que a interligação familiar, na sociedade americana, se traduz em:

 

1.  práticas de entreajuda: que compreendem a troca de serviços, a oferta recíproca de presentes, a assistência financeira e o aconselhamento;

2.  as visitas entre parentes: que englobam as reuniões familiares e  as actividades recreativas em comum.

 

A troca de serviços reflecte-se em vários campos. Por exemplo, é frequente que os parentes se façam companhia nas idas às compras. Os filhos de uma casal podem ser deixados por umas horas ao cuidado de parentes enquanto os pais estão no emprego, ou vão jantar fora, ao cinema.

A assistência financeira passa, geralmente, de geração em geração. Os pais auxiliam os filhos recém-casados por motivo de gastos excepcionais, como a compra de móveis, de um automóvel, da compra da casa.

O aconselhamento tem enorme importância na resolução de problemas que possam surgir às gerações mais jovens da família. Para a  solução de problemas, é frequente as jovens raparigas terem contacto com as mães. Todas as decisões de grande importância e responsabilidade, como o  casamento, o emprego, as grandes compras, são frequentemente discutidas com os pais ou com outros parentes próximos qualificados.

As visitas entre parentes e as reuniões com objectivos recreativos fazem parte do processo de preservação de laços de intimidade

 

B) A interajuda e o ciclo de vida da família

 

Este tipo de ligação e interajuda verifica-se entre pais e filhos, entre parentes próximos dos dois lados da família, e, menos frequentemente entre parentes afastados. Parece evidente, no entanto, que estes diferentes tipos de interligação entre os membros dispersos de uma mesma família se verificam por diversas formas, de acordo com o momento do ciclo de vida da família, o sexo e nível social das pessoas.

 

A família nuclear passa por fases que compõem um ciclo característico, em função do qual se organizam os contactos.

Esta família constitui-se pelo casamento. A primeira fase é a que muitos autores designam de home-making, o estabelecimento do lar, e dura até ao nascimento do primeiro filho. A segunda fase, que é a da criação dos filhos, vai do nascimento do  primeiro filho e vai até ao casamento ou autonomização do primeiro filho. A terceira fase é a da dispersão, e vai do casamento ou *independência do primeiro filho ao casamento do último filho. A última fase é a final e vai do casamento do último filho até à morte dos cônjuges.

 

C) A interajuda familiar nos diferentes níveis sociais

 

Vários estudos revelam que a relevância da interajuda familiar varia substancialmente consoante o nível social.

 

Nas camadas sociais mais elevadas, a memória das linhagens é ligações familiares é cuidadosamente mantida, servindo as extensas parentelas como um apoio importante do indivíduo na preservação de um status social elevado. Os membros da família têm um interesse pessoal na protecção dos interesses dos seus parentes, procurando abrir-lhes o acesso a empregos e carreiras de prestígio, evitando a descida social dos parentes.

 

Já nas camadas médias da sociedade, o papel da rede de relações familiares apresenta-se como muito menos importante na vida das pessoas. Neste nível encontram-se famílias com considerável mobilidade residencial e profissional. O chefe da família muda constantemente de emprego, sempre à procura de melhores oportunidades. Com a mudança de emprego ou de lugar de trabalho, verifica-se também a mudança de residência. Esta mobilidade implica uma certa ruptura com o resto da família.

Neste nível, são muitos os casos de pessoas cujo nível social está em franca evolução. Nalguns casos há promoção social e noutros, pelo contrário, há perda de status de uma geração para outra.

 

Este fenómeno da interajuda familiar assume uma importância muito mais acentuada nas camadas mais modestas do que nas camadas médias da sociedade. Nesta camada, onde as disponibilidades financeiras são muito reduzidas, a interajuda familiar toma sobretudo a forma de prestação de serviços e de apoio em períodos de dificuldade, pelo que as pessoas possuem um forte sentimento de solidariedade.

 

9.8. O fenómeno da família extensa modificada

 

Estas diferentes práticas familiares demonstram que subsiste no meio urbano uma rede de relações de parentesco que desempenha um papel de bastante importância na vida das pessoas.

Envolve basicamente as famílias de orientação dos cônjuges de cada família de procriação, e os siblings de um e outro, com as respectivas famílias de procriação. O que é certo é que não se trata da família nuclear isolada da análise de Parsons. Mas também é verdade que não se trata da família extensa no seu tipo convencional. As pessoas vivem em contacto, mas não estão na  íntima dependência uma das outras. Os parentes são usados sobretudo como apoio emocional, e, por vezes, como fonte de pequenos serviços, no caso de residirem na vizinhança, e, esporadicamente, como fonte de auxílio financeiro.

 

Posto isto, para designar este tipo de arranjos das relações de família, Litwak propôs a designação de família extensa modificada. O que se verifica é que, como foi referido atrás, as pessoas vivem em contacto permanente, mas não se encontram na dependência financeira umas das outras. Preservam a sua autonomia. O que acontece é que a família de orientação e os outros parentes surgem agora como uma espécie de fundo de reserva a que se recorre selectivamente, com base nas inclinações e simpatias pessoais. Existe a ideia de que é legítimo e razoável esperar, em caso de dificuldade maior, o apoio de parentes que estejam em condições de prestar auxílio.

 

9.9. A estrutura da família nuclear

 

A) A diferenciação dos papéis sociais

 

A família nuclear apresenta-se como um conjunto de adultos e adolescentes ou crianças ligados por uma certa repartição de papéis sociais. Nestes papéis afirmam-se, simultaneamente, elementos de diferenciação e de integração, necessários ao bom funcionamento da família na realização dos seus objectivos.

 

A família assenta nas relações que se estabelecem entre as pessoas que a compõem. O jogo destas diferentes ligações entre os membros da família, que evolui no decurso do ciclo familiar, reflecte-se no bom equilíbrio do conjunto e no adequado desempenho de duas das suas funções essenciais, que são a correcta socialização dos filhos e o harmonioso equilíbrio socioemocional dos cônjuges.

 

Talcott Parsons analisa, basicamente, no seio da família quatro papéis sociais, diferenciados segundo o sexo e, globalmente, segundo a idade, que são os do pai mãe, filho e filha.

O pai e a mãe, relativamente aos filhos, têm uma posição dominante, que pode atenuar-se quando estes atingem a idade adulta. Da desigualdade de poderes que daqui resulta decorre um primeiro eixo de diferenciação entre superior e inferior no seio da família. É uma desigualdade inerente à ordem de gerações.

Por outro lado, entre o pai e a mãe, e também entre filhos e filhas, há uma diferenciação que resulta do sexo e das atitudes e comportamentos que lhe andam associados. O homem mostra, em regra, atitudes e comportamentos em que predominam elementos do tipo instrumental, enquanto a mulher evidencia atitudes e comportamentos do tipo expressivo. O papel do pai é predominante em relação ao filho, assim como o da mãe o é relativamente à filha.

 

Os papéis de cariz instrumental, que tendem a situar-se sobretudo no domínio das relações com o meio exterior à família, procuram assegurar o equilíbrio desta face aos condicionalismos ambientais em está inserida.

Os papéis com prioridade expressiva situam-se no âmbito da integração interna das relações familiares, visando manter as tensões entre os membros da família a níveis de tolerância.

Tudo isto, o facto de o homem assumir papéis com prioridade instrumental e as mulheres papéis de cariz expressivo no seio da família nuclear, liga-se com as condições em que tem de fazer-se a criação dos filhos.

 

B) O processo de socialização dos jovens

 

A diferenciação dos papéis e o fraccionamento do sistema familiar em subsistemas estão pois ligados às necessidades da boa socialização das crianças e do adequado equilíbrio socioemocional dos adultos.

O crescimento e socialização dos jovens enfrenta alguns problemas de adaptação, em que a conveniente evolução das suas relações com o pai e a mãe desempenham papel central.

Nos primeiros anos de vida, a relação mais íntima é estabelecida com a mãe, em torno da qual gira toda a existência neste período. Porém, esta identificação tem de regredir progressivamente para que as crianças se tornem adolescentes e adultos equilibrados.

Os jovens têm de aprender os seus papéis sociais em contacto com o pais, com os grupos de amigos e com outras pessoas.

 

Numa primeira fase, o processo é mais fácil para as raparigas, pois a aprendizagem pode fazer-se com a mãe, com a qual tem um contacto diário muito intenso. Para a rapariga, desempenhar um papel de adulto é aprender a desempenhar o papel social de mulher da sua mãe. É por isso que as raparigas estão mais cedo em condições de iniciar a vida adulta.

Para os rapazes, é necessário afastar-se do modelo materno e adoptar o modelo paterno, o estilo masculino de viver na sociedade. Segue o exemplo do pai, mas é também nos peer-groups ou grupo de amigos que faz esta aprendizagem.

Para além destas influências maternais e paternais, é necessário também um certo afastamento em relação aos modelos familiares, que também é parte da preparação para a vida adulta. Isto relaciona-se com a necessidade de afirmação pessoal na sociedade.

 

C) Variações na diferenciação dos papéis familiares

 

O padrão de diferenciação de papéis sociais é comum a todos os níveis sociais. No entanto, podem observar-se certas variações significativas na sua expressão real entre as várias camadas.

Num sentido extremo verifica-se que o homem se restringe às suas actividades profissionais, e dedica os tempos livres ao convívio com os amigos, enquanto que a mulher tem o cuidado exclusivo da gestão doméstica, ocupando os tempos livres com o seu círculo de amigas. Noutro extremo, verifica-se que o casal tem uma actividade muito integrada e compartilhada, fazendo o marido muitas das actividades domésticas, e passando o casal maior parte do tempo de ócio em conjunto.

Toda a documentação obtida e reunida pelos sociólogos americanos acerca do comportamento das famílias de diferentes níveis sociais, permite contrastar as diferentes interpretações de papéis no seio da família:

 

·       classes populares: há uma divisão acentuada das tarefas de cada cônjuge. Há uma grande diferença entre as tarefas desempenhadas pelo homem e as desempenhadas pela mulher. Porém, quando a mulher também trabalha, o homem pode ajudar nalgumas tarefas domésticas. No que diz respeito à integração dos filhos na vida, é esperado que estes cresçam à imagem dos pais, sendo a educação e socialização orientada nesse sentido. É, pois, uma relação rígida em que o pai é a figura autoritária, é quem põe ordem nas coisas.

 

·       classes médias: verifica-se uma maior interpenetração de papéis entre marido e mulher. É muito comum os maridos ajudarem as mulheres, porque estas, geralmente empregadas, carecem desta ajuda nas lidas domésticas. A socialização dos filhos é igualmente feita de um modo permissivo, gozando as crianças de uma certa liberdade de acção, de modo a poderem cultivar a sua própria personalidade. Os pais não estão à espera que os filhos sejam iguais a eles, mas tão só que sigam a sua propensão natural. Apenas os guiam no sentido de que se desenvolvam bem, de acordo com princípios e valores válidos. A violência educacional é muito menor.

 

·       classes altas: como o dinheiro é abundante, têm a possibilidade de pagar a pessoal doméstico para realizar as tarefas da casa. O marido mantém-se dentro do seu papel masculino, sendo que a mulher tem uma vida social activa, participando em eventos e acontecimentos da alta sociedade. Para manterem a fortuna e o estatuto social, os filhos têm que ser educados com disciplina e rigor, para que se tornem bem educados e bons gestores, devendo saber exactamente como se devem comportar no seu meio social. Também aqui os filhos devem seguir o modelo dos pais, que é o de uma socialização própria da classe alta, e não de acordo com a propensão natural das crianças ou adolescentes.

       Por tudo isto, é inevitável concluir que a mulher desempenha um papel importante e dispõe de uma força enorme no seio da família. Não se toma uma decisão sem se ouvir a sua opinião. Na classe popular é mesmo ela a gestora real do património da casa e da família.

 

10. A dicotomia sexual

 

10.1. A divisão tradicional de funções segundo o sexo

 
A diferenciação dos sexos é um dos princípios fundamentais de organização social. O que se entende efectivamente ser característico do sexo masculino e do sexo feminino pode, no entanto variar.
Em muitos casos o modo de ser dos homens e das mulheres anda genericamente próximo do que na cultura euro-americana se consideravam modos de ser viris, por um lado, e modos de ser femininos, mas esta instituição não é fixa.
 
Segundo um estudo de Margaret Mead, o «temperamento» ou modo de ser próprio de cada sexo, não traduz necessariamente as diferenças de constituição orgânica dos sexos, mas é sobretudo fruto do condicionamento cultural, que socializa, segundo certos modelos, que podem variar de cultura para cultura.

 

Em regra, homens e mulheres vestem-se e ornamentam por forma própria, específica de cada sexo, e exercem funções definidas socialmente também por forma específica de cada sexo. São as mulheres que têm as crianças e a regra é que sejam elas a cuidar os filhos nos primeiros anos de vida.

 

No domínio das actividades produtivas, as práticas variam conforme as culturas e consoante se trata de povos que vivam em economia de colheita, ou se dediquem à pastorícia, ou a trabalhos agrícolas, com ou sem complemento de outras actividades. Mas é geral que os homens reservem para si os trabalhos considerados mais pesados ou mais perigosos, ou os que impliquem maior afastamento do lar doméstico.

Nas comunidades primitivas a regra geral é o Homem caçar, pescar, fazer trabalho de madeira, de metais, quebrar o solo[a cavar a terra], etc ;a Mulher faz o vestuário, olha pela casa e pelas crianças, cuida e sacha as plantas.

 

Nesta matéria existe uma grande diversidade de costumes, pelo que existem grandes variações em relação ao esquema de divisão de funções segundo o sexo. Assim, há vantagens e, referir exemplos representativos da repartição sexual de funções em povos  tribais.

 

10.2. A divisão sexual de funções entre populações tribais

 

a) Os Cuanhamas do Sudoeste de Angola

 

· Traços gerais

 

A criação de gado é a actividade principal. A agricultura, tem certa importância e pratica-se numa base permanente como fonte de alimentos. O gado bovino é a grande fonte de riqueza e a posse de gado o principal elemento de prestígio.

 

Os Cuanhamas vivem em família extensa. A residência de um homem adulto com casa própria é conjunto de cubatas, onde vive com as suas várias mulheres, os filhos já casados que ainda não tenham casa própria, os rapazes e raparigas solteiras, e as crianças. Os campos cultivados ficam, em regra, perto de residência, o que nem sempre acontece com os pastos.

 

· Divisão de trabalho por sexo

 

Quase tudo o que se relaciona com o gado, é trabalho de homens. Os homens levam o gado a beber, tiram o leite e fabricam a manteiga, fazem o curtimento das peles e confeccionam o vestuário que elas utilizam.

A agricultura é sobretudo ocupação da mulher, embora os homens façam certos trabalhos mais pesados, como acontece quando há que desbravar um campo, que implica corte de árvores e arbustos.

A grosso modo, pode dizer-se: trabalho de enxada para a mulher, trabalho de machado para o homem.

 

A construção das cubatas e cercados é trabalho de homem. Às mulheres cabe revestir as paredes com barro e cortar a erva que serve para a cobertura.

Os homens fabricam também grandes cestos que servem de celeiros. O trabalho de barrar as varas ligadas umas às outras, que formam a estrutura da base, é trabalho de mulher, assim como o fabrico de vasilhames de barro. A arte do ferro e fabrico de utensílio de madeira é trabalho de homem.

 

Os campos são tratos desbravados no mato e agricultados. Cada mulher tem o seu, e há ainda o campo do homem. O campo de cada mulher é, em princípio, cultivado por ela própria, embora possa haver troca de serviços com outras mulheres. No campo do homem trabalham em colaboração todas as mulheres. O trabalho da monda está reservado às mulheres.

 

Da produção nos seus campos as mulheres devem fornecer o cereal para a alimentação do marido, durante certo período após a colheita. Passado este período, e quando o cereal do campo da mulher acaba, compete ao marido fornecer a partir do produzido no seu próprio campo.

 

Um trabalho feito em conjunto por homens e mulheres é o da pesca.

 

· Descendência e propriedade

A descendência é matrilinear, a propriedade é individual.

Os herdeiros de um homem não são os seus próprios filhos, mas os seus irmãos uterinos ou os filhos da sua irmã. O filho só recebe do pai bens entregues por doação entre vivos.

As mulheres são donas dos bens recebidos de familiares e daqueles que resultam do seu próprio trabalho, na parte que não é destinada por costume ao consumo do marido e da casa, à mulher pertencem, mesmo na casa do marido, os utensílios domésticos, galinhas e cabritos, e ainda a parte da sua própria produção agrícola, que sobra depois de cumprida a sua obrigação de contribuir para a casa, e que pode ser vendido em seu proveito.

A sucessão das dignidades faz-se igualmente pela via matrilinear. Mas o sucessor deve ser do sexo masculino.

 

 

b) Os Macondes de Moçambique

 

· Traços gerais

 

Cerca de 130 mil pessoas. A agricultura é a actividade dominante, conjugada com pequenas criações de porcos, cabras e aves domésticas e com uma actividade complementar de caça e recolecção de frutos e plantas silvestre.

O principal cultivo é o milho, o sorgo, e a mandioca. A agricultura pratica-se nos bordos do planalto, o que permite a regeneração das terras e reduz ao indispensável o rude trabalho de abrir novos lotes em terreno coberto por mato denso. Nas terras baixas e no interior, com menor densidade, é mais corrente a agricultura itinerante de derruba e queimada.

 

A população vive em aldeias, no meio dos seus campos, sendo estes abertos à medida das necessidades, caminhando-se cada vez para mais longe.

As aldeias são grupos residenciais agregados, segundo o princípio do parentesco matrilinear. No entanto a mesma linhagem pode repartir-se por várias aldeias.

 

As aldeias são em regra compostas de palhotas dispostas em círculo em torno de um terreiro arborizado. No centro costuma haver um palheiro, que constitui o local de reunião dos homens. É a casa dos homens. As palhotas, uma para cada mulher casada, eram tradicionalmente circulares, com cobertura tónica.

A disposição das casas dentro das aldeias, (em relação a umas às outras), reflecte as relações familiares.

 

Na vida de todos os dias, e nos diversos trabalhos, os homens colaboram com as mulheres em muitas coisas. Mas existe naturalmente uma sensível repartição de funções.

Às mulheres cabe ir à água, que implica andar muitos quilómetros, preparar as refeições, executar trabalhos agrícolas e ainda outras actividades a complentares das do homem. A intervenção do homem surge aliás, em muitos trabalhos em virtude de ter de apoiar a mulher.

Os homens quando não têm trabalhos a fazer fora da aldeia, juntam-se na casa dos homens, no centro da aldeia, conversando, fumando, realizando pequenos trabalhos.

 

Na actividade agrícola, o homem faz em geral os trabalhos mais pesados. Cabe-lhe fazer a abertura de novos campos, a limpeza do mato e a derruba das árvores, que é o trabalho duro e moroso, dada a pequena eficiência das ferramentas gentílicas.

 

O trabalho de capinagem é feito pela mulher. A colheita de mandioca, feijão, pepinos e das abóboras é também executada pela mulher. A colheita dos cereais cabe ao homem.

Cada mulher tem os seus tratos de terreno, machambas. O homem deve ajudá-la no cultivo, o homem abre os buracos, a mulher deita as sementes. Sendo polígeno, tem de fazer este trabalho para cada mulher. Quando se dão bem , as mulheres do mesmo homem, podem trabalhar em colaboração nas várias machambas. A falta de realização adequada destas tarefas pelo homem é motivo de justa queixa e é suficiente para a mulher o abandonar.

 

A actividade de recolecção é feita pelas mulheres e crianças. Mas são os homens que apanham o mel e a cera. A caça é naturalmente actividade masculina. A escultura, arte do ferro, técnica de fazer fogo, o fabrico de cesto são artes de homem. A olaria é trabalho das mulheres.

10.3. A tradição e a urbanização

 

A vida decorre basicamente nas sociedades tribais no quadro familiar. Cada grupo, aldeia, é um grupo de parentesco.

 

A família nuclear insere-se em laços mais amplos e os seus membros estão sempre ligados numa teia de relações sociais estreitas com vizinhos, que também são parentes. O que cria um ambiente humano acolhedor, que abrange muitas pessoas além da família imediata, e evita uma excessiva fixação emocional nesta. A sociedade é para eles, em grande parte, uma extensão das relações familiares. Nas sociedades mais primitivas, cada lar transborda sobre o outro e os seus membros misturam-se numa vida comum, donde a intimidade, tanto como o desejo de intimidade, estão ausentes.

Todos se casam salvo os anormais. As raparigas quase logo que atingem a puberdade, os rapazes mais tarde, devido a condicionalismos culturais (constituição de um dote, por exemplo).

 

A vida de cada sexo decorre dentro de normas substancialmente bem definidas, sem interferências recíprocas de maior, convergindo nas tarefa e actividades em que têm de ser complementares. As mulheres não realizam tarefas de homem, salvo em caso de emergência. E os homens não fazem trabalho de mulher, salvo em caso de estrita necessidade. É claro que com a mudança nas condições de vida é frequente a redefinição das tarefas de cada sexo.

 

A grande ruptura em que se traduz a migração para as zonas urbanas permite seguir numerosos exemplos de profundas transformações culturais ligadas às mudanças nas condições de vida.

 

A Economia urbana permite às mulheres maior autonomia e independência. É-lhes possível organizar uma vida desligada das fórmulas tradicionais do casamento, e em larga medida independente do controle da linhagem. Nas cidades africanas, muitas mulheres dos níveis económicos mais baixos ocupam-se como lavadeiras ou dedicam-se ao pequeno comércio. As mais adaptadas encontram emprego como vendedoras. As mais instruídas começam igualmente a ocupar lugar significativo na enfermagem e na docência.

A cidade faz também surgir diversas fórmulas de arranjo sexual fora do casamento, que vão de coabitação regular com o mesmo homem à prostituição sistemática.

 

Em muitos domínios de actividade das mulheres é frequente surgirem manifestações de associativismo como meio de defesa, Ex: comércio, aprendizagem de técnicas, proteger interesses, etc.

 

10.4. Homens e mulheres na sociedade industrial e urbana

 

Na sociedade industrial e urbana, a diferenciação efectiva de funções entre os sexos coexiste com uma ideologia igualitária, que tende a sublinhar a equivalência dos indivíduos e a aptidão das mulheres para o desempenho da generalidade de funções tradicionalmente confiadas a homens.

 

Nas sociedades tradicionais, a diferenciação de funções é aceite como um dado de base e a socialização dos indivíduos, desde muito jovens, é feita dentro dos modelos de acção propícios de cada sexo.

 

Na sociedade urbana e industrial a especialização é menos nítida. Rapazes e raparigas são decerto desde muito cedo socializados dentro dos modelos do seu sexo, no que respeita ao vestuário e ao comportamento. Os rapazes são criados dentro da perspectiva do exercício de uma actividade profissional fora de casa. As raparigas são formadas na ideia de que lhes cabe exercer um papel próprio dentro do lar doméstico, ligado ao casamento e à maternidade.

 

Apesar disto, rapazes e raparigas recebem um ensino idêntico e seguem durante vários anos, num período decisivo das suas vidas, um processo de formação que parece destiná-los a ocuparem na vida funções idênticas. Numa fase mais avançada, porém, nas etapas finais da formação escolar, torna-se claro que o destino profissional dos homens será muito diferente do da média das mulheres.

 

As raparigas são a esmagadora maioria dos alunos em estudos que dão acesso a profissões que a cultura dominante entende como mais apropriadas para o sexo feminino. Por exemplo, a docência a nível primário e secundário. Os rapazes são a esmagadora maioria dos alunos nos estudos que dão acesso a profissões tradicionalmente tidas por masculinas. As mulheres estão presentes, mas o seu número é reduzido.

É inerente ao estatuto social de adulto do sexo masculino o exercício de uma actividade cujos proventos permitam manter uma família. É o tipo de trabalho exercido que define em larga medida a posição do homem.

Para a mulher isto não é tão importante: o estatuto social da mulher é sobretudo definido pelo estatuto social do marido. Só excepcionalmente a mulher casada poderá ter uma posição na escala de prestígio muito superior à do marido. É corrente que as actividades da mulher fora de casa sejam condicionadas às exigências da relação matrimonial. É raro que as mulheres exerçam actividades que sejam efectivamente concorrentes com as dos maridos. É mais frequente que as mulheres decidam da continuidade, ou não, do seu trabalho fora de casa em função das exigências do cuidado dos filhos, e dos interesses do trabalho ou da carreira dos maridos.

 

Há muitas mulheres em cuja vida o exercício de uma actividade é importante, não é apenas para completar os ganhos do marido. É o fenómeno dos casais de dupla carreira, que conduz a diversos ajustamentos da vida familiar.

Na grande maioria dos países industriais, apenas uma modesta proporção das mulheres casadas exerce uma actividade remunerada. Antes do casamento, a maioria das mulheres trabalham, mas após o casamento, sobretudo após o nascimento do 1º filho, é comum o abandono da actividade fora de casa, podendo retomar-se ou não tal actividade após atingir-se a fase em que os filhos estejam menos dependentes da mãe.

 

O elemento decisivo do estatuto da mulher é, pois, muitas vezes, a escolha do marido. A sua vida tende a situar-se em termos da relação com o marido e com os filhos.

O trabalho torna-se na vida do homem o interesse principal, uma fixação, o que pode traduzir-se em dificuldades de comunicação entre os cônjuges. Para a mulher, o problema de manter uma relação satisfatória com o marido pode tornar-se fonte de tensões.

 

Talcott Parsons nota que muitas mulheres, sobretudo nas camadas médias, e superiores, que não desejam cingir-se à vida doméstica, procuram corresponder à evolução dos maridos seguindo duas alternativas básicas:

1.   Cultivam a elegância e a atracção sexual, seguindo um caminho bordado de tensões, devido às dificuldades impostas pelo inevitável avanço na idade e à exigência de não violarem os limites da actuação «respeitável» dentro do meio em que se movem.

2.   Cultivam o que T. Parsons designa por «elemento humanístico comum», desenvolvendo interesses artísticos e literários ou envolvendo-se em actividades de interesse humanitário. Procuram compensar com a actividade comunitária, para que estão mais disponíveis, a excessiva concentração dos maridos nas suas actividades profissionais. Com o marido tentam estabelecer o que Parsons designa por relação de «boa companheira».

 

10.5. A mulher dona de casa

 

Uma larga maioria das mulheres casa-se ainda que esta instituição não assuma a universalidade das sociedades tribais.

A vida da mulher casada, responsável por um lar e também, na maioria dos casos, mãe de filhos, desenvolve-se segundo um ciclo próprio, em que vem a assumir sucessivamente diversos papéis sociais.

 

Helena Znaniecki Lopata, em estudos sobre a housewife, a mulher casada que se ocupa da casa, mostra como se formulam e reformulam os papéis sociais da mulher à medida que se vai desenvolvendo o seu ciclo da vida a partir do casamento.

Nesse ciclo de vida, as fases mais características são as seguintes:

 

à   Tornar-se dona de casa:

·       A rapariga torna-se esposa. É-lhe necessário organizar o lar;

·       Homem e mulher têm de aprender a viver juntos;

·       A mulher tem de assumir o seu novo papel de senhora casada;

·       A mulher passa a usar o nome do marido;

·       O seu relacionamento com os seus amigos, de diferentes sexos, e com estranhos altera-se;

·       Deixa, em regra, a casa dos pais;

·       As relações com a sua família de orientação passam para segundo plano;

·       Deve aprender a relacionar-se com a família de orientação do marido;

·       Assume os papéis de esposa, dona de casa e diversos outros papéis, como nora;

·       Modifica o seu papel de filha, põe em segundo plano o de amiga;

·       Modifica as suas relações do trabalho;

·       Relaciona-se com todos a partir da nova perspectiva de Mrs. (Senhora dona) ou mulher casada;

 

à   Família em expansão (the expansion circle):

·       O nascimento do primeiro filho implica, para a maioria, a saída do emprego e o abandono do círculo usual de relações;

·       Requer a atenção permanente da mãe, que se vê retida em casa e impossibilitada de manter os seus convívios habituais;

·       A saída do emprego reduz os rendimentos, numa fase da vida em que as despesas crescem;

·       A sensação de isolamento, que não é fácil de compensar;

·       Para o marido, é uma fase de luta na vida profissional que tende a dominar as suas preocupações;

·       O acréscimo do número de filhos acentua o processo a que a mulher vai aprendendo a adaptar-se;

·       A mulher supera as dificuldades iniciais através da prática;

·       Tomada de consciência da liberdade de organizar o seu próprio ritmo de trabalho doméstico;

·       A satisfação com o s filhos conduz a um novo equilíbrio emocional;

·       Em função dos filhos e das necessidades da casa organizam-se novos esquemas de relações com parentes e amigos, com vizinhos, amas, empregados, e assim por diante;

·       O nível social introduz variações. A mulher das camadas médias e superiores pode recorrer a muitos serviços exteriores, que alargam o seu círculo de apoios. A mulher das camadas mais modestas tem de cingir-se ao apoio de parentes e vizinhos, e para ela a sobrecarga da casa e dos filhos é por isso maior.

 

à   Casa cheia (The full house plateau):

·       Decorre entre o nascimento do último filho e a saída dos filhos para criarem casa própria;

·       Fase em que a mulher é o centro da casa, mãe de família pelo bem-estar dos seus;

·       Período de maior prestígio, e de maior satisfação;

·       Na vida actual, o número de filhos é menor, e estes afastam-se mais cedo da mãe por efeito do papel que as escolas têm na socialização dos jovens;

·       A mulher tem de redefinir as suas actividades em função do fim do seu papel de mãe de família;

·       As que têm visão mais tradicionalista esperam transitar do papel de mãe para o de avó;

·       Muitas mulheres retomam estudos ou procuram emprego. Outras alargam os seus interesses fora do lar em actividades religiosas, de beneficência, associações recreativas, realizações artísticas e culturais;

 

à   Família em contracção:

Esta fase desenvol-se em duas fases. Ambas significam redução do status:

·       Saída dos filhos, que estabelecem residência neolocal;

·       Viuvez;

 

Nas sociedades modernas, acontece numa fase, em que a energia da mulher é maior, a carreira do marido assume grande eminência.

É quase uma situação de reforma, com a qual as mais enérgicas não se conformam. Constitui-se na sociedade urbana e industrial uma categoria numerosa de mulheres de meia-idade, com tempo disponível e desejosas de empregarem utilmente o seu tempo, que em muitos casos se encaminham para actividades profissionais e culturais em diversos sectores, e tendem a exercer crescente influência em muitos domínios da vida colectiva.

 

A viuvez impõe nova adaptação. Os recursos financeiros, reduzidos pela morte do marido, cria uma situação de dependência dos familiares. Os contactos com os amigos têm de redefinir-se.

A mulher passa em muitos casos por um processo que tende a desligá-la a pouco a pouco de actividades exteriores. A pessoa fecha-se gradualmente em si própria e num círculo restrito, afastando-se do curso mais agitado da vida social. Algumas mantém uma relação intensa, mas são a minoria.

 

 

 

 

 

Naturalmente a mulher tende a enfrentar os problemas postos pelo casamento e pelos filhos por formas próprias.

Helena Z. Lopata considerou que as mulheres podiam classificar-se nos tipos seguintes:

1.    Mulher orientada para o marido: que organiza  a sua vida em torno do seu papel de esposa, pondo em primeiro plano a relação com o marido;

2.    Mulher orientada para os filhos:o primeiro interesse são os filhos, organiza toda a sua vida em torno da relação existente entre ela e os filhos;

3.    Mulher orientada para a casa: o principal interesse é a boa ordem doméstica, a arrumação e a limpeza, tende a ressentir-se especialmente com a desordem criada pelo marido e pelos filhos;

4.    Mulher gradualista (Life-cycle woman): adapta-se gradualmente à mudança nas suas circunstâncias, passando de uma orientação para os filhos, e voltando de novo a uma orientação para o marido quando os filhos requerem menos cuidados;

5.    Mulher orientada para a família: tende a ver o interesse pelo marido, pelos filhos e pela casa como parte de um mesmo processo indissociado de «cuidar da família»;

6.    Mulher orientada para si própria: tende a pôr em primeiro plano a sua preocupação com as suas necessidades como mulher;

7.    Mulher orientada por uma carreira ou para a sociedade: organiza a sua vida doméstica em função das necessidades das suas actividades exteriores;

 

Obviamente, existe uma correlação entre estes vários tipos psicossociológicos e o nível social. No meio americano, Lopata diz que a orientação para o marido é particularmente frequente entre os casados com homens de nível social elevado. A orientação predominante para os filhos surge muitas vezes ligada a casos de casamento mal sucedido, de divórcio ou de separação. Em regra, surge entre os níveis mais baixos, com educação mais limitada.

 

10.6. A mulher que trabalha fora de casa

 

Para as mulheres que trabalham, o papel de dona de casa tem de conjugar-se com os requisitos do emprego. Uma questão que se põe em termos diferentes consoante o tipo de emprego.

 

A grande maioria das mulheres empregadas ocupa postos de trabalho em fábricas, comércios, escritórios, em funções requerendo limitada qualificação. O trabalho é visto como um meio de completar o rendimento familiar, oportunidade de convívio e quebrar o relativo isolamento da vida doméstica.

 

O trabalho remunerado é um factor de independência para a mulher, e consolida o seu estatuto de igualdade com o marido. O suplemento da receita familiar assim obtido é em larga medida utilizado para financiar a melhoria da casa (móveis, alcatifas, etc.), compra de roupas para todos, maiores possibilidades para os filhos e despesas de férias. O suplemento de rendimento é gasto por forma que interessa à família no seu conjunto e assegura e ajuda a reforçar a sua unidade.

 

- o cuidado dos filhos, o trabalho das mães implica naturalmente certos ajustamentos em relação às fórmulas que podem adoptar as mulheres que se ocupam somente da casa.

 

- há uma mobilização de solidariedade familiar para cuidar das crianças durante o período diário de ocupação da mãe. Os parentes próximos dão o seu apoio.

 

- os trabalhos por turnos permitem às mulheres sair quando os maridos já estão em casa e podem assim velar pelos filhos.

 

- os maridos tomam o encargo de tarefas não tradicionalmente masculinas em relação às crianças.

 

- organiza-se o trabalho doméstico numa mais equilibrada base de colaboração, que a alguns parece ajudar a consolidar a relação conjugal.

 

à   Fenómeno da família com dupla carreira:

 

A mulher procura continuar pela vida fora o modelo igualitário seguido pelo sistema educacional, em vez de retornar por ocasião do casamento aos modelos de dicotomia sexual tradicionais. Isto acaba por traduzir-se em conflitos de papéis e em tensões mais ou menos marcadas.

É um balanço entre benefícios e perdas, benefícios resultantes da satisfação com a carreira e perdas decorrentes do conflito com os modelos tradicionais. Implica também, naturalmente, para o marido a necessidade de certas adaptações correlativas para harmonizar as exigências da sua carreira com as condições da vida familiar, em face das exigências da carreira da mulher.

 

Rhona, Rapport e Robert N. Rapoport, que se têm dedicado ao estudo destes casos, consideram que podem individualizar-se cinco dimensões estruturais de tensão na vida dos casais como carreira dupla, e que são as seguintes:

 

1.    Sobrecarga de papéis: as carreiras são exigentes, implicam para além do horário de trabalho um esforço suplementar em casa, em estudo e meditação, preparação de soluções, planeamento, etc., o que leva a que estes casais tendam a restringir ao mínimo as actividades familiares não essenciais.

 

2.    Dilemas relativos às normas: resultam da ruptura com os modelos tradicionais.

 

3.    Preservação da Identidade pessoal: o facto de serem de sexos distintos, é fonte de tensões. Quando os homens e as mulheres prosseguem o seu desenvolvimento pessoal seguindo os mesmos canais de papéis, podem achar-se confrontados com a dificuldade  de manter a sua identidade distinta. Muitos homens não vêem com bons olhos a perspectiva das suas mulheres enveredarem por uma carreira que possa reduzir a sua disponibilidade para se ocuparem do lar e dos filhos, ou que possa afectar a própria carreira do marido.

 

4.    Dilemas da rede de relações sociais: torna-se necessário reduzir o tempo despendido em outras actividades, o que implica muitas das vezes a delegação de responsabilidades em pessoal doméstico e a redução de contactos com familiares e amigos, o que, por sua vez, irá resultar no isolamento e na sensação de culpa por não dar mais atenção a parentes e amigos.

 

5.    Ciclos de papéis: as carreiras, em regra, requerem grandes esforços nos anos iniciais que são justamente os primeiros anos do casamento. Se se evitam tais esforços, para dar atenção à vida familiar, pode comprometer-se o futuro profissional. Ex: Nascimento dos filhos.

 

 

A verdade é que os ritmos usuais das carreiras estão definidos em função do ciclo de vida dos homens e não do das mulheres. Existem muitas práticas discriminatórias. Existe no meio feminino profissional um certo mal-estar, e o desejo de reorganização das estruturas mais favorável à prossecução de uma carreira.

Isto leva a uma crescente agitação colectiva em torno do problema, o qual, hoje em dia, tende a conjugar-se em movimentos da libertação da mulher.

 

10.7. O movimento de libertação da mulher

 

Nasceu nos EUA e propagou-se rapidamente a todos os principais países industriais da economia capitalista. As iniciadoras, e actuais apoios são da classe média com educação universitária, que se revoltam contra a discriminação e contra uma sociedade dominada pelos homens e em que a mulher é vista como um objecto sexual ou como governante do lar e produtora de filhos. Denunciou o predomínio masculino na sociedade, classificado de sexismo, por analogia com o racismo. Tentou reivindicar a igualdade e independência para as mulheres.

 

Podem distinguir-se duas linhas básicas de movimentos:

 

à   Reformista: insiste na reivindicação do reconhecimento dos direitos da mulher. A National Organization of Women (NOW) foi uma das correntes de luta mais importantes, que actuou, sobretudo, através de informação, de pôr o problema das discriminações contra a mulher perante a opinião pública.

 

à   Radical: entende que as mulheres constituem uma classe oprimida e que se impôs a denúncia global do tipo de sociedade que lhes impõem um estatuto inferior. Surgiu por uma forma menos organizada que a reformista, como polarização das mulheres militantes de diversos movimentos progressistas em 67 e 68.

·       Salários iguais;

·       Igualdade de oportunidades;

·       Serviços gratuitos de contenção de nascimentos e aborto a pedido;

·       Creches pré escolares e infantários gratuitos;

 

Estas reivindicações reflectem o descontentamento em face de situações concretas, embora o movimento seja sobretudo uma contestação global de um estado de coisas que mantém a mulher numa situação subordinada, no seio de uma sociedade urbana e industrial em que existem os meios materiais para dar à mulher uma posição efectivamente coerente com a ideologia igualitária dominante.

 

A mulher vive uma situação inferior no trabalho, com funções relativamente mal remuneradas. O que se impõe é a valorização do trabalho da mulher, aumentando os salários pagos a «trabalhos de mulher».

 Isto implica uma acção em profundidade para a mudança de atitudes tradicionais, a que realmente as próprias mulheres aderem em muitos casos. Para as mulheres, o trabalho  é muitas das vezes encarado a assegurar um suplemento de vencimento e não uma base de sustento de uma família, contribuindo para manter a atitude que conduz a pagar-lhes menos que aos homens.

 

Þ   Educação: O esquema educativo é, no seu princípio, igualitário. Mas a prática é que as raparigas sejam encaminhadas para os tipos de formação que preparam para «trabalhos de mulher».

 

Þ   Posição da mulher na família (controle do corpo):

·       Denuncia-se e repudia-se, em particular, a sobrecarga que a criação dos filhos faz recair sobre a mulher;

·       Direito de ter apenas os filhos que desejar;

·       Liberdade no plano sexual;

·       Estabelecimento de condições que permitam ter filhos e criá-los sem uma ruptura com a corrente geral da vida:

·       Quebras de actividades profissionais;

O slogan «Controle do corpo» exprime a reivindicação, da liberdade da mulher dispor de si própria sem sujeição e condicionalismos exteriores, quer seja solteira ou casada.

 

Este movimento irá suscitar algumas modificações, no papel da mulher no trabalho e na família, quer por intermédio da mudança de atitudes que suscita pelo repúdio dos modelos tradicionais da dicotomia sexual, quer pelo meio de mudança nas práticas sindicais e nas orientações educacionais, quer ainda através de nova legislação sobre o estatuto da mulher.

 

11. A diferenciação por idades

 

11.1. O ordenamento etário das sociedades

 

A vida de cada indivíduo percorre um ciclo em que os acontecimentos fundamentais são o nascimento, e a morte.

Cada fase é marcada por cerimónias ou celebrações próprias. O estatuto social do indivíduo varia à medida que vai percorrendo as diferentes fases do ciclo até à morte:

 

Þ   Criança: Depende estreitamente da mãe e de outros adultos. À medida que vai crescendo a sua autonomia vai aumentando. O estatuto das crianças evolui com o crescimento: Bebé, que ainda não anda; Criança, que já anda e depois aquele que pode brincar com outros, afastar-se da mãe, frequentar a escola.

 

Þ   Puberdade: Passagem biológica para o estado adulto. A partir daí, rapaz e rapariga estão aptos a preencher as funções do seu sexo. Nas sociedades primitivas, é a puberdade que separa o estado social de criança do estado social de adulto. Nas sociedades mais avançadas, é apenas uma fase de transição.

 

Þ   Adulto: Casado e com filhos, ou vivendo independentemente da família de orientação, participa na vida colectiva em toda a plenitude. É a pessoa responsável, o bom cidadão. Estado de maior prestígio na vida dos indivíduos.

 

 

Þ   Envelhecimento:

·       Acréscimo de prestígio, outras vezes perdas de influência;

·       Perda de forças;

·       Torna-se por isso menos fácil defender uma posição;

·       Em muitas sociedades, a velhice, que anda ligada à sabedoria, feita de experiência, é a fase da vida, em que exerce maior influência;

·       Em sociedades primitivas, devido ás dificuldades de subsistência, podem ser abandonados, deixados à espera da morte certa. Ex: Bochimanes.

 

Na sociedade industrial, assumem uma posição diminuída. Implica sempre uma perda de influência e muitas vezes um progressivo isolamento em relação aos filhos e outros parentes, apesar de ainda assim se tentar garantir o bem estar destes.

 

É claro que o estado de coisas normal é coexistirem numa mesma sociedade indivíduos de todos os estados do ciclo da vida, misturando-se no correr usual da existência de todos os dias.

 

À escala das pequenas comunidades com poucas centenas ou milhares de pessoas, a influência de factores conjunturais pode naturalmente modificar estes padrões de estrutura etária.

Uma zona rural pode esvaziar-se das suas gerações jovens por efeito da emigração, mostrando-se a estrutura etária envelhecida. Ou, pelo contrário, um bairro suburbano de um grande centro industrial registar o fluxo de muitos casais jovens, numa fase do ciclo familiar caracterizada pela alta fecundidade, e mostrar por isso uma proporção elevada de crianças.

 

11.2. As classes de idades

 

As classes de idades como forma de organização social encontram-se muito junto das sociedades tribais.

Os indivíduos repartem-se segundo a idade, e acedem às diversas funções na base do seu status etário. Nalguns casos existem escalas hierárquicas que o indivíduo normal vai percorrendo ao longo da vida. Noutros casos diferenciam-se somente as pessoas em crianças e adultos, solteiros e casados, casados com filhos.

A formação de classes etárias resulta em regra das cerimónias que marcam a puberdade. Os jovens são agrupados e afastados das famílias e da vida normal das aldeias, passando a ser durante algum tempo objecto de ensinamentos que visam informá-los dos conhecimentos que se consideram próprios do estado de adulto.

O processo termina com grandes festejos. São considerados adultos, passando a acompanhar com os homens, e as raparigas estão aptas para o matrimónio, que em regra pouco demora.

 

As cerimónias de iniciação só se realizam de tempos a tempos, de modo que em cada ocasião são juntos os ainda não iniciados, que podem apresentar entre si diferenças de 6 e 7 anos e mais. A passagem em conjunto por este processo cria deveres de solidariedade: cada homem, durante toda a sua vida, fica integrado na sua classe de idade e é no seu quadro que se desenrola a maior parte da sua vida pública. As classes de idades desempenham um papel nos trabalhos colectivos, nomeadamente na altura do noivado.

 

O papel social das classes de idades assim formadas varia naturalmente de povo para povo. Na África Ocidental, conhecem-se vários povos em que a estrutura social está estritamente ligada às classes de idades.

Ex: os Arushas, povo que se dedica basicamente à agricultura, e possui algum gado.

Toda a população masculina adulta dos Arushas está repartida em duas grandes classes, a dos novos e a dos velhos, cada uma das quais se reparte ainda em duas subclasses, a dos modernos e a dos antigos.

 

A entrada nestas classes começa com a iniciação da puberdade, em que os rapazes são circuncisados. Após a iniciação, os rapazes passam à classe dos novos que é designada pela palavra massai murran,(guerreiro). É uma classe que mantém uma certa disponibilidade, não tendo funções económicas precisas. As armas e outros distintivos são diferentes consoante a posição na classe dos murran. Depois da iniciação, os jovens deixam de ser guardadores de gado.

 

Os murran estão divididos numa classe mais moderna e numa mais antiga. Os jovens iniciados entram na classe mais moderna. Não casam, são empregados em incumbências determinadas pelos velhos do grupo. Não tomam, em princípio, parte das deliberações públicas. Os murrans modernos passa à classe dos murrans antigos. Estes podem já casar-se e começam, a trabalhar nos campos. Começam igualmente a participar nas reuniões dos velhos, mas, em princípio, só devem falar se para tal forem solicitados. Após cerca de 11 anos nesta classe são promovidos à classe dos velhos. A promoção é feita por forma a dar lugar à passagem dos murrans modernos à classe dos murrans antigos.

 

Os velhos, estão repartidos em duas classes. Os mais modernos que efectivamente dirigem os negócios correntes. Os mais antigos têm funções mais cerimoniais, e são sobretudo solicitados como conselheiros.

 

As classes não têm chefes, apenas porta-vozes. Há dois oradores por cada classe, um que fala com a classe acima na hierarquia etária, e outra que fala com a classe abaixo. Incumbe-lhes intervir na vida comunitária, zelando pela salvaguarda dos interesses dos seus camaradas de classe.

 

Além desta organização em classes de idade há uma outra com base em linhagens patrilineares. Cada linhagem é composta pelos descendentes patrilineares de um dos primeiros arushas que se fixaram na região.

As linhagens conduzem a um agrupamento em clãs, que reparte a população em duas metades. Cada metade contém dois clãs. Dentro destes há subclãs que juntam até 10 linhagens, repartidas em 2 divisões. Cada linhagem ainda, por sua vez, se reparte em duas sublinhagens.

As linhagens escolhem como seus representantes um ou dois conselheiros, que têm para com os membros da linhagem funções análogas às dos oradores das classes de idades. A escolha é feita pelos velhos, e em regra recai sobre um homem que pertença à classe mais moderna dos velhos. Muitas vezes são pessoas que já ocupam a função de oradores dos seus grupos de idade.

 

11.3. Os bandos de jovens

 

Em muitas sociedades em que não existem estas classes de idades institucionalizadas verificam-se, no entanto, diversos casos em que as circunstâncias se conjugam para moldar numa mesma atitude as pessoas de categorias etárias próximas, levando-as a comportar-se como um grupo social dotado de certa coesão. Ex.: a juventude na generalidade das grandes zonas urbanas dos países desenvolvidos.

 

Os jovens quando começam a ter autonomia para se afastarem das famílias, tendem a juntar-se em bandos, criados na base da vizinhança ou a partir da frequência habitual de certos locais. É uma tendência da adolescência e por isso são correntemente designados por bandos de adolescentes. O fenómeno pode prolongar-se, para alguns, até aos primeiros anos da vida adulta.

 

              Estes bandos são constituídos por:

·       10 a 20 jovens que estão habitualmente nos mesmos locais;

·       Modos de ser comuns: calão próprio, vestuário, ornamentos e penteados;

·       Cada bando, em regra, tem a sua área, que é uma rua ou um bloco urbano;

·       Tem uma estrutura interna própria, organizando-se em torno de um núcleo de indivíduos mais influentes que polarizam os outros;

 

A continuidade do convívio e os próprios atritos com a vizinhança ajudam à coesão do bando. Criam um meio fechado, de difícil penetração aos adultos e ao exterior. Os jovens passam mais tempo juntos do que junto das suas famílias.

 

Estes bandos encontram-se em todos os níveis sociais, o que difere são os meios à disposição para passarem o tempo. Ex.: motos e carros dispendiosos.

 

Geralmente são integrados só por rapazes, mas, por vezes, podem surgir raparigas.

 

Os bandos ocupam-se, em muitos casos, sobretudo, em actividades de tipo recreativo. Contudo, podem tornar-se incómodos para os adultos da vizinhança: Jogos de rua, embaraçam o comércio, provocam ruídos com acelerações de motos e carros, suscitam distúrbios, furtam artigos em lojas e carros, são responsáveis por delitos sexuais, etc.. No fundo, são um desafio e uma fonte de inquietação para os adultos.

 

Provocam também incidentes violentos: Guerras entre bandos, feridos graves, mortos. São uma ameaça para o cidadão comum, estando por isso sob a constante vigilância da polícia.

 

Foram as actividades de delinquência que suscitaram a atenção dos estudiosos como Lewis Yablonsky, que distingue 3 tipos básicos de bandos de jovens:

 

à   Bando social:

·       é o bando mais comum, juntam-se para brincar;

·       amizade;

·       actividades comuns;

·       usam peças de vestuário ou emblemas que os identificam como membros do grupo;

·       são emocionalmente estáveis;

·       identificam-se com os valores da comunidade;

·       as suas actividades podem integrar-se em instituições desportivas ou recreativas existentes;

 

à   Bando Delinquente:

·       são em número reduzido;

·       as suas actividades transbordam para domínios ilícitos;

·       são emocionalmente estáveis, mas que foram socializados em condições marginais, aceitando sem relutância a prática de delitos com fins lucrativos;

·       a junção dos jovens é mais no sentido da organização eficiente do grupo;

·       usualmente continuam activos até serem interrompidos por detecção pela polícia ou encarceração;

·       os membros detidos e afastados são muitas vezes substituídos;

·       o leader é usualmente o melhor ladrão, organizador e planeador das actividades delinquentes;

 

à   Bando Violento:

·       é minoritário e é o mais perigoso;

·       têm dado origem a alguns crimes espectaculares;

·       é estruturado com vista a permitir a expressão da agressividade que domina os jovens em certas circunstâncias;

·       tudo o que fazem visa a descarga emocional e a violência;

·       estão sempre a entrar e a sair membros;

·       os rapazes que integram estes bandos são, frequentemente, desequilibrados psiquicamente.

 

Yablonsky observou este tipo de bandos violentos nas zonas da cidade de N.Y. habitadas por negros e porto-riquenhos de cor, que são em regra zonas degradadas, marcadas por diversos fenómenos de marginalidade social.

Causas:

1.    Desenquadramento no meio citadino, em ruptura com a geração mais velha;

2.    Desejosos de aceder aos modelos de consumo e de sucesso apresentados como ideal colectivo, experimentando porém a nobreza e a discriminação social, os jovens sentem profundamente a sua marginalização;

3.    O bando é um meio de ajustamento das tensões pessoais;

4.    Personalidades desequilibradas, insensíveis ao sofrimento de outrém;

 

Os bandos correspondem a uma necessidade psicológica dos jovens, um apoio importante, no processo de afastamento da família e de consolidação da autonomia própria que caracteriza normalmente a puberdade como período de transição. O adolescente sente a necessidade de afirmar a sua individualidade e independência face aos adultos e em particular face aos seus pais. Isto suscita impulsos de agressividade, e ao mesmo tempo sentimentos de insegurança e de culpabilidade.

 

 

Nas sociedades primitivas, as cerimónias de iniciação consagram a passagem ao estado de adulto. A falta de um modo de reconhecimento público do estado de adulto, análogo aos ritos de passagem da puberdade das sociedades primitivas, é uma das causas de insegurança e desequilíbrio dos jovens nas sociedades de cultura euro-americana.

 

Para H. Bloch e A. Niederhoffer, representam uma organização espontânea de actividades análogas à dos ritos de passagem das sociedades primitivas. As atitudes (tatuagens, proezas físicas, etc.) dos jovens procuram evidenciar a maturidade que os jovens aspiram a ver reconhecida.

 

Quando os adolescentes encontram dificuldades, procurarão alcançar os equivalentes simbólicos da conduta adulta que lhes está interdita.

Podemos explicar uma boa parte dos costumes e rituais espontâneos, não estruturados, do comportamento do bando, pelo facto de que a nossa cultura não soube, ou não quis, vir ao encontro das necessidades da adolescência em circunstâncias críticas da sua vida.

 

11.4. A Contracultura da juventude

 

Os bandos geram no seu seio tendências que têm todas as característica de uma subcultura da juventude. Dissociam-se dos modelos dominantes, acabando por gerar conflitos de gerações, que em regra tem profundas consequências.

Uma contracultura significa uma cultura tão radicalmente afastada dos pressupostos centrais da nossa sociedade que para muitos mal parece uma cultura.

 

Podem encontrar-se movimentos de juventude em muitas ocasiões de grandes transformações históricas. Ex.: Antiga Grécia, Roma, Idade Média, Reforma, Revolução Francesa, no seio da Revolução Francesa.

 

Friedrich Heer sustenta que existe um movimento de juventude, quando jovens de um grupo social identificável se sentiram em algum momento definido da história em oposição, em conjunto, com uma geração mais velha e foram reconhecidos por essa geração mais velha como uma contraforça, a denunciar como despeitosa, rebelde e revolucionária.

 

No período posterior à guerra de 1939-45, a elevação do nível de vida, o aumento correlativo do poder de compra das camadas mais novas e o desejo de marcar distâncias em relação às gerações mais convencionais, fez surgir o vestuário típico dos jovens. Desencadeou a era teddy boy, caracterizada pelo blusão de couro, real ou imitado. Aparecimento do uniforme dos jovens.

 

A modo do vestuário chamou a atenção para o potencial do mercado juvenil, cujo interesse levou naturalmente uma importante parte da indústria e do comércio a concentrar-se nessa clientela com significativo poder de compra. No mesmo sentido, jogou o enorme êxito comercial dos pop singers. Tudo isto leva a uma consciência de classe.

 

Toda esta tomada de consciência foi passando por sucessivas transformações, tanto no plano ideológico, como do vestuário.

Fins da década de 50, onda beatnik: Para os beat a vida deve ser vivida por cada um à sua própria maneira, em alegria, amor e liberdade. Desencadeou um movimento em direcção à Califórnia. A Califórnia está voltada para Oriente, associando-se assim o entusiasmo pela filosofia e pela mística orientais.

 

Década de 60 em N.Y. e S. Francisco, hippies: No chamado verão do amor de 1967, os hippies espalharam-se por todos os EU. Apresenta-se como um protesto contra a sociedade industrial, um repúdio da sociedade de consumo. Cultivam a pobreza, inspiram-se no vestuário índio e procuram a valorização da sensibilidade interior. Muitos preferem aceder à contemplação por meio de drogas.

No final da década de 60, desencadeou-se uma emigração hippie, a partir da América e da Europa, através da Turquia, Afeganistão, Paquistão, para a Índia, onde estão mais perto das fontes espirituais que professam, e onde a droga é mais fácil de obter.

Os hippies lançam grandes campanhas de acção propagandística, pregando o amor e o culto das flores. Época do slogan: ”Make love, not war” - usam como instrumento de revolução, como meio de resistência pacífica, o poder das flores.

 

Criaram uma série de contravalores, que iam contra o «bom cidadão»: índio contra branco, eu contra sociedade, prazer contra dor, comunitário contra individual, anarquia contra rotina.

 

Na década de 1960, assistiu-se a numerosos casos de conflitos generalizados, envolvendo milhares de jovens. Há certos condicionalismos comuns que desencadeiam a contestação. Assiste-se a uma massificação dos jovens, arregimentados em cada vez maior número, nas sociedades industriais e urbanas, em liceus e universidades, que não se mostram aptos a corresponder às suas aspirações profundas. A vida do nosso tempo ajudou a criar uma situação objectiva capaz de fazer emergir nos meios urbanos e industriais um fenómeno de classe de idade, impulsionando uma subcultura característica.

 

11.5. A classe dos velhos na sociedade industrial

 

A sociedade industrial está, por outro lado, a fazer convergir as pessoas acima da idade de aposentação para uma situação objectiva capaz de se tornar uma classe de idade.

 

Esta terceira idade é, sob numerosos aspectos, uma classe diminuída. Para alguns, a aposentação significa uma quebra de meios. A mediocridade dos meios materiais acentua-se ao mesmo tempo que crescem as despesas com cuidados médicos e outros tornados necessários pela crescente redução da autonomia física das pessoas acima dos 70 anos.

 

É a fase da vida menos prestigiosa. Nas sociedades industriais, a renovação constante do saber e dos métodos de trabalho desvaloriza a experiência dos velhos até à irrelevância. A forma como são olhados pelos mais novos, e a forma como aliás se vêem a si próprios, ressente-se profundamente deste facto, aviltando os últimos anos da vida de muitos.

 

É uma época de relativo isolamento. A aposentação significa um certo afastamento daqueles com quem habitualmente convive. A regra de residência neolocal dos filhos, a relativa distensão dos contactos familiares inerente ao estilo de vida de volumosas camadas de população acentuam ainda o processo.

 

A restruturação nas relações sociais afecta de forma diversa homens e mulheres:

 

Homens: para alguns, a reforma permite desenvolver actividades que as exigências da rotina diária antes punham em segundo plano. Ou permite uma actividade subsidiária, a ritmo mais reduzido. Porém, para a grande maioria a reforma é sobretudo desocupação, de difícil adaptação.

 

Mulheres: a transição é menos brusca, podem continuar a manter os seus cuidados com a casa. É mais corrente terem relações correntes com amigas e vizinhas. A aposentação do marido introduz, um problema novo: a presença acentuado do marido em casa que provoca desorganização da rotina doméstica e é fonte de tensões. Para a mulher o grande corte na sua vida, na velhice vem com a viuvez, que altera radicalmente o padrão de relações que está habituada.

 

O problema da terceira idade não é visto apenas como uma questão de garantias materiais, mas também como um problema de manter as pessoas inseridas na comunidade, e sentirem-se úteis na medida das sus forças e aptidões. Assim, criam-se esquemas de apoio, procura-se preparar as pessoas para os condicionalismos da reforma, estimulando a procura de interesses de compensação.

 

12. Ocupações, ofícios e profissões

 

12.1. A diferenciação das actividades

 

O tipo de ocupação, o ofício, ou a modalidade de trabalho são elementos básicos de diferenciação das pessoas, por afectarem de forma decisiva as atitudes, os comportamentos e os modos de vida:

 

·       Determina os esforços e os ritmos de vida;

·       Molda a personalidade;

·       Afecta o padrão das relações sociais;

·       Define a inserção das pessoas na colectividade;

·       Condiciona toda a visão do mundo, das coisas e das pessoas por que cada um se guia na sua acção;

·       As condições em que se exerce a actividade, o nível de rendimentos que por ela alcança, delimitam em larga medida a posição social dos activos e das suas famílias;

 

à   Grau de diferenciação:

 

Este grau anda profundamente ligado ao tipo de economia dominante.

 

Sociedades urbanas e industriais: A diferenciação dos ofícios e profissões é muito grande e continuamente a acentuar-se.

 

Nas sociedades em que dominam fórmulas tradicionais de produção a diferenciação é muito reduzida.

 

Nas sociedades primitivas, a regra é que poucas diferenciações de actividade haja, para além das que resultam da idade ou do sexo. Dentro de cada sexo, em cada idade, todos fazem o mesmo. Todas as mulheres praticam em regra as operações domésticas e as actividades de cultivo que o costume lhes reserva. Os homens são todos guerreiros ou caçadores, ou pastores, ou agricultores, ou pescadores, apenas com as diferenças que a idade impõe. Algumas diferenças de repartição de ocupações reflectem diferenças de posição social.

 

O aperfeiçoamento da técnica, que leva ao aumento de produção, conduz ao acréscimo da divisão de trabalho e à especialização profissional. Mas a verdade é que enquanto domina a economia de tipo agrícola ou pecuário, a diferenciação tende a ser reduzida.

 

Um estudo de N. Baudeau ordenava as classes trabalhadoras, dividindo-as em classe produtiva - proprietários, caça, pesca - e classe estéril - artífices, comerciantes, espectáculos, a que se deviam juntar eclesiásticos, militares, oficiais de justiça e os empregados de fisco.

 

Num recenseamento da população trabalhadora, em 1800, no EUA surgiam várias classes.

 

Nos começos do século XIX, quando se começava a estender a Revolução Industrial, uma larga maioria das pessoas que exerciam uma actividade ocupavam-se na agricultura e na pesca.

A mentalidade dominante na generalidade dos países era ainda rural, e o exercício de todas as actividades, mesmo as não agrícolas, estava, de facto, na maior parte dos casos, estreitamente ligado às necessidades da numerosa classe agrícola e da pequena classe piscatória. A revolução industrial e a urbanização acelerada modificaram rapidamente este estado de coisas no decurso do século XIX e do século XX. Por esta altura, há um grande êxodo para a cidade, a diferenciação expande-se.

 

A expansão dos mercados, a maior complexidade do comércio e da gestão das grandes unidades industriais, o desenvolvimento dos serviços de estado, a crescente procura de serviços diversos por uma população cujo nível de vida se elevava e cujo estilo de vida se modificava, fizeram, por seu lado, surgir e alargar-se continuamente toda uma massa de vendedores, empregados de escritório, funcionários, profissionais de diferentes tipos de serviço, que representam uma proporção crescente dos activos, e são já, nos países muito desenvolvidos, mais numerosos do que os trabalhadores da indústria.

 

Continuamente, aparecem novas actividades, com novos ofícios e profissões, outras extinguem-se algumas, antes praticamente desconhecidas, tornam-se importantes.

 

O número de ocupações profissionais é variável com o grau de desenvolvimento. Em Portugal, segundo um estudo de entre 1971 e 1974, indicam-se cerca de 4000 ocupações profissionais.

 

Genericamente, as actividades do sector primário, em que se inclui a agricultura, a exploração florestal, a pecuária, a caça e a pesca, têm continuamente perdido peso no conjunto da população activa desde começos da revolução industrial.

 

Os sectores secundário e terciário repartem entre si o restante. Ao lado dos blue collars surgem os white collars. O incremento destes sectores explica-se devido às transformações técnicas (revolução agrícola e industrial) e à evolução da procura (aumento dos mercados a nível nacional; procura de produtos industriais, em parte decido aos aumentos salariais; expansão de fábricas; crescente aglomeração de mão de obra nas zonas industriais).

Surge a necessidade de classes de vendedores, empregados de escritório, etc. O reconhecimento da responsabilidade governamental em domínios cada vez mais numerosos da vida colectiva dilatou o funcionalismo público. Começa também a haver uma preocupação com a educação e a assistência médica.

 

A procura de produtos industriais foi servida, basicamente por duas vias: maior número de trabalhadores e crescente rendimento do trabalho por intermédio de novas invenções. O aumento dos salários estimulou a introdução de técnicas concebidas para reduzir o emprego de mão-de-obra. A indústria tornou-se capaz de produzir cada vez mais sem incorporações proporcionais de trabalho.

 

No sector dos serviços, a melhoria da técnica não permitiu, substituir a mão de obra, por máquinas a ritmo comparável, pelo que a procura tem-se traduzido num aumento do número de pessoas.

 

A diferenciação é um espelho do grau de desenvolvimento económico do país. No entanto, convém notar que, embora um secundário importante seja quase sempre sinal de nível relevante de desenvolvimento económico, um terciário volumoso pode coincidir com uma economia pouco modernizada. Isto é comum nas sociedades tradicionais.

 

12.2. Lavradores e camponeses

 

A) Tipos agrícolas

 

              Existem dois tipos de mentalidade dominante:

1.    Predomina a preocupação de produzir para consumo próprio.

2.    Domina a preocupação de produzir excedentes para colocação exterior. 

 

              Os vários sistemas de organização da economia agrícola diferenciam-se pela forma particular como neles de combinam estas duas preocupações.

 

              Henrique de Barros individualiza sete modalidades fundamentais de organização económica da agricultura. As quatro primeiras são formas de agricultura tradicional. As duas últimas representam formas de agricultura, visando em regra a contínua melhoria técnica, embora com resultados práticos de desigual interesse.

 

à   Agricultura de Subsistência:

·       encontra-se na generalidade das populações primitivas;

·       representa o regime de produção mais precário;

·       as regras de cultivo são comparativamente simples;

·       produz-se o suficiente para comer, e um pouco mais para servir de semente para o ano seguinte;

·       o eventual excedente é utilizado para troca de outros bens;

 

à   Agricultura de tráfico:

·       forma-se em zonas de economia de subsistência, onde surge um comerciante que compra os excedentes;

 

 

à   Agricultura de dependência fundiária:

·       associada a uma técnica mais avançada;

·       terra pertencente a outrém (laços de subordinação pessoal);

·       obrigação de entregar um aparte substancial ao dono da terra;

·       visa uma produção superior ao necessário para a subsistência do agricultor e família;

·       serviços pessoais diversos ao proprietário;

·       dependência económica, social e política;

 

à   Agricultura camponesa:

·       produção de base familiar e de técnica tradicional;

·       na sua fórmula mais avançada, há uma forte motivação para a produção de excedentes par venda;

·       tendo em conta as necessidades do autoconsumo familiar, visa obter o maior benefício monetário possível da sua produção;

·       visa fazer o maior uso daquilo que pode obter no seio da sua própria unidade familiar e reduzir tanto quanto possível o peso do que tem de ser adquirido no exterior;

·       trabalho familiar;

·       aproveita o máximo a superfície arável disponível;

·       comprime tanto quanto pode o uso de fertilizantes químicos e de outros produtos que têm de adquirir a terceiros;

·       governação com enfoque nas preocupações de autonomia, segurança e prestígio no meio local;

 

à   Agricultura a tempo parcial:

·       é uma categoria homogénea que abrange fórmulas próprias de economia camponesa, fórmulas de transição entre a agricultura tradicional e a indústria, e ainda casos que são manifestações de um certo impulso de retorno à terra que se aviva nas situações industriais e urbanas;

·       a actividade agrícola representa a fonte de apenas parte dos rendimentos do agricultor;

·       ocupar utilmente os tempos livres;

·       forma de fugir ao congestionamento urbano e industrial;

 

à   Agricultura capitalista ou empresarial:

·       é a agricultura das grandes empresas que gerem as suas propriedades agrícolas como se fossem fábricas;

·       trata-se rentabilizar o investimento (plantações de café, de chá, de algodão, etc., geridas industrialmente, controladas minuciosamente, de forma a manter a alta qualidade dos produtos;

·       trabalho assalariado;

·       técnica mais moderna (Meios mecânicos);

·       mão-de-obra com relações de tipo contratual;

·       produzir o máximo de excedentes;

 

à   Agricultura Colectiva: é uma forma socialista de agricultura. Procura de racionalidade através de três fórmulas:

¨    Agricultura cooperativa livre: frequente em países de economia de mercado, em que os agricultores se associam em cooperativas diversas para reforçarem a sua capacidade de concorrência com as empresas capitalistas;

¨    Agricultura cooperativa imposta ou planeada: este tipo de cooperativismo foi, também, adoptado pelos países soviéticos que impuseram às pessoas a cooperatividade. Retiraram as propriedades às pessoas, que passaram a ser do estado;

¨    Agricultura estatal: o estado administra as terras;

 

A mentalidade camponesa está no centro das diversas modalidades de agricultura tradicional. O que caracteriza o camponês é, em larga medida, o sistema de ligações que estabelece com a terra que cultiva, o uso intensivo do trabalho familiar, a inserção em pequenas comunidades. A terra que explora é, na verdade, elemento central da ideia que o camponês faz de si próprio e da sua família, Representa a segurança, a posição social e a continuidade da família. Simboliza um valor perpétuo de que cada geração tem apenas o usufruto temporário.

 

A principal qualidade estimada pelo agricultor é a devoção ao trabalho: trabalho contínuo, sem horas definidas, subordinado à coacção da natureza.

O trabalho urbano é visto como algo de diferente: apenas para ganhar dinheiro, ocupa uma parte do dia, o tempo fora do trabalho é visto como principal da vida. A mentalidade camponesa sublinha a experiência e é adversa da inovação.

B) O fenómeno dos movimentos de camponeses

 

O individualismo e a auto-suficiência, à inserção em pequenas comunidades pouco abertas ao exterior, a reserva inicial perante as perspectivas de inovação, a vontade de igualização, tendem a tornar os camponeses numa camada social tradicionalista.

Os movimentos camponeses de reivindicação económica e social conduziram a profundas mudanças nas estruturas existentes. A agitação rural tem resultado muitas vezes de mudanças que ameaçam a estrutura a que o camponês está habituado:

 

1.   Aumento da comercialização de géneros agrícolas, conduzindo a um impulso para a agricultura racionalizada, que agrava a pressão dos grandes interesses sobre os grupos rurais mais modestos, afectando os direitos do camponês e a sua posição social, e suscitando reacções de protesto que se avolumam a pouco e pouco até à revolta aberta.

 

2.   Acréscimo da pressão das elites sobre os interesses da massa rural sem um correspondente alargamento das funções das elites em termos que o camponês veja como úteis para si, aos seus e à sua comunidade.

 

3.   Modificações relativas da posição da camada camponesa em comparação com outras categorias sociais e pode por isso surgir numa época de relativa melhoria económica.

 

 

Landsberger considera que devem individualizar-se três tipos de situações susceptíveis de estimular o descontentamento:

a)   Incoerência das posições sociais (status inconsistency);

b)   Deterioração relativamente a outro grupo comparável;

c) Deterioração relativamente à própria posição passada ou à posição esperada no presente, ou um sentimento de ameaça a respeito da posição própria no futuro;

 

O avanço de determinado sector pode acentuar a liderança. O retrocesso em relação ao que se tinha, o desajustamento da condição presente por comparação com o que se tem por razoável, a perspectiva de uma deterioração futura são causas muito actuantes de descontentamento.

Como tudo isto, se traduz basicamente numa reacção à mudança da condição a que se tinham habituado, tem-se podido escrever que os rurais se revoltam para se manterem iguais a si próprios.

 

Segundo Landsberger podem enunciar-se cinco tipos de reacções mais correntes:

 

1.   Acréscimo da pressão das elites sobre os interesses suscita de início sobretudo uma agitação no sentido de preservação ou restauração do estado de coisas existente.

2.   Deterioração relativamente a outros grupos comparáveis tende a desencadear também reivindicações no sentido de preservação do equilíbrio tradicional.

3.   A ruptura de uma ordem agrícola do tipo feudal no sentido da propriedade livre desencadeia uma agitação no sentido inovador tendente à generalização do novo regime de propriedade privada.

4.   Difusão de novas ideologias pode suscitar movimentos de acordo com a ideologias, que em regra surgem em épocas de tensão e mudança, e portanto em sentidos vários.

5.   Amplitude das reivindicações tende a ser tanto maior quanto mais os interesses que opõem às reivindicações rurais estão interligados com diversos planos da sociedade no seu conjunto - e é por aí que pode dar-se uma grande radicalização dos movimentos camponeses, que vêm a por em causa todas as instituições ligadas aos interesses que estão em conflito.

 

 

De início, as reivindicações espontâneas dos camponeses são moderadas, tanto quanto aos meios, como aos objectivos. É a prolongada falta de receptividade dos interesses estabelecidos que tende a radicalizar as reivindicações. No entanto, esta radicalização faz-se para a massa, mais ao nível dos meios que dos objectivos.

Uma minoria poderá no entanto ter desde logo a visão de uma sociedade nova, que a persistência das frustrações da massa ajudará a generalizar, desencadeando-se por aí transformações mais vastas.

 

 

12.3. Artífices e operários

 

A) Tipos de operários

 

O trabalho manual na indústria e nos serviços anda associado a condições de vida que tendem a suscitar um tipo de mentalidade bem diferenciada e até oposto ao da mentalidade camponesa.

O agricultor produz o principal do que come e decide com bastante autonomia do seu trabalho e da sua vida, vive da terra; o operário ganha o seu sustento em condições de dependência e, em regra de subordinação. Dependência do emprego por conta de outrém, e subordinação no ordenamento do seu trabalho.

 Assim como o camponês reflecte o essencial do modo de ser das pessoas que trabalham a terra, também o operário reflecte as características básicas dos que realizam trabalhos manuais do tipo industrial.

 

A grande massa da população operária pode de facto repartir-se por três grandes grupos, conforme observam Jean Marchal e Jacques Lecaillon, na sua análise da estrutura do salariado em vários países industriais:

 

à   Operários não qualificados ou serventes:

·       Sem quaisquer conhecimentos profissionais;

·       Trabalhos simples que requerem a mão humana;

·       Trabalhos de carga e descarga;

·       Transporte de materiais;

·       Ajudantes dos mais qualificados;

·       Facilmente substituíveis (a regra é que em caso de compressão de custos ou de redução do ritmo de actividade, sejam pesadamente afectados pelo desemprego);

 

à   Operários semi-qualificados ou especializados:

·       Constituem hoje nos países mais desenvolvidos a maioria dos operários;

·       Após uma aprendizagem de alguns dias, ou poucas semanas, estão aptos a realizar determinadas tarefas de certa complexidade;

·       Fazem coisas simples como, por exemplo, manejar uma máquina, trabalhar numa linha de montagem, aparafusar peças de automóveis, etc.;

 

à   Operários qualificados / artífices / profissionais:

·       Têm um grande saber profissional;

·       Passam, geralmente, 6 a 8 anos como aprendizes;

·       Porque são altamente especializados são raros;

·       Bem remunerados e gozam de estabilidade no emprego, só em caso de crise muito grave, correm risco de desemprego;

·       Hoje em dia são os chefes de secção, ou os operários de manutenção;

 

As diferentes indústrias têm proporções diversas de cada um destes três tipos de trabalhadores manuais, conforme mostram os autores acima citados, comparando estatísticas de diversos países desenvolvidos.

 

B) A evolução da condição operária

 

              Em si, isto reflecte um fenómeno que anda estritamente ligado ao processo de industrialização e que é o empobrecimento  do conteúdo profissional das funções do trabalho manual. A industrialização é, com efeito, em essência, a generalização de processos de produção de massa, que se substituem aos antigos métodos de produção artesanal.

 

Os operários são uma classe mais pronta a trabalhar por um salário mais baixo. A indústria criou a classe operária, que como categoria social maciça ganhou relevância basicamente no século XIX. Até fins, do século XVIII o trabalho de tipo industrial fez-se em regra em pequenas oficinas, mesmo na Inglaterra, na França e na Alemanha. Havia muito a figura do artesão-camponês.

 

As manufacturas centralizadas, onde se reuniam algumas dezenas ou centenas de oficiais e aprendizes trabalhando sob a direcção de mestres, eram pouco preferidas pelas condições comparativamente desfavoráveis que as caracterizavam. As manufacturas eram lugares mal-afamados, trabalhar aí era factor de marginalização social.

 

As primeiras grandes fábricas da nova era industrial, que apareceram na indústria têxtil algodoeira inglesa em finais do século XVIII coexistiram durante largo tempo com o sistema de fabrico caseiro, então já em regra na dependência de um contratador que fornecia a matéria-prima e adquiria o produto acabado a um preço estabelecido. De início, mesmo nas novas fábricas, a organização do trabalho traduzia basicamente uma adaptação dos métodos anteriores às novas condições.

 

Nem sempre a mecanização foi o elemento mais dinâmico da expansão de uma indústria, mas quase sempre esteve presente o processo de fabrico em tarefas simples a executar por forma repetitiva, que um operário, mesmo pouco experimentado pode aprender depressa e executar sempre do mesmo modo com um grau de perfeição suficiente.

 

O progresso técnico fez surgir a automação, que representa a terceira forma de realização do trabalho, em que o operário deixa de ser o executor directo para ser um vigilante e controlador dos instrumentos que realizam integralmente as operações de produção.

 

Alain Touraine salienta justamente a vantagem de individualizar 3 fases da ecolução profissional para o entendimento deste processo.

 

            Fase A: Execução de trabalho própria do artífice

É o tipo de trabalho não normalizado em que a habilidade manual é decisiva. O resultado do trabalho depende da forma de fazer, que é fruto da experiência e treino conjugados com o jeito do trabalhador. As máquinas e instrumentos que se usam universais, isto é, podem fazer diferentes tipos de operações consoante as necessidades do trabalho em curso.

 

Fase B: Trabalho fraccionado e normalizado

            Feito com máquinas especializadas. Pode implantar-se devido a :

·       Exigências técnicas: Decorrem de normas de rigorosa precisão na execução do trabalho, com tolerâncias muito limitadas, e que assim eliminam a variabilidade que sempre marca o trabalho artesanal.

·       Exigências económicas: que permitam prever um certo escalonamento das vendas a longo prazo, em função do qual se possa estabelecer um plano de produção.

              Na fase B, pode coexistir trabalhos de fase A. Ex.: Indústria automóvel. A fase B instala-se nos seus dois aspectos: o primeiro é mais visível nas oficinas de utensilagem e de manutenção, o segundo nas oficinas de fabrico, nas cadeias de acabamento e montagem.

              É a produção em série que surge quando há a necessidade de grandes quantidades de produtos.

 

            Fase C: Automação

Podem continuar a existir trabalhos da Fase A. Por exemplo, nas refinarias de petróleo no que respeita aos trabalhos de manutenção. A intervenção dos operários é muito reduzida.

 

              Para a definição do operário contribuiu também, a par das fórmulas técnicas, em larga medida o facto de o trabalho muito organizado das fábricas impor naturalmente uma disciplina rigorosa. É um dos aspectos a que mais reage o camponês convertido em operário industrial ou o artesão que troca a pequena oficina quase doméstica pela fábrica.

A preocupação constante da gestão das empresas com a economia da matéria-prima, da mão-de-obra e de tempo na execução das tarefas fez introduzir continuamente em muitas indústrias modificações que condicionaram cada vez mais apertadamente o trabalho dos operários. Ex.: o sistema de linha de montagem, inventado por Henry Ford.

 

A pressão de normas de produção cada vez mais exigentes tornou-se na verdade uma das mais constantes causas de descontentamento dos operários. Isso mesmo está documentado, em estudos das reacções dos operários das linhas de montagem, que revelam profundas atitudes negativas em relação ao trabalho, as quais se reflectem na acentuada mobilidade de mão-de-obra, que procura outros trabalhos logo que as condições do mercado permitem. O descontentamento com o trabalho em cadeia tem aliás inspirado vários estudos com vista a encontrar outras fórmulas capazes de manterem alta produtividade com maior satisfação dos operários.

 

Uma fórmula que foi recentemente experimentada é a de acentuar o espírito de equipa, permitindo aos trabalhadores organizarem com certa autonomia o seu próprio trabalho e percorrerem todos os postos de trabalho numa linha de montagem, o que lhes torna possível completar todas as operações de uma dada fase de produção. Houve resultados bastante positivos em termos de satisfação no trabalho sem redução de rendimento.

Estas novas fórmulas de organização de trabalho oferecem na verdade alternativas tanto contra a pressão dos ritmos intensos, despersonalizados, impostos pela regulação apertada nas linhas de montagem, como contra o fraccionamento excessivo das tarefas, que é outras das grandes causas da insatisfação dos operários. A simplificação aumenta o rendimento, mas igualiza os operários, e estreita as diferenças de salário que normalmente se espera que acompanhem as diferenças de idade e de experiência.

            Nas fábricas automatizadas as tarefas reagrupam-se e o operário actua sobretudo como controlador de todo um conjunto de operações. Por essa forma, o trabalho despersonalizado, alienado da fase B, pode ser substituído por um trabalho em que o operário recupera a posição que tinha na fase A.

 

Serge Mallet diz que existem dois tipos de trabalhadores nas fábricas automatizadas:

 

1.   Supervisores, operadores,… que são os correctores humano dos possíveis falhanços da máquina. Possuem um conhecimento muito complexo.

2.   Mecânicos, electricistas, relojoeiros, etc.. Com mais responsabilidade que os operadores, estão em ligação com todos os postos de produção, têm do conjunto do processo produtivo uma visão global.

 

Pelos postos que criou, a automação - se elimina totalmente a relação do homem ao objecto - destrói os fraccionamentos do trabalho e reconstitui, ao nível da equipa e mesmo ao nível do conjunto do trabalho colectivo, a visão sintética do trabalho polivalente.

As unidades de produção diminuem de volume e as relações humanas entre os grupos de operários são mais frequentes, menos anónimas que as que se observam na fábrica taylorizada. Os operários aproximam-se das várias camadas de trabalhadores da fábrica e as hierarquias redefinem-se com separações menos marcadas entre o operário, o técnico e o quadro. Assim surge, como sustenta Serge Mallet, uma nova classe operária.

 

A acção colectiva que caracteriza o operariado tem variado substancialmente consoante a evolução das suas características.

De início, as associações operárias traduziam basicamente os pontos de vista dos artífices, dos operários qualificados. Foi entre eles que se começaram a afirmar as associações de recreio e interajuda, que depois começaram a assumir cada vez mais características sindicais, como meio de protecção contra os mestres em face de um estado de coisas que tornava cada vez mais difícil aos oficiais o acesso à mestrança. O movimento sindicalista espalhou-se pela França (ex:CGT-1895), Inglaterra (1888/1889) EUA (Order of Knights-1881, ex.).

 

A tendência para a crescente importância dos sindicatos reflecte basicamente a mudança na composição da massa operária verificada a partir do último quartel do século XIX. Na primeira fase da Revolução Industrial, com predomínio da Fase A, o elemento central do operariado era o artífice, em torno do qual se juntavam os muitos operários. Para o artífice, detentor de uma especialização profissional que pode ser exercida em qualquer lugar, o importante é a defesa do ofício.

 

A invasão do trabalho da fase B transforma fundamentalmente o equilíbrio de interesses dentro da massa operária. O núcleo central não é já o artífice, mas sim o operário semiqualificado:

 

·       Realiza tarefas de forma repetitiva e pode ser facilmente substituível por qualquer outro que leva pouco tempo a treinar;

·       Não dispõe de uma arte, mas apenas dos seus braços;

·       Grande dependência do patronato;

·       Insegurança;

 

Este processo conduz nos países mais industrializados da Europa e da América ao aparecimento de um sindicalismo de massas estruturado em torno de um funcionalismo sindical e de grandes partidos políticos voltados para os problema de condição operária.

O movimento sindical foi aliás, a pouco e pouco, conduzido à procura sistemática da negociação com o patronato, apoiando-se ao mesmo tempo na força dos partidos políticos. É o sistema chamado em França da participação conflitual, em que o movimento sindical aceita a situação existente como um dado objectivo, procurando tirar daí as maiores vantagens para os seus associados, mas recusa-se a assumir qualquer responsabilidade na gestão de empresas. (Os movimentos sindicais estão ligados aos partidos de esquerda.).

 

Parece a alguns que a organização do trabalho típico da Fase C permitirá modificar de novo estas tendências, criando condições que permitam ao operariado ter uma intervenção directa na gestão das unidades de produção. As condições modernas da produção oferecem hoje as possibilidades objectivas do desenvolvimento da autogestão generalizada da produção e da economia por aqueles que dela suportam o peso.

12.4. Vendedores, empregados de escritório, quadros, profissões liberais e científicas

 

A volumosa categoria dos trabalhadores caracteriza-se sobretudo pela heterogeneidade. É difícil de os identificar.

Umas das formas é o traje de trabalho - white collar. Esta categoria recobre condições de actividade muito diversas, que só têm em comum o não exigirem trabalho manual e que andam ligadas a níveis de rendimentos e condições de vida bastante diferenciados:

·         Empregados de comércio

·         Técnicos

·         Empregados e funcionários de secretaria

·         Professores

·         Eclesiásticos

·         Profissões liberais

·         Oficiais das FFAA e militarizadas

·         Profissões artísticas ou de entretenimento

·        

 

Umas representam actividades tradicionais anteriores à revolução industrial. Outras são basicamente fruto da expansão urbana e industrial e da mudança nas condições de vida. Todas têm sofrido transformações.

 

As muitas designações socio-económicas recobrem hoje realidades muito diversas. Ex.: os patrões do comércio e da indústria são, de facto, basicamente, os pequenos patrões, sujeitos à pressão da concorrência das grandes organizações e com um espaço de manobra cada vez mais restrito em muitos campos.

 

Os professores e os que exercem profissões literárias e científicas são em número crescente. É o fruto do aumento da procura de serviços educacionais de todos os níveis nas sociedades industriais. Há cada vez mais pessoas nesta área.

 

Estas funções, mesmo as menos remuneradas, andam em regra ligadas a um estatuto bastante diferente do das actividades manuais. O trabalho é mais leve, e em regra utilizado em escritórios ou em locais caracterizados por  maior limpeza e conforto do que o comum das oficinas. Tem um fácil acesso às pessoas de níveis mais elevados. A sua forma de vestir é aliás pouco diferente da das pessoas com rendimentos mais altos.

 

Este tipo de trabalho requer instrução adequada nas Universidades.

 

A estabilidade do emprego é em regra maior do que a dos trabalhadores manuais; têm uma remuneração mais elevada; existe o estatuto de carreira.

A remuneração, baixa de início aumenta com a idade. Os anos mais avançados da vida activa, que para o operário são anos de declínio de forças e muitas das vezes de redução de rendimentos, são para o terciário anos de maior remuneração e prestígio.

 

Valoriza em regra a instrução, bastante mais que os operários e os camponeses. As suas preferências quanto à educação dos filhos vão significativamente para os estudos secundários do tipo literário, enquanto os filhos camponeses e operários seguem em larga proporção o ensino técnico. O acesso aos trabalhos de tipo não manual é visto como sinal de promoção social.

Isto traduz realmente uma evolução das ideias das pessoas sobre aquilo em que pode assentar a sua segurança no futuro, que resulta ela própria das transformações nas condições de vida. Para a nova classe média, a educação substituiu a propriedade como garante da promoção social.

 

Ora a verdade é que o próprio aumento do número destes trabalhadores suscita uma desvalorização que é agudamente sentida. O prestígio do seu tipo de funções  dilui-se por efeito da generalização, da instrução e da convergência dos modelos de vestuário e estilos de vida nas zonas urbanas das sociedades industriais.

A desvalorização é sentida por comparação com o estatuto passado das mesmas ocupações que é o estatuto de uma época em que o técnico e o trabalhador não manual constituíam uma pequena elite. E é sentida por efeito da homogeneização actual das condições de vida, que leva os níveis de remuneração das camadas superiores do operariado, a ultrapassar os das camadas mais baixas dos empregados de escritório e funcionários de secretaria e dos empregados de comércio.

É este fenómeno que tem suscitado o aparecimento de acção colectiva entre pessoas cuja atitude as inclina, na verdade, sobretudo à acção individual para a defesa dos seus interesses.

 

Os vários sindicatos - bancários, guarda-livros, empregados de seguros, etc. - sucederam-se. O fenómeno associativo entre os funcionários de categoria mais elevada é quase todo ele posterior à IIª GM.

 

Em muitos países a sindicalização dos funcionários tem enfrentado reservas e restrições por parte dos poderes públicos.

 

12.5. A escala de prestígio das ocupações

 

            O exercício de uma determinada profissão tende a colocar a pessoa numa posição social específica, por comparação com as que exercem outras profissões.

            Forma realizados vários inquéritos por forma a saber quais as razões para tais diferenciações de posição social.

            Um dos mais importantes inquéritos foi realizado em 1947 por Paul K. Hatt e Cecil North, com o apoio do “National Opinion Research Center” da Universidade de Chicago. Foi pedido às pessoas que dessem a sua opinião pessoal sobre o nível que as pessoas atribuiriam a cada uma das profissões referidas no inquérito. As respostas possíveis eram seis:

·       Nível Excelente;

·       Bom Nível;

·       Nível Médio;

·       Um pouco abaixo da média;

·       Nível modesto;

·       Não sei;

 

            A cotação obtida por cada profissão definia o seu prestígio. A posição a que se reconheceu mais prestígio foi a de juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, com 96 pontos (máximo era 100). Logo a seguir encontra-se a profissão de médico, depois a de governador de um estado, etc..

            Ainda neste inquérito, era perguntado às pessoas qual era a razão pela qual atribuíam o nível excelente a uma determinada profissão. As respostas foram variadas, mas a razão invocada com mais frequência foi o nível de remuneração. 

 

13. Estratificação e Hierarquização

 

13.1. Classes e Status

 

            Em todas as sociedades existem diferenças sociais, que se traduzem no nível de rendimento, no tipo de profissão, na religião praticada, na origem familiar, entre outros. Estes factores de diferenciação determinam a formação de grupos muito actuantes dentro da sociedade.

            Assim, o status social de cada indivíduo é definido pela combinação dos factores supracitados, quer isto dizer que essa combinação é determinante na posição das pessoas e da família na hierarquia social.

            Contudo, a semelhança de interesses económicos pode, por si só, suscitar a formação de classes que entram em competição com outras classes com interesses opostos.

 

            Max Weber faz a distinção entre ordem económica e ordem social, demarcando-as da ordem legal. Todas estas ordens integram a estrutura do Poder em cada sociedade, e, embora se relacionem entre si, têm o seu conteúdo próprio. Assim:

·       as diferenciações na ordem económica exprimem-se em classes;

·       as diferenciações na ordem social traduzem-se em grupos de status;

·       as diferenciações na ordem da luta pelo Poder exprimem-se através de partidos;

 

Þ   Classes:

            O primeiro tipo de classes é definido em termos de interesses económicos. Weber considerava que era preciso definir-se classe segundo três critérios:

 

1.    existe uma classe quando um conjunto de pessoas têm em comum um componente causal das suas oportunidades de vida;

2.    quando esse componente é representado por interesses económicos na posse de bens e oportunidades de ganho;

3.    e quando é representado em condições de mercado de bens ou de trabalho;

 

            Weber afirma, ainda, que a detenção ou a não detenção de propriedade é um factor fundamental na definição das situações de classe. Sustenta que dentro da categoria dos que dispõem de propriedade há que distinguir o tipo de bens de que se trata (dinheiro, gado, capital financeiro, etc.), e dentro da categoria dos que não dispõem de propriedades há que distinguir consoante o tipo de serviços que podem oferecer e consoante a forma como prestam tais serviços.

 

            É importante reconhecer que os indivíduos são condicionados pela sua situação de classe, pois é devido a esta condicionante que se torna possível “sentir” o contraste das oportunidades de vida como resultado de uma dada distribuição da propriedade, e da estrutura da ordem económica concreta.

 

Þ   Status:

            Segundo Weber, este grupo é definido em termos de prestígio, isto é, a situação de status de um indivíduo deriva da estimação social específica da honra, que pode ser positiva ou negativa. Os factores que caracterizam o status são:

·       um estilo de vida específico;

·       tendência para restringir as relações de casamento e de convívio social às pessoas com o mesmo estilo de vida;

·       tendência para a estratificação dos vários grupos de status segundo a ordem de honra e prestígio aceite pela comunidade ou pela sociedade no seu conjunto;

 

            Note-se que os indivíduos de um status mais elevado não têm, necessariamente, de pertencer à classe alta, e vice-versa. Uma família pode manter o seu status, a sua honra social, ao longo de gerações mas pode não manter uma situação económica vantajosa, muito pelo contrário. Assim como uma família sem prestigio social reconhecido pode dispor de condições económicas vantajosas, mantendo um nível de vida superior ao de muitas famílias de status elevados.

            A situação de classe relaciona-se com a forma de produzir ou de adquirir bens. A situação de status liga-se com a forma como os bens são consumidos, em obediência a certos estilos de vida.

 

            A evolução das relações de forças na sociedade podem por em causa as situações de classe, uma vez que estas se definem por interesses em competição num mercado.

            As situações de status, mais enraizadas na cultura, caracterizam-se por certa flexibilidade. Pois, um indivíduo, quando nasce, adopta imediatamente o status da família, contudo, ao longo da sua vida, o indivíduo pode subir ou descer na escala social: sobe por meio de aquisição dos atributos de um status mais elevado; desce quando perde os atributos do status superior em que nasceu ou que se alcançou no decurso da vida. Note-se que a este tipo de grupos de status, a literatura sociológica actual designa por classes sociais.

            Por outro lado, esta flexibilidade de movimentação dentro dos status pode ser dificultada ou mesmo impossibilitada, como se verifica, por exemplo, no sistema das castas.

 

13.2. As Classes Sociais

 

Þ   Classes de interesses:

            Partindo das capacidades de mercado que caracterizam os vários grupos em cada caso concreto, Anthony Giddens distingue três tipos de factores de estruturação de classes:

 

à   Factor Mediate: o principal factor mediato de estruturação das relações de classe é o grau de mobilidade social, pois as pessoas sobem e descem de nível de vida. Segundo Giddens, são três os factores básicos de mobilidade, os quais se ligam a três grandes tipos de capacidades de mercado:

·       a propriedade dos meios de produção;

·       a posse de habilitações educacionais ou técnicas;

·       a posse de força de trabalho manual;

 

à   Factor Proximate: Giddens distingue, também, três factores próximos da estruturação das relações de classe, a saber:

·       a divisão do trabalho dentro da empresa: as categorias de trabalhadores definem-se pela diferenciação de funções e de condições de trabalho; um dos casos mais marcados é a distinção entre trabalho manual e não manual;

·       as relações de autoridade dentro da empresa: a diferenciação das pessoas deve-se, ainda, à hierarquia de autoridade; são os proprietários e os seus representantes que exercem a autoridade, contudo, há trabalhadores que também exercem autoridade, pelos cargos de chefia que ocupam, pelo que se aproximam da classe proprietária e se separam da classe trabalhadora;

·       distributive groupings: resultam dos modelos de consumo e tendem a aproximar pessoas com níveis de rendimentos semelhantes, embora não conduzam necessariamente à consciência de uma semelhança de status. Giddens explica a tendência para a formação de bairros residenciais de classe operária ou de classe média, que tendem a tornar-se comunidades de família com modo de vida semelhante, como resultado dos níveis de rendimento.

 

à   Factor Ultimate: este é um factor decisivo, relacionado com a articulação das relações de poder em cada sociedade. Define os termos em que a acção do Estado delimita o jogo dos factores de estruturação das relações de classe.

 

            As classes tornam-se realidades actuantes apenas na medida em que as pessoas se apercebem da sua existência. Assim, Giddens faz a distinção entre:

·       class awareness (percepção da classe): a percepção da classe é a forma mais delicada de tomar conhecimento do fenómeno classe, que pode até traduzir-se na negação prévia de que tal exista na realidade;

·       class consciousness (consciência da classe): a consciência da classe traduz-se na percepção imediata que um indivíduo tem de pertencer a uma determinada classe e da distância desta em relação a outras classes; a consciência de classe, segundo Giddens, pode ter três níveis básicos de intensidade:

·       num primeiro nível traduz a simples apreensão da própria situação de classe e da diferença em relação a outras classes;

·       num segundo nível existe já, junto com a percepção da própria situação de classe, o sentimento da oposição de interesses a outra ou outras classes;

·       num terceiro nível está a «consciência de classe revolucionária» que, como explica Giddens, «envolve o reconhecimento da possibilidade de uma reorganização global da mediação institucional do Poder, e a crença de que tal reorganização pode alcançar-se através da acção de classe»;

 

            O próprio decurso das relações sociais em situações de classe pode ajudar a desenvolver a consciência de classe.

 

            Para Marx cada classe define-se basicamente pela sua posição em relação aos meios de produção. Sustenta, em O Capital, que as três principais classes sociais são os assalariados (proprietários da força de trabalho), os capitalistas (proprietários de capital) e os agrários (proprietários de terras). Já na Ideologia Alemã, evidencia que a formação da classe dá-se a partir de uma comunidade de interesses face a outras classes, e, uma vez constituída, a classe prevalece sobre os indivíduos que a compõem, uma vez que esse têm as suas acções limitadas pela classe a que pertencem.

 

Þ   Grupos de status:

            No seio da sociologia americana desenvolveu-se toda uma importante corrente de análise das classes sociais entendidas como grupos de status, que não estão, necessariamente, em conflito uns com os outros. Vários foram os autores que colaboraram no desenvolvimento desta corrente de análise, entre eles: Lloyd Warner, John Dollard, Allison Davis, Burleigh B. Gardner e Mary R. Gardner. 

 

            Warner e os seus colaboradores assentam a sua análise em dois métodos, a saber:

à   Participação avaliada: consiste na apuração dos níveis de status existentes em cada comunidade, sobretudo a partir da avaliação de si próprios e dos outros que fazem os interessados;

à   Índice das características de status: este índice é calculado a partir da ponderação de quatro atributos básicos que se consideram elementos importantes do status de cada pessoa;

 

            A avaliação da participação realiza-se por meio de seis técnicas:

 

1. classificação por comparação e acordo dos níveis atribuídos aos vários indivíduos por diferentes informadores;

 

2. classificação por atribuição simbólica, em que o indivíduo é classificado pelo investigador a partir do facto de ele aparecer aos olhos dos informadores como revestido de certos símbolos de status elevado ou baixo;

 

3. classificação pela reputação, em que o indivíduo é classificado pelo investigador com base na reputação de status que lhe é atribuída pelos informadores;

 

4. classificação por comparação, feita pelo próprio investigador, a partir de testemunhos de que a pessoa em causa está acima, a par ou abaixo de outras cujo nível de status foi previamente determinado;

 

5. classificação por simples atribuição de um dado nível a certos indivíduos por diversos informadores qualificados;

 

6. classificação com base na filiação institucional (institutional membership);

 

            No índice das características de status consideram-se os seguintes factores, com as respectivas ponderações:

 

1. ocupação, 4;

2. fonte de rendimentos, 3;

3. tipo de habitação, 3;

4. área de residência, 2;

 

            Para cada um dos factores foi elaborada uma escala com sete graus, sendo atribuído a cada indivíduo, para cada factor, um valor que é o resultado da multiplicação do grau da respectiva escala em que o indivíduo se situa pela ponderação do factor.

            A soma dos valores assim atribuídos para os quatro factores dá o número de ponderação do índice que delimita o nível de status do indivíduo na comunidade em que vive.

 

            A escala das ocupações foi elaborada de acordo com o nível de prestígio das diversas ocupações, tendo em conta o grau de instrução que requerem, o nível de rendimentos que proporcionam, as condições em que se exercem, e assim por diante.

 

            Na escala das fontes de rendimento distinguem-se os seguintes casos:

1.   Riqueza herdada;

2.   Riqueza ganha;

3.   Lucros e consultas;

4.   Ordenado;

5.   Salário;

6.   Beneficência privada;

7.   Assistência pública e rendimento não respeitável;

 

            Na escala do tipo de habitação observa-se desde as casas excelentes às casas muito medíocres.

 

            Quanto às áreas residenciais distinguem-se os seguintes níveis:

1.   Muito alto: zonas muito reputadas;

2.   Alto: os melhores subúrbios e áreas de prédios de apartamentos, casas com pátios espaçosos, etc.;

3.   Acima da média: áreas inteiramente residenciais, espaços em torno das casas maiores do que a média, áreas de apartamentos em boas condições, etc.;

4.   Médias: vizinhanças residenciais, sem zonas deterioradas;

5.   Abaixo da média: área que não se está a preservar, começo de deterioração, entrada de indústrias, etc.;

6.   Baixa: bastante deteriorada, gasta, meio slum;

7.   Muito baixa: bairro em derrocada, slum;

 

            Estes critérios significam que, nesta orientação, a classe social se define pelos seguintes elementos:

·       nível de rendimentos;

·       ocupação;

·       nível de educação;

·       área de residência;

·       prestígio no meio em que se vive;

·       origem familiar;

·       estilo de vida;

·       nível de vida;

·       organizações em que se participa;

·       modo de uso dos tempos livres;

 

            A análise de comunidades de diferentes zonas dos Estados Unidos por métodos deste tipo permitiu delinear os grandes traços da hierarquia de status existente, em que se distinguem os seguintes estratos:

 

à   Alta classe alta: constituída por famílias muito abastadas, cuja riqueza tem já várias gerações. São famílias que vivem em zonas mais reputadas da cidade, têm uma educação elevada e cultivam um estilo de intervenção social muito activa. Os homens destas famílias, normalmente, exercem profissões liberais. No plano de convívio social, esta é uma classe muito organizada em clubes e círculos de relações, inteiramente fechados a pessoas de nível social diferente.

 

à   Baixa classe alta: constituída por famílias muito ricas, cujo dinheiro é mais recente, pelo que ainda não consolidaram o seu prestígio na comunidade. O seu modo de vida é muito próximo do da alta classe alta, mas só ao fim de algumas gerações é que se dá uma completa aceitação pela classe superior alta em plano de igualdade. São famílias que têm uma grande influência social, embora representem uma pequena minoria.

 

à   Alta classe média: composta por cidadãos com uma considerável abundância de bens, embora não com fortunas de dimensão comparável às dos do nível da baixa classe alta. Os membros desta classe têm uma boa instrução, vivem em boas áreas residenciais, ocupam posições de relevo na comunidade, e são, normalmente, donas de comércios importantes, proprietários substanciais ou que praticam com certo sucesso profissões liberais.

 

à   Classe média baixa: constituída por empregados de escritório, pequenos comerciantes e parte dos operários qualificados ou profissionais. Em regra, são pessoas que têm educação de nível secundário, empregos estáveis, e um certo conforto material. Apesar de não disporem de muitas propriedades, dispõem de certa segurança e são muitas vezes donos da casa em que vivem.

 

à   Alta classe baixa: correntemente designada por classe operária, é constituída por trabalhadores de «colarinho azul» qualificados dos escalões mais baixos, semi especializados e não qualificados. Têm rendimentos limitados mas, com emprego regular, procuram manter-se dentro dos padrões de comportamento da classe média. São pessoas, como elas próprias se descrevem, «pobres mas honestas».

 

à   Baixa classe baixa: é a classe pobre, constituída por pessoas que vivem em condições marginais. São, muitas vezes, desempregadas, pelo que recorrem frequentemente à caridade ou à assistência pública. Vivem nas zonas residenciais mais desfavoráveis. Aos olhos das pessoas do nível mais elevado são vistos como preguiçosos, imprevidentes, imorais e instáveis.

 

            A melhoria das condições de vida tende a aproximar muitos elementos materiais da vida dos diversos níveis sociais. Muitos aspectos básicos do consumo de bens de uso corrente tornam-se cada vez menos diferentes. A imposição de períodos cada vez mais prolongados de escolaridade obrigatória diminui a distância entre os níveis de instrução das várias classes. Assim, nos países industrializados, verifica-se um grande aumento da classe média.

 

Þ    A mobilidade vertical:

 

            Muitas pessoas mantêm-se no nível em que nascem, mas muitas sobem no conceito da sociedade em que vivem e aumentam de status, ou então descem no conceito geral, perdendo os atributos de status que antes tinham.

           

A mobilidade que mais frequente se verifica é apenas a subida ou descida de um nível imediatamente acima ou abaixo, mas, por vezes, acontece um indivíduo subir de uma origem modesta até um nível social muito elevado, ou vice-versa.

            Todo este processo denomina-se por mobilidade vertical, que umas vezes envolve apenas um indivíduo e os seus parentes mais próximos, outras vezes estende-se a toda uma categoria social.

 

            Entre os tipos de mobilidade mais correntes contam-se a mudança de profissão e o acréscimo de rendimentos (ex.: passagem de uma profissão manual para uma não manual, o que acarreta um aumento de status).

            Também o casamento pode ser um factor de promoção social, quando uma pessoa casa com outra de status mais elevado.

            Note-se que estes factores de promoção social podem igualmente ser factores de perda de status, se o movimento se fizer noutro sentido.

 

            A mobilidade vertical pode fazer-se no decurso da vida do próprio interessado ou de uma geração para a outra.

            É um elemento central de qualquer sociedade em mudança e tende, por isso, a acentuar-se nas sociedades urbanas e industriais. Dada a mudança nas técnicas de produção e de gestão, criaram-se novas profissões de alto nível, que representam uma possível subida no nível social.

            É de notar que, hoje em dia, a transmissão de posições sociais por hereditariedade não assume tanta relevância como outrora.

 

13.3. As ordens e estados

 

            Uma ordem é um grupo bem delimitado a que correspondem estatutos próprios perante o poder político e estatutos sociais específicos, é um modelo semi-formalizado em que é difícil sair-se do status em que se nasceu na ordem, embora seja possível.

            O status é sempre atribuído por diploma legal, as ordens hierarquizam-se e segmentam-se em graus chamados estados - são graus no âmbito da hierarquia da ordem.

 

            Apesar dos sistemas semi-fechados, os reis tinham plenos poderes para tornar nobres indivíduos não nobres, oriundos da camada popular ou do clero. O título de nobre podia ser obtido por duas vias:

·       a concessão real;

·       o casamento;

 

            Exemplos em que o Rei tornou nobres indivíduos não nobres:

 

à   Na Inglaterra a coroa tornou nobre um famoso pirata, Francis Drake. Agraciou-o com o título de “sir”, tornando-o corsário ao lhe ser atribuída a carta de corso. Foi uma forma de legalizar a pirataria, pois os piratas passariam a roubar para o Rei.

à   Em França quer Luís XIII quer Luís XIV conotaram de títulos e honrarias membros do clero que seriam os seus braços direitos: Cardeais Manuarim e RiecheKaux.

à   Em Portugal, o Rei D. João I (Mestre de Avis) atribuiu um título nobiliárquico a Nuno Álvares Pereira que passou a possuir o título de “Dom”. Nuno Álvares Pereira era oriundo de uma camada social que ajudou o Mestre de Avis a vencer na Revolução de 1833-35, ou seja, era oriundo da burguesia comercial marítima.

 

            Exemplos de sociedades que estiveram estruturadas em ordens:

 

à   Anterior ao nascimento de Cristo - Sociedade Romana: no século V e IV a.C., existiam duas ordens juridicamente hereditárias:

·       Patrícios;

·       Plebeus;

 

            Em 445 a.C. foi abolida uma lei na sociedade romana que proibia o casamento entre Patrícios e Plebeus. A partir de então, os membros das duas ordens começaram a casar.

            Em 336 a.C., já os Plebeus podiam concorrer para ocupar os dois cargos de cônsules. A pouco e pouco, as mulheres patrícias não asseguravam a renovação das gerações e, consequentemente, no século II a.C., já só existiam 24 família genuinamente patrícias.

            Estas duas ordens perderam importância e forma substituídas por outras duas juridicamente não hereditárias:

·       Senatorial ou Senado de Roma;

·       Ordem Equestre;

 

            Eram nomeados cavaleiros aqueles que possuíssem uma grande fortuna pessoal (fortuna igual ou superior a 400 000 sestérios). Na ordem senatorial a esmagadora maioria eram os Plebeus.

            Mas depois do império de Roma continuou a alargar-se extraordinariamente, e Roma achou por bem conceder um estatuto de privilégio aos seus filhos e nasceu a ordem dos cidadãos romanos: o total da população residente no império era de 55/60 milhões. Os cerca de 50 a 55 milhões que não tinham o estatuto de filhos de Roma eram os bárbaros ou estrangeiros.

 

à   Posterior ao nascimento de Cristo - Sociedade Francesa no século XVII

 

            O magistrado francês Charles Louseau, autor do livro Tratado das Ordens e das simples Dignidades, apontava as três grandes ordens da nação:

 

Þ   O Clero: eram os representantes de Deus na terra:

·       Cardeais;

·       Princepes;

·       Arcebispos;

·       Bispos;

·       Padres;

·       Diáconos;

·       Sub-diáconos;

·       ......

 

Þ   A nobreza: subdivide-se em:

 

à   Nobreza de Raça Antiga: parentes mais próximos dos monarcas:

·       Princepes: de sangue ou da coroa;

·       Princepes: filhos dos reis;

·       Alta nobreza dos Cavaleiros (altos cavaleiros - parentes mais afastados dos monarcas);

 

à   Nobreza da Dignidade:

·       Duques;

·       Marqueses;

·       Condes;

·       Viscondes;

·       Barões;

·       Castelões;

 

Þ   O Terceiro Estado: são as restantes pessoas:

·       Letrados;

·       Doutores;

·       Licenciados;

·       Bachareis;

·       Advogados;

·       Comerciantes;

·       Joalheiros;

·       Lavradores;

·       Camponeses;

·       Detentores de ofícios mecânicos;

·       Jornaleiros;

·       Moços de Fretes;

·       Vagabundos, mendigos, ladrões;

 

            O cientista social francês Rolan Mousnier, autor do livro As hierarquias sociais - de 1450 até aos nossos dias, promoveu uma análise classificatória das sociedades de ordens, apontando seis tipologias:

 

1.   Ordens assentes no primado conferido à nobreza militar. Ex.: a sociedade francesa e a portuguesa no século XVIII.

 

2.   Ordens militares ou ordens assentes no primado conferido à magistratura e às letras.

            Exemplo: a sociedade chinesa porque ao longo de muitos séculos, desde a dinastia dos Mao (221 a.C. - 220 d.C.), passando pela dinastia dos Ming (1368 - 1644), atingindo a dinastia dos Tsung (1644 - 1912), a sociedade chinesa encontrava-se estruturada e estratificada muito por influência da doutrina de Corfúcio?, ele considerava que a desigualdade social era uma lei de natureza, e por isso deveriam existir duas classes: os grandes detentores do poder intelectual (competia-lhes estudar, adquirir virtudes e governar); e os pequenos detentores de poder manual (existiam para promover a subsistência dos grandes); a estratificação social era:

            - Elite;

            - Vulgo;

            - Ignóbeis ou os vis;

 

            A elite eram os funcionários administrativos, burocratas (quando os portugueses chegaram à Índia verificaram que estes editavam leis, logo também lhes chamavam os mandarins.

 

            O vulgo era constituído pelos detentores de profissões respeitáveis: comerciantes, mercadores, operários, artesãos e os cultivadores de arroz.

 

            Finalmente, a última classe era constituída pelos marginais descendentes de povos que ainda não tinham sido assimilados pelo império da China.

 

            Esta estrutura situava-se à margem do imperador, da sua família e de uma nobreza de dignatários assalariados.

 

3. Ordens assentes na dedicação hereditária ao serviço do estado.

            Exemplo: a sociedade moscovita no século XVI com a chamada Rússia dos Czares: quando um Czar da Rússia pretendia recrutar alguém para um cargo político tendia a consultar o livro de registos onde eram anotados todos os serviços prestados pelas famílias nobres à causa monárquica, normalmente, a escolha incidia em membros da família mais antiga e do seu ramo mais antigo.

 

4. Ordens teocráticas: são ordens em que o primado é atribuído à ordem monástica, o princípio fundamental é o da união litúrgica.

            Exemplo: na Europa o estado do Vaticano; organização antiga do estado do Tibete - nesta sociedade o único superior é o homem contemplativo: o monge. O líder espiritual da sociedade tibetana é Dalai - a religião oficial do estado é o Baptismo, é dever das famílias leigas asseguraram as despesas do culto. Um monge do Tibete deve rapar o cabelo e enclausurar-se pelo menos uma vez na vida durante três anos e três meses, há monges que triplicam esse tempo.

 

5. Ordens filosóficas: são ordens assentes no primado conferido a uma determinada ideologia.

            Exemplos: Itália fascista tinha como valor supremo “Tudo pelo estado, nada contra o estado, nada fora do estado”; A Alemanha hitleriana tinha como valor supremo a comunidade de sangue germano; a Rússia como ditadura do proletariado.

 

6. Ordens Tecnocráticas: são ordens em que o primado é atribuído aos técnicos, é o que sucede nas sociedades mais industrializadas, onde se constata um governo estético controlado pelos políticos.

            Exemplo: Inglaterra onde surge como figura em cada mosteiro o subsecretário de estado permanente - é um alto funcionário de carreira do quadro ministerial, não ocupa um lugar de gabinete, compete-lhe preparar as soluções para a resolução dos problemas que afligem o ministério. A função do ministro é escolher, optar entre as soluções propostas aquela que julga ser a mais correcta.

 

13.4. O Sistema das Castas

 

            O sistema das castas da Índia é geralmente reconhecido como um exemplo extremo de diferenciação social.

 

            O sistema de casta separa as pessoas em grupos hereditários.

            As castas andam muitas vezes associadas a uma especialização profissional hereditária, manifestam-se por uma complexa hierarquia de prestígio, e caracterizam-se especialmente pela preocupação constante de salvaguardarem a sua especialidade de grupo em todos os domínios.

 

            Existem dois princípios fundamentais que permitem fazer a distinção entre as várias castas:

·       a especialização funcional;

·       a oposição puro/impuro de critério religioso;

 

Þ   Especialização funcional: reparte a população indiana segundo o critério das varnas.

 

            As varnas («cores») são quatro, e hierarquizam-se da seguinte maneira:

 

à   Brâmanes: são sacerdotes encarregues das funções rituais e representam o poder espiritual;

à   Kshatriyas: são guerreiros que representam o poder material, pertencem a famílias reinantes, a nobreza no sentido europeu, e todos os outros grupos de famílias em que hereditariamente se exercem funções militares;

à   Vaishyas: nos textos religiosos são descritos como criadores de gado (agricultores), mas hoje são basicamente comerciantes;

à   Sudras: nos textos religiosos são descritos como servidores não livres, e que incluem hoje as famílias em que se exercem ofícios manuais;

 

            Para além das quatro varnas pode ainda considerar-se uma quinta categoria: famílias em que se exercem ofícios considerados pela cultura indiana como particularmente ignóbeis e que por isso mesmo são mantidas à distância por todas as outras, pelo que são designadas por intocáveis.

 

            Para além disto há, ainda, que considerar o jati (casta, no sentido de nascimento): grupo hereditário fechado em que se concretiza a casta.

 

            Em cada varna há diversos jatis, diferenciados por:

- particularidades de ritual religioso;

- hábitos alimentares;

- certas características assumidas por um antepassado ou grupo de antepassados que por isso se separou de outros da mesma casta;

 

            Assim se diferenciam castas, subcastas e subsubcastas, e assim por diante, segundo o processo de segmentação que é inerente ao sistema.

 

Þ   A oposição puro/impuro de critério religioso: a minuciosa hierarquização dos jatis resulta da definição de numerosos critérios que giram em torno da oposição puro/impuro.

             

 

            Os costumes das camadas superiores de brâmanes fornecem o modelo de pureza de hábitos, pelo que o prestígio das outras castas é alcançado consoante o grau de proximidade ou afastamento dos seus costumes em relação aos costumes dos brâmanes.

 

Os costumes dos brâmanes são:

·       pratica-se a monogamia;

·       é interdito o casamento de viúvas;

·       é proibido o divórcio;

·       o casamento em idades jovens é favorecido, o que permite classificar as castas em mais elevadas e mais baixas;

·       adoptaram hábitos vegetarianos;

 

            Os hábitos alimentares constituem, assim, um factor de ordenação das diferentes castas:

·       o estatuto daqueles que seguem o regime vegetariano é superior ao daqueles que comem carne.

·       entre aqueles que comem carne faz-se, ainda, a graduação consoante o tipo de carne que se come. Assim, comer carne de caça ao invés de carne de porco doméstico é um sinal de menor impureza.

 

            Tudo o que se relaciona com a vaca é sagrado, pelo que todos aqueles que lidam com as carcaças dos bovinos são considerados impuros e, por conseguinte, intocáveis (ex.: Camar).

 

            O ordenamento também se faz consoante as condições em que se trabalha na profissão tradicional da casta. Os trabalhos mais sujos traduzem um estatuto mais baixo do que os trabalhos limpos.

 

            A aplicação dos diversos critérios de ordenamento faz-se tendo em conta o jati e a varna. Assim, os Kshatriyas, apesar de serem polígenos e de comerem carne, afastando-se muito dos Brâmanes, podem ocupar uma posição social de primeiro plano em virtude do seu papel funcional, da sua varna.

 

            Note-se que muitas vezes os próprios indianos confundem varna e jati.

 

            O que caracteriza a casta é basicamente o exclusivismo. A vida dos indivíduos e das famílias é governada pela preocupação de se manterem dentro da sua casta, e de evitarem contactos demasiados com indivíduos de castas consideradas inferiores à sua.

            A condição de casta, mesmo muito desfavorável, é sancionada religiosamente e considera-se fundamental seguir as tradições da sua casta. Quando tal não é possível, há sempre o cuidado em evitar práticas que possam acarretar perda de status.

 

            O casamento assume certa relevância na salvaguarda do status social:

·       Casar fora da casta significa a perda de status para os filhos;

·       Deve praticar-se a isogamia: as pessoas casam-se dentro da mesma casta, em famílias da vizinhança que se conhecem bem e por isso se tem a certeza que pertencem à mesma casta.

·       Contudo, é aceite o casamento de uma mulher com um homem de nível superior ao seu, e que se acompanha em regra de certos pagamentos por parte da família da mulher, sem que se verifique a perda de status por parte do marido. Mas a situação inversa, casamento de um homem com uma mulher de nível acima do seu, não é aceitável dentro das regras da casta e implica a perda de status.

 

            A salvaguarda do status exige, também, cuidados nos contactos com pessoas exteriores à família, e em particular com pessoas de outras castas.

            Assim, as condições em que as pessoas de cada casta entram em contacto com as de outra casta, os termos em que se faz a frequentação dos templos e de outros lugares públicos, obedecem a regras minuciosamente fixadas que têm de ser respeitadas com rigor.

 

            A separação social das castas é feita em todos os domínios, inclusive no da habitação.

 

            O nascimento define a posição no sistema das castas, o que dificulta substancialmente a mobilidade social, sobretudo a mobilidade ascendente.

            A pessoa pode ser expulsa da sua casta e perder status, e vir a ser agregada numa casta mais baixa ou posta ao nível dos intocáveis, se não cumprir com as regras costumeiras que lhe são próprias. Mas não pode passar de uma casta mais baixa para uma mais elevada, quaisquer que sejam os seus méritos pessoais, a sua capacidade de se distinguir, de acumular riqueza ou de reunir quaisquer outros atributos dos que noutras condições levariam ao seu reconhecimento por parte da sociedade.

 

            O facto mais observável e possível em termos de mobilidade ascendente é a promoção colectiva do grupo que, pela purificação dos seus costumes, por uma maior conformidade com os modelos de vida dos brâmanes, consegue elevar-se na hierarquia das castas, de uma geração para a outra.

 

            Para além disto, o sistema só parece penetrável a dois níveis:

·       pela conquista e exercício duradouro do Poder, que faz entrar os seus titulares na varna Kshatriya;

·       pela assimilação aos intocáveis;

 

13.5. Raças e Minorias

 

            As características rácicas constituem um importante factor de diferenciação social.

            É o que se verifica quando coexistem, no mesmo território, grupos étnicos diferentes. Estas diferenças tanto podem tratar-se de diferenças de tradição cultural como diferentes características físicas.

 

            Um especialista na abordagem desta temática foi Michael Banton que faz a distinção de diferentes ordens de relações raciais da seguinte forma:

 

à   Contacto Periférico: situações em que o contacto entre grupos é apenas ocasional e limitado, pelo que a influência recíproca de uns grupos sobre os outros é muito reduzida, não chegando a pôr-se propriamente um problema de convívio, salvo o da manutenção da paz.

 

à   Contacto Institucionalizado: situação que se desenvolve quando dois grupos, cujos territórios de habitat são distantes, entram em ligação permanente, ou pelo menos duradoura, por intermédio de uma delegação, feitoria ou «colónia» de membros de um grupo na área habitada pelo outro. São apenas alguns membros dos diferentes grupos que entram em contacto recíproco, continuando mesmo assim ligados aos costumes do seu próprio grupo.

 

à   Aculturação: situação resultante de um contacto prolongado entre indivíduos de grupos diferentes. Alargando-se a base de contacto, como muitas vezes se verifica, pela expansão da feitoria ou «colónia» inicial, e desenvolvendo-se paralelamente esforços para a difusão dos valores próprios do grupo de que esta provém, como acontece através da fundação de missões, igrejas e escolas e da acção do comércio de retalho, a influência recíproca alarga-se e consolida-se, alastrando um processo de interpenetração de cultura.

 

à   Domínio: situação que se desenvolve quando um grupo está subordinado a outro grupo. Pode, no entanto, acontecer que existam relações pessoais a para das relações de domínio, o que leva os indivíduos de um e de outro grupo a reconhecer-se e a respeitar-se nas suas qualidades humanas. Mas esta não é com certeza a situação dominante na sociedade.

 

à   Paternalismo: situação resultante do contacto que se realiza sob a supervisão directa dos governos europeus, em que as atitudes raciais têm menor papel e o princípio do respeito pelos direitos dos povos é elemento actuante, que podem vir a impor certas regras básicas nas relações entre as raças.

 

à   Integração: esta é a situação que se verifica quando a raça tem pouca relevância na definição da posição social das pessoas e no convívio social.

 

à   Pluralismo: a ordem pluralista, embora possa acompanhar-se de atitudes raciais ou étnicas bastante vivas, pode existir num contexto de igualdade cívica entre os membros dos diversos grupos. O pluralismo rácico pode acompanhar-se de pluralismo religioso, de pluralismo linguístico, etc..

 

13.6. Elites e não elites

 

            As elites apresentam-se com estratos sociais que apenas parcialmente recobrem as classes ou os grupos de status. Segundo Pareto, a elite é, em cada tipo de actividade humana, constituída pelas pessoas que pelas suas qualidades se distinguem muito do comum. Pois, há aqueles que, na sua profissão, são muito bons e há aqueles que são menos bons ou maus, pelo que Pareto considera que se deve formar uma classe daqueles que são muito bons, atribuindo-lhes o nome de elite.

            Contudo, Pareto sustenta, ainda que se deve individualizar dentro da elite uma primeira classe constituída por aqueles que participam no poder (políticos), e uma segunda classe constituída pelo resto da elite que não participa no poder (pessoas comuns).

            Assim Pareto faz a estratificação da população da seguinte maneira:

à   O estrato baixo, a classe que não é elite;

à   O estrato alto, a classe da elite, que se subdivide em:

·       a elite governante, política;

·       a elite não governante, não política;

 

            A elite política é constituída pelas pessoas que em cada época têm as aptidões adequadas para exercerem o Poder, para se sobreporem ao resto da elite e à massa da não elite. Visto que as aptidões acima da média são apenas parcialmente transmissíveis de pais para filhos, a elite está sujeita a um constante processo de renovação, ao qual Pareto chama circulação das elites.

 

            A circulação faz-se sob formas individuais e colectivas. Individualmente pelos que sobem ou descem graças às suas características pessoais. Colectivamente quando uma camada detentora do Poder deixa de corresponder às exigências do tempo e é, por isso, globalmente substituída por uma outra elite mais apta para o momento.

            Isto resulta, basicamente, de dois processos:

·       a elite governante está sujeita a um processo de desgaste que tende a enfraquecê-la, e que, caso não seja compensado, pode levar à sua queda.

·       as qualidades da elite não são sempre as mesmas. Numas épocas exige-se a capacidade de persuasão, a esperteza, noutras épocas exige-se a capacidade de se impor pela força.

 

            Como as elites se habituam a usar predominantemente um dos elementos do Poder, quando as circunstâncias mudam as elites deixam de corresponder à conjuntura e são substituídas por outras mais aptas. Há assim na história das elites governantes uma alternativa dos leões e das raposas.

 

Em termos políticos verifica-se uma alternância entre a Elite das Raposas e a Elite dos Leões. É a alternância dos que tendem a recorrer sobretudo à habilidade como meio de governo e a dos que estão dispostos a recorrer à força.

            A Elite das Raposas não usam a força para impor as ordens do governo, negoceiam. Esta elite acha a repressão um meio incorrecto de governar.

            A certa altura as pessoas cansam-se do diálogo e começam a considerar os governos da raposa um pouco caóticos. As pessoas sentem a necessidade de uma autoridade. A elite transforma-se, então, numa elite autoritária, a Elite dos Leões, que acha que devem ser suprimidas todas as formas de “distúrbio”. Esta situação dura até as pessoas sentirem novamente uma necessidade de diálogo, pelo que a Elite das Raposas sobe de novo ao poder, e assim sucessivamente.

            Para Pareto esta rotação das elites resulta da alteração dos resíduos da massa.

 

            Raymond Aron, na sua análise das estruturas de poder nas sociedades industriais, nota, por exemplo, que na elite dos países ocidentais se podem distinguir as seguintes categorias principais:

 

a)  as pessoas que exercem um poder espiritual e que são, por um lado, os dignatários religiosos e, por outro, os intelectuais laicos;

b)  os dirigentes políticos, os altos funcionários e os chefes das forças armadas e militarizadas;

c)   os gestores do trabalho comum, que podem ser os proprietários dos meios de produção, mas que são hoje mais correntemente nas grandes empresas gestores profissionais;

d)  os condutores de massas que, «por um lado, exprimem e orientam as reivindicações dos operários no interior da sociedade existente e por vezes, simultaneamente, são pretendentes ao poder político, e até espiritual».

 

            O conceito de elite recobre entidades heterogéneas e desigualmente poderosas, por isso, Anthony Giddens sustenta que há que distinguir diferentes tipos de elite groups. Distinção que tem em conta, por um lado, a forma de recrutamento e o grau de coesão das elites e, por outro lado, o grau de poder e a amplitude da influência de que a elite dispõe.

            Da conjugação destas quatro dimensões das características da elite, Giddens retira os seguintes tipos de elites:

1.   classe dirigente (ruling class): quando uma elite fechada, uniforme ou institucionalizada, tem um poder consolidado e exerce influência quer sobre domínios amplos (poder autocrático), quer restritos (poder oligárquico) da vida colectiva;

2.   classe governante (governing class): quando uma elite fechada, uniforme ou institucionalizada, se afirma num contexto de poder difuso, quer com uma influência social ampla (poder hegemónico) quer com uma influência social restrita a certos sectores (poder democrático);

3.   elite de poder: quando uma elite aberta, mas muito integrada, dispõe de um poder consolidado quer com uma influência social ampla (autocrática) quer restrita (oligárquica);

4.   grupos hegemónicos (leadership groups): quando uma elite aberta e pouco integrada num contexto de poder difuso exerce uma influência social ampla (hegemónica) ou restrita (democrática).

 

14. Teorias do Sistema Social

 

14.1. O Modelo de Talcott Parsons

 

Þ   A Teoria Geral da Acção

 

A multiplicidade de elementos que se interpenetram em várias situações sociais dá-nos a ideia de que a configuração daqueles em qualquer momento, mostra também os efeitos das suas determinantes específicas, os efeitos dos outros elementos e das reacções e interacções recíprocas entre cada um e os outros.

Há uma forte influência das interligações entre as várias facetas do social.

 

Esta teoria geral da acção de Talcott Parsons explica as diversas facetas do social, e iniciou-se a partir de uma revisão crítica de Max Weber, Pareto e Durkheim. A visão da teoria sociológica como teoria das acções sociais vem de Weber, enquanto que a ideia do sistema social vem de Pareto.

 

O objecto de estudo para Talcott Parsons é a acção de um agente ou de uma colectividade/grupo, em determinada situação, ou seja, considera que a acção do agente é orientada para uma certa situação, procurando explicar-se a maneira de orientação da acção.

 

A situação comporta objectos de dois tipos:

 

1. Objectos Sociais – Indivíduos e Grupos;

 

2. Objectos Não Sociais – Objectos Físicos, Recursos Culturais;

 

Em relação a cada tipo de objecto, os agentes orientam-se de diferentes formas.

As relações dos agentes estabelecidas com os diferentes objectos da situação em que se movem, são o sistema de orientações do agente ou da colectividade.

Esta situação dos agentes organiza-se em sistemas de dois níveis:

·       Sistemas de Acção: o individual e o colectivo. No primeiro nível, temos o próprio organismo e a personalidade do agente; no segundo nível, temos o sistema social.

·       Sistema da Cultura: por ter os seus próprios problemas de integração e as suas próprias formas, não se incluem em nenhum dos níveis acima referidos. A cultura não está em si própria organizada como um sistema de acção, e por isso está num nível diferente do das personalidades e dos sistemas sociais.

 

A estes quatro sistemas faz Talcott Parsons corresponder quatro funções básicas:

 

1. Manutenção dos modelos culturais : Sistema Cultural

2. Integração: Sistema Social

3. Realização dos fins colectivos: Sistema de Personalidade

4. Adaptação ao meio exterior: Organismo

 

Em todas as situações, os objectos influenciam a acção de acordo com as suas modalidades. Por modalidades, entende-se os atributos que tornam os objectos relevantes para o agente em determinada situação, isto é, é em função da modalidade que para o agente é mais importante naquela situação, que ele se vai orientar para o objecto.

 

As modalidades mais importantes são as que distinguem os objectos em sociais e não sociais. Os objectos sociais têm capacidade para intervir na interacção social, e podem ser quer sujeito quer objecto. Eles podem ter dois tipos de características: quanto ao seu significado para a acção, complexos de qualidades e complexos de realização; quanto à amplitude da sua significância, podem ter uma significação difusa ou uma significância específica.

No que diz respeito ao seu significado para a acção, o objecto é visto como complexo de qualidades quando ………. Interessa é o que ele é e não o que faz.; é visto como um complexo de realizações quando interessa o que ele faz, aquilo que produz.

No que concerne à amplitude da significância, um objecto tem significância difusa quando abrange tudo o que não é incompatível com outras relações (tem uma importância ampla); tem significância específica quando há determinados aspectos que são os mais importantes para o agente.

O agente tem de fazer várias escolhas que pressupõem expectativas em relação à evolução da situação. Assim, existem cinco escolhas dicotómicas (variáveis – padrão):

 

1. Afectividade / Neutralidade afectiva: escolha em relação à gratificação dos impulsos. A afectividade tende a dar prioridade à gratificação imediata dos impulsos. A neutralidade afectiva, pelo contrário, dá prioridade a avaliações que contenham os impulsos;

 

2. Orientação para si próprio / Orientação para a colectividade: escolha entre dar prioridade aos seus próprios interesses, ou dar prioridade  aos interesses colectivos;

 

3. Universalismo / Particularismo: escolha em tratar os objectos da mesma classe de maneira igual, ou dar atenção particular a cada um;

 

4. Atribuição / Realização: escolha em atender na sua acção aos complexos de qualidades ou aos complexos de realizações;

 

5. Especificidade / Difusidade: reporta-se à amplitude de significância dos objectos, e é a escolha do agente entre um conjunto de aspectos ou a aspectos específicos do objecto.

 

As três primeiras dicotomias definem prioridades na orientação da acção; as duas últimas são em relação às modalidades dos objectos que se devem ter em conta na acção.

 

Estas variáveis – padrão definem o quadro de acção em quatro níveis:

 

1. Nível Concreto: Escolhas que qualquer agente tem de fazer antes de actuar;

2. Nível da Personalidade: Hábitos de escolha resultantes do processo de socialização do agente;

3. Nível da Colectividade: Elementos que definem os direitos e deveres dos vários papéis sociais;

4. Nível da Cultura: Aspectos das normas de valor.

 

Os Sistemas Sociais

 

A base dos sistemas sociais é a orientação dos actores em relação uns aos outros em determinada situação e analisa-se em papéis sociais e conjuntos de papéis sociais. Os papéis de cada agente implicam expectativas dos outros a seu respeito de acordo com um esquema de complementaridade e reciprocidade acompanhado de sanções.

O sistema social é, segundo Parsons, um sistema de acções diferenciadas que se organiza num sistema de papéis diferenciados. Esta diferenciação pressupõe a integração.

Assim, um sistema social tem: Papéis, colectividades, normas e valores.

 

Um elemento essencial  do sistema é o processo de repartição  que controla a atribuição de tarefas, de facilidades e de recompensas.

A repartição de tarefas é a colocação respectiva das pessoas nos papéis sociais que desempenham para o sistema funcionar. Isto pressupõe a definição de critério de elegibilidade, sendo um deles a definição de qualificações que a pessoa deve ter.

A repartição de facilidades é a atribuição dos instrumentos que são precisos para o bom desempenho dos papéis sociais. É um elemento decisivo da repartição de poder dentro dos sistemas sociais.

A repartição de recompensas deriva da repartição de facilidades, pois estas podem ser recompensas pelas potencialidades que oferecem. As recompensas motivam os agentes, sendo por isso um elemento essencial ao funcionamento dos sistemas sociais.

 

Dentro de cada sistema social há uma interdependência entre estes três processos de repartição. O que distingue os sistemas sociais em relação a estes processos são os critérios de atribuição.

O processo de atribuição pode ser feito de três formas:

 

1.   Repartição por decisão selectiva de uma qualquer entidade, tendo em conta qualidades ou repartições;

2.   Repartição por regras já estabelecidas, de acordo com as qualidades;

3.   Repartição por competição entre os candidatos, tomando em conta as realizações;

 

Nos sistemas sociais intervêm diferentes regras de atribuição, não é obrigatório haver só uma.

 

O equilíbrio do sistema social requer a existência de papéis sociais com funções coordenadoras, ligados a responsabilidades.

Assim, a estabilidade do sistema está dependente da capacidade dos processos em manterem a coordenação e a integração dos vários componentes.

O equilíbrio é, então, resultado da combinação dos vários elementos que compõem o sistema social.

 

Estes elementos de diferenciação foram classificados:

 

à   Instituições Relacionais

 

1. Categoria das unidades: sectores como objectos de orientação

       a) actores individuais como objectos

       b) actores colectivos como objectos

 

2. Classificação dos tipos de orientação de papéis e sua distribuição dentro do sistema:

       a) papéis de actores individuais

       b) papéis de actores colectivos

 

Estes dois englobam aspectos essenciais da intervenção dos indivíduos e grupos nas situações: a sua presença como objectos para os outros e a sua acção como agentes orientados num sentido.

 

Quanto aos objectos de orientação, os indivíduos diferenciam-se pelas qualidades e pelas realizações. As qualidades dos indivíduos – objectos são relevantes pelas características classificatórias (sexo, idade, etc.). As qualidades dos actores – colectividades distinguem-se em características classificatórias (n.º de membros, características individuais dos membros), e relacionais (localização temporal, etc.).

 

As realizações dos indivíduos – objectos são apreciadas tendo em conta a prioridade instrumental (competência técnica) e a prioridade expressiva (capacidade de suscitar receptividade e correspondência). Os actores – colectividades também têm de ter em conta a prioridade instrumental (organização produtiva, por exemplo) e a prioridade expressiva (grupo teatral, por exemplo); e também a prioridade moral (exemplo: igrejas).

 

Quanto aos outros tipos de orientação dos papéis, tanto nos individuais como nos colectivos, distinguem-se orientações em função dos interesses particulares (orientação para si próprio), e em função dos interesses colectivos (para a colectividade). Nas duas orientações e nos dois tipos de papéis, diferenciam-se três aspectos de acordo com a orientação: Instrumental (predominam as facilidades), expressivo (recompensas) ou moral (valores morais, sentimentos de dever).

 

à   Instituições Regulativas

 

3. Classificação e distribuição de facilidades e organização do sistema de poder–orientação instrumental das relações.

4.  Classificação e distribuição das recompensas e organização do sistema de recompensa–orientação expressiva das relações.

 

Quanto ao primeiro, distinguem-se três tipos de complexos:

a) complexos ecológicos de divisão do trabalho sem organização em colectividades; toma como referência o ego;

       b) colectividades e subcolectividades;

       c) economia instrumental do sistema social como sistema diferenciado integrado;

 

Quanto aos aspectos expressivos, temos três situações:

       a) complexo ecológico de reciprocidades expressivas; também toma o ego com referência;

       b) subcolectividade expressivamente orientada;

       c) economia expressiva como sistema diferenciado e integrado;

 

à   Instituições Culturais

 

5. Sistema de orientação cultural: padronização das orientações culturais em relação à estrutura social. Aqui, distinguem-se os sistemas de crenças (ciências, ideologias, religiões), e de símbolos expressivos.

 

à   Instituições Relacionais e Regulativas

 

6. Estruturas integrativas; o próprio sistema como colectividade; papéis que institucionalizam responsabilidades especiais por interesses colectivos.

 

Dois aspectos:

a) Institucionalização de padrões regulativos que definem os limites da esfera privada de orientações;

b) Institucionalização de funções colectivas efectivas, instrumentais ou expressivas.

 

 

Requisitos estruturais das sociedades concretas

 

Na análise da estrutura concreta das sociedades, surgem quatro grandes combinações de elemento:

 

1.   agregado do parentesco, controle das relações sexuais e sociabilização: a importância do parentesco na geração e criação de pessoas, torna este agregado um elemento central da estrutura social.

2.   agregado da organização dos papéis instrumentais de realizações e da estratificação: a diferenciação de funções implica uma diferenciação na atribuição de facilidades. A valorização da eficiência instrumental leva a uma diferente atribuição de recompensas de acordo com a diferência de eficácia, o que leva a uma estratificação com base no prestígio.

3.   agregado do poder, da força e da territorialidade: o poder resulta do controle de facilidades e dos conflitos que possam surgir devido à competição pelo acesso ás facilidades e às recompensas, o que implica a utilização da força para evitar conflitos que levem à ruptura. A força tem de estar organizada num território.

4.   agregado da religião e da integração de valores: a resposta aos anseios humanos que advêm da religião, estão correspondentes com o sistema de valores dominantes.

 

Estes agregados são necessários para a existência do sistema social, para se manter estável.

 

Os requisitos estruturais resultam grande parte, do parentesco, mas incluem também a comunidade, a etnia e a classe. Estes quatro agrupamentos caracterizam todos os actores individuais em todas as sociedades, e devem ser parte integrante da estrutura de todas as sociedades.

 

O parentesco, o sexo e a idade são elementos básicos da posição social. As unidades de parentesco constituem unidades de residência e são a base das comunidades. São também a base da etnia e da classe de status, visto que uma pessoa tem ao início o status da sua família.

 

Das cinco dicotomias de variáveis-padrão atrás referidas, há duas que se reportam às necessidades do sistema de personalidade: afectividade/neutralidade afectiva e especificidade/difusidade. As do universalismo/particularismo e atribuição/realização exprimem características da estrutura do sistema social. A outra, orientação para si próprio/orientação para a colectividade está no âmbito da integração interna dos sistemas sociais.

 

As dicotomias que se referem à estrutura do sistema social, permitem realçar quatro tipos de padrões dominantes:

 

1. Universalístico-Realizativo: favorece a determinação do status com base e classificações onde predominam as manifestações de realizações dos actores e ao predomínio dos interesses cognitivos sobre os expressivos no plano cultural. A manifestação de realizações exprime-se na valorização do sucesso dos diferentes actores, que pressupõe os elementos instrumentais da acção.

 

2. Universalístico-Atributívo: os actores são classificados a partir do que são e não daquilo que sabem fazer individualmente. Aqui, o status não é específico, mas tende a ser generalizado em relação a uma escal de prestígio geral. Há uma tendência para atribuir qualidades ao grupo que o indivíduo pertence, pois o universalismo não permite a particularização.

 

3. Particularístico-Realizativo: dá-se valor às realizações dos agentes e não às suas qualidades.

 

4. Particularístico-Atributivo: valorizam-se certos aspectos das relações, como o parentesco e a comunidade local. Estas sociedades tendem a ser tradicionalistas e individualistas, pois desinteressam-se pelas sociedades que estão fora da localidade.

 

Nos padrões particularísticos, valorizam-se os actores não em termos genéricos mas em termos das suas posições específicas no sistema relacional, como o sexo, idade, etnia, grupo de parentesco, etc.

 

Tudo isto tem a ver com a tendência natural dos sistemas sociais para manterem o seu equilíbrio interno, face às modificações nos sistemas exteriores e nos elementos do próprio sistema. A socialização é, pois, um processo onde se ensinam às novas gerações, as regras do sistema onde se inserem, e também de controlo social onde se combatem os comportamentos desviantes.

Quando surge um impulso desequilibrador numa parte do sistema, verifica-se logo uma série de reacções para restabelecer o equilíbrio.

 

 

14.2. O Modelo de Gurvitch

 

Este modelo é uma tentativa de abordar a realidade social nas suas diversas facetas, dimensões, tensões e contradições.

O método que Gurvitch considera adequado para isto é o hiperempirismo dialéctico, que compreende a complementaridade, a implicação mútua, a ambivalência, a polarização e a colocação em reciprocidade de perspectivas, ou seja, há que ter em conta o fenómeno social total (ligação de um aspecto da realidade social com todos os outros).

 

Há que distinguir os planos em profundidade e as três escalas de manifestação dos fenómenos (escala microssociológica das formas de sociabilidade; escala dos agrupamentos particulares e classes sociais; escala das sociedades globais e das suas estruturas).

 

Numa análise do sistema social há aspectos que são mais óbvios, que se identificam mais facilmente (planos mais superficiais de manifestação dos fenómenos), e há outros que requerem mais rigor porque são mais difíceis de identificar (planos em profundidade).

 

Gurvitch individualiza dez planos:

 

1. Superfície morfológica e ecológica: população e sua implantação no território, bem como as infra-estruturas criadas para adaptar o meio à satisfação das necessidades do homem.

 

2. Organizações sociais ou aparelhos organizados: estruturas jurídicas e administrativas pré-estabelecidas, ordenadas, hierarquizadas, rígidas.

 

3. Modelos Sociais: práticas de acção definidas e generalizadas na sociedade. Exemplos: Vestuário, regras de etiqueta, técnicas de produção. Divide-se em modelos culturais (valores) e modelos técnicos (técnicas de produção).

 

4. Condutas colectivas de certa regularidade, mas desenvolvendo-se for a dos aparelhos organizados: maneiras de agir que realizam os modelos sociais, mas não tão rígidas como as dos aparelhos organizados.

     a) Ritos e procedimentos com características de regularidade (rituais religiosos);

     b) Práticas, costumes, rotinas e géneros de vida;

       c) Modas e entusiasmos colectivos;

       d) Condutas não conformistas contrárias aos modelos sociais.

 

5. Teias de papéis sociais: para além dos papéis sociais desempenhados pelos indivíduos, há que ter em conta os papéis desempenhados pelos conjuntos.

 

6. Atitudes colectivas: determinados pressupostos que levam as colectividades a agirem de certa forma em comum.

 

7. Símbolos sociais: levam à união dos elementos heterogéneos da sociedade. Podem ter predomínio de elementos intelectuais (linguagem), elementos emotivos (danças, festejos do casamento, bandeiras, monumentos), ou elementos activos e voluntários (símbolos de coragem).

 

8. Condutas colectivas efervescentes, inovadoras e criadoras: estão sempre presentes nas várias situações sociais e são fonte de mudanças sociais.

 

9. Ideias e valores colectivos: precisam da intervenção de actos colectivos, e por isso, pressupõem estados mentais e actos psíquicos colectivos (10).

 

As representações colectivas, a memória colectiva, as percepções colectivas são estados mentais intelectuais, os sofrimentos e as satisfações colectivas, a alegrias e tristezas são estados mentais emotivos, as tendências activas e os esforços colectivos são estados mentais voluntários.

Ao contrário disto, as intuições intelectuais e juízos colectivos são actos mentais intelectuais, as preferências ou repúdio de valores, actos colectivos de amor e ódio são actos mentais emotivos, e os actos colectivos a escolha, decisão e criação são actos mentais voluntários.

 

Os níveis em profundidade estão presentes ao nível das sociedades globais, dos agrupamentos particulares e das formas de sociabilidade. Estes três níveis não podem ser  separados pois cada um pressupõe os outros: as formas de sociabilidade constituem os tipos microssociológicos, que são elementos dos agrupamentos particulares e estes inserem-se nas sociedades globais.

 

Para Gurvitch, as classes sociais são um tipo especial de agrupamento, e enumera seis características que as distinguem dos outros agrupamentos:

      

       - Agrupamentos particulares;

       - Suprafuncionalidade;

       - Tendência para uma estruturação acentuada;

       - Resistência à penetração pela sociedade global;

       - falta uma (pág. 310, 2.º parágrafo)

 

A suprafuncionalidade é uma característica que impede a classe social de se exprimir numa organização única, embora tenha uma estrutura unificada e firme.

 

As sociedades globais são “macrocosmos dos macrocosmos sociais”, são a forma mais ampla da realidade social.

 

As estruturas específicas permitem diferenciar e individualizar dez tipos de sociedades globais históricas:

 

1. Teocracias carismáticas;

2. Sociedades ditas patriarcas ( o patriarca, chefe de família, comanda todas as actividades sociais);

3. Sociedades Feudais;

4. Sociedades Globais, predominando as cidades-estado que se tornaram impérios;

5. Sociedades dando nascença ao começo do capitalismo e absolutismo dito esclarecido;

6. Sociedades Globais democrático-liberais correspondentes ao capitalismo concorrencial;

7. Sociedade dirigista correspondente ao capitalismo organizado plenamente desenvolvido;

8. Sociedade fascista de base técnico-burocrática;

9. Sociedade planificada segundo os princípios do estatismo colectivista;

10. Sociedade planificada segundo os princípios do colectivismo pluralista.

 

Os tipos de 7 a 10 são as sociedades globais em luta na actualidade.

 

 

Tanto o modelo de Parsons como o de Gurvitch mostram como se combinam os diferentes factores de diferenciação social no sistema global, como o individual e o colectivo se integram num conjunto.

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

             

           

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

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