1.º Semestre
1 - OS GRANDES RAMOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
As ciências
sociais têm como objecto de estudo a vida em sociedade, as relações que os
indivíduos estabelecem uns com os outros e com as coisas.
As ciências
sociais utilizam, sobretudo dois métodos de estudo. Por um lado, pode
estudar-se a realidade da forma como nós desejaríamos que ela fosse - óptica
normativa. Por outro lado, pode estudar-se a realidade tendo como
preocupação fundamental explicar o que existe de facto, estuda-se a realidade
tal como ela é - óptica positiva.
¨
Óptica
Normativa
A óptica
normativa é constituída, essencialmente, por três disciplinas: a ética, a moral
e a estética.
·
Ética é a teoria normativa relacionada com a
conduta e os costumes humanos.
·
Moral é a teoria normativa da acção humana enquanto submetida ao Bem,
ao dever de praticar o Bem. É uma teoria relacionada com a qualidade dos
actos.
·
Estética é a teoria normativa do Belo que varia
consoante as épocas, as culturas e as pessoas.
¨
Óptica
Positiva
A óptica positiva
é o que caracteriza as ciências sociais empíricas (empirismo metódico) e
objectivas.
·
as ciências
sociais empíricas defendem a submissão de todas as teorias à prova dos
factos.
·
as ciências
sociais objectivas aspiram a não dependerem da subjectividade do
investigador. Existe uma relação de distanciamento entre o observador e o
objecto, o que não impede esse observador de afirmar um facto.
É difícil
elaborar uma classificação das ciências sociais. Contudo, pode fazer-se uma
distinção entre as disciplinas que têm como objecto de estudo o conjunto da
realidade social e as disciplinas que se especializam num determinado aspecto
da vida social.
Þ
Disciplinas
que visam o estudo do conjunto da realidade social
·
História
É a ciência
social que estuda o passado com o intuito de melhor compreender o presente. É
das ciências sociais mais antigas, pois desde há muitos séculos que a História
faz a análise das estruturas económicas, políticas, sociais e culturais dos
povos. Aquilo que tem variado é o método e a forma de encarar os assuntos.
O grande
desenvolvimento da História deu-se a partir do século XIX, o seu método
foi sendo aperfeiçoado pelo que os seus critérios de trabalho são agora mais
rigorosos.
·
Etnologia
Surgiu no fim do
século XVIII como filosofia da história, e no século XIX como estudo dos usos e
tradições dos povos exóticos (Africanos, Asiáticos, Australianos, entre
outros). Actualmente estuda parte dos usos e costumes tradicionais, visando a
sistematização e formulação dos princípios gerais de interpretação.
·
Etnografia
Surge para
designar a descrição dos elementos que constituem a cultura dos povos. Deve
entender-se por cultura o conjunto de tradições. Aquilo que define a
cultura é o alheamento de qualquer forma de herança genética.
·
Antropologia
Física
Desenvolveu-se
durante os últimos 20 anos do século XIX, quando se generalizou a prática de
medir as características físicas dos homens.
- craneometria: medição dos crânios. - grupos sanguíneos.
- osteometria: medição dos ossos. -
genética.
·
Antropologia
Cultural
Desenvolveu-se
durante o século XIX em países de influência cultural anglo-saxónica, estudando
costumes e culturas. Estuda o Homem como ser criador, portador e transmissor de
cultura.
·
Antropologia
Social
Os antropólogos
sociais centram o seu estudo nas estruturas sociais, estudam pequenas
comunidades. Mesmo quando estudam uma cidade abordam o ponto de vista de um
bairro.
NOTA: o
método utilizado pela Antropologia é a observação participante, que
consiste em ir observando a realidade social ao mesmo tempo que se participa na
mesma.
·
Sociologia
É a ciência do
social, dedica-se ao estudo das consequências da modernização das
sociedades urbanas e industriais que se verifica, fundamentalmente, nos fins do
século XVIII (durante a Revolução Francesa e a Revolução Industrial). O termo Sociologia
foi criado por Auguste Comte em 1839, e a Sociologia em si nasce da
profunda transformação da sociedade.
A Sociologia
desenvolveu-se sob a influência conjunta de Karl Marx, Max Weber, Vilfredo
Pareto e Emile Durkheim.
NOTA: para
além da observação participante, o método privilegiado da Sociologia consiste
nos inquéritos de opinião pública.
Þ
Ciências
sociais que se especializaram num determinado aspecto da vida social
·
Ciência
Política
Ocupa-se dos
factos relacionados com o funcionamento do Estado. Estuda os fenómenos ligados
ao exercício do poder, à forma como o Estado fixa os valores, e de como é
definido por três elementos: um território, um povo e um poder político, que se
subdivide em governantes (aqueles que governam) e governados. A Ciência
Política estuda, pois, a forma como é estabelecida a diferença entre quem
governa e quem é governado.
·
Economia
O verdadeiro
objecto de estudo da Economia são as leis de produção, repartições e o
consumo dos bens escassos necessários à satisfação das necessidades humanas.
A Economia
conheceu um maior desenvolvimento durante o século XVIII (1758) quando o Doutor
Quesnay publicou Tableau Economique, um livro que retractava a forma
como as riquezas circulavam na sociedade. Doutor Quesnay fundou a escola
fisiocrática que tem a particularidade de assumir que só a terra é capaz de
gerar riqueza, que todos os outros trabalhos existentes são meras
transformações das riquezas pela terra fornecidas.
·
Demografia
É o estudo
quantitativo do elemento população. É uma ciência relativamente recente quando
comparada com a Economia. A primeira referência a Demografia ocorre
durante o século XIX numa obra de Achille Guillard, Élements de statistique
humaine ou demographie comparée (1855). A Demografia é hoje uma
ciência em crescente popularidade.
O objecto de
estudo da Demografia divide-se em:
*
Estrutura
da População
à
Arranjo
Espacial: forma como a
população está distribuída no espaço. Existe uma desigual distribuição de
população, pois existem vários factores que condicionam essa distribuição.
Prevê-se que para lá do ano 2000 mais de 50% da população seja urbana.
à
Composição da População: são as
características da população, que se subdividem em:
- composição etária:
num país subdesenvolvido há entre 40 a 50% de jovens, num país desenvolvido a
situação é inversa.
- razão de sexo:
sexratio, o número de homens existentes para cada mulher. Nascem muitos mais
homens do que mulheres, no entanto aqueles têm grande dificuldade em sobreviver
durante a infância, verificando-se uma elevada taxa de mortalidade masculina.
Assim, o número de mulheres é superior ao número de homens.
- sistema matrimonial:
estado civil.
- alfabetização: em
Portugal existem cerca de 15% de analfabetos, que são maioritariamente idosos.
- taxa de actividade
económica: com a industrialização é natural que as mulheres assumam uma
posição mais autónoma dentro da sociedade, o que justifica a baixa da
natalidade.
*
Movimento
da População
à
Mortalidade: desde sempre que se procuram formas
para se evitar a morte ou para adiar a morte. Só a partir do século XIX se
verifica um aumento da esperança média de vida, devido ao melhoramento das
condições de vida. Na Europa morrem 10 pessoas em cada 1000.
à
Natalidade: sempre existiu uma elevada taxa de
natalidade, e só no século XIX se verifica uma baixa da natalidade, mais
precisamente no fim dos anos 50 e 60 (em Portugal só depois de 1974). O que se
verifica é que as mulheres deixaram de ter muitos filhos, antes verificava-se o
nascimento de 200 mil crianças por ano e agora o número é de 114 mil por ano.
Levanta-se, então, o problema de como fazer aumentar o número de filhos: em
França, depois de 1945, dava-se por mês mais de 35% do ordenado do operário
metalúrgico por cada filho, contudo, o número de filhos não disparou.
à
Movimentos
Migratórios:
antigamente, pessoas oriundas de outros países vinham preencher os lugares de
um determinado país, que os naturais desse país não queriam preencher, como foi
o caso da Alemanha. Agora verifica-se o contrário. Em 70, os alemães não
queriam desempenhar determinadas funções consideradas menos dignas, como era
trabalhar nas oficinas. Então, recrutava-se turcos e gregos que, após lá
trabalharem durante vários anos, ficavam com os mesmos direitos que os alemães.
Mas agora os alemães já querem desempenhar essas funções, levantando-se o
problema “quem é que se despede”. Sob o ponto de vista dos recursos humanos,
tem que se dar prioridade a quem já lá estava antes, ou seja, aos turcos e aos
gregos. Sob o ponto de vista do nacionalismo, tem que se dar prioridade
aos naturais do país, ou seja, aos alemães.
Se houvesse uma elevada taxa de natalidade nada disto aconteceria,
pois nunca se iria sentir a necessidade de recrutar esforços humanos a outros
países.
·
Psicologia
Social
Distingue-se da
Psicologia Tradicional porque esta estuda apenas o comportamento e os processos
mentais de um indivíduo enquanto ser único (consciência, memória e percepção).
O que a Psicologia Social estuda é o comportamento dos indivíduos em
sociedade. Os indivíduos, enquanto membros da sociedade, afectam e são
afectados por grupos.
A Psicologia
Social nasceu em 1876, numa altura em que ficaram célebres as discussões
determinantes do comportamento. Tentava-se descobrir qual era a influência que
a hereditariedade e o meio ambiente tinham na formação dos comportamentos dos
indivíduos.
O professor César
Lombroso publicou um livro, O Homem Delinquente, em que afirmava que
era a hereditariedade que determinava o comportamento dos indivíduos.
Considerava que os estigmas de degenerescência e as assimetrias corporais eram
características de indivíduos criminosos. Assim, Lombroso defendia a ideia de
que todas essas pessoas não podiam viver em sociedade, pelo que tinham de ser
presas. Pois se assim não fosse, haveria sempre a possibilidade dessas pessoas
cometerem outros crimes.
Em 1877, Dugdale
e Goddard escreveram duas monografias sobre o estudo das famílias,
incluindo a genologia (ascendentes). Dugdale escreveu sobre uma família
denominada The Jukes, constituída por cerca de 800 elementos, dos quais
centenas eram vagabundos e mendigos e 74 eram criminosos. Goddard
escreveu sobre uma família denominada Kalikaks, cujos membros não
apresentavam comportamentos medíocres. Ambos os autores procuravam provas para
explicar a questão da hereditariedade.
Em 1890, Grabiel
Tarde (juiz) escreve Leis de Imitação, onde afirma que o
comportamento dos indivíduos é influenciado pelo meio ambiente em que vivem.
Grande parte dos condenados vivem em condições muito promíscuas e não se
integram na sociedade, pois seguem o mau exemplo daqueles que os rodeiam.
A Psicologia
Social nasceu desta querela entre os defensores da hereditariedade e os do
meio ambiente. A partir do início do século XIX publicam-se as primeiras obras
de Psicologia Social, primeiro com o autor Cooley, em 1902, e mais tarde
com os autores McDougall e Ross, em 1908. A Psicologia Social
desenvolve-se em consonância com as ciências de laboratório técnicas: um
indivíduo quer estudar o sono e as suas fases, então, observa um outro
indivíduo durante o sono e conclui que durante a fase do sono em que se sonha
os olhos movimentam-se rapidamente (REM - Rapid Eyes Moves), e durante a fase
do sono em que não se sonha os olhos não se movimentam rapidamente (NREM - No
Rapid Eyes Moves). Concluiu, ainda, que todas as pessoas sonham todas as
noites. Se esta técnica não tivesse sido desenvolvida não se sabia nada sobre o
sono.
NOTA: O
método da Psicologia Social é, por excelência, o método experimental.
·
Linguística
É a ciência que
se ocupa do estudo e da estrutura e transformação das línguas. Tem sido objecto
de estudo desde o século XIX, quando se autonomiza como ciência social. Deve
muito à escola estruturalista.
·
Semiologia
É a ciência que
estuda, para além da linguagem, todos os sistemas de signos ou símbolos de que
os homens se servem para comunicar entre si.
Roland Barthes
procurou estudar o conteúdo divulgado pelos meios de comunicação de massa, que
podem ser estudados através da sua linguagem - metalinguagem.
Charles Morris
em vez do termo Semiologia usa o termo Semiótica.
·
Geografia
Humana
Esta ciência
dedica-se ao estudo da relação entre o modo de vida dos indivíduos em sociedade
e a paisagem na qual se inscreve a sua acção.
O termo Geografia
é utilizado desde tempos remotos, mas deve o seu actual significado à obra de Alexandre
Humboldt e Charles Ritter, este último deu origem à escola
geográfica alemã no século XVIII.
Existem duas
concepções de Geografia Humana, uma de Ratzel e outra de Vidal
de la Blache. Até ao fim do século XIX as concepções incidiam numa
concepção determinista, que significa que o meio físico exerce um efeito
determinante na distribuição espacial. O domínio tecnológico não é tão evidente
como é hoje, o que levou Ratzel a criar a Antropogeografia
(concepção determinante sobre as populações).
Foi ainda criada
a Escola Possibilista, que deve a sua fundação à obra póstuma de Vidal
de la Blache, concluída por Emanuel de Mortonne, e publicada em
1921. Obra esta que afirma que o Homem, dadas as condições, pode modificar a
seu favor o meio ambiente. É a concepção da terra moldável.
Para além da Geografia
Humana há ainda a Geografia Física, embora esta última não seja uma
ciência social.
2 - ORIGENS E
DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
2.1. A
emergência das ciências sociais no século XIX
As ciências sociais emergem do
interesse pela questão social e pela expansão dos povos europeus na
Ásia e em África, que se revela sobretudo nos fins do século XVIII e princípios
do século XIX.
A questão social viu os seus problemas
aumentarem como consequência da Revolução Industrial e da Revolução
Política. A primeira revolução desencadeou a concentração urbana,
suscitando migrações internas e internacionais, pelo que muitas pessoas foram
obrigadas a romperem com as suas aldeias de origem, deixando para trás as suas
raízes. Essa concentração urbana juntou nos bairros operários das grandes
cidades industriais um elevado número de pessoas que viviam em condições de
promiscuidade. Por sua vez, a Revolução política pôs fim às solidariedades
tradicionais, instituindo a liberdade da concorrência. Tentou reduzir o apoio a
influência social do apoio colectivo pois acreditava que o indivíduo era capaz
de velar pelos seus próprios interesses.
As ciências
sociais também foram impulsionadas pela expansão dos povos europeus na
Ásia e em África, pois desenvolveu-se a curiosidade pelos usos e costumes
de tais povos, o que levou à viajem de muitos administradores, militares e
missionários cujos escritos estimularam os primeiros passos da etnologia. Isto
deu origem a outros interesses que se vieram a desenvolver posteriormente, tais
como o estudo da organização social dos povos, entre outros.
2.2. Da
filosofia social à ciência social
A emergência das ciências sociais foi
precedida pelo Movimento Intelectual, que radica no período absolutista e
assenta no reflexo filosófico e político sobre as sociedades contemporâneas, e
na reflexão sobre a forma dos regimes políticos.
1688 - Revolução Política Inglesa
1789 - revolução Francesa
Þ
Jonh
Locke é a grande figura
da Revolução Política Britânica, tendo escrito duas obras que exerceram uma
forte influência sobre as sociedades seguintes.
Uma das suas obras foi um tratado sobre política, Two Treatises
on government (1690), que defende o princípio de que existe um interesse
geral que se concilia no interesse de todas as pessoas. Se cada um seguir o seu
interesse com prudência verifica-se harmonia na sociedade.
Todo o seu pensamento político é penetrado pela lei natural,
dirigindo todas as coisas da Natureza. Os homens devem ser deixados livres de
prosseguirem os seus próprios fins, guiados pelo critério do seu interesse
pessoal, uma vez que todos os interesses individuais tendem a harmonizar-se no
interesse comum. A propriedade ocupa um lugar de relevo na procura do interesse
individual, e a defesa da mesma é uma das preocupações que inspiraram a união
dos homens em comunidades políticas. No pensamento político de Jonh Locke, os
limites à acção dos poderes públicos e especialmente do poder executivo, a
doutrina do equilíbrio dos poderes, têm por fim garantir a liberdade que os
cidadãos utilizarão para conseguir a plena satisfação dos seus interesses.
Nesta obra, Locke defende ainda a divisão
de poderes:
- poder
governativo: atribuído ao rei.
- poder
executivo: atribuído às assembleias.
- poder
federativo: estabelecimento das relações diplomáticas.
Outra das suas obras foi um tratado de filosofia, Essay
Concerning Human Understanding, escrito em 1687 (1690). Nesta obra, Locke,
fundador do empirismo, estabelece que a fonte das ideias são, por um lado, a
sensação e, por outro lado, a percepção do funcionamento do cérebro. Nada do
que sabemos é anterior à sensação, a “doutrina da tábua rasa”. Afirma que não
há possibilidade de um indivíduo herdar conhecimentos dos seus antepassados.
Filósofos
ingleses progressistas, em especial Jonh Locke, vieram a exercer uma forte
influência sobre filósofos racionalistas franceses como Montesquieu, Voltaire
e Rousseau, que muito contribuíram para a generalização do clima
intelectual e político que havia de conduzir à Revolução Francesa.
Þ
Montesquieu publicou em 1748 Do Espírito das Leis,
onde explica a forma como o espírito humano reage a solicitadas circunstâncias
para criar um regime jurídico político orientado para um determinado fim que
encontra a sua expressão mais sintética no princípio do governo. É uma análise
da forma como o ordenamento jurídico de diversos regimes existentes reflecte as
exigências do clima, da economia, do relevo, da demografia, etc. O ordenamento
jurídico de cada país tem ser diferente, pois o espírito das leis tem que
respeitar os factores acima referidos.
·
Tipos
de governo (estrutura):
·
Democrático
·
Aristocrático
·
Monárquico
·
Princípios
de governo (aquilo que o
orienta, as paixões que o movem):
·
ao
governo Democrático associa-se a Virtude, que é percursora
de três funções do governo:
-
legislativa: compete à assembleia (concepção das leis).
-
executiva: compete ao governo (execução das leis).
-
judicial: compete aos tribunais (execução da justiça).
·
ao
governo Aristocrático associa-se a Moderação.
·
ao
governo Monárquico associa-se a Honorabilidade.
Cada tipo de governo tem um princípio de governo. A divisão de
poderes é estruturada desta forma para que nenhuma instituição albergue vários
poderes.
Montesquieu na
verdade não fornecia um princípio de crítica política ou de reconstrução das
sociedades. Fornecia sim uma técnica, indicava os aspectos a ter em atenção
para estruturar o Estado em novos termos e para conciliar essa nova
organização. Pois explicava como as leis se organizavam em função dos fins do
Estado, e segundo as diversas circunstâncias. Mas essa harmonia, com o fim
último dos diversos tipos de governo, era também o único critério da bondade e
da justiça das leis.
Þ
Voltaire é o espelho máximo do racionalismo
francês. Apela aos seus contemporâneos que denunciem o absurdo da sociedade.
Sustentava nunca ter encontrado leis geralmente justas ou boas. Considerava
ridícula a organização das sociedades conhecidas da Europa, achando que se
deviam construir novas bases para a vida dos povos. Assume uma posição
anticlerical e apela ao exercício da liberdade. Escreveu duas grandes obras: Cândido
e Cartas Filosóficas.
Em Cândido,
revela os argumentos a favor e contra determinadas concepções, que aparecem
substanciados em comportamentos e acontecimentos, em que o factor absurdo
aparece sempre em evidência.
Þ
Rousseau defende a ideia de que todas as pessoas
nascem boas, mas são sucessivamente corrompidas pela sociedade. Para evitar
isto há que construir uma nova sociedade de acordo com a qual o indivíduo perca
a sua liberdade original e ganhe uma liberdade política e civil.
Escreveu duas
grandes obras: Emílio, onde descreve a forma como se deve educar, e Contrato
Social, que é uma obra de teor político.
Este clima
intelectual originou um novo debate político, e foram publicados escritos que
revelam a violência da Revolução Francesa.
1790 - Edmund Burke é um inglês cuja reputação política se
deve aos seus discursos liberais na Câmara dos Comuns, e é marcada pela sua
oposição aos revolucionários franceses.
Escreve Reflections
on the Revolution in France, onde diz que não se devem eliminar as
instituições anteriores. Estas reflexões são uma longa condenação das
abstracções dos filósofos da Revolução.
Tal como
Montesquieu, Burke considera que são os hábitos e as práticas estabelecidas
pela força da evolução histórica que levam as leis a adaptarem-se gradualmente
às circunstâncias da vida dos diversos países e as aspirações dos povos. Afirma
que o sistema de governo do seu país assenta realmente na natureza das coisas.
Assim, escreve
que se deve preservar o método da Natureza na condução do Estado, e que se
aceitarmos a hereditariedade (Burke considera que em Inglaterra as liberdades e
direitos dos cidadãos são transmitidos de pais para filhos) estaremos a dar «à
nossa estrutura política a imagem de uma relação de sangue».
As reflexões de
Burke enunciam muitas das ideias que irão servir na luta dos tradicionalistas
contra a Revolução.
1793 - Godwin escreve Political Justice, onde
estabelece uma posição sobre a defesa dos pobres, dos injustiçados e dos que
vivem à margem da sociedade. Todos devem ser ajudados pelos estados (Poor
Laws).
1794 - Condorcet escreve Esboço de um quadro histórico
necessário ao progresso do espírito humano, em que defende a ideia de
progressos em todos os campos.
Ambos acreditam
que as sociedades humanas caminham para a felicidade, antevendo uma época em
que os métodos de produção serão tão aperfeiçoados que os homens poderão viver
confortavelmente com um mínimo de esforço e em que o desenvolvimento da ciência
aumentará indefinidamente a duração da vida humana.
¨
Thomas
Malthus opõe-se às
concepções optimistas de Godwin e Condorcet. Oposição patente no seu Essay
on the Principle of Population as it Affects the Future Improvement of Society
(1798), onde argumenta que se o homem for deixado ao livre exercício dos seus
instintos, estes conduzi-lo-ão à decadência. Uma obra escrita sem grandes
evidências empíricas.
Esta sua teoria
do desequilíbrio assenta em duas teses: a de que a população cresce de acordo
com uma progressão geométrica; e a de que as subsistências crescem de acordo
com uma progressão aritmética.
·
A
população dobra todos os 25 anos:
Note-se
que este crescimento verifica-se apenas nos
1 2 4 8 Estados
Unidos.
depois de 25 anos
·
As
subsistências crescem de acordo com uma proporção aritmética:
1 2 3 4
depois
de 25 anos
Verifica-se, assim, um acentuado desequilíbrio, uma vez que as
subsistências não são suficientes para garantir a sobrevivência da população.
Mas, para além deste desequilíbrio, existem outros obstáculos ao crescimento da
população.
·
Obstáculos
repressivos: existem
desde sempre. São as pestes, as epidemias, as guerras, a fome, entre outros,
que sempre têm aniquilado o crescimento da população (Tríade Fatídica de
1983/85). É possível eliminar os obstáculos repressivos com o aumento
demográfico.
·
Obstáculos
preventivos: moral
restritiva, ou seja, é necessário impedir o casamento das pessoas que não têm
condições (económicas, psicológicas, etc.) para ter filhos, praticando assim a
abstinência sexual. De modo algum o estado deve ajudar os necessitados, porque
se as pessoas tiverem o seu rendimento garantido terão mais tempo para
procriar.
Malthus
analisou a lei dos rendimentos não proporcionais: se o rendimento não compensa
o investimento, este deixa de ser rentável. Esta análise comprometeu as ideias
que alguns do seus contemporâneos tinham sobre o progresso.
No fim do século
XVIII e início do século XIX desenvolvem-se concepções de uma nova sociedade
que emerge com a Revolução Francesa.
·
Concepção
Política: divisão de poderes.
·
Concepção
Filosófica: Jonh Locke - princípio do laissez faire.
·
Concepção
Económica:
·
David
Ricardo abalou
profundamente a tese de que o interesse individual coincide necessariamente com
o interesse colectivo. Ricardo veio a revelar-se um grande inovador do
pensamento económico. Escreve, em 1817, The Principles of Political Economy
and Taxation, onde se realça a sua teoria da renda da terra. Ricardo
pretende explicar como é que o produto é repartido pelas três partes
interessadas: o proprietário, o arrendatário capitalista e o agricultor. Afirma
que o mais importante é determinar as leis que regulam essa distribuição, pois
esse é o maior problema da economia política.
Ricardo sustenta que as
condições de mercado condicionam a forma como se cria a renda da terra,
fenómeno que não anda ligado ao volume mas sim ao valor do produto. Existem
dois aspectos concepcionais da renda da terra (riqueza):
- lei
dos rendimentos não proporcionais ou decrescentes.
-
fertilidade da terra: como é que se cria a renda da terra nas diversas
situações.
Contrariamente às concepções política e filosófica, David
Ricardo afirma que não há uma harmonia de interesses entre todos os agentes
económicos (proprietário, arrendatário e agricultor).
David Ricardo
considerava que as “Poor Laws” viciavam as leis da oferta e da procura, criando
uma situação falsa e perigosa, pois iria favorecer um crescimento demográfico
para além da capacidade de absorção do mercado de trabalho.
·
Jean
Sismondi foi um dos que
mais se empenharam na tarefa de encaminhar a ciência para o estudo do real. Em
1803 escreve De La Richesse Comerciale, onde explica como se cria a
riqueza. Seguiu Adam Smith até à queda de Napoleão, pois após a queda
deste verificaram-se sucessivas crises de superprodução. Há uma oferta
excessiva e uma procura deficiente, pelo que os preços baixam. Esta realidade
contradiz a escola fisiocrática. Em 1819, Jean Sismondi escreve Noveaux
Principes d’Économie Politique, onde se revela contra o optimismo daqueles
que acreditam que o preenchimento dos interesses particulares conduzirão sempre
ao interesse colectivo. Procura chamar a atenção para o estado de miséria
humana escondido por detrás das indústrias europeias.
Sismondi
é o primeiro economista defensor da necessidade de uma política social e de uma
intervenção moderadora por parte dos poderes públicos no jogo das forças
económicas.
*
Constituição
de Federações é a forma
mais fácil de superar estes problemas, fazendo do operário senhor do seu
trabalho, patrão de si próprio.
Dá-se início a
uma visão mais social das condições em que se exerce o trabalho
(particularmente nas fábricas). É a ponte entre a Economia clássica e os
percursores do federalismo.
2.3.
O
pensamento e a escola de Saint-Simon (1760 - 1825)
Saint-Simon é a figura de sucessão da antiga ordem e
a nova ordem que sucede à Revolução Francesa. As suas concepções tiveram uma
enorme influência no pensamento político e social do século XIX. Participou na
Revolução Francesa, o que lhe permitiu reconstituir a sua fortuna, que se
encontrava a baixo nível devido às despesas feitas pelos seus projectos
anteriores e pelos seus hábitos de liberdade. Era defensor de uma nova forma de
governo assente na ciência e na técnica modernas, proclamando a capacidade da
indústria para reorganizar a sociedade, que ficou desorganizada pelos legistas
e pelos militares que a geriam. É necessário colocar os industriais no governo.
Ao longo da
história existem três grandes épocas designadas por épocas orgânicas:
¨
Sociedade
Feudal/Medieval:
caracterizada pelo poder conferido aos militares.
X - Época de Crise
¨
Sociedade
Teológica: os
conhecimentos são de natureza conjectural e metafísica, por isso é natural que
os teólogos da Igreja detenham o poder.
X - Época de Crise
¨
Sociedade
Industrial: apela-se
para a transformação, para a produção, é a moral do trabalho.
Até se chegar à Sociedade
Industrial verificam-se épocas de crise porque a sociedade está
desorganizada. É preciso conferir o governo aos trabalhadores, aos industriais,
pois este seria um poder de demonstração e de ensino e não um poder
autoritário.
A sua obra revela
um espírito fértil e uma grande capacidade de penetração dos acontecimentos do
seu tempo. Os seus primeiros escritos são dedicados a diversos temas
científicos e filosóficos, tendo como máxima preocupação colocar a ciência ao
serviço do progresso da humanidade.
Contudo, a partir
de 1814, dedica-se, sobretudo, a defesa das suas ideias sobre a organização da
nova sociedade. O tema em que centra todos os seus escritos desta fase é a
necessidade de confiar o governo aos industriais, que constituem as forças
reais da sociedade.
·
Carta
de Saint-Simon:
As pessoas têm
duas grandes necessidades: precisam de “pão para comer” e de educação, e a
melhor maneira para se obter isso é através do trabalho. Saint-Simon
acha que deve ser a classe empresarial a governar a nova sociedade porque é
esta classe que está mais habituada a contactar com as pessoas.
Esta nova
autoridade é um poder de coordenação das partes através da comunicação.
Em todas as
sociedades existem dois poderes fundamentais: o poder político,
conferido aos industriais; e o poder de desenvolvimento das capacidades
produtivas, conferido à população.
·
Conselho
de Newton: o governo
deve ser constituído por três assembleias.
·
criar:
devem estar presentes os principais criadores da sociedade (pintores,
escritores, escultores, etc.), todos aqueles que idealizam.
·
examinar:
aqui só têm lugar os matemáticos e físicos que vão apreciar as ideias e
verificar a sua viabilidade.
·
execução:
aqui têm lugar os engenheiros, os banqueiros, aqueles que conseguem aplicar as
ideias, que já têm uma viabilidade técnica, uma viabilidade financeira.
¨
Gurvitch escreveu um tratado, A vocação actual
da sociologia, onde chama a atenção para duas concepções que considera como
traves mestras do pensamento sociológico de Saint-Simon:
·
oposição
entre o Estado e a sociedade Económica: verifica-se que Saint-Simon vê na sociedade contemporânea
o predomínio, neste período crítico, de um governo que não corresponde às
necessidades da população, opondo-se, por isso, ao interesse do desenvolvimento
económico.
·
teoria
das classes sociais: Saint-Simon
verifica que existem diversas classes sociais na sociedade do seu tempo, mas
que são “classificadas” de acordo com o princípio de cada um e segundo a
capacidade de cada um. Por exemplo, os bancários, que são realizadores de
grandes acções, são uma classe superior a outra composta por pequenas
organizações.
O professor Gurvitch sustenta que
Saint-Simon não deve ser considerado como um predecessor da escola
bio-organicista, pois «a “fisiologia” de Saint-Simon invoca a história, a
civilização, a produção económica, a produção espiritual , a luta de grupos e
classes sociais, e de nenhuma maneira invoca a biologia, nem mesmo essa parte
da biologia a que se chama fisiologia».
Gurvitch
chama ainda à atenção para o valor que Saint-Simon atribui à moral na sua
análise da vida colectiva. Pois existe considera a moral como a estrutura
essencial à sociedade, já que não são possíveis sociedades sem ideias morais
comuns. Saint-Simon afirma que a cada época e a cada tipo de governo
corresponde uma moral própria. Por exemplo, na sociedade industrial impõem-se a
moral do trabalho.
Contribuição para a teoria sociológica:
- Saint-Simon tem uma concepção dinâmica da sociedade, pois vê-se
como um constante movimento de criação e de transformação, sustentado por um
esforço contínuo. O trabalho é típico desse esforço.
- Atribui grande importância às ideias, considerando-as como parte
estruturante da sociedade. Mostra como ideias e concepções diferentes andam
historicamente ligadas aos diferentes regimes.
- Todavia, não atribui nenhuma importância predominante à produção
espiritual, pois, como afirma no Catecismo dos Industriais, «a
capacidade do espírito humano é igual para o espiritualismo e o materialismo; e
desenvolvimento de ambos contribui igualmente para o progresso da civilização,
e a verdadeira filosofia consiste em realizar, com igual proporção de
conhecimento sobre o homem físico e moral, uma boa organização social».
Saint-Simon
teve igualmente uma influência muito profunda na vida política do século XIX.
Os seus escritos inscreveram-se num ambiente marcado pela luta da burguesia
liberal, detentora do poder económico, contra a antiga nobreza. Essa burguesia
representa a classe que Saint-Simon designa por classe industrial.
É desta burguesia
que vêm os seus apoios financeiros e é dela que saem os seus discípulos, que
foram quem principalmente contribuiu para a grande influência que as ideias de
Saint-Simon tiveram na condução dos negócios.
Logo a seguir à
morte de Saint-Simon, os seus discípulos fundaram um jornal, “Le Producteur”,
onde expunham as suas ideias, das quais as preocupações da reforma social
assumiam maior relevo. De 1828 a 2830 expuseram publicamente as ideias de seu
mestre numa série de conferências, que mais tarde reuniram em dois volumes sob
o título de Exposição da Doutrina de Saint-Simon, marcada por um tom mais
extremista do que a obra do Mestre.
Saint-Simon
conduziu à autonomização da sociologia e sistematizou as ciências:
¨
Física:
ciência dos corpos brutos.
¨
Fisiologia:
ciência dos corpos organizados e da vida. É uma ciência que se subdivide em:
·
fisiologias
particulares: estudam a vida das várias espécies, desde o Homem até ao mais
pequeno animal.
·
psicologia:
estudo da vida mental dos homens.
·
fisiologia
geral: que se subdivide em:
- fisiologia social: estudo dos esforços
dos indivíduos em sociedade, e dos seus comportamentos em sociedade.
-
política.
Na obra O Novo Cristianismo, Saint-Simon
defende a moral do trabalho, que assenta no valor da fraternidade na escala
mundial. Os industriais devem trabalhar e produzir mas sempre com amor ao
próximo.
Outras das suas obras são:
Da Reorganização da Sociedade Europeia
A Indústria
O Organizador
O Sistema Industrial
O Catecismo dos Industriais
Os discípulos de Saint-Simon
formaram novas sociedades, como por exemplo a sociedade comandita
(sociedade por acções). Um dos seus discípulos, Lesseps, foi o
responsável pela abertura do canal de Suez.
2.4. O ensino
de Auguste Comte (1798 -
1857)
Auguste Comte
foi quem introduziu na linguagem científica a palavra Sociologia.
Considerava-se fundador desta nova disciplina, não só por ter sido o primeiro a
dedicar-se a fundo à sistematização do método e do objecto da Sociologia mas
também por se considerar aquele que descobriu a primeira lei sociológica - a lei
dos três estados.
Comte,
movido pela sua paixão política, foi um dos principais dirigentes de um
protesto de alunos que levou o governo da Restauração a licenciar toda a
Escola. Depois de passar uns tempos na suas terra natal, retorna a Paris tendo
publicado o seu primeiro ensaio político, Nos Réflexions.
1817 -
Tornou-se secretário pessoal de Saint-Simon, tendo colaborado na elaboração de A
Indústria e do O Organizador, e noutras publicações do grupo, o que
lhe permitiu amadurecer as suas concepções políticas. Estas afastavam-se cada
vez mais das ideias do Mestre chegando à ruptura em 1824.
Comte tem,
de facto, uma interpretação própria da evolução social recente.
1822 -
Publicou a sua grande obra, Plano dos Trabalhos Científicos Necessários para
Reorganizar a Sociedade, onde faz uma análise da crise que as nações mais civilizadas
enfrentam. Nesta obra está patente a distinção de épocas orgânicas e críticas
históricas, que são muito importantes no seu pensamento. Comte considera que a
época de crise é uma transição de uma fase em que as ideias estão
desactualizadas pelo progresso dos conhecimentos humanos para uma outra fase em
que serão incorporados os últimos desenvolvimentos filosóficos, de forma a ser
possível estabelecer uma nova era orgânica.
1825 -
Casou com uma antiga prostituta.
Comte achava que havia necessidade de definir
os caminhos a seguir de forma a assentar em bases incontestáveis os princípios
a extrair dos factos sociais. Para tal, Comte abre a o público um Curso de
Filosofia Positiva.
A preparação
deste curso foi algo turbulenta, pois Comte, casado com uma antiga prostituta,
conheceu frequentes dissabores conjugais, o que lhe perturbava a preparação das
lições.
1826 - O
Curso iniciou-se, então, em Abril, no seu apartamento, para um número de alunos
pouco numeroso mas que contava com alguns homens de grande reputação
intelectual. Comte foi obrigado a interromper o seu Curso, em virtude de um
esgotamento, originado pela instabilidade da sua vida.
1829 -
Retomou em Janeiro o seu Curso de Filosofia Positiva.
1830/42 -
Publica em seis volumes o curso de Filosofia Positiva, que visava a
sistematização de todo o saber contemporâneo.
1.º Volume: Preliminares Gerais e Filosofia
Matemática, promove a sistematização da matemática do seu tempo.
2.º Volume: Filosofia Astronómica e Física,
desenvolve todas as concepções da física celeste (astronomia) e da física
propriamente dita.
3.º Volume: Filosofia da Química e da Biologia,
afirma que para se estudar o corpo humano tem de se saber primeiro química e só
depois se pode estudar biologia.
4.º Volume: Parte Dogmática da Filosofia Social,
define pela primeira vez o termo Sociologia (1839).
5.º Volume: Parte Histórica da Filosofia Social.
6.º Volume: Complemento da Filosofia Social.
Conclusões.
Concepção da Filosofia Positiva: estudo individualizado de todas as ciências, como se
estivessem submetidas a um método único.
Comte tem
como primeiro cuidado explicar o sentido em que emprega as palavras filosofia e
positiva. Filosofia é como que a designação do sistema geral das
concepções humanas, e positivo é, no entender de Comte, o método que
consiste em atribuir uma causalidade ao fenómeno. Nota que a concepção de Filosofia
Positiva vai mais além que a de Filosofia Natural, já que compreende
também o estudo dos fenómenos sociais.
Comte
considera que a primeira necessidade do Homem é a de conhecer e entender o
mundo em que vive. E a forma como essa necessidade é satisfeita em cada momento
da história é de extrema importância na explicação de toda a orgânica social.
Comte
afirma que o espírito humano passa pela “lei dos três estados” na
conceptualização dos diversos aspectos do mundo exterior. E, para que a
sociedade evolua, é preciso que o espírito humano evolua do estado teológico
para o estado metafísico, atingindo, por fim, o estado positivo. Cada um destes
diferentes estados conheceu uma evolução que facilitou a transição dos
espíritos de um estado para outro. No entanto, Comte nota que, como métodos, os
diversos estados coexistem, apesar de considerar que o método positivo é mais
facilmente empregado nas ciências que estudam factos muito gerais.
¨
Matemática:
é a ciência mais simples, que é ao mesmo tempo a ciência natural que estuda os
fenómenos de maior generalidade e um poderoso instrumento de investigação
filosófica, subdivide-se em:
·
concreta.
·
cálculo
ou abstracta.
¨
Física:
subdivide-se em:
social - Sociologia
·
fisiologia
geral - Biologia
química
física
terrestre
física
·
física
física
celeste - Astronomia
As diversas ciências sucedem-se como uma pirâmide:
Moral*
Sociologia
(mais complexa)
Biologia
Teorema de Comte Química
Física
Astronomia
Matemática
(mais simples)
* mais tarde, Comte afirma ser esta a ciência mais importante.
Levar o estudo
dos fenómenos sociais ao estudo positivo, consolidando de vez a Sociologia, é
sem dúvida o primeiro objectivo do Curso de Filosofia Positiva, de Comte.
1844 - Auguste
Comte conhece uma rapariga pela qual se apaixona, Clotilde de Vaux, que
exerceu sobre ele uma tremenda influência. A morte desta levou Comte a mudar a
sua concepção filosófica.
1851/54 -
Publicou a sua segunda grande obra, na qual desenvolve as suas concepções de
Filosofia Positiva, Sistema de Política Positiva que tem como subtítulo Tratado
de Sociologia instituindo a Religião da Humanidade. Esta obra predispõe-se
em quatro volumes:
1.º volume:
Discurso Preliminar. Introdução Fundamental.
2.º volume:
Estatística social. Teoria da Ordem.
3.º volume:
Dinâmica Social. Teoria do Progresso Humano.
4.º volume:
Quadro sintético do futuro humano.
A partir desta obra os seus discípulos
distanciam-se do mestre, afirmando que esta obra é uma contradição da primeira,
pois Comte, inicialmente salientava que pensar de maneira positiva era o mais
importante, agora afirma que só a «religião da humanidade» é capaz de assegurar
o perfeito desenvolvimento do homem. Comte entende que o progresso só pode
encontrar-se numa cada vez mais perfeita exploração das potencialidades da
cooperação social.
A Sociologia
é o estudo positivo das leis próprias aos fenómenos sociais, que se
dividem quanto à estática e dinâmica sociais.
·
Estática
Social: estudo, um por
um, de cada elemento da natureza humana (natureza tríplice): afectividade,
inteligência, actividade. Procura estudar as suas características
próprias, as influências recíprocas destes elementos, e as necessidades que
regem a sua formação.
·
Dinâmica
Social: procura estudar
como esses elementos evoluem, estando sempre em interligação.
Þ
Leis
relativas à estática social: Comte atribui uma grande importância à influência de certas
disposições cerebrais que se traduzem em certos motores afectivos, funções
intelectuais e qualidade práticas. Assim:
à
Afectividade:
¨
Predisposições
Egoístas:
individual - o mais importante é o
instinto nutritivo
sexual
espécie
maternal
·
Instintos
militar
sociais
industrial
orgulho
·
sentimentos
vaidade
Estas predisposições têm a ver com o próprio indivíduo.
¨
Predisposições
Altruístas:
·
igualdade
- relação entre marido e mulher ou entree irmãos.
·
superioridade
- relação entre pais e filhos ou patrão e empregados.
·
veneração
- os filhos veneram os pais.
Estas predisposições têm a ver com a subordinação do indivíduo na
sociedade em que está inserido.
à
Inteligência:
¨
Concepção:
inteligência indutiva
·
inteligência activa
inteligência dedutiva
concreta
·
inteligência passiva
abstracta
¨
Expressão:
·
escrita
·
oral
·
gestual/mímica
à
Actividade:
¨
coragem
para empreender
¨
prudência
na execução
¨
perseverança
Þ
Leis
relativas à dinâmica social: estuda as transformações das sociedades humanas, tendo sempre
presente a consciência da evolução histórica. Comte considera que a dinâmica
social representa a essência da Sociologia.
É neste quadro
que vem inscrever-se a lei dos três estados, que respeita justamente a evolução
intelectual.
|
Antiguidade |
Idade Média |
Idade Moderna |
Espírito |
Teológico |
Metafísico |
Positivo |
Épocas |
Militar |
Feudal |
Industrial |
Inteligência |
Dogma |
Abstracção |
Demonstração |
Actividade |
Conquista |
Defesa |
Moral do Trabalho |
Sentimentos |
Cívicos |
Colectivos |
Universais |
Religião |
ver abaixo |
Esta Religião, em correspondência com os elementos próprios à
natureza do Homem, tem de contemplar simultaneamente o sentimento, a
inteligência e a acção. Por isso Comte prevê:
- um dogma: o positivismo - cessam as disposições egoístas e
generalizam-se as disposições altruístas.
- um culto: o da humanidade e dos grandes mortos.
- um regime: regulador da conduta privada e pública.
A fórmula sagrada dos positivistas será «o Amor por princípio, a
Ordem por base e o Progresso por objectivo».
Para Comte existe sempre um
equilíbrio na dimensão temporal e espiritual. Do ponto de vista temporal os
homens são superiores às mulheres, do ponto de vista espiritual as mulheres são
superiores aos homens.
A Filosofia Positiva de Comte
teve um enorme impacto na segunda metade do século XIX, impulsionando,
juntamente com as ideias de Saint-Simon, os primeiros desenvolvimentos da
Sociologia.
2.5. A Sociologia de Herbert Spencer (1820 - 1903)
Herbert
Spencer foi o apóstolo do expoente/poder do império Britânico. Foi o autor
de um dos primeiros sistemas de sociologia e a mais importante influência na
divulgação da nova disciplina científica nos países de língua inglesa. Na
Inglaterra as suas posições filosóficas e políticas traduziam a ideologia dos
empresários e profissionais da classe média que ascendiam social e
politicamente com a Revolução Industrial.
Em todos os
países onde a Revolução Industrial ainda não tinha chegado, os livros de
Spencer eram bem aceites, procurando-se neles a compreensão dos princípios de
que decorria o progresso científico e económico e as formas de organização
social mais apropriada para o alcançar.
Nasceu em Derby,
numa família de dissidência religiosa protestante. Nunca frequentou a escola
nem a universidade, nem nunca foi professor, no entanto, os seus livros eram
manuais obrigatórios na universidade. O seu pai era bibliotecário da Derby
Philosophical Society (algo nos moldes da Lunar Society). As origens de Spencer
moldam toda a sua orientação ideológica: a sua crença no valor da ciência, a
sua convicção de que todos os factos se explicam por causas naturais, a sua
defesa da liberdade do indivíduo contra a ameaça do totalitarismo estadual.
Spencer estudou matérias tão diferentes como
química, sociologia, matemática, biologia, entre outras, e aos 13 anos foi
viver com um seu tio reverendo. Aos 16 anos seguiu, por recomendação de seu
pai, uma carreira de engenheiro de caminhos de ferro sob a orientação do
Engenheiro Carles Fox. Como consequência de ter exercido durante vários anos a
profissão de engenheiro civil, trabalhando em empresas de caminhos de ferro,
vários dos seus trabalhos versam temas de engenharia. Foram publicados de 1839
e 1842 no Civil Engineer and Architect’s Journal.
1842 -
Lança-se na actividade de ensaísta, tratando de problemas políticos e de
filosofia das ciências. Redigiu uma série de cartas, On The Proper Sphere of
Government, para o jornal “The Nonconformist”, do qual se veio a tornar
editor, e no qual eram bem visíveis as suas concepções liberais.
Em On The
Proper Sphere of Government, Spencer defende a ideia de que o governo
deveria intervir o menos possível na vida social, pois esta é regida por leis
naturais, cujas tendências não podem ser ignoradas sob pena de os
inconvenientes superarem os benefícios esperados de qualquer intervenção.
Devido à sua
participação no “The Nonconformist”, Spencer entrou, ainda, em 1842, em certas
iniciativas de política activa, o que deu origem a ligações com um político
influente, Joseph Sturge, que levou a que Spencer fosse convidado, em 1844,
para sub-editor do “Birmingham Pilot”, onde escreveu artigos sobre políticos e
comerciais. A ligação de Spencer a Sturge ainda fez com que ele voltasse à
engenharia, que abandonou definitivamente em 1846.
1848 - Por
intermédio de relações familiares, tornou-se sub-editor da revista “Economist”,
onde publicou numerosas obras. Este emprego levou Spencer à mudança para
Londres e à sua entrada no meio intelectual da capital britânica.
1850 -
Surgiu um livro, Social Statics, onde Spencer exprime as suas concepções
radicais que até então tinham informado a sua experiência. A este seguiram-se
outros ensaios famosos que mostram a evolução que se processava no seu espírito
e que constituía a preparação das grandes obras da segunda metade da sua vida.
Apesar de
publicações sobre diversas questões, como a política e a economia, o interesse
fundamental de Spencer continuava a ser as questões exploradas pelos diversos
ramos das ciências da natureza. Spencer mantinha a convicção de que toda a
realidade conhecida estava sujeita a um mesmo dinamismo.
A partir de 1853 Spencer pôde deixar o “Economist” dedicando-se
somente aos seus escritos.
1855 -
Publica a primeira edição de Princípios de Psicologia, mais tarde
reeditado em dois volumes.
1860/97 -
Escreveu um sistema de filosofia sintética. As suas obras incluem princípios de
teologia, de sociologia, de psicologia, de ética, entre outros.
1872 -
Elaborou The Study of Sociology, onde aborda os aspectos a salvaguardar
para uma análise científica da vida social, e que veio a ser publicado em 1873.
1884 -
Publicou The Man Versus The State, uma compilação de ensaios sobre temas
políticos. Mas os seus melhores ensaios foram aqueles que vieram a público sob
o título Essays (1857).
1902 -
Publicou, ainda, Facts and Comments. A sua autobiografia saiu só em
1904, depois da sua morte, em 1903.
A análise
sociológica de Spencer é marcada pelo facto de Spencer considerar
que os factos específicos do funcionamento das sociedades estão sujeitos à lei
geral da natureza.
É neste espírito
que se desenvolve a sua famosa tese de que a sociedade é uma organismo. Esta
tese veio a ter uma forte influência na evolução das ideias sociológicas
durante a segunda metade do século XIX. O ensaio entitulado The Social
Organism, publicado em 1860, é portador desta tese.
Spencer
defende a tese de que a sociedade é um super organismo, constituído pelas
interacções dos organismos individuais entre si e destes com os corpos
inorgânicos. É um super organismo que está sujeito às mesmas forças que
governam a evolução dos fenómenos de todas as ordens, ou seja, quer as
sociedades quer os organismos estão submetidos a um mesmo dinamismo de
estrutura e função.
Admite que a
sociedade não é um organismo, cresce é da mesma forma que um organismo. Assim
os organismos e as sociedades têm quatro analogias - analogia orgânica.
Þ
ANALOGIAS ORGÂNICAS
à
semelhanças
entre as sociedades e os organismos:
·
ambos
começam com pequenos agregados e aumentam gradualmente a sua massa.
·
à
medida que os organismos e as sociedades crescem vão assumindo estruturas cada
vez mais complexas.
·
de
início não se observa mútua dependência entre as partes componentes, mas à
medida que se tornam mais complexas, assumem tal dependência que o
funcionamento de uma parte só é possível devido ao funcionamento das outras
partes.
·
a
vida do todo prolonga-se para além da vida das partes que o integram, as quais
cumprem um ciclo de vida, do nascimento até à morte. O todo mantém-se de
geração para geração.
Para além das semelhanças existentes entre os organismos e as
sociedades, Spencer também considera quatro diferenças entre os mesmos,
julgando no entanto que são insuficientes para invalidar a analogia.
à
diferenças
entre as sociedades e os organismos:
·
as
sociedades, contrariamente aos organismos, não têm formas exteriores
específicas. No entanto, a geografia de uma sociedade constitui a sua forma
exterior, que é condicionada pelo meio ambiente. Se se conseguir provar que a
forma exterior dos organismos também é condicionada pelo maio ambiente, esta
diferença desvanece-se.
·
as
sociedades apresentam largas descontinuidades entre os elementos que as
constituem, enquanto o organismo individual apresenta uma massa contínua.
·
num
organismo as partes que o constituem estão em regra fixas, enquanto que na
sociedade os indivíduos que as constituem têm liberdade de movimentos. Contudo,
Spencer considera que, já que os indivíduos no exercício das suas funções
sociais estão substancialmente fixos, também obedecem a regras fixas.
·
no
organismo individual a sensibilidade está localizada apenas num certo tecido,
enquanto na sociedade a sensibilidade está dispersa, pois cada indivíduo é
naturalmente dotado de sensibilidade.
O que Spencer
julga ser realmente relevante é o facto de nas sociedade se observarem
fenómenos de crescimento, estrutura e função análogos aos que se verificam nos
organismos individuais.
Conteúdo e contingências do estudo da Sociologia
O livro de Spencer
sobre The Study of Sociology, escrito à margem do sistema de filosofia
sintética, é uma análise pioneira dos problemas postos pelo estudo das
sociedades.
A necessidade de
uma Sociologia parece-lhe evidente atendendo à complexidade dos fenómenos
ligados à vida colectiva, que requerem um estudo metódico a fim de sobre eles
se poder formar opiniões correctas ou de adequadamente neles se poder intervir.
É certo que o
elemento da liberdade individual de que todos podem prevalecer-se torna difícil
previsões rigorosas. Mas também não se pretende chegar a previsões rigorosas de
actos individuais. Antes, o que se deseja é apurar as forças dominantes que
condicionam a evolução de conjunto das sociedades. Não haver previsões
rigorosas não invalida a qualidade científica da sociologia.
Também se objecta
que os factos da vida social nunca se repetem exactamente nos mesmos termos,
antes se verificam sempre de modo mais ou menos diverso.
Qual é então o
objecto da ciência social entendida nestes termos?
A ciência social
visa pôr à vista as tendências que se afirmam ao nível do todo social e que
necessariamente decorrem das características das partes que o compõem.
É difícil que uma
sociedade venha a ser algo substancialmente diverso daquilo que resulta das
características das pessoas de que é composta. Averiguar as relações
necessárias entre umas e outra e o que daí decorre é o objecto essencial da
Sociologia.
Para Spencer,
esta ciência é validada pela previsibilidade evidente das características de
crescimento, desenvolvimento, estrutura e funções dos agregados de que se
ocupa.
A Sociologia
explica, pois, como se forma, progredi e se transforma a organização dos grupos
à medida que se expande o número dos seus membros, como se diferenciam e
especializam as categorias e funções, como as estruturas têm de formar-se e
reformar-se em ligação com o processo de crescimento dos agregados sociais.
À ciência social
deparam-se muitas dificuldades, na verdade mais dificuldades do que a qualquer
outra ciência, e que decorrem da natureza do seu objecto, dos problemas de
observação que daí resultam e da própria condição em que o estudiosos se
encontra em relação aos factos da vida social.
Dificuldades
objectivas, em primeiro lugar, provenientes da natureza dos factos que há que
interpretar, dispersos, fragmentários, difíceis de congregar em uma imagem de
conjunto. Em muitos casos a importância atribuída a factos essenciais varia de época
para época, como consequência das concepções dominantes na opinião comum.
Depois, muitas pessoas com cujo testemunho tem de contar-se relatam os factos
tal como lhes convém que eles sejam e não como na realidade são. Deformações
que resultam de interesses pessoais, benefício material em perspectiva, paixão
ideológica e assim por diante.
Todavia, apesar
do seu número e qualidade, estes obstáculos à observação são superáveis, pois
que por detrás deles é possível surpreender, desde que se tomem as cautelas
devidas, os factos essenciais, que interessam à ciência.
Há, de facto,
muitas causas bem conhecidas de desvirtuação das interpretações dos factos
sociais. Uma é a deformação educacional que faz com que todos nós sejamos
criados no que Spencer chama duas religiões diferentes - uma é a da salvaguarda
do nosso interesse pessoal, defesa própria face aos outros, sem a qual a
sobrevivência seria impossível; outra é a da amizade e da cooperação com
outros, sem qual, por seu lado, a vida social seria impraticável.
Outras
deformações, que Spencer analisa em pormenor, decorrem de sentimentos
patrióticos, da visão em termos do interesse da classe profissional a que se
pertence, do preconceito político, da concepção religiosa.
Por isso é
necessário ainda o correctivo intelectual que apenas as ciências concretas
podem dar. A Lógica e a Matemática ajudam a compreender as formas. A Mecânica,
a Física e a Química permitem entender o papel dos factores. É necessário
passar depois ao estudo dos produtos, através das ciências concretas que
permitem chegar aos conceitos de continuidade, complexidade e contingência. A
Astronomia e a Geologia permitem eficazmente apreender a ideia de continuidade.
As ciências orgânicas, que lidam com os fenómenos da vida, conduzem à apreensão
mais correcta dos fenómenos de causalidade complexa que determinam as
transformações e da extrema contingência das circunstâncias que estão
subjacentes a cada mudança.
Lei geral da evolução e a estrutura das sociedades
Segundo Spencer,
explicar algo é traçar a sua história desde «o seu aparecimento a partir do
imperceptível até ao seu desaparecimento no imperceptível». Assim, explicar as
sociedades é explicar as suas transformações sucessivas.
Considera a
sociedade um super-organismo, pois nela se fazem sentir os efeitos das
interacções dos organismos individuais entre si e destes com os corpos
inorgânicos. E acredita que explicar este super-organismo é mostrar como se
fixam as leis gerais que regem a evolução dos fenómenos de todas as ordens.
Spencer
sustenta que a lei geral do progresso é a lei de evolução comum a toda a
natureza, afirmando sem qualquer dúvida que o progresso orgânico consiste na
passagem do homogéneo para o heterogéneo, e do indefinido para o definido, da
simplicidade para a complexidade. É esta tese que Spencer mostra no seu ensaio,
Progress: it’s law and cause, publicado em 1857.
Segundo Spencer,
o progresso consiste numa série de transformações sucessivas, que assenta numa
lei universal de transformação - Lei da Natureza.
Esta força pode
levar à evolução da sociedade, ou à dissolução da mesma.
Com o objectivo
de estudar a forma como as sociedades evoluem, Spencer junta-se a David Duncan,
um universitário, e escrevem um tratado entitulado Sociologia Descritiva.
Agruparam as sociedades conhecidas em três classes:
·
Sociedades
não-civilizadas
·
Sociedades
civilizadas, extintas ou decaídas
·
Sociedades
civilizadas, recentes ou ainda florescentes
Usando os
materiais dos álbuns de tabelas da Sociologia Descrita, em Princípios
de Sociologia mostra-se como na vida das sociedades se verifica a lei geral
da evolução.
Spencer mostra
como as sociedades crescem por agregação de partes, do simples para o complexo.
Classifica as Sociedade quanto ao seu grau de composição e quanto ao tipo
organizacional dominante.
à
Classificação
das sociedade quanto ao grau de composição:
Verifica quatro tipos de sociedades:
¨
Simples
¨
Compostas
¨
Duplamente
compostas
¨
Triplamente
compostas
Nas Sociedades Simples verifica quatro tipos de chefia:
¨
sem
chefia
¨
com
chefia ocasional
¨
com
chefia vaga e instável
¨
com
chefia estável
Nas Sociedades Compostas e nas Duplamente Compostas verifica três
tipos de chefia:
¨
com
chefia ocasional
¨
com
chefia instável
¨
com
chefia estável
O grau de sedentarismo é igual em todos os tipos de sociedade:
¨
Sociedades
nómadas
¨
Sociedades
semi-sedentárias
¨
Sociedades
sedentárias
Em todas as
sociedades existem três sistemas:
·
sistema
operativo: com a
complexidade social verifica-se a constituição de escravos, uma classe de
pessoas que se ocupa basicamente da manutenção e que constituem a parte
operativa da sociedade.
·
sistema
regulador: diz respeito
ao exercício da actividade militar.
·
sistema
distributivo: é
intermédio aos outros dois sistemas, e regula a transferência de bens e
serviços. Este sistema só surge nas sociedades duplamente compostas.
Nas sociedades triplamente compostas estes três sistemas assumem a
sua maior complexidade.
à
Classificação
das sociedades quanto ao tipo organizacional dominante:
Þ
Tipo
Militante: neste tipo
toda a sociedade está organizada para a guerra, toda a organização social é
penetrada pelo espírito que usualmente enforma as instituições militares. O chefe
militar é também o chefe político. A distinção entre os cidadãos é feita
segundo uma hierarquia análoga à dos exércitos, pois há uma diferenciação
social em ordens ou níveis. Muitas vezes, o chefe militar e político é também o
chefe religioso.
Também na área
das actividades de manutenção se faz sentir o efeito do tipo militante, pois a
economia da nação tem como fim básico servir a intendência dos exércitos.
A ideologia
dominante numa sociedade de tipo militante é a de que os indivíduos existem
para servir a sociedade, e não que esta existe para servir as pessoas que a
compõem.
Þ
Tipo
Industrial: neste tipo a
sociedade está organizada de acordo com as conveniências do exercício de
actividades de manutenção - agrícolas, manufactureiras e comerciais.
Este tipo é
caracterizado por uma maior autonomia das partes. Na área industrial e
comercial predomina o espírito da negociação entre os interessados,
afastando-se as práticas de imposição, predomina o sistema distributivo.
Nesta sociedade o
dogma já não é imposto rigidamente e aceita-se, pouco a pouco, a opção
individual em matéria religiosa. Perde-se, também, a mentalidade do “dever de
obediência” e surge a doutrina de que a vontade dos cidadãos é soberana, e que
o governante deve executar decisões colectivas.
Spencer
acreditava, ainda, na possibilidade de evolução para outra sociedade, a do tipo
social.
Þ
Tipo
Social: neste tipo a
sociedade estaria organizada para servir o indivíduo. A sociedade é instituída
à imagem dos indivíduos.
O Homem em face do Estado
Spencer considera
que o Estado deve interferir o menos possível na vida social, sob pena das
desvantagens serem muito superiores às vantagens. Sobre este assunto publicou
várias obras, entre elas The Coming Slavry.
3. AS ESCOLAS DE
PENSAMENTO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS DO SÉCULO XIX
3.1. A
Sociologia Biológica
a) A
Teoria Orgânica das Sociedades
Dentro da Teoria
Organicista surgiram vários autores que tratam o tema de diversos modos.
Entre esses autores encontra-se Von Lilienfeld, Schaffle, Fouilleè,
Espinas, Worms, Novicow, entre outros. Note-se que a tese
de Spencer de que a sociedade é um organismo teve forte influência nesta teoria
- a Teoria Orgânica das Sociedades.
Lilienfeld
tinha uma perspectiva biológica da sociedade, e procurava entender como ela
funciona. Afirma que a forma elementar da vida é a célula, um conjunto de
células formam tecido, e um conjunto de tecidos formam um órgão, e um conjunto
de órgãos constituem um indivíduo, e um conjunto de indivíduos formam uma
sociedade. Assim, Lilienfeld verifica que a sociedade está sujeita ao mesmo
processo de transformação que os organismos.
Schaffle
também pensava que a sociedade tinha de ser vista como um organismo. Pois, tal
como o corpo humano possui o sangue que possibilita o seu funcionamento, também
a sociedade possui um sistema de bens que lhe permite a sua sobrevivência. Tal
como o corpo humano possui um sistema de comando, o cérebro, também a sociedade
possui um, o governo.
Ideias análogas se encontram, com variantes mais ou menos
significativas, nos outros representantes desta corrente de pensamento.
b) O
Darwinismo Social
São designadas
por este nome as concepções dos que viram a evolução da sociedade como
resultando de um processo de luta e de competição, de que decorre a
sobrevivência dos mais aptos.
Estas ideias
surgem desenvolvidas segundo duas correntes: uma que se apoia bastante em
analogias tiradas dos estudos sobre a luta dos animais e plantas pela
sobrevivência face à ameaças do meio que as rodeia; e outra que recorre
sobretudo à interpretação dos exemplos históricos de lutas entre povos e de
conquistas de um povo por outro.
A primeira
corrente é representada por diversos escritores ingleses e americanos da
segunda metade do século XIX, como por exemplo Walter Bagehot e William
Graham Sumner.
Bagehot
(1826/1877) pertencia a uma família inglesa de classe média, estudou em Oxford
e ingressou nos negócios bancários. A partir de 1860 foi directo do “Economist”,
tendo apresentado, numa primeira fase, os seus pontos de vista em forma de
artigos numa revista, que mais tarde vieram a ser compilados, dando origem ao
livro Physics and Politics (1872).
Nesta obra,
Bagehot, desenvolve a teoria da evolução dos grupos humanos assente na luta
entre uns e outros. Uma luta conduzida por grupos de homens em cooperação e não
por indivíduos. A evolução dos costumes nascia da pressão das necessidades de
defesa e de conquista. A coesão do grupo é o principal pré-requisito para a
vitória na luta de grupos.
Bagehot, tal como
Spencer, acreditava no progresso. Sustentava que este era possível desde que a
força da legalidade baseada na imitação fosse bastante poderosa para unir a
nação num todo, mantendo, no entanto, a variação necessária para garantir a
sobrevivência e a transformação natural das sociedades.
Sumner
(1840/1910), professor da Universidade de Yale, foi bastante influenciado pelas
ideias de Spencer. Sumner via a sociedade como um sistema de forças sujeitas a
leis que é tarefa da ciência investigar. Afirma que a lei básica é a da
evolução, um processo que o esforço
social não pode modificar.
Sumner defende o
sistema liberal e para ele, o darwinismo social resume-se à luta pela
sobrevivência, da qual sobreviverão os mais aptos. Todas as formas de
regulamentação social que impeçam o livre desenvolvimento da competição e a
recolha dos frutos do seu êxito por parte dos mais hábeis e lutadores devem ser
afastadas como contrárias às necessidades do progresso.
Sumner tentou publicar
um tratado de Sociologia, mas só o seu assistente o conseguiu, no entanto,
publicou Folkways, que é uma tentativa para explicar a origem evolucionista, a
natureza, a função e a persistência dos hábitos de grupos. A primeira tarefa do
Homem é viver, por isso começa com actos e não com pensamentos.
A segunda
corrente é representada pelas obras de autores da Europa central, como Gumplowicz
e Ratzenhofer.
Gumplowicz
(1838/1909) era um judeu polonês, tendo sofrido toda a vida de um complexo de
inferioridade. Na sua opinião a evolução social e cultural resulta inteiramente
da luta entre os grupos sociais. Somente o grupo é importante, pois o indivíduo
é produto do grupo.
Gumplowicz acha
que os grupos precisam de lutar porque os grupos humanos têm origens diversas
(tese poligenética), não mantendo entre si laços de sangue, e porque existe um
ódio insuperável entre as diferentes raças. Estas lutas dão origem à
constituição do Estado, assente no processo de imposição de um grupo a outro.
Nestas condições os Estados só podem crescer continuamente pela absorção dos
vizinhos ou serrem vencidos na luta e decaírem até serem por sua vez integrados
em um Estado constituído por um povo vizinho mais dinâmico.
Contrariamente a
outros evolucionistas, Gumplowicz mostrava-se pessimista em relação ao
progresso. Não aceitava a ideia da evolução da humanidade como um todo, porque
para ele não existia humanidade. Considerava que não existia progresso nem
retrocesso da história como um todo, pois para ele só se observa progresso em
períodos particulares e em países particulares.
Ratzenhofer
(1842/1904) afirma que a Sociologia é a ciência das relações recíprocas entre
os seres humanos, e a sua tarefa é descobrir as tendências fundamentais da
evolução social e as condições do bem-estar dos seres humanos. A ordem social é
a organização da luta pela existência. O conflito prevalece devido à disposição
inata do homem a obedecer aos impulsos primitivos e a odiar todos os companheiros.
A teoria de
Ratzenhofer assenta no papel dos interesses individuais como chave do dinamismo
dos grupos. O processo social resulta da contínua formação de grupos à volta
dos interesses fundamentais em causa e da influência recíproca de uns grupos sobre
os outros. A luta entre os grupos conduz à conquista e incorporação na área do
poder de um grupo de outros grupos vizinhos, formando-se uma estrutura
política, um Estado, assente na diferença entre dominantes e dominados. Daí
decorre a formação de classes diferentes em conflito. Numa fase ulterior os
interesses que poderão ser satisfeitos por uma via pacífica poderão predominar
sobre o ambiente de conflito. Assim, ao “estado de conflito” poderá suceder o
“estado de cultura”, caracterizado pela igualdade política e social graças ao
aperfeiçoamento da organização social.
3.2. Teorias
da Influência Social da Raça e da Hereditariedade
a) Teoria Racial da História
Esta teoria deve-se ao Conde de Gobineau
e a Houston Stewart Chamberlain, que explicaram a evolução das
civilizações pelos efeitos das características rácicas dos povos. Os povos
progridem quando o seu fundo rácico é de boa qualidade e se mantém protegido
contra os efeitos de cruzamentos desfavoráveis. Pelo contrário, entram em
decadência quando as suas características rácicas se alteram.
Gobineau publica, de 1853 a 1855, um Ensaio
sobre a Desigualdade das Raças Humanas, em que faz uma crítica às teorias
que ao longo dos tempos surgiram para explicar a evolução dos povos. Sustentava
que o factor relevante na decadência ou evolução dos povos era a raça. Pois as
raças são desiguais, enquanto umas se mostram enérgicas e capazes de criarem
civilização, outras mantêm-se num estado primitivo. Afirmava que de início
existiam três raças: a branca, a amarela e a negra, de cujos cruzamentos provêm
todas as outras raças conhecidas.
Gobineau achava
que a raça branca era a raça com maior capacidade de criação, sustentando que
foi a criadora das principais civilizações. Dentro da raça branca, Gobineau
destacava a raça ariana, que considerava ser a raça superior. Pois parecia-lhe
que os Arianos foram os que mostraram maior criatividade, e que melhor souberam
preservar a sua identidade rácica. Esta raça só entrou em decadência quando
começou a cruzar-se com outras raças
Gobineau escreveu
isto tudo para mostrar que a França estava a entrar em decadência. A Revolução
Francesa foi considerada como uma luta entre a nobreza e o povo, que seriam de
raças diferentes, sendo a nobreza descendente dos francos e, por isso, de raça
superior. Gobineau achava-se representante da nobreza e, por isso, achava que
tinha direitos históricos. Após a Revolução Francesa, Gobineau disse ao povo
francês que por a nobreza ter sido afastada do poder francês, a França entrava
agora em decadência, ao contrário da Alemanha que continuava a progredir pois
era governada pela nobreza, pelas pessoas de melhor raça.
Chamberlain também considerava decisivo o factor
raça. Divergia, no entanto, de Gobineau pois considerava que não existiam raças
puras. Considerava que, se era possível, deveria aproveitar-se o “material”
humano favorável e fazer cruzamentos e selecção apropriados para obter um
enobrecimento rácico.
Tal era o fundamento do génio teutónico.
No entanto, Chamberlain achava que o génio teutónico estava a ser corrompido
pela raça judaica, que era preciso aniquilar. É sobre este tema que trata o seu
livro Grundlagen des Neunzehnten Jahrhundert (1899). É de salientar que
tal tese teve forte influência na política racista do Governo Hitleriano.
b) Teoria Eugénica de Base Biométrica
Esta teoria foi desenvolvida pelo médico
inglês Sir Francis Galton. Dedicou-se ao estudo biométrico, tendo
concluído que se as características físicas dos indivíduos se distribuem
segundo uma curva normal, o mesmo deve acontecer quanto às características
mentais. Conclui que a maior parte das pessoas se distribui em torna da média,
havendo um pequeno número de pessoas excepcionais, muito acima ou muito abaixo
da média.
Sustenta que quer
as características físicas quer as mentais são hereditárias, pois as
inteligências acima da média encontravam-se em determinadas famílias e passam
de pais para filhos - os talentos são hereditários. Afirma, então, que é
preciso aplicar esta teoria à política. Assim, deve incentivar-se as pessoas
inteligentes a terem filhos e dissuadir as pessoas menos inteligentes de os
terem, tendo em vista o aperfeiçoamento sucessivo das gerações. A capacidade
mental é a grande força das pessoas, é por isso que existem classes mais altas
e outras mais baixas.
Este Eugenismo
também se conjugou muito bem com a Teoria racial da História. Veja-se o caso do
Nazismo: perseguição dos judeus e dos ciganos como política de “higiene
racial”. Inventou-se um sistema de esterilização na Alemanha que consistia em esterilizar
os ciganos, sem estes saberem, através de um raio X, quando estes estivessem ao
balcão de um café. Também se praticou muito a eutanásia em pessoas portadoras
de deficiências ou doenças incuráveis. Muitos prisioneiros dos campos de
concentração foram levados para experiências médicas. Também a China executou
estas experiências.
O Eugenismo teve
o seu auge nos finais do século passado e no início deste século. A Alemanha
teve uma grande influência na expansão do Eugenismo.
Hoje estas práticas
ainda existem, pois está a ser recolhido esperma de grandes personalidades,
como o prémio nobel.
c) Teoria das Selecções Sociais
Esta teoria nasceu da obra de dois
autores, um francês e um alemão. Vacher de Lapouge e Otto Ammon
trabalharam com dados biométricos, e ambos observaram a existência de
diferenças sensíveis nas dimensões do crânio, estatura, pigmentação, cor dos
cabelos, entre outros, em indivíduos provenientes das várias regiões e de
diferentes camadas sociais dos seus países.
Lapouge, a partir das observações antropométricas que realizou,
distingiu três grandes tipos de raças: Homo Europaeus, Homo Alpinus e Homo
Mediterranicus. Sendo a melhor raça a do Homo Europaeus.
Concluiu também
que estava em curso um processo de selecção europeia, mas que era uma selecção
negativa pois os homens de melhor qualidade estavam a ser eliminados.
Factores de Selecção Social Negativa:
à
militar: nos exércitos há um grande número de
Homo Europaeus, pois estes eram muito mais aguerridos, mas a guerra matou
muitos destes grandes homens que não chegam a reproduzir-se, diminuindo assim a
melhor raça.
à
política: estes Homo Europaeus são pouco hábeis
para a política, são muito frontais e a política exige hipocrisia. Como não
sabem agradar a população são “perseguidos”, massacrados e até assassinados.
à
religião: os Homo Europaeus seguem a carreira
eclesiástica, são pessoas puras e sinceras, dedicando-se à suas fé e à sua
convicção. Daí resulta a impossibilidade de se reproduzirem.
à
moral: as pessoas que se sujeitam às regras
morais têm uma grande limitação sexual.
à
jurídico: limitativo da liberdade das pessoas.
Exemplo: a lei proíbe as pessoas de casarem com parentes próximos, assim,
obrigava as pessoas a casarem com pessoas de outras famílias que, possivelmente,
seriam de outras raças, o que levava à reprodução de pessoas com menos
qualidade.
à
económico: o poder económica resulta da diferente
capacidade de iniciativa das pessoas de diferentes características físicas. Os
Homo Europaeus são pessoas muito criativas, lançam-se em novos negócios
empresariais, mas como têm pouca manha são ultrapassadas pela concorrência,
ficando em risco. Assim originam-se casamentos por conveniência: Um Homo
Europaeus casa-se com uma mulher rica mas que pode não ser de boa raça.
à
ocupacional: resultava do processo de promoção nas
diversas profissões. AS pessoas bem sucedidas profissionalmente têm menos
filhos.
à
diferenciação
rural e urbana: tem a
ver com o facto dos citadinos terem menos filhos do que os rurais, o que
resultava numa migração selectiva.
d) Escola Italiana de Criminologia
Esta escola teve
início com o médico italiano César Lombroso, que publicou em 1876 um
livro entitulado O Homem Delinquente, onde tenta explicar pela
hereditariedade a propensão para o crime.
Lombroso faz a tentativa de uma caracterização biométrica dos
criminosos. Distingue, então, vários tipos de criminosos:
·
Criminoso
nato: nasceu com
características que o poderão muito inclinar para a delinquência, tendo
recebido por hereditariedade esta propensão para o crime.
·
Criminoso
epiléptico: é aquele que
pratica crimes dominado pela sua doença.
·
Criminoso
imbecil moral: não tem
sensibilidade moral, pratica crimes sem se dar conta do que está a fazer.
·
Criminoso
tipo criminalóide: leva
uma vida normal, mas certas circunstâncias podem levá-lo a praticar crimes.
·
Criminoso
impetuoso e apaixonado:
actua sob o impulso da irritação, da cólera, da paixão.
·
Criminoso
involuntário: pratica um
crime sem se dar conta, sem se aperceber (ex: copiar programas informáticos).
·
Criminoso
habitual: é aquele que
foi criado de uma maneira tal que já está habituado a cometer crimes, é para
ele algo de natural.
O criminoso que mais interesse suscitou
foi o criminoso nato, que mais tarde um jurista italiano, Ferri, designa
por criminoso atávico (a pessoa nasce já com propensão para o crime).
Ferri aparentava este tipo de delinquente com os homens das cavernas.
O criminoso nato
é descrito por Lombroso como tendo algumas características físicas designadas
por estigmas. Entre essas características encontra-se o progmatismo:
- dentes e nariz salientes
- barba escassa
- olhos oblíquos
- maças do rosto salientes
- oxicefalia
- cabeça estreita ou comprida
- céu da boca pontiagudo
- cabelos crespos
- etc.
Estes dados eram
importantes na dimensão prática, nomeadamente para a polícia. Os polícias
franceses, por exemplo, utilizavam as orelhas como meio de identificação, hoje
em dia existem as impressões digitais.
O livro O
Homem Delinquente suscitou problemas a nível jurídico, pois foi posto em
causa o princípio da responsabilização, pois “se o criminoso nato nasce já com
propensão para o crime, a culpa não é dele”.
Houve quem repudiasse a teoria de Lombroso, como por exemplo:
Grabiel Tarde
não aceitou as teses de Lombroso e publicou vários livros que afirmavam que era
através da imitação que as pessoas se tornavam criminosas, e que era mais frequente
encontrarem-se criminosos habituais.
Criou uma teoria
sociológica sobre as modificações da sociedade, afirmando que as sociedades
mudam segundo as vagas de imitação e invenção que se confrontam umas com as
outras. Deste confronto dá-se uma adaptação que funciona como ideia nova, isto
é, uma invenção que suscita a repetição e assim sucessivamente. Tarde escreveu
um livro denominado As Leis de Imitação.
Foi convidado
para professor de um colégio de França, criado há muitos séculos para funcionar
“ao lado” da universidade. A teoria de imitação que Tarde desenvolveu serviu de
base à Psicologia Social.
Emile Durkheim, catedrático de sociologia, repudiava as concepções de Tarde.
Teve uma grande influência na América e contribuiu bastante para a divulgação
da Psicologia Social.
Gorins
também contestou as ideias de Lombroso, tendo escrito The English Convict.
Comparou as pessoas das ruas de Cambridge e Londres com os criminosos presos,
tendo verificado que não existiam grandes diferenças com excepção do peso e da
altura.
Os criminosos
vinham de classes mais baixas, o que implica uma má alimentação. Os estigmas
não tinham, portanto, grande relevância.
3.3.
A
Corrente da Ciência Social
a) A Obra de Frederic Le Play (1806/1882)
Frederic Le
Play exerceu forte influência no desenvolvimento da sociologia aplicada.
Era aluno da Escola Politécnica, tendo-se formado em engenharia pela Escola de
Minas, da qual se tornou professor e dirigente.
Le Play recolheu
documentação sobre a pobreza operária, tendo-se interessado particularmente
pela situação social dos mineiros. Estes, devido às precárias condições de
trabalho, ficavam inválidos ou sofriam de outros males de saúde. Van Gogh
provinha de uma família rica e passou uma temporada da sua vida a trabalhar nas
minas em actividades de beneficência.
Le Play publicou,
então, um livro acerca dos dados que ele tinha sobre os mineiros entitulado Os
Operários Europeus (1855). Prosseguiu a sua actividade de recolha de
informação sobre os mineiros e, em 1856, fundou uma sociedade interna para
estudos práticos da economia social e das condições de vida dos operários. Isto
abriu-lhe uma carreira política publicando, em 1864, um livro entitulado A
Reforma Social em França, e em 1870, baseando-se no funcionamento das oficinas
publicou A Organização do Trabalho. Uns anos antes, em 1867, foi eleito
senador, o que contribuiu para aumentar a sua visibilidade.
Para Le Play, a
unidade de referência para o estudo de factos sociais era a família, e o meio
mais eficaz para estudar as suas condições de vida era através da realização de
um orçamento familiar. Este era conseguido através de uma comparação das
receitas e das despesas.
A base da
sociedade é a família e parecia a Le Play que para resolver a urgente tarefa de
melhorar as condições de vida dos operários era preciso “olhar” para a família.
As famílias estavam muito abaladas por causa da Revolução Francesa, que
introduziu uma coisa boa - o Código Civil -, o que alterou bastante a situação
da família.
Anteriormente era
a “família patriarcal” que predominava na sociedade. A autoridade estava a
cargo do chefe de família e, quando este falecia, os bens eram para o filho
mais velho que se tornava no novo chefe de família. Mais tarde começava a
predominar na sociedade a “família instável”, em que a autoridade não estava
unicamente a cargo do chefe de família (pai) e quando este falecia os bens eram
divididos por todos os filhos, o que, no entender de Le Play, criou
instabilidade familiar que levará ao fim da instituição familiar. O fim da
família patriarcal leva à pobreza. A maneira de lutar contra a pobreza é
reforçar a família, alterando depois o sistema:
conservação
forçada
Partilha de Bens partilha forçada
liberdade
de testamentar
Famille Souche: os camponeses emigram sem nunca perderem os bens que tinham na
sua terra antes de partirem. Pode ficar um irmão a tomar conta das terras, mas
os outros irmãos podem voltar quando quiserem.
Le Play achava
que este era um método de diminuir a pobreza e a marginalidade.
Uma das reformas revogadas por Le Play era a reforma civil para
advogar este sistema.
Le Play também
achava que a miséria dos operários estava relacionada com a igualdade e a
liberdade, já que não eram acompanhadas pela fraternidade. Pois, considerava que
a liberdade excessiva leva à indisciplina e a igualdade era fictícia.
Le Play
sustentava que existiam obrigações morais por parte dos mais ricos para ajudar
os mais pobres. Mas a partir do momento em que se estabeleceu nas leis que os
mais pobres eram iguais aos mais ricos, estes achavam que não tinham mais
obrigações para com os pobres. No entanto, Le Play, achava que os patrões (mais
ricos) deviam assumir as suas responsabilidades de tomar conta dos seus
empregados (mais pobres). O pagamento dos salários não era suficiente, a lei
tinha de mudar. Assim, Le Play criou um movimento de responsabilização moral do
patronato, pelo que muitas empresas criaram abonos de família, serviços de
acção social, etc.. Tudo isto conduziu ao sistema actual, em que se verifica
este tipo de ajuda patronal e estatal.
Gerou-se um grande entusiasmo em torno das ideias de Le Play, e
mesmo depois da sua morte, em 1882, a projecção das suas ideias e sobretudo dos
seus métodos de investigação social mantiveram-se, dando origem à escola dos
discípulos de Le Play.
b) Os Discípulos de Le Play
Os discípulos de Le Play esforçam-se por
compreender as causas da evolução das sociedades. O seu grupo de discípulos
divide-se em dois: o grupo francês, formado por Henri de Tourville, Edmond
Demolins, Roberto Pinot, Paul Rousiers, Vidal de la Blache,
entre outros, que deu origem à Sociedade Internacional da Ciência Social;
e o grupo inglês, que conta com Patrick Geddes, Vitor Branford e Charles
Booth.
A Sociedade
Internacional da Ciência Social promoveu uma brochura entitulada Nomenclature
de la science sociale, que expõe todos os pontos a considerar em qualquer
estudo de campo. Os seus discípulos franceses interessaram-se especialmente
pela constituição da família como elemento básico da vida dos povos.
Sustentavam que o factor mais importante na evolução das sociedades não era a
raça mas sim o factor ambiental, a situação geográfica dos grupos humanos.
Demolins escreve, então, um livro denominado Comment
la route crée le type social, que se revelou num estudo dos usos e costumes
dos asiáticos e como esses elementos foram mudando ao longo dos tempos. Como
modelo asiático, Demolins tomou os Mongóis, que eram uma família patriarcal e
que viviam muitas vezes em tendas. Não têm propriedade privada e toda a família
está organizada para se submeter à autoridade dos mais velhos. Este sistema é
tradicionalista, o que deu um grande mérito aos Mongóis, pois muitos dos seus
membros pertenceram ao exército de Gengiskhan. Esta família patriarcal foi-se transformando
devido à situação geográfica que por vezes obrigava a dividirem-se em pequenos
grupos.
Henri de
Tourville, padre, escreveu O Crescimento das Nações Modernas, História
da forma particularista de sociedade. Dedicou-se ao estudo do ambiente específico
da Escandinávia, tendo verificado que as famílias deste país eram muito
reduzidas dadas as condições geográficas. As famílias patriarcais que emigravam
para a Escandinávia eram obrigadas a habituarem-se a viver em famílias
pequenas, sendo obrigadas a adoptar uma nova forma de educação. Agora os jovens
são educados para se tornarem independentes e não para respeitar e obedecer à
autoridade do chefe de família. Assim, a família patriarcal dá lugar à família
particularista.
Os escritos deste
autor não são só estudos socialistas, são também uma crítica à sociedade
francesa.
Os seus
discípulos britânicos dedicaram-se mais aos estudos de campo sobre a pobreza e
as condições de vida dos operários. São os discípulos ingleses de Le Play que
vão dinamizar o estudo da sociologia.
Charles Booth,
por exemplo, alugou um quarto em Londres e fez um inventário sobre o modo como
as pessoas viviam, assim escreveu Life and Labour of the People in London.
Vitor Branford
também se dedicou ao estudo da pobreza, tendo fundado a “Le Play House”, a
primeira Associação de Sociologia e, ainda, a primeira Revista de
Sociologia.
Patrick Geddes
interessou-se pela melhoria das condições de vida das pessoas e dos bairros
mais pobres. Foi quem iniciou o interesse pela organização e planeamento das
cidades.
Nesta altura, torna-se moda fazer o “social survey”, levantamento
tipográfico. O tipógrafo faz a medida das propriedades e o mapa mostra a
disposição das casas (cadastro das propriedades). Este método inspirou a
sociologia americana.
3.4. Os Teóricos do Movimento Operário
a) A Ideologia do Trabalho
O movimento
operário surge em meados do século passado. A Revolução Industrial e os novos
métodos de produção levam ao crescimento da classe operária. Começam a surgir
pessoas que não têm como sobreviver senão pelo seu salário, pois, antes de se
verificar esta grande concentração urbana até o mais pobre tinha um pedaço de
terra que ia dando para plantar o suficiente para garantir a sua sobrevivência.
Agora as pessoas compram tudo o que comem.
Os diversos
autores que se esforçam por sistematizar uma ideologia susceptível de valorizar
politicamente o movimento operário constróem análises que são, simultaneamente
explicativas e normativas. Esses autores procuravam evidenciar as
transformações sócio-económicas, de que decorre a miséria operária, e as
medidas a tomar para remediar tal situação.
Começam, então a
surgir sindicatos e reformadores que acreditavam que era possível aproveitar a
“força operária” para pressionar a sociedade, e levar à reforma das
instituições sociais.
Este tipo de
raciocínio está fortemente documentado nos trabalhos de Proudhon, Karl Marx e
Friedrich Engels.
b) A Filosofia Social de Proudhon (1809/1865)
Proudhon,
nascido em Besancon e membro de uma família de classe média, começou a sua
carreira como revisor tipográfico. Desde os seus primeiros escritos que
insistia em identificar-se com a classe trabalhadora, mais concretamente, com o
proletariado. Através da Academia de Besancon, Proudhon solicita uma bolsa para
poder continuar os seus estudos, onde apresenta como motivo, para tal
deferimento, a promessa de dedicar a sua vida à melhoria das condições de vida
do proletariado.
Em 1839 publica A
celebração do domingo, em que faz a primeira defesa de um novo princípio de
justiça social: todos temos direito à ajuda da sociedade, em troca do nosso
esforço, independentemente do valor intrínseco do trabalho produzido. A
sociedade tem para com todos os cidadãos as mesmas responsabilidades que as
famílias têm para com os seus membros.
Em 1840 publica O
que é a propriedade? Investigações sobre o Princípio do Direito e do Governo,
livro que ficou conhecido como a primeira memória sobre a propriedade. Nesta
obra, Proudhon afirma que a propriedade é um roubo, apesar de ser vista como a
base da sociedade. As afirmações que Proudhon faz nesta obra levam a sociedade
a vê-lo como uma pessoas corrosiva, pelo que lhe foi cortada a bolsa que lhe
tinha sido concedida.
Proudhon
torna-se, então, jornalista para sobreviver, tendo, no entanto, continuado a
publicar os seus livros.
Publica, em 1843,
a Criação da Ordem na Humanidade, onde afirma que existe uma ordem na
humanidade e tenta explicar as raízes de tal facto. Este é um trabalho que mostra
as lacunas da educação de Proudhon, e é uma crítica à obra de Auguste Comte,
que escrevia nessa altura um tratado sobre Filosofia Positiva, nomeadamente no
que diz respeito à Economia Política, que Proudhon considerava que Comte
ignorava, e que para ele era a ciência do trabalho, sendo por isso uma ciência
fundamental.
Em 1846, publica O
Sistema das Contradições Económicas ou Fiolosofia da Miséria. Um
trabalho baseado nas obras dos economistas da época que Proudhon usava para
mostrar as contradições que existiam na economia da época. Neste livro,
Proudhon pretende promover uma nova ciência económica, diferente da antiga
Economia Política. Este foi um trabalho que veio a ser bastante criticado por
Marx em Miséria da Filosofia.
A seguir à
publicação do Sistema das Contradições Económicas, Proudhon dedica-se
mais à política francesa, entendendo que era necessária uma reforma social, que
passava pela transformação progressiva das formas tradicionais da propriedade.
Proudhon faz,
então, uma crítica constante ao Governo Provisório levado ao poder pela
Revolução de Fevereiro, que considera incapaz de entender as raízes da crise
social.
Proudhon propõe novas fórmulas para a
organização da sociedade:
·
tentou
criar um “Banco do Povo”, destinado a resolver parte do problema social pelo
crédito gratuito.
·
considerava
que o Estado Tradicional impedia a sociedade de se organizar e governar em
função do trabalho, pelo que é necessário reorganizar o estado, impondo-se uma
“constituição social” a uma “constituição política”, que Proudhon considera
artificial.
·
sustentava
que esta organização espontânea da sociedade económica levaria a equilíbrios
diferentes, consoante o grau de avanço do capitalismo. Verifica-se
primeiramente uma “anarquia industrial”, caracterizada pela concorrência,
depois um “feudalismo industrial”, pertencente aos monopólios privados,
atingindo o “império industrial”, em que o actor central da vida económica era
o Estado. Proudhon defendia a ideia de que se deveria chegar à “democracia
industrial”, assente na “comandita do trabalho ou mutualidade universal”.
Em 1858, Proudhon
escreve, em três volumes, A Justiça na Revolução e na Igreja, obra que
originou uma nova condenação, e que constitui uma revisão do conjunto de toda a
sua sociologia.
O seu ponto de
partida é o trabalho, que resultava do esforço colectivo, que, por sua vez, é a
base das ideias colectivas, do espírito colectivo e da consciência colectiva.
Tudo isto se reflecte sobre a acção, que é regulada pelo Direito, através da
justiça, que constitui a preocupação central de todo o seu pensamento. Proudhon
considera que a força colectiva está na base da sociedade, e a par dessa força
está um conjunto de ideias comuns. Assim, da acção surge uma razão colectiva,
pois as pessoas têm uma maneira comum de encarar os problemas que resultam
dessa acção, pelo que o órgão da razão colectiva é o grupo de acção que está na
origem da força colectiva.
Proudhon sustenta
que a justiça e o Direito são os intermediários entre as ideias e a acção.
Acredita que é preciso entregar a direcção da reforma social a um grupo, que
tenha por base a reforma do Direito, das regulamentações sociais, e que seja
capaz de assegurar a justiça. Segundo Proudhon, esse grupo seria o dos
operários, pois considerava que, uma vez que os operários estão em constante
contacto com o saber (trabalho), aqueles são os que melhor organizarão a
sociedade.
Tudo isto se
relaciona com o progresso que é uma das preocupações de Proudhon. Este
considera o progresso um esforço para realizar a justiça na sociedade, esforço
esse que pode ser corrompido dada a sua liberdade.
Em 1863, Proudhon
publica O Princípio Federativo ou a Necessidade de reconstruir o Partido da
Revolução, onde defende a ideia de que era preciso reduzir o poder do
Estado e desenvolver as ideias acerca das coorporatividades. Sustenta que só o
equilíbrio de poderes garante a liberdade de cada um.
Proudhon insiste
sempre que é à classe operária que cabe a missão de tomar o lugar da burguesia
na condução do progresso.
As obras de
Proudhon eram muito acessíveis, pelo que tiveram muita influência, sobretudo,
nos movimentos dos operários.
Note-se, ainda, a
notável contribuição de Proudhon no plano sociológico.
c) As Concepções de Marx e Engels
Karl Heinrich
Marx (1818 - 1883), filho de um advogado, entrou na Universidade de Berlim
como estudante de direito, mas saiu de lá licenciado em filosofia. A mudança
das suas intenções deveu-se ao ambiente peculiar da Universidade de Berlim, que
na altura era capital da Prússia, pelo que era muito militarizada e
burocratizada, e onde subsistia a
lembrança de Hegel.
Na obra de Marx
encontram-se muitas influências dos grandes teóricos da Revolução Francesa,
como Proudhon e Saint-Simon. Muitas das concepções económicas de Marx apoiam-se
em Ricardo e em Sismondi. Assim, os seus escritos assentam, substancialmente,
em ideias recebidas de outros.
Marx
estava preocupado com a reforma do Estado, pelo que tentava convencer a
Alemanha de que era necessário a intervenção de uma classe capaz de reformar a
sociedade. Sustentava que essa reforma caberia ao proletariado, e encarregou-se
de demonstrar que essa era a melhor opção.
A maior
influência que Marx sofreu foi, sem dúvida, a hegeliana. Na escola de Hegel
acentuava-se a divisão entre os conservadores e os progressistas.
Os conservadores repudiavam a hipótese de se modificarem as instituições
políticas na Prússia. Os progressistas
contestavam tudo o que fosse irracional, sustentavam que a sociedade se
transforma segundo uma certa racionalidade, pelo que entendiam que deviam
denunciar e corrigir as contradições da organização política da Prússia.
Foi este ambiente
que levou Marx a juntar-se aos jovens hegelianos de esquerda, como Bruno Bauer,
Edgar Bauer, Egbert Bauer, Max Stirner, entre outros, que tiveram uma forte
influência na política alemã e na evolução do pensamento de Marx. Os jovens
hegelianos eram notórios pela sua hostilidade ao Rei, à Igreja e a burguesia, e
tendiam a enunciar uma doutrina reformista a partir da filosofia de Hegel.
Esta visão do
hegelianismo de esquerda teve a sua primeira manifestação em 1838, num livro de
A. Von Cieskowski intitulado Prelegómenos à Filosofia da História. Este
livro advogava a necessidade de denunciar as irracionalidades contestando o
poder e as instituições existentes.
Os jovens
hegelianos são convidados a trabalhar com os “Anais de Halle para a ciência e a
arte alemão”.
Ludwig
Feuerbach, filósofo alemão, publicou nos “Anais de Halle” três artigos de
crítica à filosofia de Hegel. Estas críticas influenciaram Marx na sua
passagem do idealismo de Hegel para o materialismo.
Com a orientação
de Marx para o jornalismo político activo, acentua-se a sua preocupação com os
problemas concretos. Marx veio a colaborar na redacção do “Jornal renano para a
política, o comércio e a indústria”, a convite de jovens hegelianos que tinham
entrado para a direcção do mesmo jornal.
Dada a sua
capacidade e organização de trabalho, Marx ganha no jornal uma forte
influência, verificando-se a passagem do jornal a uma política de violenta
oposição ao Governo. Nos artigos que aí publicou é notória a sua tendência para
situar os desenvolvimentos ideológicos no seu contexto económico e social. De
todas as suas críticas aí publicadas, destacam-se as feitas aos debates da Dieta
Renana. Anunciava-se já ai uma das suas teses principais da fase comunista,
a ideia de que a lei é um instrumento ao serviço da protecção dos interesses
das classes que detêm o poder legislativo. Nessas críticas estava também
implícita a ideia de que os fenómenos económicos e sociais influenciam a
orientação das instituições do Estado.
Na sequência do
fim do jornal renano para a política, o comércio e a indústria, surgem os
“Anais Franco-Alemãs”. Apesar da sua efémera existência, o único número
publicado marca uma nova fase na evolução do pensamento de Marx e Engels.
O professor Gurvitch
chama a atenção para a influência das ideias francesas no pensamento de Marx,
destacando-se a influência da escola de Saint-Simon, sobretudo, pela relevância
que Marx dá à análise da vida concreta, ao esforço do homem por si próprio.
Gurvitch considera que o hegelianismo teve em Marx uma influência limitada.
Marx, no seu
estudo da economia, reconhece que teve como uma das primeiras influências um
artigo de análise económica publicado por Engels. Também Engels tinha
evoluído do hegelianismo para o comunismo, tendo-se familiarizado com o
movimento operário e com os trabalhos dos economistas ingleses. Muitos dos
temas que Marx viria a desenvolver já se encontram nesse artigo de Engels.
Durante a sua
estadia em Paris, de 1843 a 1845, Marx manteve relações com elementos
comunistas e alemães emigrados e com muitos dos principais chefes franceses das
esquerdas. Interessou-se pela acção política dos emigrados e assistiu
frequentemente às reuniões dos diferentes grupos.
Mantinha, ainda,
a convicção de que o proletariado possuía a capacidade de efectuar uma
revolução total, pelo que se interessou pelas condições que a isso
conduziriam. Ao mesmo tempo, interessou-se
pelo estudo da economia política e continuou a sua crítica da filosofia de
Hegel, o que levou ao desenvolvimento das suas próprias ideias.
Nesta altura, em
colaboração com Engels, escreve Sagrada Família, que consiste numa
crítica aos irmãos Bauer e aos seus seguidores, por estes acharem que conhecem
a história sem conhecer a indústria e os modos de produção da época que
estudam.
Desenvolve o
mesmo tema noutra obra, A Ideologia Alemã (1845/46), que ficou inédita.
Defende que a historiografia para analisar um indivíduo precisa de estudar a
sua constituição física e as suas relações com o resto da Natureza, e também as
suas modificações ao longo do tempo. Sustenta a tese de que aquilo que um
indivíduo é depende das condições materiais da sua produção.
Em Miséria da
Filosofia (1847), afirma que as relações sociais e as forças de produção
influenciam-se mutuamente.
Engels, em 1888,
publica uma obra de Marx, Onze Teses sobre Feuerbach, onde a sua atitude
sobre essa questão se encontra fixada. Estes escritos contêm as teses
sociológicas essenciais de Marx.
Marx sustenta que
aquilo que condiciona tudo é o modo como se efectua a produção social da
existência do homem. Qualquer tipo de produção exige um qualquer tipo de
colaboração, até mesmo o estabelecimento de relações sociais. Por sua vez,
estas relações pressupõem um qualquer tipo de linguagem que permita a
comunicação entre os intervenientes.
Começa, agora a
desenvolver-se a divisão do trabalho, que começou por ser uma mera distinção
sexual, mas que agora emerge naturalmente devido às capacidades físicas, às
necessidades, entre outros.
Os instrumentos
utilizados influenciam a divisão do trabalho, e as relações sociais variam
consoante as condições em que se processa a produção.
A divisão do trabalho
pressupõe, logo, a repartição dos instrumentos de trabalho e das
matérias-primas, o que implica a separação do capital e do trabalho e as
diferentes formas de propriedade. Assim, as várias fases da divisão do trabalho
correspondem a várias formas de propriedade. A propriedade tribal foi a
primeira forma, e assentava no trabalho familiar. Segue-se a propriedade
comunal e estadual na Antiguidade, depois a propriedade feudal, e
assim por diante.
Desta divisão de
trabalho e das diferentes formas de propriedade resulta uma diferenciação de
classes. E a superioridade de uma classe sobre as outras reflecte-se, por sua
vez, sobre o teor geral das ideias políticas dominantes. São as ideias que
presidem à organização do Estado.
Marx explica que
o desenvolvimento dos meios de produção obriga, inevitavelmente, ao
estabelecimento de novas relações de produção.
Em 1848, Marx e
Engels escrevem o Manifesto do Partido Comunista, um trabalho
encomendado pelo “Centro Londrino da Liga Comunista”, que pretendia um documento
onde estivessem assentes as condições e os objectivos do movimento. Como
resultado desta publicação, Marx foi expulso pelo governo belga, pois aí
expunha as suas teses sobre a evolução histórica da luta de classes, incitava à
revolução, atacando todos os movimentos reformistas que se opusessem aos
processos violentos, e acreditava na inevitável vitória do proletariado.
A expulsão da
Bélgica coincidiu com a Revolução de 1848 em França, e Marx pôde voltar a Paris
mas não ficou por lá muito tempo, tendo partido para colónia. Marx foi levado a
julgamento acusado de incitamento à revolta, dado o aumento do seu extremismo
nas suas actividades e nos seus escritos. Tal levou-o a abandonar a Alemanha,
novamente, tendo voltado a Paris mas transferiu a sua residência para Londres,
onde permaneceu até à sua morte.
Chegou a Londres
em 1849, e desenvolveu ligações com os meios extremistas e retomou a acção
política. Continuou a publicação do “Neu Rheinischer Zeitung”, que é agora uma
revista de economia política. Publicou nesta revista vários artigos sobre a
evolução política francesa. Ao mesmo tempo mantinha uma actividade jornalística
como correspondente europeu de “New York Tribune”, para o qual escreveu, muitas
das vezes com a colaboração de Engels, vários artigos sobre os mais variados
aspectos da política europeia.
Em 1859, publica Contribuição
para a Crítica da Economia Política, que antecede o seu tratado de
economia, cujo primeiro volume veio a público, em 1867, em Hamburgo, intitulado
O Capital. Nunca se dedicou à publicação dos outros volumes, tarefa de
que se ocupou Engels.
No prefácio da Contribuição
para a Crítica da Economia Política, mostra como a superestrutura se
transforma consoante o dinamismo da base. Mostra, também, como o dinheiro e o
trabalho assumiram conteúdos diferentes em cada época e sociedade. Chama a
atenção para as diferenças essenciais pelo que é preciso ter em conta o
contexto em que os fenómenos efectivamente se produzem.
Um dos aspectos
centrais da obra de Marx é o seu compromisso com um partido político.
Marx afirmou-se
como percursor da análise social pela sua preocupação em explicar as relações
dos diferentes aspectos da realidade social da vida das sociedades.
Foi este assunto
que muitos retomaram e desenvolveram, pelo que é correcto afirmar que a obra de
Marx teve forte influência no desenvolvimento da sociologia do conhecimento,
dos grupos e classes sociais, da sociologia económica e da social geral.
4. AS RAÍZES TEÓRICAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
ACTUAIS
4.1. Durkheim
e a sua escola
Emile Durkheim (1857/1917), diplomado pela Escola
Normal Superior, foi nomeado para tutelar um curso de Ciência Social em 1887,
depois de já ter leccionado Filosofia no secundário durante algum tempo.
A sua obra foi iniciada com o livro A
Divisão do Trabalho Social, publicado em 1893. Durkheim pretende
estabelecer a especificidade do social, procurando mostrar como as sociedades
são diferentes consoante a divisão de trabalho que nelas é feita. Sustenta que
a coesão das sociedades parte das formas de solidariedade que se ligam com a
própria divisão do trabalho.
Assim, Durkheim
distingue a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. A
primeira verifica-se, sobretudo, nos meios rurais e nas sociedades tribais, em
que há uma pequena divisão do trabalho. Todas as pessoas fazem as mesmas
coisas, pelo que a única divisão que existe é a nível do sexo, da idade e da
origem familiar. A segunda verifica-se nas sociedades avançadas, onde existe
uma acentuada divisão do trabalho. As pessoas especializam-se numa determinada
profissão, e trocam bens e serviços que produzem por bens e serviços produzidos
por outros. Vive-se, assim, numa sociedade de interdependência.
Estes tipos de
solidariedade associam-se a modelos culturais específicos.
A solidariedade mecânica:
·
acarreta
uma sociedade caracterizada pela homogeneidade mental, moral e social.
·
a
tradição ocupa um lugar importante na sociedade; governa o chefe de família.
·
existe
um forte controlo social, pelo que o direito é repressivo: todas as pessoas
devem ser iguais porque tudo o que é diferente causa escândalo, nesta sociedade
tal não é permitido, as pessoas são proibidas de “fugir” à cultura.
·
nesta
sociedade a propriedade é colectiva, tudo é de toda a gente.
·
a
religião é totémica, Deus exerce protecção mas não é relacionável.
A solidariedade orgânica:
·
esta
sociedade tolera facilmente as diferenças sociais, a nível dos gostos, crenças,
opiniões, entre outros.
·
por
conseguinte, o direito atenua-se, pois o sistema jurídico já não visa punir os
que actuam fora das regras mas sim
reparar os danos que aqueles causam.
·
esta
sociedade é governada por uma classe política, que agora é uma profissão.
·
nesta
sociedade, dado o individualismo económico, a propriedade é privada.
·
a
religião é personalizada, Deus é visto à imagem dos homens.
O seu segundo
livro intitula-se As Regras do Método Sociológico, foi publicado em
1895. Neste livro, Durkheim leva mais além esta procura da especificidade do
social, e aconselha o caminho a seguir para compreender as características
próprias dos factos sociais. Assim, afirma que é preciso tratar os factos
sociais como se fossem coisas, eliminando a afectividade e sendo-se imparcial.
Segue-se, em
1897, outra grande obra sob o título de O Suicídio. Durkheim tenta
mostrar que o suicídio resulta de condicionantes colectivas, e procura entender
as causas do mesmo.
Durkheim
distingue dois tipos de causas para o acto de suicídio: os factores
extra-sociais e os factores sociais.
Entre os factores extra-sociais, Durkheim distingue:
*
efeitos
dos estados psicopáticos:
conclui que a tendência para o suicídio nada tem a ver com uma inclinação para
a loucura.
*
efeitos
da raça e da hereditariedade: conclui que nem a raça nem a hereditariedade exercem forte
influência sobre a taxa de suicídios.
*
efeitos
dos factores cósmicos:
conclui que no Verão se verifica uma taxa de suicídios superior à do Inverno,
resultante de uma maior duração do dia, que implica uma maior intensidade da
vida colectiva.
*
efeitos
de imitação: conclui que
a imitação tem realmente influência em diversos casos de suicídio.
Os factores
sociais que causam suicídios permitem a Durkheim distinguir três tipos de
suicídio:
*
suicídio
egoísta: há factores que
levam o indivíduo a isolar-se do resto da sociedade, cometendo posteriormente o
suicídio. Veja-se o caso dos Protestantes e dos Judeus que, pela sua religião,
eram postos à margem da sociedade, ao contrário dos Católicos.
*
suicídio
altruísta: determinados
factores levam o indivíduo a subordinar-se excessivamente à colectividade,
ou um ideal. Veja-se o caso das viúvas
indianas que se suicidam para morrer com os maridos.
*
suicídio
anómico: há factores que
conduzem a grandes transformações sociais e, quer sejam elas negativas (ex.
época de crise económica), quer sejam positivas (ex. melhoria das condições de
vida), existem indivíduos que perdem a referência, pelo que não conseguem
adaptar-se às novas mudanças, cometendo, assim, o suicídio.
Por tudo isto,
Durkheim conclui que a única explicação plausível para justificar a taxa de
suicídios é uma explicação sociológica. É nas tendências colectivas que se deve
concentrar qualquer tentativa de entendimento deste fenómeno social. Pois só
assim é possível encontrar as soluções adequadas para este problema.
O seu último
grande livro foi publicado em 1912 sob o título de As Formas Elementares da
Vida Religiosa. Aqui, Durkheim tenta explicar o modo como determinadas
coisas se tornam sagradas, ocupa-se, especialmente, do sistema totémico na
Austrália. É o percursor da sociologia do conhecimento.
Os seus
discípulos continuaram a sua obra e dominaram a sociologia francesa até à década
de 1950. Destacam-se entre esses:
Marcel Mauss,
sobrinho de Durkheim que continuou a sua obra, embora se tenha dedicado mais à
Antropologia do que à Sociologia.
Maurice Halbwachs que escreveu sobre as classes sociais, sobre o suicídio e
especialmente sobre a memória colectiva.
François Simiand que publicou estudos sobre a evolução dos salários e os ciclos
económicos.
Celestin Bouglé que deixou um grande estudo sobre o regime das castas.
Entre outros...
4.2. A Sociologia de Max Weber (1864/1920)
Max Weber,
filho de uma família abastada teve excelente formação em Direito e Economia. Em
1894, Weber tornou-se professor de Economia na Universidade de Friburgo, e em
1896 foi chamado para exercer as mesmas funções na Universidade de Heidelberg.
Devido a um esgotamento, foi forçado a abandonar a actividade académica,
ficando vários anos impossibilitado de realizar qualquer trabalho intelectual.
O seu primeiro
grande trabalho foi uma dissertação sobre a Contribuição para a História das
Organizações Comerciais da Idade Média, que serviu de tese ao seu
doutoramento, em 1889. Aí fez um levantamento dos princípios que deveriam
presidir à repartição dos custos, riscos e lucros pelos intervenientes de uma
empresa colectiva. Por exemplo, os comerciantes da época corriam o risco das
suas naus serem assaltadas ou naufragadas, por isso começaram a estabelecer
entre si regras de ajuda e benefício mutuo, o que dá origem ao Direito
Comercial.
O seu segundo
trabalho foi um estudo sobre A História Agrária Romana e a sua Relevância
para o Direito Público e Privado, publicado em 1891. Neste estudo, Weber
procura relacionar os conceitos jurídicos com a evolução social, política e
económica da sociedade romana. Weber introduziu um método sociológico de
estudar o direito que procurava estudar as raízes históricas das instituições
jurídicas.
Em 1903 tornou-se
membro da revista alemã “Arquivos para a Ciência Social e a Política Social”,
onde publicou alguns artigos, entre eles o ensaio Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo.
Em 1918, foi
consultor da Comissão Alemã de Armistício de Versalhes, e foi também consultor
da comissão que preparou o projecto de constituição de Weimar.
A sua obra é
constituída por muitos ensaios e alguns livros. As colectâneas que se seguem só
foram editadas após a sua morte, pela sua viúva.
¨
Colectânea
de Escritos Políticos,
Munique, 1921
¨
Colectânea
de Ensaios sobre História Social e Económica, Tubingen, 1924
¨
Colectânea
de Ensaios sobre Sociologia Religiosa, Tubingen, 1920/21
¨
Colectânea
de Ensaios sobre Sociologia do Conhecimento, Tubingen, 1922
¨
Colectânea
de Ensaios sobre Sociologia e Política Social, Tubingen, 1924
¨
História
Económica, Munique, 1924
¨
Economia
e Sociedade, Tubingen,
1921
Note-se que foi
graças a Talcott parsons que a obra de Weber focou conhecida na América,
pois aquele foi quem se encarregou da tradução das obras de Weber.
Weber define as
acções humanas dotadas de sentido como objecto de estudo da Sociologia.
Considera que a acção dotada de sentido compreende todos os comportamentos
possíveis, com excepção do comportamento que Weber designa por reactivo. Assim,
Weber entende que as acções sociais podem ser classificadas, segundo o modo de
orientação, em quatro tipos:
·
acções
racionalmente orientadas para o sistema de fins individuais discretos: são aquelas em que temos em conta os
meios para atingir os fins.
·
acções
racionalmente orientadas para um valor absoluto: são aquelas que realizamos para
satisfazer unicamente fins religiosos, éticos ou estéticos.
·
acções
orientadas por considerações afectivas: são aquelas que decorrem dos impulsos emocionais.
·
acções
orientadas pela tradição:
são aquelas que realizamos pela tradição.
Weber interessou-se particularmente pela
influência da religião nas acções das pessoas.
Weber sustenta
que a sociologia visa entender as acções sociais, de modo a encontrar uma
explicação causal, o que implica necessariamente um esforço de compreensão, que
se pode realizar de duas formas: a compreensão por entendimento observacional
directo das ideias e comportamentos; e a compreensão explicativa, que assenta
no entendimento dos motivos do agente. Weber considera, ainda, necessária a
referência aos valores, já que estes representam um dos problemas principais do
estudo sociológico.
Weber considera que as ciências sociais
deviam ter um método de tipo ideal, que seria a abstracção, isto é, forma de
reconstruir a realidade para melhor a compreendermos. Ciente de que é
impossível apreender o real na sua diversidade, sustenta que devemos começar
por analisar a parcela do real, que estudamos, como um todo.
O seu ensaio
sobre a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é um exemplo
famoso da aplicação deste método de tipo ideal. Esta obra foi escrita numa
época polémica intelectual, em que Weber se envolveu com Werner Sombart,
um teórico da história do capitalismo que afirmava que o capitalismo fora
inventado pelos Judeus. Sombart achava que o capitalismo era toda a procura de
riqueza, ponto em que Weber discordava, pois considerava que o capitalismo era
uma forma racional e metódica de ganhar dinheiro (organiza-se o trabalho, a
produção, a venda e procura-se acumular os lucros obtidos).
Nesta obra, Weber
parte da construção de um tipo ideal de capitalismo. Para Weber, aquilo que
caracteriza o capitalismo não é a procura do lucro, em si, mas sim a
racionalidade que caracteriza essa procura. Assim, Weber define quatro condições
racionais do capitalismo:
·
separação
entre a economia doméstica e a da empresa: esta separação é essencial para se poder raciocinar em
termos metódicos. O capitalismo surgiu quando o empresário aprendeu a fazer
esta distinção, o que foi tardio.
·
trabalho
livre: durante muitos
séculos a mão-de-obra utilizada eram escravos, o que tornava difícil saber ao
certo quanto é que custava a mão-de-obra. Hoje em dia o patrão sabe exactamente
quanto é que lhe custa o trabalho de cada um dos seus operários.
·
contabilidade
racional: registo de
todos os custos e de todas as receitas que uma empresa tem, de modo a saber
qual é o seu lucro (gastos - despesas =)
·
racionalidade
burocrática: sistema
organizado de colaboração entre pessoas que dividem o trabalho e coordenam os
seus esforços.
Weber considera
que só quando estas condições se encontram reunidas é que uma empresa está
metodicamente organizada, sendo possível falar de capitalismo. Só assim o
capitalismo evolui. Os protestantes tiveram grande influência nas classes menos
abastadas (operários, artesãos), e Weber considerava que se inseriam muito bem
neste modelo racional do capitalismo. A corrente calvinista, em especial, teve
grande papel nas lutas religiosas dos séculos XVI e XVII nos Países Baixos, na
Inglaterra e em França, justamente os países onde a nova organização do
comércio e da indústria se começa a desenvolver.
O elemento mais
característico desta corrente é a doutrina da predestinação. Sob o ponto de
vista do protestantismo a riqueza é o sinal da salvação religiosa. O gozo dos
prazeres é associado ao pecado. É preciso ganhar dinheiro, mas devemos gastá-lo
somente para investir em mais trabalho e nunca em prazeres. Em face de tal
doutrina é compreensível a angústia de cada um, que não sabe se está salvo ou
condenado, mas que sabe que nada dos seus próprios actos poderá alterar o seu
fim.
A ética
protestante, no entender de Weber, está por detrás do capitalismo moderno.
Weber
explica o capitalismo como sendo o resultado de um processo religioso. Marx
considera a religião uma superestrutura determinada pela infra-estrutura.
4.3. A Obra de Vilfredo Pareto (1848/1923)
Vilfredo
Pareto era um fidalgo italiano, filho de pai italiano e de mãe francesa,
daí o seu domínio das duas línguas. Em 1870 licenciou-se na Escola Politécnica
de Turim com o curso de engenharia, pelo que esteve, durante um período,
empregado na actividade empresarial, como dirigente de Caminhos de Ferro de
Roma.
Em 1882, Pareto
recebeu uma herança que lhe permitiu dedicar-se somente ao estudo e à pesquisa.
Tornou-se conhecido em Itália pelos seus artigos de Economia e Matemática, e em
1893, foi nomeado para suceder Walras na Universidade de Lausanne, como
professor de economia política.
A obra de Pareto
divide-se entre a Economia e a Sociologia. Criticou bastante a sociedade
italiana, e era conhecido como um partidário da liberdade de comércio e do
desarmamento, e considerava a classe alta incompetente e desprezível. A partir
de 1900 tornou-se anti-democrata, criticando o aburguesamento dos políticos em
França.
Em 1902 publica Os
Sistemas Socialistas, onde faz uma critica mordaz às ideias socialistas que
caracterizavam o governo francês.
Em 1907 começa a
trabalhar no seu grande sistema de sociologia, o seu Tratado de Sociologia
Geral, que só veio a ser publicado em 1916. A sua ideia básica é a de que é
preciso refazer a sociologia e a economia com bases mais científicas. Tudo o
que havia existido era um misticismo, o progresso não existia. Era, pois,
preciso ver a vida social como um sistema de elementos em interacção. Os
elementos a considerar, no seu entender, podem dividir-se em quatro categorias:
à
elementos
naturais: solo, clima,
flora, fauna, condições geológicas, entre outras.
à
elementos
externos à sociedade no espaço: outras sociedades.
à
elementos
externos no tempo:
elementos resultantes do estado histórico anterior à sociedade.
à
elementos
internos da sociedade:
dos quais os mais importantes são:
·
resíduos:
propensões psicológicas.
·
interesses:
os bens.
·
derivações:
ideologias.
·
heterogeneidade
e circulação: diferenças de pessoas na sociedade, subida e descida na vida.
Para Pareto a
sociedade é um sistema e é preciso compreender as acções humanas nesse sistema.
A teoria psicológica de Pareto parte da análise das acções humanas que podem
dividir-se em:
·
acções
lógicas: são aquelas em
que existe um ajustamento lógico entre os meio utilizados para atingir os fins.
·
acções
não lógicas: são aquelas
em que os meios utilizados não têm relação com os fins, por exemplo, a dança da
chuva.
Pareto considera Economia
como a ciência das acções lógicas. E a Sociologia como a ciência das
acções não lógicas.
O comportamento
dos seres humanos tem por base impulsos psíquicos, sentimentais, desejos ou
instintos. Aos impulsos psíquicos Pareto chama resíduos, alertando-nos
para não confundirmos os resíduos com os sentimentos ou instintos a que
correspondem. Pareto agrupa os resíduos individualizados em seis classes
básicas com várias subdivisões.
Þ
Classes
de resíduos:
à
Instinto
das combinações: a
psicologia humana precisa de explicar as coisas, e fá-lo através da associação
de ideias (ex. se me dói as costas é porque vai chover). Esta classe
subdivide-se em:
·
combinações
em geral.
·
combinações
de coisas parecidas e díspares.
·
poder
misterioso atribuído a certas coisas e a certos actos.
·
impulso
para combinar resíduos.
·
impulso
para procurar explicações lógicas.
·
crença
na eficácia das combinações.
à
Persistência
dos agregados: instinto
conservador, tendência para manter determinados “valores” adquiridos. Esta
classe subdivide-se em:
·
persistência
das relações de indivíduos com outros indivíduos ou lugares.
¨
relações
com a família ou a comunidade.
¨
relações
com lugares.
¨
relações
com classes sociais.
·
persistência
de relações entre os vivos e os mortos.
·
persistência
de relações entre os mortos e as coisas que possuíram em vida.
·
persistência
de uma abstracção.
·
persistência
de uniformidades.
·
sentimentos
transformados em realidades objectivas.
·
personificação.
·
necessidades
de novas abstracções.
à
Manifestação
de sentimentos por actividades: as pessoas sentem necessidade de exteriorizar as suas emoções.
Esta classe subdivide-se em:
·
combinações.
·
exaltação
religiosa.
à
Sociabilidade: relações entre as pessoas. Esta classe
subdivide-se em:
·
sociedades
particulares.
·
necessidade
de uniformidade.
·
piedade
e crueldade.
·
auto
sacrifício por outros.
·
sentimentos
de hierarquia.
·
ascetismo.
à
Integridade
do indivíduo e dos seus atributos: preservação da honra e da dignidade. Esta classe subdivide-se
em:
·
sentimentos
que se opõem a alterações no equilíbrio social.
·
sentimentos
de igualdade entre os inferiores.
·
restauração
da integridade por operações no sujeito da mudança.
·
restauração
da integridade por operações no objecto da mudança.
à
Resíduo
sexual: condiciona as
relações interpessoais.
Esta
classificação dos resíduos é acompanhada pela classificação dos restantes
elementos:
¨
interesses: é aquilo a que Marx chama a luta de
classes.
¨
derivações: são os comportamentos que resultam dos
resíduos. Pareto considera que as ideologias são derivações. As pessoas têm
ideias revolucionárias ou conservadoras consoante tenham predominantemente
resíduos de combinações ou predominância de agregados.
¨
heterogeneidade: as sociedades são racialmente
heterogéneas. Gera-se uma pirâmide social, com uma hierarquia definida pela
diferença de aptidões, de resíduos. Esta pirâmide é composta por uma minoria de
muito dotados (classes altas) e uma larga massa de menos dotados (classes
baixas), passando por uma camada intermédia de pessoas de dotação média
(classes médias).
Circulação:
é o fenómeno de subida e descida de classes por parte das pessoas. Pareto
sustenta que «as aristocracias não duram muito. Qualquer que seja a razão, é
incontestável que ao fim de certo tempo desaparecem. A história é um cemitério
de aristocracias».
Pareto afirma que
se se juntarem os melhores de cada profissão encontra-se a elite de cada país.
E elite divide-se em:
·
política: o conjunto de pessoas que se dedicam ao
exercício do poder.
·
não
política: os economistas
e os engenheiros.
As elites
diferenciam-se das não-elites pelo tipo de resíduos que as caracterizam.
A umas corresponde o instinto da combinação e a outras a persistência
dos agregados.
Os resíduos da
elite precisam de estar em harmonia com os resíduos da massa. Caso isto não
aconteça a elite tem de ser substituída.
Em termos
políticos verifica-se uma alternância entre a Elite das Raposas e a Elite
dos Leões. É a alternância dos que tendem a recorrer sobretudo à habilidade
como meio de governo e a dos que estão dispostos a recorrer à força.
A Elite das
Raposas não usam a força para impor as ordens do governo, negoceiam. Esta
elite acha a repressão um meio incorrecto de governar.
A certa altura as
pessoas cansam-se do diálogo e começam a considerar os governos da raposa um
pouco caóticos. As pessoas sentem a necessidade de uma autoridade. A elite
transforma-se, então, numa elite autoritária, a Elite dos Leões, que
acha que devem ser suprimidas todas as formas de “distúrbio”. Esta situação
dura até as pessoas sentirem novamente uma necessidade de diálogo, pelo que a
Elite das Raposas sobe de novo ao poder, e assim sucessivamente.
Para Pareto
esta rotação das elites resulta da alteração dos resíduos da massa.
Ao nível das elites
económicas, Pareto distingue os “rentiers” e os especuladores.
Cada um destes grupos tende a actuar socialmente segundo os resíduos que os
caracterizam. O especulador é o sujeito no qual predomina o instinto
das combinações, e o proprietário (rentier) é o sujeito no qual
predomina o resíduo da persistência dos agregados.
No entender de
Pareto há ao longo dos séculos uma alternância entre ciclos de fé e ciclos
de dúvida. Nos primeiros predomina o resíduo da persistência dos agregados,
nos segundos predomina o instinto das combinações.
Pareto não define
a relação existente entre a Sociologia e as outras Ciências Sociais. Contudo,
sustenta que a Sociologia deve basear-se no método lógico-experimental, deve
ter princípios unicamente científicos, e deve ver a sociedade como um sistema
de equilíbrio imperfeito. Esta foi a principal contribuição de Pareto.
Pareto morre em 1923.
5. O
DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
5.1. A Escola de Chicago
Após as teorias dos autores Emile
Durkheim, Max Weber e Vilfredo Pareto, a sociologia sofre uma transformação.
Surge agora a
Sociologia Aplicada com a criação, em 1892, de uma nova universidade, a
Universidade de Chicago, sob a orientação de Albion Small. O novo departamento
de sociologia pretende contribuir para a compreensão dos problemas específicos
da cidade de Chicago.
Albion Small
fundou a primeira revista americana de sociologia, “ The American Journal of
Sociology” (1895). Esta revista foi durante muito tempo o órgão essencial da
Associação Americana de Sociologia. Criou-se depois uma outra revista denominada
“The American Sociological Review”.
Small lançou o
seu departamento no caminho de utilizar a teoria na prática. Estimulou um
grande inquérito que falava do problema da imigração.
Surgiu, então, um
projecto sobre a imigração dirigido por William Thomas. Tomou como
objecto de estudo os imigrantes Polacos, e procurou estudar o modo como eles se
inseriam na sociedade americana. Verificou que eram, sobretudo, camponeses que
ao chegarem aos Estados Unidos se tornavam em operários de fábricas.
Thomas vai à
Polónia para reunir documentação sobre a vida dos Polacos. Nesse país contactou
com Florian Znaniecki, e produziu um livro em nome de ambos intitulado The
Polish Peasant in Europe and America, é o primeiro estudo prático e
concreto de um tipo de pessoas. Este
estudo revelou métodos inovadores:
·
utilização
de cartas pessoais (método que depois foi criticado).
·
obtiveram
a autobiografia de um rapaz polaco que contou a sua vida desde que habitava na
Polónia até à emigração para a América.
·
Thomas
comprou artigos de um jornal polaco que já tinha fechado.
·
serviram-se
da documentação das paróquias.
·
dirigiram-se
à polícia e aos tribunais para saber dos aspectos criminosos praticados pelos
Polacos.
Entre
outros...
Na altura da I
Guerra Mundial, Robert Ezra Park foi para Chicago, até então tinha
trabalhado como jornalista e era uma pessoas com ideias liberais. Doutorou-se
na Alemanha com uma dissertação sobre A Massa e o Público.
Park propunha que
se estudassem as diversas zonas da cidade, de modo a saber-se quais as
características das pessoas que aí viviam, qual o seu modo de vida e quais os
seus problemas. Sustentava que as pessoas viviam num certo equilíbrio com o
ambiente, ou seja, há um equilíbrio e uma interdependência das vidas humanas
com as plantas e os animais no espaço. Park ficou, então, conhecido pelos seus
estudos sobre a Ecologia Humana.
Em 1921, publica
em colaboração com Ernest W. Burgess a Introdução à Ciência da
Sociologia, manual conhecido por “Bíblia Verde”.
Em 1925, também
em colaboração com Burgess, publica The City, um estudo sobre o meio
urbano realizado segundo a abordagem ecológica - Ecologia Urbana. Mostra que na
cidade de Chicago se podiam distinguir várias zonas: o núcleo central da vida,
que é a zona de negócios. Esta é rodeada pela zona pobre, que por sua vez é
rodeada pela zona de habitação de operários. Logo a seguir encontra-se a zona
dos prédios de apartamentos e, por fim, a zona das vivendas.
Esta teorização
ecológica continuou na obra de McKenzie.
A Escola de Chicago construiu uma teoria nova sobre a organização
das cidades. E fizeram vários estudos sobre os aspectos humanos da área de
Chicago.
*
Um
dos primeiros estudos que aqui se realizou foi sobre os negros de Chicago,
levado a cabo por C. S. Johnson na obra The Negro in Chicago
(1922). A libertação dos escravos permitiu-lhes movimentar-se livremente pela
América. Quando surge a I Guerra Mundial as fábricas do Norte ficaram sem
mão-de-obra, então, fez-se restrições à imigração, privilegiando os habitantes
do Sul. Foi assim que surgiram os chamados bairros negros, especialmente nos
Estados Unidos.
*
O
estudo de Nels Anderson foi sobre o “hobo”, The Hobo: The Sociology
of Homeless Man (1923). O “hobo” é um tipo de cidadão que não trabalha para
viver mas sim para sobreviver, vive ao ar livre. Para efectuar o seu estudo,
Nels foi viver como “hobo”, descrevendo a forma como este tipo de cidadão
vivia. Foi depois professor universitário e presidente da assembleia académica
da sociologia.
*
Um outro
estudo foi o de Frederic M. Thrasher, que escreveu The Gang, um
estudo sobre os bandos de rapazes. Thrasher constatou que muitos destes rapazes
estavam ligados a actividades delinquentes (roubos). Começou a percorrer as
ruas de Chicago para inventariar estes bandos, tendo verificado que estes
chegavam a passar as noites inteiras a marginalizar. Thrasher verificou,
também, que estes bandos eram fontes de recrutamento de “gangsters”, que
recorriam, sobretudo, a clubes desportivos para recrutar rapazes de físico
forte.
Nos anos 20
vivia-se na América a Lei Seca, que proibia o consumo de bebidas alcoólicas em
lugares públicos. Assim criou-se o contrabando destas bebidas, dirigido por
membros desses bandos. Por causa da competição de mercado os bandos eram rivais
entre eles. Transportavam as bebidas em camiões do lixo e atacavam-se
mutuamente. Para se defenderem começaram a usar armas.
*
O
estudo de Cressey foi sobre The Taxi Dance Hall, um sítio onde se
alugavam as mulheres para dançar, como um táxi. Este tipo de coisa era uma
forma disfarçada de prostituição. A Escola de Chicago pretendia perceber como é
que funcionam estes clubes.
*
Harvey
Warren Zorbaugh escreveu
The Gold Coast and the Scum (1929) um estudo sobre uma área da cidade
onde coexiste uma zona de habitações ricas (“The Gold Coast”) e uma zona de
habitações mais pobres (“Slum”). Verificou que a chamada Costa do Ouro foi-se
tornando menos prestigiada, os bairros foram envelhecendo e ocupados por
pessoas de classes mais baixas.
*
como
estes, outros estudos foram realizados por diversos autores sobre variados
temas.
A Escola de Chicago foi a responsável
pelo desenvolvimento e homogeneização da sociologia americana.
5.2.
O Exemplo
da Antropologia. As Monografias de Comunidade
A Universidade de
Columbia também contribuiu para o desenvolvimento da sociologia, tendo
desenvolvido, sobretudo, duas linhas de investigação: os estudos de comunidades
e os estudos sobre fenómenos de opinião pública.
Franklin H.
Giddings (1855/1931), professor catedrático desta universidade, criou aí um
departamento de ciências sociais e políticas. A sua maior preocupação era com
problemas de teoria sociológica, tendo contribuído bastante para o
desenvolvimento dos estudos de campo.
Franz Boas
(1858/1942), nascido na Alemanha, tornou-se professor de Antropologia na
Universidade de Columbia. Formou-se em física, em 1881, com uma dissertação
sobre a cor da água do mar.
Boas foi bastante
influenciado pelo seu professor Theobald Fisher. Boas viajou até à Terra de
Baffin, donde trouxe muito material sobre as populações esquimós. Numa outra
viajem, Boas recolheu material sobre os índios Kwatiutl.
Durante alguns
anos colaborou com alguns museus.
Boas esforçou-se
sempre por manter um controlo rigoroso das informações recolhidas nos trabalhos
de campo, de modo a evitar generalizações que lhe pareciam prematuras.
Clark Wissler
foi um dos discípulos de Boas, e propôs regras para o estudo da cultura.
Publicou Man and Culture, em 1923.
São de notar os
estudos de Malinowski sobre os indígenas das ilhas Trobiand, Argonauts
of Western Pacific (1922), e a monografia de Radcliffe-Brown sobre
os indígenas das ilhas Andaman, no Oceano Índico, The Andaman Islande - A
Study in Social Antropology (1922). Este último autor foi bastante
influenciado por Durkheim, e parecia-lhe que a Antropologia Cultural não dava
bastante atenção às estruturas sociais.
Estes dois livros
publicados em 1922 causaram um impacto muito grande nos livros dos maiores
académicos.
Nesta altura, Robert
Lynd, um padre presbiteriano que trabalhava no instituto de intervenção
social e religiosa, quis fazer um estudo sobre a prática religiosa na América.
Abordou, então, pessoas que lhe soubessem indicar o melhor método para o fazer,
pelo que entrou em contacto com Wissler, que lhe sugeriu que a aplicação dos
métodos de Malinowski, ou seja, que estudasse uma cidade pequena como se fosse
uma tribo.
Robert Lynd e sua
mulher, Helen Lynd, foram com uma equipa de colaboradores viver durante 18 meses
para uma cidade indiana chamada Muncie, para fazer um trabalho de campo. Para
tal, utilizaram os seguintes métodos:
- foram viver com os habitantes de Muncie.
- serviram-se de documentos.
- recolheram informação numérica (estatísticas).
- metiam conversa com a população de Muncie procurando investigar
sobre o seu modo de vida.
- falavam também com pessoas que ocupavam posições estratégicas
(padres), e também com as donas de casa (Working class e Business class).
- serviram-se, ainda, de questionários que mandavam a clubes
desportivos, escolas, etc.
Assim, obtiveram
material suficiente para escrever o livro Middletown, A Study of a Modern
American Culture (1929), que obteve logo um grande êxito, pelo que Ogburn,
presidente da Associação Americana de Sociologia, dedicou a Lynd o seu discurso
presidencial. A família Lynd usou de um pseudónimo neste livro, pois algumas
das coisas que aí referiam não agradavam aos habitantes de Muncie.
A grande
depressão dos anos 30, leva a família Lynd a voltar a Muncie, com o intuito de
saber como é que os habitantes desta cidade tinham sido afectados pela crise, o
que deu origem à publicação de um outro livro intitulado Middletown in
Transition (1937).
Com estas duas
obras inicia-se uma época de monografias de comunidades.
Assim, Lloyd
Warner, um antropólogo que inicialmente estudou os indígenas da Austrália,
seguiu as pisadas de Lynd e publicou um livro sobre a cidade de Newburyport,
atribuindo-lhe o pseudónimo de Yankee City.
Com base nos
estudos das estruturas da população, fez uma descrição da sociedade Yankee
(ingleses) e um estudo sobre as greves. Estudos que resultaram numa compilação
de volumes intitulada Yankee City Series.
Daqui surge um
novo sistema de classes denominado por “status de classes”. Em paralelo às
classes em luta de Marx aparece o prestígio das classes de Warner.
Depois destas
muitas outras monografias foram realizadas, entre elas:
Cast and Class in a Southern Town (1937), de John Dollard.
Deep South: A Social Anthropological Study of Caste and Class (1941), de Allison Davis, B.
B. Gardner e Mary Gardner.
Plainville, U. S. A. (1945), de James West.
5.3. Os Estudos de Opinião Pública e de Fenómenos de Comunicação
Social
a) Sondagens de opinião
O interesse pelas
questões relacionadas com as tendências da opinião pública é antigo. Ganhou
relevo em sequência de situações ocorridas na I Guerra Mundial: a propaganda.
Esta técnica foi utilizada por Inglaterra desde as guerras napoleónicas. A
Revolução Bolchevique de 1917 também contribuiu para o desenvolvimento destes
estudos.
É neste contexto
que surge o primeiro libro de opinião pública de Walter Lippman
intitulado Public Opinion (1922). Aqui discute-se o papel da imprensa na
sociedade e o modo como a propaganda, concretamente na Revolução Bolchevique,
pode influenciar e informar.
Mussolini chega
ao poder em Itália através de uma acção de propaganda muito eficaz.
Hitler chega ao
poder mais tarde, imitando os métodos de Mussolini. Hitler cria, pela primeira
vez, um Ministério da Propaganda chefiado por Giebbels. Uma das formas de
propaganda era a rádio, que era transmitida muito para lá das fronteiras
alemãs.
Nos Estados
Unidos, uma das primeiras formas de aplicação sobre estudos de opinião foi
através de sondagens eleitorais. Os jornais mandavam questionários para os seus
leitores, juntavam os resultados e publicavam-nos.
Em 1933, Hoover
concorreu contra Roosevelt para a presidência americana. A maioria dos jornais
previram a vitória de Hoover, sendo o “Litterary Digest” o único que previu a
vitória de Roosevelt. Em 1936, as eleições foram entre Laudon e Roosevelt e aí,
apesar de gastos espectaculares, o “Litterary Digest” enganou-se ao prever que
Laudon seria o vencedor.
George Gallup,
presidente do “American Institute of Public Opinion”, organizou algumas
sondagens com resultados interessantes. Crossley também o fez, mas foi Elmo
Roper, numa sondagem para a “Fortune”, que inquirindo 4500 pessoas acertou
no resultado de umas eleições presidenciais.
O sucesso destes
três homens estava no método que utilizavam para as sondagens. A eles não lhes
interessava a quantidade mas sim o tipo de pessoas que inquiriam,
preocupavam-se, pois, em inquirir representantes das várias classes sociais.
Por não terem
usado este método é que as sondagens das eleições de 48, em que Truman e Dewey
disputavam a presidência, falharam redondamente ao darem a vitória a Dewey. É
que as sondagens foram feitas por telefone, e o povo, que votou maciçamente em
Truman, não tinha telefone.
b) Escalas de Medida de Opiniões e Atitudes
Vários
investigadores tentaram elaborar questionários de forma a saber qual era a
intensidade com que as pessoas sustentam uma determinada opinião ou atitude.
Assim, E.
Bogardus publica um estudo, em 1928, intitulado Imigration and Race
Attitudes. Bogardus procurava medir as atitudes dos americanos em relação a
várias nacionalidades estrangeiras, de onde podiam provir candidatos à
emigração para os E. U. A. No entanto, a sua escala pecava por não ser uma
escala de intervalos iguais.
Com o objectivo
de resolver esse problema, L. L. Thurstone e E. G. Chave
propuseram em The Measurement of Atitudes (1929), uma fórmula de
estabelecimento de itens, que servi-se de escala de medida da intensidade das
opiniões e atitudes em relação ao objecto para que foi elaborado.
c) Estudos sobre Fenómenos de Comunicação Social
Foram vários os
estudiosos que tentaram investigar a forma como funciona difusão de opiniões.
Um grupo de
investigadores do “Bureau of Applied Social Research” da Universidade de
Columbia, liderado por Paul Lazarsfeld fez um estudo da evolução da
opinião pública por efeito da campanha eleitoral nas eleições presidenciais de
1940. Concluíram que a campanha eleitoral produz um efeito de activação do
interesse do leitor e um efeito de reforço das suas próprias preferências.
O resultado deste
estudo foi publicado em 1944 sob o título de The People’s Choice: How the
Voter Makes up his Mind in a Presidential Campaign.
d) Análise de Conteúdo
Na década de
1930, Lassel introduziu uma técnica de análise quantitativa do material
noticioso, que designou por análise de conteúdo, técnica que foi imitada e
desenvolvida por outros.
A técnica
consiste na contagem de palavras e espaços dedicados a cada assunto e, ainda,
na determinação por métodos simplificados, da orientação favorável/desfavorável
das notícias.
5.4. A Sociologia do Trabalho
Na década de
1920, começam a organizar-se novos métodos de gestão.
Taylor foi
um engenheiro americano que procurou simplificar o sistema de trabalho, tendo
como objectivo uma máxima produção. Achava que um operário deveria
especializar-se somente numa determinada área de trabalho.
Gilbreth
também se dedicou a estudar a cientificação do trabalho. Criou-se, assim, a
Organização do Método, tendo em vista uma melhor e maior produção.
Apesar das
contribuições destes engenheiros, acaba por surgir um problema: o cansaço.
Pois, os operários trabalhavam continuamente, sem tempos mortos. Assim, na
Universidade de Harvard cria-se o “Laboratório do Cansaço Industrial”, com o
intuito de estudar este problema. Também as empresas estudaram o assunto e
tentaram arranjar um meio de aumentar a produção sem cansar os operários.
A “Western
Electric Company”, numa experiência, melhorou os sistemas de iluminação e
introduziu a pausa para o café, de modo a estudar quais seriam os efeitos de
tais melhorias no rendimento dos trabalhadores. Juntou, então, um conjunto de
operárias numa sala à parte e variavam os níveis de iluminação para analisar a
produção, que aumentava a cada dia. Com a pausa para o café a produção
aumentava ainda mais.
Sem perceber como
tal acontecia, os administradores da empresa resolveram chamar uma equipa de
Harvard para analisar o comportamento das operárias. Esta equipa era chefiada
por Elton Mayo.
Mayo e a sua
equipa concluíram que uma das razões pela qual a produção aumentava era porque
as operárias sentiam-se privilegiadas por serem visitadas constantemente por
pessoas importantes, e faziam o mais que podiam.
Nasceu, assim, a
corrente das Relações Humanas, que visa melhorar o ambiente de trabalho. Pois,
se as pessoas se sentissem estimuladas pela empresa, os níveis de produção
aumentavam.
Foram publicados vários livros sobre o assunto.
5.5. O Estudo dos Fenómenos de Interacção em Pequenos Grupos
a) A Sociometria
Nasceu da obra do
médico psiquiatra austríaco Jacob Levy Moreno, que havia emigrado para
os Estados Unidos. Moreno verificou que as doenças mentais eram essencialmente
provocadas pela dificuldade de relacionamento que certas pessoas têm com as
outras. Isto levou-o a estudar fenómenos de grupo e as interligações que no
seio dos grupos se estabelecem entre os indivíduos.
O método que
encontrou para avaliar o relacionamento entre as pessoas designa-se por
sociometria (medição das relações sociais). Um sociograma é um desenho onde se
representa as pessoas e as escolhas feitas por elas.
Moreno publica,
em 1934, Who Shall Survive, onde expões os princípios das suas análises.
Foi um livro que teve um considerável impacto, reunindo-se à volta de Moreno um
grupo de discípulos que ajudaram a desenvolver os seus métodos.
Os métodos iniciados
por Moreno, têm hoje aplicação corrente em sociologia e psicologia social.
b) Teoria de Campo e Dinâmica de Grupos
Kurt Lewin,
um psicólogo alemão, iniciou um método de análise do comportamento dos
indivíduos, com base no campo social em que as pessoas se movem.
Em 1945, fundou o “Research Center for
Dynamic Groups” no “Massachusetts Institute of Technology”.
Mesmo depois da
sua morte, em 1947, os seus discípulos continuaram o seu trabalho.
A teoria do campo
social e a dinâmica de grupos, junto com a sociometria, continuam a constituir
a base teórica de todas as actuações que visam a melhoria das relações humanas
no seio das organizações.
5.6.
Os
Estudos do “American Soldier”
Durante a II
Guerra Mundial, as Forças Armadas dos E. U. A. empregaram numerosos
especialistas das ciências sociais no estudo de problemas postos pela adaptação
ao serviço militar e às condições de guerra.
Este trabalho foi
iniciado em 1941, e em 1942 Stouffer foi nomeado responsável técnico por
estas actividades. Assim, durante toda a guerra foram realizados numerosos
inquéritos entre os militares e foram feitos estudos sobre reacções de
indivíduos e grupos em diversas circunstâncias da vida militar nas casernas,
nos campos de treino e nas áreas operacionais.
Quando a guerra
terminou, foi escolhida uma equipa presidida por Stouffer para tornar públicos
os resultados mais interessantes destes estudos, que vieram a ter um
considerável impacto na metodologia das ciências sociais.
5.7. Os Estudos da Personalidade de Base
O interesse pelo
condicionamento cultural e social dos comportamentos humanos levou à formulação
da teoria de que existem características de personalidade comuns aos membros de
um mesmo grupo que decorrem do treino social.
O médico
psiquiatra Adam Kardiner, publicou um primeiro livro sobre este
problema, em 1939, com o título The Individual and his Society: The
Psychodynamics of Primitive Social Organization.
Estas novas
concepções estimularam logo diversos estudos do carácter nacional de alguns
povos. O mais conhecido é talvez o estudo da cultura japonesa realizado durante
a guerra, que foi publicado em 1947 por R. Benedict, com o título The
Chrysanthemum and the Sward - Pattern of Japanese Culture. Esta obra serviu
de base a certos aspectos da política dos E. U. A. em relação ao Japão.
5.8. O Problema das Relações Raciais
Desde sempre que
sociólogos se interessam pelas relações entre grupos étnicos diferentes que
vivem sob uma mesma soberania. E nos finais do século XIX começou a
constituir-se uma sociologia colonial, onde este problema assumiria uma papel
importante.
A alteração das
condições de vida nos territórios africanos levou à realização de diversos
inquéritos e ao aparecimento de interpretações renovadas sobre este problema.
Representativas desta nova abordagem são as obras de George Balandier,
designadamente Sociologie des Brazzavilhes Noires (1955) e Sociologie
Actuelle de L’Afrique Noire (1955).
Na Inglaterra, a
preocupação com o problema levou à fundação do “Institute of Race Relations”,
em 1958, que publicou desde sempre a revista “Race”.
Nos E. U. A.,
onde existe uma importante minoria negra, o estudo das relações raciais é uma
antiga preocupação antiga dos sociólogos.
Este é um
problema que se tem mantido relevante aos olhos dos investigadores, pelo que
foram publicados sobre este assunto numerosos volumes que reflectem a evolução
das ideias e também os condicionamentos políticos que rodeiam a situação do
negro nos E. U. A.
Com a afluência à
Europa de imigrantes de países do 3º Mundo, constituíram-se em diversos Estados
europeus, importantes núcleos africanos e asiáticos, que igualmente têm
estimulado estudos no âmbito das relações raciais.
5.9.
O Estudo
das Sociedades Industriais
Com o pós guerra
começam a acentuar-se os problemas da sociedade pós-industrial, particularmente
na América do Norte. A população urbana cresce desenfreadamente, acrescendo o
anonimato.
Vive-se num clima
de acentuada competitividade e insegurança. Factores que despertaram a
curiosidade dos sociólogos, tendo surgido nas últimas décadas diversas obras
que representam etapas relevantes no entendimento da nova sociedade.
David Riesman
e os seu colaboradores dedicaram-se a analisar o novo ambiente humano nos E. U.
Escreveu The Lonely Crowd (1950), mais tarde Faces in the Crowd
(1952), e dois anos depois Abundance for What.
Achava que a
América estava a mudar a sua ética, estava tornar-se diferente do que era
antigamente.
Ideia de Notestein: distingue três estádios no comportamento
humano:
·
mortalidade
e natalidade alta.
·
mortalidade
baixa, pois melhoram as condições de saúde.
·
mortalidade
e natalidade baixas.
Riesman sustenta
que também no comportamento das pessoas, nos E. U., se pode distinguir três
fases:
·
High
Growth Potential: está
ligada a uma mentalidade denominada por “Tradition Directed”, orientada pela
tradição e para os estudos da Bíblia, é uma mentalidade conservadora.
·
Transitional
Growth: período do
século XIX, de grande expansão territorial. Corresponde a uma mentalidade que
Riesman caracteriza por “Inner Directed”, as pessoas preocupam-se somente com
os seus interesses.
·
Incipient
Population Decline:
início da baixa mortalidade que origina a mentalidade “Other Directed”. Vive-se
o espírito de conformismo, em colectivo, vive-se segundo a opinião dos outros.
William Whyte
Jr. escreveu The Organization Man (1956). A sua tese é a de que as empresas
suprimiam a ética protestante, a recusa do individualismo, direcção das
empresas feita com cautela no âmbito de promover o trabalho de grupo.
Morris
Janowits escreveu The Professional Soldier (1960). É um estudo sobre
os militares, procura conhecer a sua psicologia, o que encaminhou um novo
estudo na sociologia: a sociologia dos militares.
5.10. A Sociologia dos Processos de Mudança
A mudança é algo
que faz parte da vida no mundo moderno, a que têm de adaptar-se os que residem
nos países mais industrializados. Mas as atenções voltam-se para os países
subdesenvolvidos, onde se começam a desenvolver as novas técnicas e os novos
modelos culturais.
No começo da
década de 1950, a UNESCO promoveu a publicação de diversas obras sobre o
progresso técnico, o seu impacto sobre as tradições, as suas consequências no
que respeita à mudança e à integração social.
O Conselho
Americano de relações internacionais financiou desde cedo este tipo de estudos.
Encomendou a elaboração de um livro sobre o assunto, pelo que Staley
escreveu O Futuro dos Países Subdesenvolvidos.
Nesta matéria há
uma grande rivalidade entre a França e a América. Assim, surgiu em França uma
instituição, INED, que publica uma colecção de livros relacionados com os
problemas económicos da população dos países subdesenvolvidos.
George
Balandier viveu e trabalhou em África muitos anos, publicando vários
estudos. A convite do INED organizou um dossier denominado Le Tiers Monde.
Foi este livro que deu origem à expressão “terceiro mundo”.
A Universidade de
Chicago manteve-se nesta área de investigação, promovendo uma revista
denominada “Economic Development and Cultural Change”.
Em França, como
resposta, criou-se uma outra revista intitulada “Le Tiers Monde”.
2.º Semestre
6. O Estudo do
Social
6.1. Natureza e Cultura
A) Os factores básicos de explicação social
Consideram-se factores
determinantes da realidade social:
- a hereditariedade
- o meio físico (Le Play)
- a cultura (usos e costumes)
- as relações sociais
Ainda que, por vezes, se tenha tentado reduzir a
explicação do social à explicação de um factor, é comum o recurso a estes 4
factores, ainda que variando a importância dada a cada um.
B)
A Hereditariedade
As teorias hereditaristas de superioridade não
resistiram à crítica científica e foi a genética que renovou a explicação
social assente na hereditariedade, sendo este estudo positivo mas
precisando de ser enquadrado.
Mendel, um monge austríaco, em 1866 faz uma comunicação à
Sociedade de Ciências Naturais de Brno, comunicação que é redescoberta e se
torna conhecida só em 1900.
Considera
a hereditariedade como a dotação de genes a cada
indivíduo no momento da fecundação (metade do pai e metade da mãe), num
acto único e irrepetível. Assim, os genes são unidades independentes que se
combinam pelo acaso em cada indivíduo, conceito que é oposto ao de uma hereditariedade contínua
dentro de uma raça.
“A
transmissão dos genes é uma questão de probabilidades. Os resultados não são
facilmente previsíveis e traduzem-se por combinações estatísticas.”
Genótipo é a combinação genética própria de cada indivíduo.
Fenótipo
é o conjunto das características efectivamente observadas no indivíduo.
A cada
genótipo podem corresponder diferentes tipos de fenótipos.
Na experiência de Mendel este cruza ervilhas de flores brancas e flores vermelhas e
surgiram desse cruzamento flores vermelhas. Com cruzamentos posteriores surgiam
flores brancas mas nunca flores de cores intermédias.
Do estudo retirou 4 conclusões:
que as características genéticas são transmitidas integralmente como as dos
progenitores, que o elemento que determina a cor vermelha é predominante e o
vermelho é recessivo, que existe uma lei de combinações genéticas que permite
apurar a proporção dos tipos de descendentes nos cruzamentos e que o mesmo
fenótipo (flores vermelhas) pode originar um genótipo puro ou um genótipo
misto.
Deste modo, para aparecerem flores
brancas o pai e a mãe têm de ser brancos.
Quando o alelo (elemento genético)
proveniente de cada progenitor é semelhante diz-se que o indivíduo é homozigótico,
quando são diferentes é heterozigótico.
As células de um organismo têm um
número definido de cromossomas, em que cada cromossoma tem um grande
número de genes, cujo elemento constituinte é o ADN, que ocupam
um lugar determinado: locus.
Cada célula humana tem 46
cromossomas.
A multiplicação de uma célula
faz-se por uma divisão sucessiva em que a nova célula recebe o número exacto de
cromossomas da célula original. Assim se desenvolve o organismo.
Contudo, a geração de um
novo organismo faz-se por um processo diferente. As células reprodutivas contêm
apenas um cromossoma de cada par. Assim aos 23 cromossomas masculinos vão-se
juntar os 23 cromossomas femininos no momento da fecundação. É esta célula de
23 pares de cromossomas que vai originar o indivíduo adulto.
Sendo que
a mulher tem no óvulo apenas cromossomas x o homem no espermatozóide tem
cromossomas x ou y, é pela combinação destes cromossomas que se encontra o
género da pessoa (xx = mulher, xy = homem).
Podem eventualmente existir alguns erros, pouco
frequentes, chamados mutações genéticas ou remanejamentos cromossómicos.
Este mecanismo de mutações provoca uma grande
variedade genética. O valor da sobrevivência traduz-se pela capacidade e
eficiência da adaptação ao meio ambiente.
A poligenia é a combinação de genes
diferentes, feita aleatoriamente, para assegurar o concurso de todos para
uma melhor adaptação. No entanto o mesmo genótipo pode verificar diferentes
fenótipos, diferentes adaptações ao meio ambiente: o caracol de concha colorida
é comido mais facilmente que o de concha discreta, sendo este fenótipo que
prevalece. Imperará o fenótipo mais vantajoso.
A heterose é a superioridade, que a experiência demonstra, de que os
heterozigoticos têm sobre os homozigoticos. De facto, de geração em geração, os
genes libertam-se das combinações desfavoráveis. Contudo, convém preservar uma
variabilidade suficiente para futuras adaptações.
A dotação
genética é o potencial
de adaptação que as espécies têm.
Se o
cruzamento entre diferentes espécies
animais origina animais estéreis (égua & burro = macho estéril), o
cruzamento entre homens diversos produz indivíduos férteis, o que permite dizer
que somos todos da mesma espécie.
Classificação das raças existentes, segundo Henri Vallois:
Raças |
Europa |
África |
Ásia |
Oceânia |
América |
Primitivas Negras |
|
Etíopes Negritos “Khoisan” |
Vedas Melano-indiana |
Australianos Negritos Melanésia |
|
Brancas |
Nórdica Dinárica Alpina Mediterrânica |
|
Aino Anatólia Turaniana Indo-afegã |
|
|
Amarelas |
|
|
Siberiana Norte-central Sul mongol Indonésia |
Polinésia |
Esquimós Ameríndios |
Esta classificação menciona, praticamente, apenas as
características físicas. Para as Ciências Sociais, contudo, interessa
averiguar outras diferenças para além das físicas.
De qualquer forma, a ciência moderna, hoje em
dia, não distingue as raças pelas características físicas mas pelo tipo
sanguíneo. A distinção mais comum é em tipos de sangue que podem ser A, B,
O, AB. A transmissão do tipo sanguíneo obedece às leis de Mendel e, em todas as raças, aparecem todos os tipos de sangue.
Este facto é importante para refutar certas teorias raciais.
As diferenças físicas serão meras adaptações ao meio
ambiente, como:
·
olhos
mais claros nos países onde o Sol é menos frequente
·
pele
mais escura para proteger o organismo do excesso de vitamina D (W. Loomis)
·
nariz
mais achatado para se perder menos humidade corporal devido às altas
temperaturas.
Porque
durante milénios os grupos humanos viveram, quase totalmente, isolados
verificam-se estas diferenças, ainda que nas orlas se encontrem grupos com
influências diversas.
Mas o verdadeiro
debate é sobre se a inteligência é aquilo com que se nasce ou o potencial
genético intelectual pode ser influenciado pelo meio ambiente pela educação que
se tem.
Hoje em dia, acredita-se, que o
ambiente social e educacional é muito importante para o sucesso na vida
(contrariando Galton que dizia que os ricos eram os mais inteligentes: estes
seriam-no porque lhes eram dadas mais oportunidades).
Experiências
com gémeos monozigóticos (os únicos com “hereditariedade” idêntica) separados à
nascença provam que, mais que a hereditariedade, é importante o ambiente para o
desenvolvimento intelectual.
Desde o século passado que, para
todos terem igualdade de educação, esta se estendeu a todas as crianças.
Programas como o Headstart de Kennedy, nos anos 60 para a recuperação de jovens, o sistema
Busing, que visava integrar várias raças numa mesma escola, tentaram dar
igualdade de oportunidades na educação.
Mas ao ter-se uma
escolaridade de 100%, encontra-se o problema dos chumbos e das desistências
(porque é que as pessoas chumbam?). Para o resolver achou-se que se deviam
encontrar níveis de aprendizagem consoante a capacidade de cada um (“Tese de
Jensen”). Mas colocar esta medida na prática é muito difícil. Nos EUA foi
alvo de um amplo debate (“A resposta à tese de Jensen”), até pela atitude
racista que podia assumir contra as crianças negras, que seriam “mais burras”.
Esta questão vem trazer outra: a
dos testes de inteligência que diferenciariam os vários
níveis intelectuais das crianças.
O teste de Binet seria: QI= idade mental : idade cronológica x 100.
Assim, uma criança mentalmente adiantada para a sua idade teria um resultado
elevado e vice-versa.
Mas
este teste tem algumas deficiências, como o facto de ter sido pensado para
crianças brancas de classe média. Estes testes, para avaliarem correctamente a
idade mental têm de ter em conta a classe, o ambiente da criança que os faz.
Crianças negras, maioritariamente de classes pobres, faziam testes de classes
médias. Da mesma forma, o teste era pensado para crianças urbanas, que nunca
tinham visto animais e não para crianças rurais, que não identificam formas
geométricas. Daí que a desigualdade natural que o teste enunciava, era, em
grande parte, uma influência ambiental.
O cérebro humano tem 2
características principais: a especificidade (aquilo com que se nasce) e a plasticidade (adaptação ao ambiente), uma
modificação da dieta aumenta os resultados nos testes, p.e., que obriga a que
testes de inteligência tenham em conta estes dois elementos.
A relação entre a
hereditariedade e a criminalidade tem toda uma história de estudo, como são
os casos de Lombroso e Tarde.
Contudo, com diz Grapin: “o crime não é visto como
consequência da hereditariedade ou do meio ambiente, mas como resultado de
várias componentes em interacção, cujas proporções importa apurar”. Tal como se
disse a propósito da inteligência as propensões que decorrem da
hereditariedade não podem ser ignoradas. Mas é necessário apurar como
essas propensões são moldadas pelo meio social em que o indivíduo se insere.
Em Agosto de 1964, a UNESCO
profere uma declaração em Moscovo, em que procura sintetizar as posições dos
especialistas nesta questão dos aspectos biológicos das raças. Considera “que nenhuma diferença
foi detectada nas dotações hereditárias dos vários grupos humanos. Amplas informações
atestam, por outro lado, a influência do meio social, físico e cultural nas
respostas das várias raças.
Nem no campo das potencialidades
hereditárias respeitantes à inteligência geral ou no campo da capacidade
cultural há uma justificação para o conceito da raças superiores ou
inferiores”.
C) O Meio Físico
Tradicionalmente,
dá-se alguma influência ao meio físico pela forma como este pode estruturar
as sociedades.
Maximilian Sorre refere a forma como uma
paisagem, pelo solo, clima, flora, obras humanas, modifica a vida de um povo,
seja a nível alimentar, de vestuário ou capacidade de trabalho. De facto, a
marca do meio físico embebeu a cultura tradicional em todas as suas formas.
Em conclusão, em
harmonia com o regime económico dominante é pelos acidentes físicos que se
estabelecem laços entre os diversos grupos implantados no mesmo espaço
geográfico (algo que é facilmente exemplificado pelo nascer dos sistemas de
comunicação).
Ellsworth Huntington, em As fontes principais,
investigou profundamente a questão de as variações do meio físico e clima
poderem relacionar-se com os níveis de civilização alcançados nas várias
regiões.
Investiga os EUA (um
país que funciona a uma escala continental) e considera que as diferenças em
factores como os nascimentos, o número de crimes, o conforto se explicavam à
luz do estado geral de vigor físico e à inclinação para trabalhar. Considera
que, independentemente da influência que a hereditariedade possa exercer, o
meio físico e, sobretudo, o clima contribuem para a verificação destas
disparidades.
Considera que a
diversidade regional do nível de vida nos EUA se deve a um factor a que chama Eficiência
Climática (a relação de eficiência do trabalho das pessoas das várias
regiões se tudo nelas fosse igual excepto o clima).
Seria o clima o
elemento fundamental do padrão geográfico revelado pelas civilizações.
As primeiras grandes civilizações surgirão em latitudes entre os 25º e os 35º,
numa temperatura facilmente suportável pelo corpo humano. Os casos de
civilizações em zonas fora dessas áreas seriam apenas migrações de populações
provenientes dessa faixa original.
Mesmo os nascimentos
concentrar-se-iam no início da Primavera porque era nessa altura que o homem
primitivo tinha mais possibilidade de sobrevivência, pois havia mais alimento e
as temperaturas eram mais amenas. Hoje, o aumento dos nascimentos na Primavera seria uma herança
disso.
Huntington procurou estatisticamente estabelecer estas
relações, inclusivamente encontrando ciclos económicos e sociais a
partir de ciclos climáticos. As épocas de seca seriam mais propícias para a
as invasões, facto que seria comprovado pelas invasões dos bárbaros na Europa.
Mas conclui dizendo
que o clima não será exclusivamente determinante. Actua em conjunto com a
hereditariedade e o nível cultural, afastando a acusação de que defenderia
um determinismo geográfico. Ele, antes, considera o clima um factor “possibilista”,
enquanto conjunto de possibilidades que o homem pode aproveitar e modificar
consoante as suas tendências culturais.
De qualquer forma,
hoje em dia, o homem consegue controlar melhor a influência do clima na sua
vida, mesmo ao nível dos ciclos económicos e por isso esta influência é menor.
D) A Cultura
Segundo Herkovitz, a cultura será a parte do ambiente feita
pelo homem, compreendendo a ciência, o direito, a moral, etc..
Aquilo que antes se
designava por civilização agora chama-se cultura (existem aglomerados
não-civilizacionais que possuem cultura).
Tylor, em Primitive Culture de 1871, define cultura
como o complexo que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a lei, a moral e
outros hábitos que o homem, por ser membro de uma sociedade, adquire.
Será a capacidade
de criar a cultura que distingue o homem dos outros animais. Consolidada
pelo passar das gerações, é transmitida aos mais novos e molda os seus
comportamentos. É um complexo que absorve toda a vida das pessoas.
Para se estudar uma
cultura é útil e mais fácil decompô-la nos elementos que a constituem.
Foi Clark Wissler em Men and Culture que iniciou esse estudo.
Propôs que se
distinguissem em cada cultura os traços componentes (as unidades
culturais individualizáveis, como os hábitos do casamento: 1º namoro, 2º
casamento). Estes traços agrupam-se em complexos culturais, também
chamados instituições: conjunto de práticas
padronizadas, como o vestido de noiva ou a lua de mel. Estes complexos ao
combinarem-se formam padrões de cultura, que, quando são comuns a vários
grupos de uma dada região originam áreas culturais.
Contudo, a aplicação
destes conceitos é difícil e origina grandes debates e controvérsias.
Kroeber e Kluckhohn reúnem 164 definições de cultura
no seu trabalho o que, por si só, demonstra as divergências, até neste
conceito, entre os antropólogos.
Aquilo que, de
qualquer forma, é análogo a todas as culturas e que surge com frequência
tem-se chamado universais da cultura. Também aqui surgem divergências
mas conceitos como a família, a vida económica, o governo, a religião surgem
comummente aceites como universais.
A dificuldade geral em
encontrar um modelo comum por parte dos antropólogos traduz a complexidade e a
diversidade das formas culturais do homem. Esta dificuldade acaba por se
estender a todas as Cc. Sociais.
Em conclusão, o homem
está profundamente marcado pelo meio cultural onde nasceu e fez o seu
treino social. A cultura é o resultado da interacção
contínua entre o fundo genético da espécie e o meio ambiente.
E) As Relações Sociais
Durkheim, na sua Teoria das
Solidariedades Orgânica e Mecânica é o primeiro a falar seriamente destes
factores.
Georg
Simmel, prossegue
este estudo e considera ser possível distinguir conteúdo (o que está nos
indivíduos e pode provocar efeitos em outros ou receber esses efeitos) de forma
(como os indivíduos realizam, em conjunto, actividades que satisfazem os seus
interesses). O estudo da forma seria a Sociologia Pura ou formal.
Pela
conjugação das várias formas se chega ao conceito de sociabilidade.
A
relação social é, independente de qualquer conteúdo, o que se
exemplifica por uma reunião social em que todos se esforçam por manter a
conversa em terrenos neutros por forma a não comprometer o sucesso da reunião.
Está-se junto apenas pelo prazer da ligação social, não precisa de haver um
objectivo determinado.
Radcliffe-Brown, estudioso inglês, distingue antropologia cultural, que estuda a cultura, a essência ou o
conteúdo da vida social, de antropologia
social, que estuda
as relações sociais, um processo dinâmico de interacções.
Esta
antropologia social encontraria regularidades na diversidade, o que permite
descrever certos traços gerais de uma região a que podemos chamar uma forma de
vida social.
Assim
esquematizando teríamos:
Adapatação
Ecológica (ao ambiente)
Sistema Social Sistema Adaptativo Adapatação Institucional (às
instituições)
Adaptação
Cultural (à cultura do grupo)
Ao ordenamento das partes
chamar-se-ia Estrutura Social, sendo a relação entre um traço e a
Estrutura a Função.
O
processo, à estrutura e à função são os componentes da mesma teoria, os
elementos dos sistemas sociais humanos.
Radcliffe-Brown e Malinowsky têm
uma acentuada divergência que alastra à relação entre os antropólogos
americanos mais “culturalistas” e os antropólogos ingleses mais
“estruturalistas”.
De
facto, o funcionalismo é uma adaptação do estudo biológico anatómico, em
que tudo, numa sociedade, tem uma função (o que não é necessário desaparece).
Georges Gurvitch procura sistematizar as formas de sociabilidade enquanto
fenómenos sociais totais. Assim, tenta encontrar os tipos sociais mais gerais e
abstractos que originam os fenómenos sociais mais complexos.
Distingue
a sociabilidade espontânea das expressões organizadas de
sociabilidade (mais rígidas) que obedecem a princípios de domínio ou de
colaboração.
Ao analisar a sociabilidade
espontânea considera-a por:
·
participação no Nós (por interpenetração ou fusão)
·
relações com outrém (uma oposição parcial e uma ligação mútua no Eu, Tu, Ele)
A participação no Nós leva
à formação, no conjunto de indivíduos, de algo diferente das contribuições
individuais. Mas esta participação não implica uma identificação total mas uma
semelhança com diferenças. A total identidade originaria um género abstracto,
que não precisava de fazer ligações. A total diferenciação, por outro lado,
impediria uma afinidade entre os participantes.
No
Nós podemos distinguir:
·
massa: o
grau de participação é fraco, superficial.
·
comunidade:
a participação ainda reserva uma certa independência pessoal.
·
comunhão:
o máximo da fusão no Nós.
O elemento de delimitação e
diferenciação dos participantes é o mais importante nas Relações com outrém.
Por isso Gurvitch as caracterizou como “oposição
parcial” pois que os elementos mantêm-se, essencialmente, irredutíveis.
Na
oposição parcial distinguem-se relações de:
·
aproximação
Convergem para o nós);
·
afastamento
(afastam o elemento de ligação mútua);
·
mistas
Estas relações são tão válidas
para situações de conflito como para situações íntimas como a vida dos casal que
tem participação no Nós (relação com os filhos) e oposição social (relação com
o cônjuge).
Gurvitch vai então debruçar-se sobre o fenómeno do grupo,
começando por elaborar uma lista daquilo que ele não é:
·
não
são indivíduos com características iguais;
·
não
são médias estatísticas;
·
não
são ajuntamentos de pessoas;
·
não
são relações sociais;
Acaba
por definir grupo como uma unidade colectiva real mas parcial, assente em
atitudes colectivas, contínuas e activas.
6.2. A observação e a análise dos factos
sociais
A) Os problemas da observação
A metodologia das Cc.
Sociais enfrenta problemas que as Cc. Naturais não possuem, como:
·
o segredo:
as pessoas tendem a dizer aquilo que pensam que o entrevistador quer que digam.
· o sagrado: é difícil conseguir informações
sobre a intimidade e, por vezes, não é socialmente correcto tentar obtê-las.
A observação, nas Cc. Sociais, deve ter em
conta estes problemas.
Duverger agrupa as várias técnicas de observação em 3 categorias:
1.
observação documental: estuda os facto sociais pelos documentos existentes.
2.
observação directa extensiva: estuda os grandes grupos.
3.
observação directa intensiva: estuda pequenas comunidades e indivíduos, numa visão de
profundidade.
à
Observação
Documental:
Duverger
prossegue a sua classificação dos vários tipos de documentos dividindo-os em:
1) Documentos escritos:
·
arquivos
públicos e documentos oficiais
·
imprensa
·
arquivos
particulares (empresas, memórias)
· documentação indirecta (anuários,
dicionários, ficções)
Os documentos oficiais são
as fontes de informação mais importantes. Os organismos públicos editam
documentos que valem pelo que neles está explicitamente expresso, mas também
implicitamente.
Contudo, o segredo a
que certos documentos são obrigados, nomeadamente acontecimentos recentes,
obriga ao recurso à imprensa. Este recurso é importante não tanto para a
obtenção de informações, muitas vezes inexactas, mas mais pelo testemunho da
evolução da opinião pública.
Os arquivos particulares
de entidades com posições privilegiadas sobre certos assuntos são fonte de
esclarecimento, ainda que sejam, também, alvos de segredo.
A documentação
indirecta pode fornecer informações sobre personalidades e grupos. Todos os
escritos, incluindo a ficção, mostram gostos, atitudes interesses e paisagens
de grupos e épocas.
2) Estatísticas: em
Portugal: INE, na EU: EUROSTAT
As estatísticas, numerosas nos
países desenvolvidos, servem de apoio às Cc. Sociais.
Os
censos de população dão informação sobre as características básicas das gentes
de diversas áreas e grupos étnicos ou sociais. Aliados a estes, as estatísticas
do registo civil, do comércio, dos tribunais e dos impostos esclarecem os
diversos aspectos da vida das sociedades.
3) Outros documentos:
·
Documentação
técnica: recolha de objectos usados para os fins mais diversos;
·
Documentação
iconográfica e fotográfica: reúne as fotografias e as pinturas;
·
Documentação
fonética: permite o estudo da evolução de uma língua, por exemplo;
A análise dos documentos compreende uma crítica interna que precisa o sentido exacto do
conteúdo do documento e uma crítica externa que esclarece o conteúdo em
que este surgiu. Isto assegura a autenticidade e o real significado dos
documentos.
A estas análises tradicionais
pode-se juntar a semântica quantitativa que assenta na frequência do
aparecimento de certos vocábulos nos textos e a análise de conteúdo que visa
isolar as linhas mestras e a tendências de certo texto.
à
Observação
Directa:
· Extensiva: visa o estudo de uma população numerosa por meios
expeditos, com razoável aproximação.
Isto pode-se fazer pela amostragem, pelo método das quotas ou pelo método das
probabilidades.
O
método das quotas encontra um certo número de
pessoas entrevistadas com características específicas que correspondem, num
plano reduzido, à realidade geral.
A
sondagem probabilística escolhe as pessoas ao acaso, onde
cada uma das categorias consideradas tema mesma probabilidade de ser incluída
na amostra. Isto pode-se fazer por métodos diversos: escolhendo indivíduos à
sorte, escolhendo agregados à sorte, etc.
A
colheita de informação, neste tipo de observação, faz-se, habitualmente, por um
questionário. É essencial fazer-se uma boa elaboração do questionário para
se assegurar a fidelidade das respostas à verdade, a validade das respostas e a
representatividade da amostra.
Quanto
ao tipo as questões podem ter respostas de sim ou não, alternativas,
abertas ou gradativas.
Quanto
ao número e à ordem as questões têm de ser limitadas ao alvo deve-se
evitar que certas respostas influenciem outras.
Por
fim, o questionário pode ser feito directamente pelo entrevistado ou por
intermédio do inquiridor.
· Intensiva:
Uma das técnicas habituais é a entrevista,
que difere do questionário na medida em que o entrevistado é alvo de uma mais
demorada e metódica atenção. O objectivo da entrevista é recolher informações e
comportamentos prováveis. Se a entrevista seguir uma ordem estabelecida diz-se dirigida,
se as questões surgirem soltas diz-se livre.
Existem 3 tipos de
entrevista:
·
panel: feito por Lazarsfeld durante uma
campanha eleitoral, consiste na entrevista repetida e regular das mesmas
pessoas.
·
focused
interviews: usadas
por Merton, são entrevistas feitas a indivíduos logo após certa experiência
(p.e., um filme).
· entrevista clínica: feita por Adorno, aborda os diferentes aspectos da
personalidade das pessoas.
Outra técnica habitual é a medida das atitudes.
O processo
mais vulgar são os Testes, usados para medir atitudes e avaliar
aptidões. Os testes de personalidade mais conhecidos são o Teste de Rhorschach,
em que gravuras que não representam nada são interpretadas, e o TAT (Thematic
Apperception Test), similar ao anterior. O Teste de Associação de Palavras é
outro deste género.
O grande
problemas destes testes é a interpretação, subjectiva e controversa.
Outro processo usado é o das “escalas”, em que
se coloca o sujeito numa escala graduada em relação a uma questão e se pede que
este assinale a posição da sua opinião na escala.
A primeira
das escalas empregadas com algum valor foi preparada por Bogardus para aferir dos preconceitos raciais nos EUA. Esta, muito
simples, serviu de base para outras, como
a de Thurstone, a de Lickert ou a de Guttman.
O terceiro processo de observação intensiva é a Observação
Participante, que é a participação na vida do grupo. Isto tanto pode ser na
participação de uma reunião da população como na permanência de anos junto dos
grupos estudados.
Este
método tem sido o mais corrente na antropologia cultural. Pioneiros deste
método foram os Lynd, Warner, Malinowsky e, entre nós, Jorge
Dias.
B)
Os Quadros de Interpretação
É difícil, nas Cc. Sociais, o acordo geral sobre as
diferentes classificações e explicações dos fenómenos estudados.
Uma das grande dificuldades na interpretação é a
existência de um continuum em que é difícil distinguir o
essencial e constante do superficial e acidental.
De facto,
se a descrição dos factos é o sector mais desenvolvido, as classificações dos
fenómenos apresentam resultados ainda pouco seguros. Antigamente, a uma causa A
dava-se necessariamente, um determinado efeito B. Hoje, este determinismo
matemático transformou-se num cálculo probabilístico que deixa margem à
liberdade humana. Mesmo esta visão actual é relativizada por um aqui e agora,
que ajuda a explicar o social. Além disso, como na economia, começa-se a
distinguir entre microssocial e macrossocial.
De
qualquer forma, as grande teorias sociais como as de Marx ou de Toynbee, ainda que debatíveis, deixaram a
sua marca no pensamento contemporâneo.
C) O Problema da Experimentação
Uma das grandes dificuldades de
investigação é a falta de condições para a experimentação.
Nas
Cc. Sociais a manipulação de acontecimentos para uma experiência é limitada
eticamente pelo facto de o objecto da manipulação ser o homem. Contudo,
esta dificuldade tem sido engenhosamente contornada, ou criando situações
artificiais ou aproveitando circunstâncias favoráveis, ainda quer o controlo
destas “experiências” não seja tão eficiente quanto o desejado.
Os especialistas americanos têm
conduzido a experiência em salas espelhadas por dentro onde desencadeiam um
processo de reacções entre as “cobaias” e as observam. A investigação de Mayo foi um primeiro exemplo disso.
Quando o especialista se aproveita
de determinados acontecimentos para investigar as reacções sociais de uma nova
situação, como a instalação de famílias pobres em bairros sociais, podem-se
encontrar informações de grande interesse.
D) O Método Comparativo
O instrumento de análise essencial
nas Cc. Sociais é o método comparativo.
Segundo Duverger, este método pode ser empregue de 2 maneiras:
1.
Pelo
estudo, pela mesma técnica, de fenómenos independentes, embora semelhantes.
Este é o método tradicional. Implica uma classificação anterior dos factos para
garantir uma analogia estrutural ou funcional. Não se podem comparara situações
muito diversas, no espaço ou no tempo, pelas diferenças culturais que estas,
obviamente, comportam.
Existiriam
“comparações próximas”, que procuram aperceber o sentido da influência
dos elementos de uma situação por comparação com algo similar, anotando
variações que surgiriam. Existiriam “comparações afastadas”, que se
fazem entre coisas cuja analogia não é evidente e que abrem novos caminhos à
ciência. Implicam que as faça seja uma pessoa com grande domínio do campo de
estudo.
2.
Pelo
estudo do mesmo fenómeno por técnicas diferentes. É um método
cada vez mais utilizado nos grandes inquéritos, onde vários especialistas de
diversos campos se debruçam sobre o mesmo problema.
7. A Estrutura
da Sociedade
A sociedade é estruturada por:
·
grupos;
·
famílias;
·
dicotomia
sexual;
·
diferenciação
etária;
·
profissões;
·
classes
sociais;
8. O Individual e o Colectivo
8.1. A vida em grupo na formação da
experiência imediata dos indivíduos
A) Os grupos Primários
Todos os indivíduos participam em
grupos, mais ou
menos numerosos, mais ou menos íntimos.
Do estudo desta relação ressalta
um “sentimento de participação no grupo” que mostra que a influência do
grupo resulta do nível de intimidade que o indivíduo com ele estabelece.
Charles Cooley, em Social Organization de
1909, sustenta que é nos grupos primários que assenta a natureza humana,
conforme esta é conhecida.
Os
grupos primários mais importantes são a família, os amigos de infância, a
vizinhança. Seria pelos contactos com estes grupos (a família e os amigos
treinam a criança socialmente e a vizinhança define o horizonte de cada um) que
se formaria a personalidade.
O
ego, para Cooley, resultaria da interacção com
outros indivíduos. É pela referência dos outros que o homem se vê na sua
individualidade. “Um ego social seria um ego reflectido: looking-glass self”.
O
crescimento social do indivíduo permite-lhe partir da consciência do ego
próprio para a consciência de um ego do grupo: “we”.
B) A Teoria de G. H. Mead
Mead, da Universidade de Chicago,
sobretudo em Mind, Self and Society, constrói uma teoria da formação
da mente (“mind”) e do ego (“self”) a partir das relações do
indivíduo nos grupos em que participa.
Considera
absurdo ver a mente apenas do ponto de vista do individual, pois esta é,
sobretudo, social. Ela forma-se no processo social, através de diversas
interacções sociais. De facto, quando este processo social entra na experiência
individual o indivíduo ganha consciência.
A mente vai-se
desenvolvendo por esta interacção, primeiro por gestos, que vão ganhando
significado, depois por uma comunicação sonora. O sistema nervoso compreende o
processo - gesto do agente, comportamento e resposta - e, dentro da sua
consciência, decide o que vai fazer.
Da mesma forma, também o ego é formado por interacções sociais.
O
ego não existe à nascença mas surge no início das actividades sociais,
resultado das relações com outros indivíduos. De facto, o aprender a pensar é
eminentemente social.
É
pela consciência que o indivíduo tem da forma como os outros o vêem a si que o
ego se forma. Só indirectamente (pelos outros) o indivíduo se experiência a si
próprio. O comportamento social será moldado por aquilo que lhe é permitido na
interacção com o “generalized other”. O ego interioriza as atitudes comuns
ao grupo e forma uma personalidade. Só sendo membro de uma comunidade se
pode ter um ego.
O ego divide-se em:
·
eu (“I”): resposta do indivíduo às
atitudes dos outros.
·
mim (“me”): padrão organizado das
atitudes dos outros que nós assumimos.
O
eu é um elemento indeterminado, a reserva da liberdade do indivíduo face aos
outros. O eu é a fonte das inovações no comportamento enquanto o mim
é a expressão do controlo social.
C) Grupos e Organizações
Os grupos têm um papel essencial
na formação da personalidade.
MacIver e Page distinguem entre grupos de
relações primárias, mais emotivos, e grupos secundários, mais
racionais.
O
grupo primário é espontâneo, o “face to face
group”, a companhia e ajuda. É a célula da estrutura social. Acaba por ser o
centro das satisfações sociais. Constituem este grupo a família, os amigos, os
vizinhos, .... estes grupos tendem a não ser muito numerosos e os seus membros
mantêm um contacto íntimo, prolongado e directo.
O
grupo secundário é mais impessoal, as relações são
contratuais. À medida que a sociedade se desenvolve os grupos secundários, pela
diferenciação de interesses e tarefas humanas, pelo grande número dos membros
da sociedade e pela sua dispersão, passam a ser os mais habituais, não deixando
de haver, contudo, grupos primários.
O
grupo primário será sempre o elemento activo no meio dos outros grupos. Na base
de tudo estarão as relações sociais elementares, que tanto podem ser de amizade
como de hostilidade.
8.2. O Interesse pelo estudo dos Efeitos
de Grupo
Os efeitos de imitação, enunciados
por Tarde, ainda que limitados por outros critérios, confirmam
a influência de outrém no comportamento de alguém.
Assim,
muitas vezes, as pessoas seguem sem esforço crítico os comportamentos daqueles
que admiram: sugestão de prestígio.
LeBon
demonstra que o impacto
das multidões provoca uma certa libertação das inibições individuais e um
contágio em atitudes e comportamentos.
Outros
estudiosos deste fenómeno forma Moreno com o estudo da sociometria e Levin com o estudo da dinâmica de grupos.
Um
dos críticos destes conceitos foi Sorokin que considera que estes não
correspondem a nenhuma realidade observável.
8.3. Componentes Psicológicos e Processo
Social
A) Motivações e Percepção
A motivação, segundo Newcomb, Turner e Converse é um
“estado do organismo em que a energia corporal é mobilizada e dirigida de
uma maneira selectiva para elementos que chamamos de objectos.”
Contudo,
toda a formação das motivações é parte da organização cognitiva e do processo
de percepção (a aprendizagem) que é selectiva, registando, apenas, os
aspectos relevantes de certo acontecimento. Assim, a percepção faz-se
consoante a informação que já foi acumulada no espírito. Por isso, quando certo
objecto surge o indivíduo já tem uma pré-inclinação favorável ou desfavorável.
Estas
pré-organizações cognitivas têm um nome: atitudes.
B) Atitudes
Uma atitude pode
ser descrita pela sua direcção (o sentimento que a guia) e pelo grau
de afecto representado (o grau de sentimento) pelo objecto.
As
atitudes são mais firmes em relação a objectos mais centrais e menos em relação
a objectos mais marginais.
A
modificação das atitudes é influenciada pela firmeza destas e pela informação
que vai sendo recebida. O estudos desta modificação é feito pelos especialistas
em opinião pública.
C) As primeiras impressões
A percepção que as pessoas têm uma
das outras influencia as atitudes que se tomam. Esta percepção refere-se às
características pessoais. Aqueles que têm mais relações de amizade evidenciam
uma maior percepção das personalidades alheias, facto que acontece com os
“leaders”.
D) O Processo de Interacção Social
Paul
Hare define as
seguintes variáveis no Processo de interacção do grupo.
Þ
Composição do
Grupo:
à
Características
da personalidade dos membros:
·
inteligência;
·
adaptação/ajustamento;
·
sensibilidade
interpessoal;
·
masculinidade/feminilidade;
·
inclinação
radical/conservadora;
·
autoritarismo/igualitarismo;
·
introversão/extroversão;
à
Características
sociais dos membros:
·
idade;
·
sexo;
·
classes
sociais;
·
origem
étnica;
à Número de membros
Þ
Organização do
Grupo:
à
Tarefa ou actividade: orienta-se para a criação de relações sociais
satisfatórias entre os participantes, o que influencia as personalidades dos
indivíduos e a partilha do trabalho destes.
à
Linhas de Comunicação
à
Leadership:
existem certas características que permitem identificar os líderes. De facto,
não chega terem grandes qualidades. Qualidade em excesso pode significar
impopularidade. Tem de haver uma combinação certa das características.
8.4. As normas
do grupo e a tendência para o Conformismo
O fenómeno do conformismo regista-se
ao nível das normas, das regras de conduta, das atitudes ou opiniões formuladas
no seio do grupo.
Perante uma situação, os grupos estabelecem certos
quadros de referência em função dos quais os membros tendem a determinar-se.
Uma experiência realizada por Asch, teve como
objectivo avaliar a influência do grupo sobre os juízos individuais. Os
primeiros resultados mostraram que há muitos erros cometidos quando se tende a
seguir a opinião do grupo, mesmo perante uma situação muito simples. Notou-se uma
diversidade de reacções em função da personalidade dos indivíduos. Durante
todo o processo houve indivíduos que se mantiveram seguros, confiantes, e
outros que se encheram de dúvidas porque não queriam ser diferentes da maioria.
Todas as experiências que se fizeram neste sentido,
revelaram que o fenómeno do conformismo perante as normas de grupo varia
em função da natureza do objecto, da personalidade do indivíduo e do tipo de
situação.
A ambiguidade do objecto acentua o fenómeno do
conformismo: as influências das
normas do grupo são reduzidas quando o objecto é claro e elevadas quando o
objecto não é claro.
Perante uma mesma situação, há diversidade de
reacções individuais, da personalidade dos indivíduos. Neste campo, a
experiência de Hare levou-o a concluir a importância da autoconfiança em
certos problemas, a capacidade do indivíduo lidar com determinados problemas, e
também os preconceitos que o indivíduo pode ter sobre o objecto ligados à
participação noutros grupos. Hare nota ainda que o conformismo se acentua nos indivíduos que precisam de ser
objecto de aprovação dos outros.
No que diz respeito às características da situação, o
conformismo é mais comum quando o indivíduo tiver de definir-se em público e
também quando o grupo exerce grande influência devido a amizades ou alto
prestígio. Também é relevante a maioria (como já referido). É de notar que
o conformismo acontece ao nível dos membros menos influentes como dos mais
influentes do grupo.
8.5. A Interacção Social
A)
A Dimensão dos Grupos
Em grupos muito grandes, torna-se difícil haver
intimidade e a intervenção no grupo varia para os diferentes indivíduos. O aumento
do número de membros leva, provavelmente, a uma fragmentação em subgrupos.
Nos grupos reduzidos, há fenómenos de amizade e
companheirismo. Por isso, há uma
tendência em reduzir a dimensão dos grupos, por haver assim, mais intimidade.
Nos grupos grandes, assume importância o “leader”,
como coordenador das actividades e na polarização das intervenções dos
membros.
Se por um lado, o aumento do número de membros
leva à inibição, por outro representa um enriquecimento para o grupo
(mais talentos e energia para desempenhar a tarefa).
No entanto, os grupos com um mínimo de cinco membros
são os estáveis, e evitam o isolamento no grupo.
B)
O Objecto da Acção Comum
O tipo de actividade de um grupo leva-o a
organizar-se em certos padrões.
Primeiramente, a actividade pode orientar-se para
a criação de relações sociais entre os membros, ou então, para a
execução de uma tarefa. Normalmente, esta orientação interliga-se.
O desempenho da actividade pressupõe o fim a
que se destina e os critérios para apreciação dos resultados, bem como as
regras a seguir e o grau de tensão.
Quanto ao fim, o grupo procura a satisfação socio-emocional dos membros ou a execução
de uma tarefa, que tem efeito na repartição do trabalho e das funções dos
indivíduos no grupo.
As regras a seguir podem acentuar uma acção comum ou
uma acção individual, criando um ambiente de cooperação ou de concorrência,
respectivamente.
Uma experiência de Deutsch revelou que a cooperação
leva a uma maior motivação individual e maior sentido de obrigação do indivíduo
em relação ao grupo; maior
divisão e coordenação do trabalho; melhor comunicação do grupo; maior
produtividade do grupo.
A tensão acentua-se de acordo com o tipo de
actividade. Leva a uma baixa do rendimento, depois a procura da satisfação socio-emocional
que resulta de um colapso do grupo. Mas a tensão é importante para a tarefa; uma
tensão mínima provoca um maior interesse pela tarefa sem gerar fenómenos de
reacção negativa.
C)
A Comunicação dentro dos Grupos
As comunicações estabelecem-se dentro de
determinados padrões que afectam as interacções no grupo.
Definem-se as posições nas linhas de comunicação do
grupo para cada indivíduo, ou seja, cada indivíduo tem uma determinada
posição na comunicação do grupo.
A maior influência liga-se às posições centrais e à
facilidade de acesso ou não ao leader
ou aos vizinhos directos. Os membros que estão nas zonas marginais das linhas
de comunicação são os mais insatisfeitos com o grupo.
A posição de afastamento ou proximidade
nestas linhas relacionam-se também com o grau de intimidade dos membros:
amizade => proximidade; afastamento => hostilidade.
A experiência de Leavitt permitiu verificar
que:
·
os padrões de
comunicação dos grupos afectam o seu
comportamento;
·
a ocupação das
posições na rede de comunicação afecta também o comportamento dos
indivíduos;
·
a
centralidade influencia o comportamento também impõe limites à acção do
indivíduo;
D)
As Personalidades Centrais
Uma destas personalidades são os leaders. A
estes andam associadas características de personalidade, como a inteligência, o
entusiasmo, a autoconfiança, a participação social e o igualitarismo.
Os leaders têm capacidades acima da média
dos indivíduos do grupo. No entanto, estas capacidades não podem ser muito
elevadas, senão pode torná-los em objecto de hostilidades.
Têm obrigações claras para com o grupo e é o
cumprimento destas que os faz serem leaders.
Assim, há cinco funções principais:
1.
Promover os fins do grupo;
2.
Administrar;
3.
Inspirar as actividades comuns e definir o ritmo de acção do grupo;
4.
Ajudar na integração dos indivíduos ao grupo;
5.
Actuar sem interesse (neutralidade).
Um dos problemas do leader é satisfazer
e corresponder aos desejos dos membros. Por um lado, tem de dar uma
regra firme que todos possam perceber e seguir, e por outro tem de criar
um ambiente de livre expressão de desejos e provocar a interacção.
Redl distingue os casos onde o indivíduo central aparece como “centro”:
Þ
Personalidade
Central: funciona
como:
à
Objecto de
identificação:
·
Identificação com base no amor:
-
identificação por incorporação na consciência (soberano patriarcal);
-
identificação por incorporação no ideal do ego (leader);
·
Identificação com base no medo.
à
Objecto de
impulsos:
·
Impulsos
amorosos;
·
Impulsos
agressivos;
à
Apoio do ego:
·
fornecedor
de meios;
· dissolve as situações de conflito;
8.6. A rede de ligações entre os indivíduos
As teias de papéis sociais são um
factor importante na coesão dos grupos. A estrutura do grupo é feita pelas posições e
papéis dos vários membros, que podem entrar em conflito.
A experiência de Whyte verificou que nos
grupos se definem e consolidam certas posições e estatutos que fazem a coesão
do grupo.
As posições individuais nas relações estão ligadas às
características particulares da personalidade, e na maneira como cada um
desempenha o seu papel no grupo.
Estas posições marcam a influência que cada um tem no grupo. Há, então,
uma estrutura nas relações dos vários membros de acordo com o seu estatuto. A
saída do grupo de membros pouco influentes apenas implica pequenos
ajustamentos, mas a saída do leader implica uma desagregação ou
reorganização das relações.
As experiências de Moreno incidem na rede de
relações de preferência, rejeição e indiferença dos membros do grupo. Ele
elabora um sociograma onde se marcam as escolhas, rejeições e indiferenças. Por
aqui se conclui sobre a posição do indivíduo e o clima social e coesão do
grupo.
É também conhecida a aplicação do método
sociométrico de Moreno para descobrir das preferências
num instituto feminino.
As escolhas cruzam-se e fazem surgir uma organização
dinâmica invisível, para lá da oficial.
Há indivíduos que são objecto de mais escolhas que
outros. Isto permite verificar os
indivíduos mais influentes do grupo. Estas escolhas estão ligadas á proximidade
no trabalho ou nos tempos livres, posse de características individuais
semelhantes, a comunhão e interesses e valores e a semelhança de personalidades.
Os indivíduos que são mais escolhidos são como que um modelo para o grupo,
e não são necessariamente os leaders do grupo.
A actuação
sobre um grupo, seja na gestão de empresas ou na estrutura militar, deve
influenciar aqueles que têm maior saliência no grupo. Por isso é importante
definir o organograma.
8.7. A Personalidade e a Cultura
As atitudes e os comportamentos são condicionados
pela cultura em que se nasceu e se foi criado.
Será uma socialização: uma aprendizagem daquilo que convém ao nosso estatuto
social.
Isto é
diferente da enculturação (a aprendizagem da nossa
cultura) e da aculturação (passagem da cultura de um
povo para outro).
Do
trabalho de Linton e Kardiner
nasceu a convicção de que se pode falar de personalidade base ou modal
de uma cultura a par da variedade de personalidades próprias. Esta
personalidade base é formada por um processo de enculturação.
Linton distingue, ainda, uma personalidade de status que
tem a ver com o estatuto sexual, etário ou de classe: uma rapariga não se
comporta como um rapaz, nem um adulto como um velho).
9. As Ligações Familiares
9.1. A família como elemento social
Em todas as sociedades, a família e os laços que daí
advém, são elementos fundamentais de agrupamento e diferenciação social. Apesar
da discrepância destes elementos de sociedade para sociedade, é possível
descortinar algumas constantes, que têm de ver-se como elementos centrais de
todos os arranjos relativos à constituição da família.
Assim, as funções sociais da família
são:
1. Procriação: a
procriação, devido à fragilidade das mulheres grávidas, crianças e jovens,
requer efectivamente arranjos duradouros para a geração de novos seres e para a
sua protecção e instrução nos valores e experiência colectivas até estarem em
condições de auto subsistência. É necessária para garantir a sobrevivência
da sociedade, pois é uma “renovação das gerações”.
2. Transmissão da herança social: esta é uma herança cultural (tradições de um
povo, como a língua) e material (bens materiais, como um quadro).
3. Atribuição da qualidade de membro do grupo e da
posição social: necessidade de fixar
os termos em que o indivíduo, pode ser considerado membro da sociedade e as
condições em que pode ser reconhecido como membro de uma dada família e gozar
do estatuto social que daí resulta:
·
Laços de
Parentesco: relação biológica
resultante da procriação.
·
Laços de
afinidade por aliança: relação
social derivada do casamento.
A família constitui-se pelo
casamento, e forma-se uma família de procriação. A família onde
nós nascemos é a família de orientação. Todo este conjunto é o que
se designa por família extensa.
Seguindo a análise de Murdock,
a família é constituída por pessoas que vivem juntas, que colaboram
mutuamente, e onde há, pelo menos duas pessoas adultas de sexo oposto e os
filhos deste casal.
à
Família
Nuclear: família constituída por
efeito de procriação e é composta pelo casal e pelos seus filhos.
à
Família
Elementar: reporta-se à unidade
solidária formada pelos membros de uma família nuclear.
Trata-se pois, das mesmas pessoas, procurando-se com
duas designações diferentes traduzir dois grandes conjuntos de relações que
entre elas se estabelecem
De facto, a família nuclear extingue-se por
ter cessado a função de procriação ou por ter falecido um dos cônjuges. No
entanto, os laços que unem os cônjuges tendem a manter-se para além do fim do
período de fecundidade da mulher, como se mantém os laços que unem entre si os siblings
e estes com os pais, ou com o cônjuge sobrevivo em caso de viuvez.
Deixa de ser uma família nuclear, convindo-lhe
melhor a designação de família elementar. Assim sendo, «os membros de um
dado grupo biológico começam como membro de uma família nuclear, tornam-se
membros de uma família que é simultaneamente nuclear e elementar e acabam como
membros de uma família elementar».
C.C.HARRIS
sustenta que há que diferenciar estes diversos elementos e individualizar
adequadamente os grupos a que eles podem conduzir. Família nuclear: Grupo
constituído para fins de procriação. A vida em comum, requerida para uma
satisfatória realização dos fins do grupo biológico, suscita a constituição de
vários grupos. A saber:
Quando, como acontece com frequência, pais e filhos
trabalham na mesma terra ou na mesma oficina ou, ainda, no mesmo
estabelecimento comercial, que é propriedade do chefe da família, ou deste e da sua mulher, o GE assim formado é
um GT. Quando vários membros de uma família são proprietários de uma
mesma terra, ou oficina, ou estabelecimento comercial, ou empresa de qualquer
tipo sem que haja execução em comum do trabalho, o GE formado na base
familiar é um GP.
A verdade é que, ao nível da família conjugal e da
família elementar o GD e o GE tendem a ser coincidentes.
De modo que pode razoavelmente sustentar-se que a procriação em termos
socialmente aprovados envolve a coabitação e a cooperação económica. E que, por
isso, estes diferentes elementos são atributos da noção de família.
A família nuclear é com frequência submersa no
GD, mais vasto, devido à protecção que filhos e mulheres acarreta. Os
membros de um GD não são necessariamente apenas os mesmos do grupo
biológico.
9.2. O casamento
1. Definição de direitos sobre os cônjuges e os seus
bens: quando as pessoas casam
adquirem direitos sobre o seu cônjuge e os seus bens. São direitos de
solidariedade, de apoio recíproco dentro da família.
2. Definição de direitos de acesso sexual: um casamento implica relações sexuais, quem casa tem
o dever de praticar relações sexuais com o seu cônjuge.
3. Definição de direitos sobre as crianças nascidas dos
cônjuges: as crianças nascidas numa
família pertencem à família de cada um dos cônjuges. Embora tal não se verifique
em todas as sociedades.
4. Legitimação das crianças como membro de uma família e
da sociedade e a atribuição do direito a herdar os bens da família e a sua
posição social.
Os pais procuram sempre influenciar
as decisões dos filhos (namoro), isto nas sociedades ocidentais. Pois, nas
sociedades orientais, os pais arranjam uma noiva ao filho, quando este atinge a
idade de casar.
O casamento envolve muitas vezes a transferência de
bens significativos que, em regra geral desempenham um papel importante na
consolidação dos laços entre os cônjuges e as respectivas famílias.
Existem três tipos de prestações
que acompanham o casamento:
à
Aqueles em
que há prestação de bens ou serviços à família da noiva (pagamento de um dote à família da mulher): esta é
uma situação muito frequente em África. Numa situação de separação, a família
da mulher tem de devolver o dote, mas se ela deixar ficar os filhos só tem de
pagar parte do dote. Contudo, não tem direito aos filhos enquanto o dote não
for pago.
à
Aqueles em
que a Família da noiva constitui um dote, ou são feitos outros arranjos
destinados a beneficiar o noivo ou a família deste: esta é uma situação que acontecia na Europa. Nenhuma
rapariga casava se não levasse o dote. Se uma rapariga tivesse um bom dote
arranjava um bom marido, por isso, muitas raparigas não casavam e iam para o
convento. A mulher ao levar o dote para o casamento era como uma antecipação da
herança. Não podia gerir os seus bens, quem o fazia era o marido que, contudo,
tinha a sua actuação limitada. Mesmo que o marido não pagasse o dote por
inteiro, tinha direito aos filhos.
Ex.:
na Irlanda há a prática das mulheres levarem um dote para o casamento. O pai da
rapariga paga ao pai do noivo um dote que é uma propriedade agrícola e, no dia
do casamento, a escritura é passada para o nome do noivo.
à
Casos em que
há trocas de presentes de valor substancial entre os noivos ou directamente
entre as duas famílias em causa:
esta é a situação que se verifica hoje em dia. As famílias entram com bens no
casamento (ex.: os pais podem comparar um andar aos filhos).
B) Tipos de casamentos e regras de residência
O
casamento tem várias modalidades:
Þ
Monogamia: em Portugal é crime uma pessoa ser casada legalmente
com mais de uma pessoa.
Þ
Poligamia:
à
Poligenia: casamento de um homem com duas ou mais mulheres.
Por exemplo, nos países Islâmicos, com excepção da Tunísia, quem tem mais
mulheres tem mais propriedades para cultivar.
à
Poliandria: casamento de uma mulher com dois ou mais homens.
Um dos problemas destas uniões é que depois não se sabe de quem são os filhos.
Por exemplo, no Tibete muitas raparigas são mortas à nascença para não haver
muitas raparigas. Já na Ásia, em geral, as filhas não são apreciadas porque têm
de pagar um dote para casar.
à
Casamento de
Grupo: um grupo de homens casa
com um grupo de mulheres. Este casamento é pouco frequente, chegando mesmo
a duvidar-se da sua existência.
Em
muitas sociedades há regras de residência, ou seja, há determinados locais onde
os jovens casais devem fixar a sua residência.
Regras
de Residência:
1. Neolocal: é o que acontece na nossa
sociedade, quando duas pessoas casam vão viver para a sua própria casa.
2. Patri-local: o noivo leva a sua mulher para ir
viver com a sua família (acontece em famílias extensas).
3. Matri-local: o rapaz casa e vai viver com os
seus sogros e sujeita-se à autoridade do seu sogro.
4. Avuncu-local: o noivo leva a mulher para viver
junto do seu tio materno (ex.: Moçambique).
5. Matri-patri-local: o casal, até ao nascimento dos
filhos, vivem na casa da família da mulher, depois do primeiro filho nascer vão
viver para casa da família do marido.
6. Bi-local: ou vivem na casa da família do
marido ou da família da mulher.
7. Nato-local: a mulher não se separa dos seus
familiares.
O tipo de prestação realizada por ocasião do
casamento tem significativa relação com a regra da residência. O casamento
em que não se verifica prestação por parte do noivo anda associado com
especial frequência às regras de residência matrilocal, neolocal,
e bilocal.
9.3. Parentesco e linhagens
A)
Regras de filiação
A constituição de grupos de parentesco anda ligada às
ideias aceites sobre a linhagem das pessoas.
Uma linhagem é o conjunto das pessoas que,
por terem um ascendente comum, constituem uma linha de família.
No entanto, é evidente que neste campo existe, por um
lado, a realidade biológica, pela qual cada pessoa pertence ao mesmo
tempo à linhagem do pai e da mãe, e por outro, as práticas sociais
que podem interpretar os laços de sangue de diversas formas, e que, na
verdade, se sobrepõem às realidades biológicas na definição do comportamento
das pessoas.
Existem vários de linhagens, podendo entender-se que,
para efeitos de direitos e obrigações resultantes da descendência, os filhos
podem pertencer à linhagem só da mãe ou
só do pai, os filhos à linhagem da mãe e as filhas à linhagem da mãe, enfim, de
formas várias que analisaremos com pormenor de seguida:
·
Filiação
indiferenciada ou cognática: se a linhagem
é traçada sem distinção, se os laços de parentesco são iguais para o
lado da mãe e do pai;
·
Filiação
patrilinear ou agnática: se a linhagem
for contada só pelo lado do pai (pai, avô, bisavô, e por aí fora);
·
Descendência
matrilinear ou uterina: se a linhagem
é traçada integrando os indivíduos do lado da mãe;
(estas duas últimas são, portanto, linhagens
unilineares)
·
Filiação
dupla: se o indivíduo é ligado,
simultaneamente, ao grupo patrilinear do pai e ao grupo matrilinear da mãe
(a qual se verifica em algumas sociedades tribais).
É evidente que a observância de uma regra
unilinear não significa que na sociedade em causa a criança não tenha, ao
mês o tempo, laços com a mãe e com o pai. Mesmo nos casos de descendência
unilinear, o indivíduo tem, geralmente, algumas obrigações para com o
progenitor do grupo unilinear a que não pertence. O que tem de ser
entendido em termos diferentes é a intervenção de cada um dos sexos na geração.
Como nota Radcliffe-Brown, o que leva a
qualificar de matrilinear ou patrilinear certo tipo de
descendência é o facto de se atribuir socialmente predominância a uma das
linhagens.
Ou, como acrescenta C.C. Harris, o reconhecimento
da filiação é por toda a parte bilateral, pois o indivíduo relaciona-se com
as duas partes (pai e mãe). O que varia, na realidade, são as regras de
descendência, isto é, os princípios a que se obedece na transmissão de direitos
e deveres, e na atribuição de posições sociais.
Nas sociedades de tipo europeu, a regra é a filiação
indiferenciada ou cognática, mas entre as populações tribais, encontra-se
mais facilmente casos de descendência unilinear.
Os casos de dupla filiação parecem, contudo, muito
raros. Para grupos em que o critério do parentesco é um elemento
fundamental de identificação e solidariedade, e mesmo de estruturação social,
como é o caso das sociedades tribais, a descendência unilinear apresenta
evidentes vantagens.
Com base num critério unilinear de descendência, é
possível saber claramente qual a que grupo cada pessoa pertence, e assim, quais
os direitos e deveres que lhe assistem. Pelo mesmo critério é possível
constituir com facilidade um grupo muito numeroso, ligado por laços de
parentesco bem definidos. O mesmo já não acontece quando a regra seguida é a
filiação cognática. Como tal, nas sociedades onde vigora esta descendência, os
grupos de parentesco têm usualmente um menor papel social
B)
Grupos de parentesco
A regra unilinear permite a constituição de
grupos de parentesco consanguíneo mais amplos, através da agregação das
linhagens.
Quando várias linhagens têm uma tradição de
ascendência unilinear comum constituem um grupo de parentesco mais vasto
que é o clã. Este termo não é consensual, pois autores como Morgan
defendem que o termo só se aplica aos grupos compostos na base da ascendência
matrilinear, designando-se os grupos de ascendência patrilinear de gens.
Murdock
fala, em conjunto, destes dois grupos de descendência como sib, distinguindo
entre matri-sib e patri-sib. Para Murdock, clã
não é um qualquer grupo de descendência, mas sim um grupo constituído
numa base residencial, incluindo, por isso, além dos parentes de sangue,
afins como os cônjuges, e exclui mesmo alguns parentes consanguíneos,
nomeadamente os que, através do casamento, se fixaram noutro grupo residencial.
Fox contraria
vivamente esta utilização da palavra sib. Para si, este termo
designa, entre os povos teutónicos, uma unidade exôgamica que corresponde ao
núcleo da parentela, e que ainda hoje sobrevive, perpetuando a Igreja Católica
o casamento entre indivíduos com certo grau de parentesco. Fox prefere
conservar o termo clã, apesar de não ser satisfatório, para classificar
os grupos de descendência mais amplos que os de linhagem.
Diversos clãs que estão unidos por um parentesco
unilinear constituem uma fratria. Em certas sociedades existem apenas duas fratrias,
repartindo-se os indivíduos entre elas. Isto vai resultar numa estruturação
social característica, que se manifesta na forma de grupos de parentesco que se
designam por metades, ou moitiés. Todos estes grupos estão, em regra,
associados a normas de exogamia, isto é, à proibição de casamento com elementos
do mesmo grupo unilinear.
Quando uma regra de parentesco consanguíneo anda
ligada à formação de um grupo residencial, são naturalmente necessárias algumas
adaptações, em especial quando a filiação unilinear corresponde, como é
habitual, com regra da exogamia. No
grupo residencial têm sempre de incluir-se alguns afins, e excluir-se parentes
consanguíneos, nomeadamente aqueles que, por efeitos o casamento, vão residir
junto de outros grupos. Assiste-se , assim, a um grupo misto de residência e
filiação.
Os Nayares são uma casta marcial do
Malabar, dividida em certo número de grupos, cuja organização social tem
por base o Taravad. Este é uma linhagem matrilinear que vive em
colectividade, dela fazendo parte todos os descendentes de ambos os sexos na
linha feminina.
Com o objectivo de manter todos os filhos das
mulheres da linhagem juntos, os Nayares adoptaram um sistema de acasalamento
que priva o progenitor de todos os direitos sobre os filhos nascidos de uma
mulher da linhagem. Quando atinge a puberdade, a rapariga é casada com um homem
escolhido pela família numa outra linhagem, com a qual a família mantém
relações para este fim. No terceiro dia após o casamento, procede-se o divórcio
de acordo com a regra hindu. Deste modo, o marido legal perde todos os
direitos aos filhos da mulher. Esta, que em virtude deste casamento se tornou
adulta, pode tomar amantes, que lhe permitirão gerar mais filhos, mas que não
terão qualquer tipo de direitos sobre estes, que pertencem à linhagem da mãe.
Estes grupos residenciais estão sujeitos às
consequências do seu dinamismo demográfico. Quando o número de membros se torna demasiado para permitir a
residência em comum, alguns separam-se para constituir uma nova linhagem,
preservando, através do nome que transportam, uma tradição de origem comum.
Este processo de formação de novas unidades ou estirpes é designado de segmentação.
As linhagens e clãs podem, em certos casos, guardar a memória do grau de
antiguidade da sua separação, conservando, assim, uma hierarquia entre os
vários ramos ou estirpes, ou então, podem apenas preservar a memória do
parentesco. No primeiro caso, em que os segmentos constituem séries
convergentes, as pessoas da linhagem têm em regra precedência, em funções
cerimoniais ou no acesso a certos direitos, sobre as outras, e estas entre si
têm precedência por ordem de proximidade da sua própria linhagem, relativamente
ao tronco de onde todas provêm.
A memória dos laços entre os vários segmentos é um
aspecto importante da coesão entre os grupos, podendo mesmo ser a base de toda
uma nacionalidade. Os Somalis
são um bom exemplo disto. Encontram-se divididos em várias linhagens, mas
unidos por um ascendente comum, somaale.
9.4. Exogamia e aliança. Sistemas de parentesco
Na generalidade das sociedades conhecidas existem
regras que interditam as relações sexuais entre pais e filhos, irmãos e irmãs,
e ainda entre parentes muito próximos. A proibição do incesto, que parece regra geral, é relativa às relações
sexuais, está geralmente associada a regras relativas às pessoas com quem não
se pode casar e muitas vezes a regras relativas às pessoas com quem se deve
casar.
Existem,
assim, regras de exogamia que obrigam homens e mulheres a procurar cônjuge
em grupos de parentesco diferentes do seu, dando origem a um sistema de
relações complexas entre grupos. Frequentemente, a pessoa não é livre de
escolher o seu cônjuge em qualquer grupo, devendo limitar-se a aliar-se
necessariamente com pessoas de um grupo de definido.
Sistemas de casamento:
·
sistemas
complexos: sistemas de casamento em
que apenas existe uma regra proibitiva de casamento com certa categoria de
pessoas – designadamente parentes próximos.
·
sistemas
elementares: aqueles em que vigoram,
em simultâneo, regras que interditam o casamento dentro de certo grupo de
parentesco, e impõem o casamento dentro de um ou mais grupos bem delimitados.
Subdividem-se em:
·
sistemas
simétricos ou directos: aqueles em
que há troca directa de cônjuges entre os grupos. As trocas podem fazer-se em
cada geração, e o sistema diz-se imediato, ou pode ser feita de
uma geração para outra, e o sistema diz-se diferido.
·
sistemas assimétricos: aqueles em que não há tal troca directa.
O casamento de um homem implica, em virtude da regra
exogâmica, que uma outra família deva ceder-lhe uma mulher. Por seu lado, os
irmãos desta mulher têm de procurar mulher fora da sua própria família para se
poderem casar. Uma forma prática de se resolver este problema é através da
troca de irmãs. Um homem recebe como mulher a irmã de outro e cede-lhe a sua
própria irmã. Ou seja, mais realisticamente, aqueles que têm a responsabilidade
de realizar os casamentos dos jovens (pai, mãe, irmão da mãe) obtém para o seu
rapaz uma mulher em outra família, e cede uma das mulheres da sua própria
família em troca. Os homens do grupo A casam com mulheres do grupo B,
e os homens do grupo B, por seu lado, casam com as mulheres do grupo
A.
Esta
troca de mulheres favorece a necessidade de constituir família atendendo às
regras de exogamia, e é, simultaneamente, um elemento importante do
relacionamento entre grupos que vivem no mesmo território.
Estas trocas de mulheres é de tal modo importante
para a formação de alianças entre grupos vizinhos que alguns antropólogos como Lévi-Strauss
consideram mesmo a necessidade de preservar as mulheres como o fundamento da
exogamia. Um exemplo bastante claro deste processo é o que pode ser demonstrado
com duas linhagens patrilineares A e B.
De geração para geração os homens da linhagem A casam
com as mulheres da linhagem B e reciprocamente. Com o crescimento do grupo e a
agregação das linhagens em clãs, preservando-se a memória as sua origem pelo
nome que designa o grupo, pode resultar que os homens A casem sempre com
mulheres de linhagem B, e homens B sempre com mulheres A disto resulta a
divisão da tribo em duas metades exôgamicas. Estas metades desempenham
um papel fundamental em toda a vida social, mantendo entre si relações
simultaneamente de cooperação e rivalidade. Esta organização encontra-se em
povos de diversas regiões, como em algumas tribos da Oceânia, em algumas tribos
da América do Norte, e também em algumas tribos africanas.
Este é um sistema simétrico, que implica a
troca directa de mulheres entre linhagens na mesma geração, correspondendo,
assim, ao que se chama de troca imediata. Contudo, o sistema pode sofrer
certas alterações que conduzam a uma
situação de troca diferida, ou seja, de uma geração para a outra.
Quando vigora um sistema assimétrico, a
tendência é para a sociedade se repartir, em relação a cada linhagem, em
linhagens que dão esposas e em linhagens que recebem. Em regra, um homem pode
casar-se apenas com mulheres da ou das linhagens a que a sua própria linhagem
não cede esposas. Ou seja, não há trocas directas. O que um homem faz é casar
com uma mulher de um grupo que já deu
uma mulher ao seu próprio grupo. A essência dos sistema assimétrico é que,
havendo várias linhagens A, B, C, D, o casamento se faz de A para B, de B para
C, de C para D, de D para A e assim por diante, sempre atendendo à regra de que
uma linhagem não cede mulheres àquela
linhagem onde toma esposa.
Os sistemas complexos são essencialmente baseados
na proibição do casamento dentro de certos graus de parentesco, juntamente
com a regra da livre escolha do cônjuge fora disso. Nas sociedades tribais,
onde o parentesco tem maior importância,
esta regra tende a completar-se com outras, transformando os sistemas complexos
que aí encontramos em sistemas intermédios entre os sistemas elementares e os
sistemas correntes na sociedades europeias.
Duas fórmulas muito estudadas pelos antropólogos são
os sistemas Crow e Omaha, sistemas particulares de escolha
do cônjuge em prática no continente americano.
O sistema Crow é matrilinear, e a regra
que se segue é que um homem não pode casar dentro do seu próprio clã, nem do
clã do seu pai, nem do clã do pai da sua mãe.
O sistema
Omaha é patrilinear, e a regra adoptada é que um homem não pode
casar dentro do seu próprio clã, nem no clã da sua mãe, nem no clã da mãe do
seu pai.
O que distingue estes dois sistemas de troca
indirecta, em que há clãs dos quais se recebe mulheres e outros a que se dá
mulher, é o facto de se aplicarem a indivíduos e não a grupos no seu conjunto.
9.5. Tipos de famílias
Como consequência, cada adulto torna-se membro de
duas famílias, pois àquela onde nasceu vem juntar-se a que constituiu, por sua
vez, juntando-se com uma pessoa do outro sexo. Assim, formam-se dois tipos de
famílias:
·
a família de
orientação: que é aquela em que o
indivíduo nasce;
·
a família de
procriação: aquela que ele funda
pelo casamento;
A constituição de uma família de procriação não
implica necessariamente o afastamento em relação à família de orientação.
A junção na mesma residência de uma ou mais famílias
de procriação e da família de orientação de um dos cônjuges gera um fenómeno
designado por família extensa.
9.6. A teoria de Talcott Parsons sobre a funcionalidade
actual da família nuclear
Talcott Parsons, sociólogo americano, procedeu a
uma análise do papel da família na moderna sociedade industrial.
Na sua visão sociológica, o papel social da
família resulta das funções que esta realiza no quadro da estrutura social.
Considera que viver numa família nuclear é mais conveniente do que numa família
extensa, porque tem mais adaptabilidade e mobilidade.
Parsons avança com a ideia de que nas
sociedades primitivas ou exóticas, a família exerce diversas funções. A
saber:
·
procriação;
·
regulação
sexual;
·
apoio
sócio-emocional (necessidade de amizade);
·
criação
dos filhos;
·
produção
de recursos necessários à subsistência;
·
defesa
contra o exterior;
·
educação
e socialização das crianças;
·
apoio
na doença;
·
apoio
na velhice;
·
culto
religioso;
·
funções
de inserção na realidade social global;
Face a todas estas funções e condições, a forma de
organização familiar mais adequada às
necessidades é a família extensa.
A modificação da estrutura social implica,
naturalmente, em muitos casos, a perda de funções da família. Na sociedade
industrial e urbana, o processo de diferenciação levou a uma ainda maior
transferência de funções para estruturas exteriores à família. Além do Estado,
da Igreja, da escola, as novas estruturas de produção, as empresas enquadram os
indivíduos em muitos sectores da sua vida. Como tal, a família esvazia-se, cada vez mais de funções
que não tenham directamente a ver com a procriação e a criação e socialização
das crianças e o apoio emocional aos membros da família.
A função decisiva e insubstituível
da família é gerar novos seres e assegurar as condições socio-emocionais
necessárias ao bom equilíbrio das personalidades, e proporcionar o apoio para
uma boa socialização na infância e na juventude.
Nas sociedades urbanas e industriais a ligação entre
a unidade familiar e a estrutura social de conjunto faz-se através da
actividade profissional. A profissão é o meio essencial de o homem
prover ao sustento dos seus. É também a via por onde se define a posição
social da família. É o prestígio relativo da profissão exercida pelo chefe
de família e o nível de rendimentos que por ela se alcança que decidem
substancialmente o estatuto social da família na sociedade urbana.
Pelo aqui exposto, do ponto de vista de Parsons,
o modo de funcionar dinâmico da sociedade urbana e industrial requer um tipo de
família facilmente móvel, desligada de qualquer rede rígida de laços de
parentesco. Como tal, o tipo de família para que se tende nestas condições é
o da família nuclear isolada.
9.7. O facto da
interajuda familiar
A) Formas de Corrente de
Interajuda
Esta análise de Talcott Parsons sobre a
tendência para o desaparecimento da família extensa e a emergência de um padrão
de vida baseado no modelo de família nuclear isolada ganhou uma particular
importância, especialmente dadas as reacções que provocou entre os
investigadores britânicos. Muitos insurgiram-se, na realidade, contra esta
tese, e surgiu diversa literatura a defender o papel que a família ainda
desempenha nas sociedades urbanas e industriais
Vários inquéritos realizados sobre famílias
evidenciam, de facto, a existência de ligações frequentes entre os seus
membros, ainda que eventualmente dispersos por famílias nucleares
geograficamente separadas. Sussman ressalvou precisamente este facto nos
inquéritos que realizou e, procurando sistematizar a documentação disponível,
nota que a interligação familiar, na sociedade americana, se traduz em:
1. práticas de entreajuda: que compreendem a troca de
serviços, a oferta recíproca de presentes, a assistência financeira e o
aconselhamento;
2. as visitas entre parentes: que englobam as reuniões
familiares e as actividades recreativas
em comum.
A troca de serviços reflecte-se em vários
campos. Por exemplo, é frequente que os parentes se façam companhia nas idas às
compras. Os filhos de uma casal podem ser deixados por umas horas ao cuidado de
parentes enquanto os pais estão no emprego, ou vão jantar fora, ao cinema.
A assistência financeira passa, geralmente, de
geração em geração. Os pais auxiliam os filhos recém-casados por motivo de
gastos excepcionais, como a compra de móveis, de um automóvel, da compra da
casa.
O aconselhamento tem enorme importância na
resolução de problemas que possam surgir às gerações mais jovens da família.
Para a solução de problemas, é frequente
as jovens raparigas terem contacto com as mães. Todas as decisões de grande
importância e responsabilidade, como o
casamento, o emprego, as grandes compras, são frequentemente discutidas
com os pais ou com outros parentes próximos qualificados.
As visitas entre parentes e as reuniões com
objectivos recreativos fazem parte do processo de preservação de laços de
intimidade
B) A interajuda e o ciclo de vida
da família
Este tipo de ligação e interajuda verifica-se entre
pais e filhos, entre parentes próximos dos dois lados da família, e, menos
frequentemente entre parentes afastados. Parece evidente, no entanto, que estes
diferentes tipos de interligação entre os membros dispersos de uma mesma
família se verificam por diversas formas, de acordo com o momento do ciclo de
vida da família, o sexo e nível social das pessoas.
A família nuclear passa por fases que compõem
um ciclo característico, em função do qual se organizam os contactos.
Esta família constitui-se pelo casamento. A primeira
fase é a que muitos autores designam de home-making, o
estabelecimento do lar, e dura até ao nascimento do primeiro filho. A segunda
fase, que é a da criação dos filhos, vai do nascimento do primeiro filho e vai até ao casamento ou
autonomização do primeiro filho. A terceira fase é a da dispersão,
e vai do casamento ou *independência do primeiro filho ao casamento do
último filho. A última fase é a final e vai do casamento do último filho
até à morte dos cônjuges.
C) A interajuda familiar nos
diferentes níveis sociais
Vários estudos revelam que a relevância da interajuda
familiar varia substancialmente consoante o nível social.
Nas camadas sociais mais elevadas, a memória
das linhagens é ligações familiares é cuidadosamente mantida, servindo as
extensas parentelas como um apoio importante do indivíduo na preservação de um
status social elevado. Os membros da família têm um interesse pessoal na
protecção dos interesses dos seus parentes, procurando abrir-lhes o acesso a
empregos e carreiras de prestígio, evitando a descida social dos parentes.
Já nas camadas médias da sociedade, o papel da
rede de relações familiares apresenta-se como muito menos importante na vida
das pessoas. Neste nível encontram-se famílias com considerável mobilidade
residencial e profissional. O chefe da família muda constantemente de emprego,
sempre à procura de melhores oportunidades. Com a mudança de emprego ou de
lugar de trabalho, verifica-se também a mudança de residência. Esta mobilidade
implica uma certa ruptura com o resto da família.
Neste nível, são muitos os casos de pessoas cujo
nível social está em franca evolução. Nalguns casos há promoção social e
noutros, pelo contrário, há perda de status de uma geração para outra.
Este fenómeno da interajuda familiar assume uma
importância muito mais acentuada nas camadas mais modestas do que nas
camadas médias da sociedade. Nesta camada, onde as disponibilidades financeiras
são muito reduzidas, a interajuda familiar toma sobretudo a forma de prestação
de serviços e de apoio em períodos de dificuldade, pelo que as pessoas possuem
um forte sentimento de solidariedade.
9.8. O fenómeno da
família extensa modificada
Estas diferentes práticas familiares demonstram que
subsiste no meio urbano uma rede de relações de parentesco que desempenha um
papel de bastante importância na vida das pessoas.
Envolve basicamente as famílias de orientação dos
cônjuges de cada família de procriação, e os siblings de um e outro, com
as respectivas famílias de procriação. O que é certo é que não se trata da
família nuclear isolada da análise de Parsons. Mas também é verdade que
não se trata da família extensa no seu tipo convencional. As pessoas vivem em
contacto, mas não estão na íntima
dependência uma das outras. Os parentes são usados sobretudo como apoio
emocional, e, por vezes, como fonte de pequenos serviços, no caso de residirem
na vizinhança, e, esporadicamente, como fonte de auxílio financeiro.
Posto isto, para designar este tipo de arranjos das
relações de família, Litwak propôs a designação de família extensa
modificada. O que se verifica é que, como foi referido atrás, as
pessoas vivem em contacto permanente, mas não se encontram na dependência
financeira umas das outras. Preservam a sua autonomia. O que acontece é que
a família de orientação e os outros parentes surgem agora como uma espécie de
fundo de reserva a que se recorre selectivamente, com base nas inclinações e
simpatias pessoais. Existe a ideia de que é legítimo e razoável esperar, em
caso de dificuldade maior, o apoio de parentes que estejam em condições de
prestar auxílio.
9.9. A estrutura da
família nuclear
A) A diferenciação dos papéis
sociais
A família nuclear apresenta-se como um
conjunto de adultos e adolescentes ou crianças ligados por uma certa repartição
de papéis sociais. Nestes papéis afirmam-se, simultaneamente, elementos
de diferenciação e de integração, necessários ao bom funcionamento
da família na realização dos seus objectivos.
A família assenta nas relações que se estabelecem
entre as pessoas que a compõem. O jogo destas diferentes ligações entre os
membros da família, que evolui no decurso do ciclo familiar, reflecte-se no bom
equilíbrio do conjunto e no adequado desempenho de duas das suas funções
essenciais, que são a correcta socialização dos filhos e o harmonioso equilíbrio
socioemocional dos cônjuges.
Talcott Parsons analisa, basicamente, no seio da
família quatro papéis sociais, diferenciados segundo o sexo e,
globalmente, segundo a idade, que são os do pai mãe, filho e filha.
O pai e a mãe, relativamente aos filhos, têm uma
posição dominante, que pode atenuar-se quando estes atingem a idade adulta. Da
desigualdade de poderes que daqui resulta decorre um primeiro eixo de
diferenciação entre superior e inferior no seio da família. É uma desigualdade
inerente à ordem de gerações.
Por outro lado, entre o pai e a mãe, e também entre
filhos e filhas, há uma diferenciação que resulta do sexo e das atitudes e
comportamentos que lhe andam associados. O homem mostra, em regra,
atitudes e comportamentos em que predominam elementos do tipo instrumental,
enquanto a mulher evidencia atitudes e comportamentos do tipo expressivo.
O papel do pai é predominante em relação ao filho, assim como o da mãe o é
relativamente à filha.
Os papéis de cariz instrumental, que tendem a
situar-se sobretudo no domínio das relações com o meio exterior à família, procuram
assegurar o equilíbrio desta face aos condicionalismos ambientais em está
inserida.
Os papéis com prioridade expressiva situam-se
no âmbito da integração interna das relações familiares, visando manter as
tensões entre os membros da família a níveis de tolerância.
Tudo isto, o facto de o homem assumir papéis com
prioridade instrumental e as mulheres papéis de cariz expressivo no seio da
família nuclear, liga-se com as condições em que tem de fazer-se a criação dos
filhos.
B) O processo de socialização dos
jovens
A diferenciação dos papéis e o fraccionamento
do sistema familiar em subsistemas estão pois ligados às necessidades da boa
socialização das crianças e do adequado equilíbrio socioemocional dos adultos.
O crescimento e socialização dos jovens enfrenta
alguns problemas de adaptação, em que a conveniente evolução das suas relações
com o pai e a mãe desempenham papel central.
Nos primeiros anos de vida, a relação mais íntima é
estabelecida com a mãe, em torno da qual gira toda a existência neste período.
Porém, esta identificação tem de regredir progressivamente para que as crianças
se tornem adolescentes e adultos equilibrados.
Os jovens têm de aprender os seus papéis sociais em
contacto com o pais, com os grupos de amigos e com outras pessoas.
Numa primeira fase, o processo é mais fácil para as
raparigas, pois a aprendizagem pode fazer-se com a mãe, com a qual tem um
contacto diário muito intenso. Para a rapariga, desempenhar um papel de adulto
é aprender a desempenhar o papel social de mulher da sua mãe. É por isso que as
raparigas estão mais cedo em condições de iniciar a vida adulta.
Para os rapazes, é necessário afastar-se do modelo
materno e adoptar o modelo paterno, o estilo masculino de viver na sociedade.
Segue o exemplo do pai, mas é também nos peer-groups ou grupo de amigos
que faz esta aprendizagem.
Para além destas influências maternais e paternais, é
necessário também um certo afastamento em relação aos modelos familiares, que
também é parte da preparação para a vida adulta. Isto relaciona-se com a necessidade
de afirmação pessoal na sociedade.
C) Variações na diferenciação dos
papéis familiares
O padrão de diferenciação de papéis
sociais é comum a todos os níveis sociais. No entanto, podem observar-se certas variações
significativas na sua expressão real entre as várias camadas.
Num sentido extremo verifica-se que o homem se
restringe às suas actividades profissionais, e dedica os tempos livres ao
convívio com os amigos, enquanto que a mulher tem o cuidado exclusivo da gestão
doméstica, ocupando os tempos livres com o seu círculo de amigas. Noutro
extremo, verifica-se que o casal tem uma actividade muito integrada e
compartilhada, fazendo o marido muitas das actividades domésticas, e passando o
casal maior parte do tempo de ócio em conjunto.
Toda a documentação obtida e reunida pelos sociólogos
americanos acerca do comportamento das famílias de diferentes níveis sociais,
permite contrastar as diferentes interpretações de papéis no seio da família:
· classes populares: há uma divisão acentuada das
tarefas de cada cônjuge. Há uma grande diferença entre as tarefas
desempenhadas pelo homem e as desempenhadas pela mulher. Porém, quando a mulher
também trabalha, o homem pode ajudar nalgumas tarefas domésticas. No que diz
respeito à integração dos filhos na vida, é esperado que estes cresçam à
imagem dos pais, sendo a educação e socialização orientada nesse sentido. É,
pois, uma relação rígida em que o pai é a figura autoritária, é quem põe
ordem nas coisas.
· classes médias: verifica-se uma maior interpenetração
de papéis entre marido e mulher. É muito comum os maridos ajudarem as
mulheres, porque estas, geralmente empregadas, carecem desta ajuda nas lidas
domésticas. A socialização dos filhos é igualmente feita de um modo
permissivo, gozando as crianças de uma certa liberdade de acção, de modo a
poderem cultivar a sua própria personalidade. Os pais não estão à espera que os
filhos sejam iguais a eles, mas tão só que sigam a sua propensão natural.
Apenas os guiam no sentido de que se desenvolvam bem, de acordo com princípios
e valores válidos. A violência educacional é muito menor.
· classes altas: como o dinheiro é abundante, têm a
possibilidade de pagar a pessoal doméstico para realizar as tarefas da casa. O
marido mantém-se dentro do seu papel masculino, sendo que a mulher tem uma vida
social activa, participando em eventos e acontecimentos da alta sociedade. Para
manterem a fortuna e o estatuto social, os filhos têm que ser educados com
disciplina e rigor, para que se tornem bem educados e bons gestores, devendo
saber exactamente como se devem comportar no seu meio social. Também aqui os
filhos devem seguir o modelo dos pais, que é o de uma socialização própria da
classe alta, e não de acordo com a propensão natural das crianças ou
adolescentes.
Por tudo isto, é inevitável concluir que
a mulher desempenha um papel importante e dispõe de uma força enorme no seio da
família. Não se toma uma decisão sem se ouvir a sua opinião. Na classe popular
é mesmo ela a gestora real do património da casa e da família.
10. A dicotomia sexual
10.1. A divisão tradicional de funções segundo o sexo
Em regra, homens e mulheres vestem-se e ornamentam
por forma própria, específica de cada sexo, e exercem funções definidas
socialmente também por forma específica de cada sexo. São as mulheres
que têm as crianças e a regra é que sejam elas a cuidar os filhos nos
primeiros anos de vida.
No
domínio das actividades produtivas, as práticas variam conforme as
culturas e consoante se trata de povos que vivam em economia de colheita, ou se
dediquem à pastorícia, ou a trabalhos agrícolas, com ou sem complemento de
outras actividades. Mas é geral que os homens reservem para si os trabalhos
considerados mais pesados ou mais perigosos, ou os que impliquem maior
afastamento do lar doméstico.
Nas comunidades primitivas a regra geral é o Homem
caçar, pescar, fazer trabalho de madeira, de metais, quebrar o solo[a cavar a terra], etc ;a Mulher faz o vestuário, olha pela
casa e pelas crianças, cuida e sacha as plantas.
Nesta matéria existe uma grande diversidade de
costumes, pelo que existem grandes variações em relação ao esquema de divisão
de funções segundo o sexo. Assim, há vantagens e, referir exemplos
representativos da repartição sexual de funções em povos tribais.
10.2. A divisão sexual de funções entre populações tribais
a) Os Cuanhamas do Sudoeste de Angola
·
Traços gerais
A criação de gado é a actividade principal. A
agricultura, tem certa importância e pratica-se numa base permanente como fonte
de alimentos. O gado bovino é a grande fonte de riqueza e a posse de gado o
principal elemento de prestígio.
Os Cuanhamas vivem em família extensa.
A residência de um homem adulto com casa própria é conjunto de cubatas, onde
vive com as suas várias mulheres, os filhos já casados que ainda não tenham
casa própria, os rapazes e raparigas solteiras, e as crianças. Os campos
cultivados ficam, em regra, perto de residência, o que nem sempre acontece com
os pastos.
·
Divisão de trabalho por sexo
Quase
tudo o que se relaciona com o gado, é trabalho de homens. Os homens levam o
gado a beber, tiram o leite e fabricam a manteiga, fazem o curtimento das peles
e confeccionam o vestuário que elas utilizam.
A agricultura
é sobretudo ocupação da mulher, embora os homens façam certos trabalhos
mais pesados, como acontece quando há que desbravar um campo, que implica corte
de árvores e arbustos.
A grosso modo, pode dizer-se: trabalho de enxada para
a mulher, trabalho de machado para o homem.
A construção das cubatas e cercados é trabalho de
homem. Às mulheres cabe revestir as paredes com barro e cortar a erva
que serve para a cobertura.
Os homens fabricam também grandes cestos que servem
de celeiros. O trabalho de barrar as varas ligadas umas às outras, que formam a
estrutura da base, é trabalho de mulher, assim como o fabrico de vasilhames de
barro. A arte do ferro e fabrico de utensílio de madeira é trabalho de homem.
Os campos são tratos desbravados no mato e
agricultados. Cada mulher tem o seu, e há ainda o campo do homem. O campo de
cada mulher é, em princípio, cultivado por ela própria, embora possa haver
troca de serviços com outras mulheres. No campo do homem trabalham em
colaboração todas as mulheres. O trabalho da monda está reservado às mulheres.
Da produção nos seus campos as mulheres devem
fornecer o cereal para a alimentação do marido, durante certo período após a
colheita. Passado este período, e quando o cereal do campo da mulher acaba,
compete ao marido fornecer a partir do produzido no seu próprio campo.
Um trabalho feito em conjunto por homens e mulheres é
o da pesca.
·
Descendência e propriedade
A descendência é matrilinear, a propriedade
é individual.
Os herdeiros de um homem não são os seus próprios
filhos, mas os seus irmãos uterinos ou os filhos da sua irmã. O filho só recebe do pai bens entregues por
doação entre vivos.
As mulheres são donas dos bens recebidos de
familiares e daqueles que resultam do seu próprio trabalho, na parte que não é
destinada por costume ao consumo do marido e da casa, à mulher pertencem, mesmo
na casa do marido, os utensílios domésticos, galinhas e cabritos, e ainda a
parte da sua própria produção agrícola, que sobra depois de cumprida a sua
obrigação de contribuir para a casa, e que pode ser vendido em seu proveito.
A sucessão das dignidades faz-se igualmente pela via
matrilinear. Mas o sucessor deve
ser do sexo masculino.
b) Os Macondes de Moçambique
·
Traços gerais
Cerca de 130 mil pessoas. A agricultura é a
actividade dominante, conjugada com pequenas criações de porcos, cabras e
aves domésticas e com uma actividade complementar de caça e recolecção de
frutos e plantas silvestre.
O principal cultivo é o milho, o sorgo, e a mandioca.
A agricultura pratica-se nos bordos do planalto, o que permite a regeneração
das terras e reduz ao indispensável o rude trabalho de abrir novos lotes em
terreno coberto por mato denso. Nas terras baixas e no interior, com menor
densidade, é mais corrente a agricultura itinerante de derruba e queimada.
A população
vive em aldeias, no meio dos seus campos, sendo estes abertos à medida das
necessidades, caminhando-se cada vez para mais longe.
As aldeias são grupos residenciais agregados,
segundo o princípio do parentesco matrilinear. No entanto a mesma linhagem pode
repartir-se por várias aldeias.
As aldeias são em regra compostas de palhotas
dispostas em círculo em torno de um terreiro arborizado. No centro costuma haver um palheiro, que constitui
o local de reunião dos homens. É a casa dos homens. As palhotas, uma para cada
mulher casada, eram tradicionalmente circulares, com cobertura tónica.
A disposição das casas dentro das aldeias, (em
relação a umas às outras), reflecte as relações familiares.
Na vida de todos os dias, e nos diversos trabalhos,
os homens colaboram com as mulheres em muitas coisas. Mas existe
naturalmente uma sensível repartição de funções.
Às mulheres cabe ir à água, que implica andar muitos quilómetros, preparar
as refeições, executar trabalhos agrícolas e ainda outras actividades a
complentares das do homem. A intervenção do homem surge aliás, em muitos
trabalhos em virtude de ter de apoiar a mulher.
Os homens
quando não têm trabalhos a fazer fora da aldeia, juntam-se na casa dos homens,
no centro da aldeia, conversando, fumando, realizando pequenos trabalhos.
Na actividade agrícola, o homem faz em
geral os trabalhos mais pesados. Cabe-lhe fazer a abertura de novos
campos, a limpeza do mato e a derruba das árvores, que é o trabalho
duro e moroso, dada a pequena eficiência das ferramentas gentílicas.
O trabalho de capinagem é feito pela mulher. A
colheita de mandioca, feijão, pepinos e das abóboras é também executada pela
mulher. A colheita dos cereais cabe ao homem.
Cada
mulher tem os seus tratos de terreno, machambas. O homem deve ajudá-la no
cultivo, o homem abre os buracos, a mulher deita as sementes. Sendo polígeno,
tem de fazer este trabalho para cada mulher. Quando se dão bem , as mulheres do
mesmo homem, podem trabalhar em colaboração nas várias machambas. A falta de
realização adequada destas tarefas pelo homem é motivo de justa queixa e é
suficiente para a mulher o abandonar.
A
actividade de recolecção é feita pelas mulheres e crianças. Mas são os homens que apanham o
mel e a cera. A caça é naturalmente actividade masculina. A escultura,
arte do ferro, técnica de fazer fogo, o fabrico de cesto são artes de homem.
A olaria é trabalho das mulheres.
10.3. A tradição e a urbanização
A
vida decorre basicamente nas sociedades tribais no quadro familiar. Cada grupo, aldeia, é um grupo
de parentesco.
A
família nuclear insere-se em laços mais amplos e os seus membros estão
sempre ligados numa teia de relações sociais estreitas com vizinhos, que também
são parentes. O que
cria um ambiente humano acolhedor, que abrange muitas pessoas além da família
imediata, e evita uma excessiva fixação emocional nesta. A sociedade é para
eles, em grande parte, uma extensão das relações familiares. Nas
sociedades mais primitivas, cada lar transborda sobre o outro e os seus membros
misturam-se numa vida comum, donde a intimidade, tanto como o desejo de
intimidade, estão ausentes.
Todos
se casam salvo os anormais. As raparigas quase logo que atingem a puberdade, os rapazes mais
tarde, devido a condicionalismos culturais (constituição de um dote, por exemplo).
A
vida de cada sexo decorre dentro de normas substancialmente bem definidas, sem interferências recíprocas de
maior, convergindo nas tarefa e actividades em que têm de ser complementares.
As mulheres não realizam tarefas de homem, salvo em caso de emergência. E os
homens não fazem trabalho de mulher, salvo em caso de estrita necessidade. É
claro que com a mudança nas condições de vida é frequente a redefinição das
tarefas de cada sexo.
A
grande ruptura em que se traduz a migração para as zonas urbanas permite seguir
numerosos exemplos de profundas transformações culturais ligadas às mudanças
nas condições de vida.
A
Economia urbana permite às mulheres maior autonomia e independência. É-lhes possível organizar uma vida
desligada das fórmulas tradicionais do casamento, e em larga medida
independente do controle da linhagem. Nas cidades africanas, muitas mulheres
dos níveis económicos mais baixos ocupam-se como lavadeiras ou dedicam-se ao
pequeno comércio. As mais adaptadas encontram emprego como vendedoras. As mais
instruídas começam igualmente a ocupar lugar significativo na enfermagem e na
docência.
A
cidade faz também surgir diversas fórmulas de arranjo sexual fora do casamento,
que vão de coabitação regular com o mesmo homem à prostituição sistemática.
Em
muitos domínios de actividade das mulheres é frequente surgirem manifestações
de associativismo como meio de defesa, Ex: comércio, aprendizagem de técnicas, proteger
interesses, etc.
10.4. Homens e mulheres na sociedade
industrial e urbana
Na
sociedade industrial e urbana, a diferenciação efectiva de funções
entre os sexos coexiste com uma ideologia igualitária, que tende a
sublinhar a equivalência dos indivíduos e a aptidão das mulheres para o
desempenho da generalidade de funções tradicionalmente confiadas a homens.
Nas
sociedades tradicionais, a diferenciação de funções é aceite como um
dado de base e a socialização dos indivíduos, desde muito jovens, é
feita dentro dos modelos de acção propícios de cada sexo.
Na
sociedade urbana e industrial a especialização é menos nítida.
Rapazes e raparigas são decerto desde muito cedo socializados dentro dos
modelos do seu sexo, no que respeita ao vestuário e ao comportamento. Os
rapazes são criados dentro da perspectiva do exercício de uma actividade profissional
fora de casa. As raparigas são formadas na ideia de que lhes cabe exercer um
papel próprio dentro do lar doméstico, ligado ao casamento e à maternidade.
Apesar
disto, rapazes e raparigas recebem um ensino idêntico e seguem durante vários
anos, num período decisivo das suas vidas, um processo de formação que parece
destiná-los a ocuparem na vida funções idênticas. Numa fase mais avançada,
porém, nas etapas finais da formação escolar, torna-se claro que o destino
profissional dos homens será muito diferente do da média das mulheres.
As
raparigas são a esmagadora maioria dos alunos em estudos que dão acesso a
profissões que a cultura dominante entende como mais apropriadas para o sexo
feminino. Por
exemplo, a docência a nível primário e secundário. Os rapazes são a
esmagadora maioria dos alunos nos estudos que dão acesso a profissões
tradicionalmente tidas por masculinas. As mulheres estão presentes, mas o
seu número é reduzido.
É
inerente ao estatuto social de adulto do sexo masculino o exercício de uma
actividade cujos proventos permitam manter uma família. É o tipo de trabalho exercido que
define em larga medida a posição do homem.
Para
a mulher isto não é tão importante: o estatuto social da mulher é sobretudo
definido pelo estatuto social do marido. Só excepcionalmente a mulher
casada poderá ter uma posição na escala de prestígio muito superior à do
marido. É corrente que as actividades da mulher fora de casa sejam
condicionadas às exigências da relação matrimonial. É raro que as mulheres exerçam
actividades que sejam efectivamente concorrentes com as dos maridos. É mais
frequente que as mulheres decidam da continuidade, ou não, do seu trabalho fora
de casa em função das exigências do cuidado dos filhos, e dos interesses do
trabalho ou da carreira dos maridos.
Há
muitas mulheres em cuja vida o exercício de uma actividade é importante, não é
apenas para completar os ganhos do marido. É o fenómeno dos casais de dupla
carreira, que conduz a diversos ajustamentos da vida familiar.
Na
grande maioria dos países industriais, apenas uma modesta proporção das mulheres casadas
exerce uma actividade remunerada. Antes do casamento, a maioria das
mulheres trabalham, mas após o casamento, sobretudo após o nascimento do 1º
filho, é comum o abandono da actividade fora de casa, podendo retomar-se ou não
tal actividade após atingir-se a fase em que os filhos estejam menos
dependentes da mãe.
O elemento
decisivo do estatuto da mulher é, pois, muitas vezes, a escolha do
marido. A sua vida tende a situar-se em termos da relação com o marido e
com os filhos.
O trabalho
torna-se na vida do homem o interesse principal, uma fixação, o que pode
traduzir-se em dificuldades de comunicação entre os cônjuges. Para a mulher, o
problema de manter uma relação satisfatória com o marido pode tornar-se fonte
de tensões.
Talcott
Parsons nota que
muitas mulheres, sobretudo nas camadas médias, e superiores, que não desejam
cingir-se à vida doméstica, procuram corresponder à evolução dos maridos
seguindo duas alternativas básicas:
1.
Cultivam a elegância e a atracção
sexual, seguindo um caminho bordado de tensões, devido às dificuldades impostas
pelo inevitável avanço na idade e à exigência de não violarem os limites da
actuação «respeitável» dentro do meio em que se movem.
2.
Cultivam o que T. Parsons
designa por «elemento humanístico comum», desenvolvendo interesses
artísticos e literários ou envolvendo-se em actividades de interesse
humanitário. Procuram compensar com a actividade comunitária, para que estão
mais disponíveis, a excessiva concentração dos maridos nas suas actividades
profissionais. Com o marido tentam estabelecer o que Parsons designa por
relação de «boa companheira».
10.5. A mulher dona de casa
Uma
larga maioria das mulheres casa-se ainda que esta instituição não assuma a
universalidade das sociedades tribais.
A
vida da mulher casada, responsável por um lar e também, na maioria dos casos,
mãe de filhos, desenvolve-se segundo um ciclo próprio, em que vem a assumir
sucessivamente diversos papéis sociais.
Helena
Znaniecki Lopata,
em estudos sobre a housewife, a mulher casada que se ocupa da casa,
mostra como se formulam e reformulam os papéis sociais da mulher à medida que
se vai desenvolvendo o seu ciclo da vida a partir do casamento.
Nesse
ciclo de vida, as fases mais características são as seguintes:
à Tornar-se dona de casa:
· A rapariga torna-se esposa. É-lhe
necessário organizar o lar;
· Homem e mulher têm de aprender a
viver juntos;
· A mulher tem de assumir o seu novo
papel de senhora casada;
· A mulher passa a usar o nome do
marido;
· O seu relacionamento com os seus
amigos, de diferentes sexos, e com estranhos altera-se;
· Deixa, em regra, a casa dos pais;
· As relações com a sua família de
orientação passam para segundo plano;
· Deve aprender a relacionar-se com a
família de orientação do marido;
· Assume os papéis de esposa, dona de
casa e diversos outros papéis, como nora;
· Modifica o seu papel de filha, põe
em segundo plano o de amiga;
· Modifica as suas relações do
trabalho;
· Relaciona-se com todos a partir da
nova perspectiva de Mrs. (Senhora dona) ou mulher casada;
à
Família em expansão (the expansion circle):
· O nascimento do primeiro filho
implica, para a maioria, a saída do emprego e o abandono do círculo usual de
relações;
· Requer a atenção permanente da mãe,
que se vê retida em casa e impossibilitada de manter os seus convívios
habituais;
· A saída do emprego reduz os
rendimentos, numa fase da vida em que as despesas crescem;
· A sensação de isolamento, que não é
fácil de compensar;
· Para o marido, é uma fase de luta na
vida profissional que tende a dominar as suas preocupações;
·
O
acréscimo do número de filhos acentua o processo a que a mulher vai aprendendo
a adaptar-se;
· A mulher supera as dificuldades
iniciais através da prática;
· Tomada de consciência da liberdade
de organizar o seu próprio ritmo de trabalho doméstico;
· A satisfação com o s filhos conduz a
um novo equilíbrio emocional;
·
Em
função dos filhos e das necessidades da casa organizam-se novos esquemas de
relações com parentes e amigos, com vizinhos, amas, empregados, e assim por
diante;
·
O
nível social introduz variações. A mulher das camadas médias e superiores
pode recorrer a muitos serviços exteriores, que alargam o seu círculo de
apoios. A mulher das camadas mais modestas tem de cingir-se ao apoio de
parentes e vizinhos, e para ela a sobrecarga da casa e dos filhos é por isso
maior.
à
Casa cheia (The full house plateau):
·
Decorre
entre o nascimento do último filho e a saída dos filhos para criarem casa
própria;
· Fase em que a mulher é o centro da
casa, mãe de família pelo bem-estar dos seus;
· Período de maior prestígio, e de
maior satisfação;
· Na vida actual, o número de filhos é
menor, e estes afastam-se mais cedo da mãe por efeito do papel que as escolas
têm na socialização dos jovens;
· A mulher tem de redefinir as suas
actividades em função do fim do seu papel de mãe de família;
· As que têm visão mais
tradicionalista esperam transitar do papel de mãe para o de avó;
· Muitas mulheres retomam estudos ou
procuram emprego. Outras alargam os seus interesses fora do lar em actividades
religiosas, de beneficência, associações recreativas, realizações artísticas e
culturais;
à
Família em contracção:
Esta fase desenvol-se em duas fases. Ambas significam
redução do status:
· Saída dos filhos, que estabelecem
residência neolocal;
· Viuvez;
Nas sociedades modernas, acontece numa fase, em que a
energia da mulher é maior, a carreira do marido assume grande eminência.
É quase uma situação de reforma, com a qual as mais
enérgicas não se conformam. Constitui-se na sociedade urbana e industrial uma
categoria numerosa de mulheres de meia-idade, com tempo disponível e desejosas
de empregarem utilmente o seu tempo, que em muitos casos se encaminham para
actividades profissionais e culturais em diversos sectores, e tendem a exercer
crescente influência em muitos domínios da vida colectiva.
A viuvez impõe nova adaptação. Os recursos financeiros, reduzidos
pela morte do marido, cria uma situação de dependência dos familiares. Os
contactos com os amigos têm de redefinir-se.
A mulher passa em muitos casos por um processo que
tende a desligá-la a pouco a pouco de actividades exteriores. A pessoa fecha-se
gradualmente em si própria e num círculo restrito, afastando-se do curso mais
agitado da vida social. Algumas mantém uma relação intensa, mas são a minoria.
Naturalmente
a mulher tende a enfrentar os problemas postos pelo casamento e pelos filhos
por formas próprias.
Helena
Z. Lopata
considerou que as mulheres podiam classificar-se nos tipos seguintes:
1.
Mulher orientada para o marido: que organiza a sua
vida em torno do seu papel de esposa, pondo em primeiro plano a relação com o
marido;
2.
Mulher orientada para os filhos:o primeiro interesse são os filhos, organiza toda a sua
vida em torno da relação existente entre ela e os filhos;
3.
Mulher orientada para a casa: o principal interesse é a boa ordem doméstica, a arrumação
e a limpeza, tende a ressentir-se especialmente com a desordem criada pelo
marido e pelos filhos;
4.
Mulher gradualista (Life-cycle woman): adapta-se gradualmente à mudança nas suas
circunstâncias, passando de uma orientação para os filhos, e voltando de novo a
uma orientação para o marido quando os filhos requerem menos cuidados;
5.
Mulher orientada para a família: tende a ver o interesse pelo marido, pelos filhos e pela
casa como parte de um mesmo processo indissociado de «cuidar da família»;
6.
Mulher orientada para si própria: tende a pôr em primeiro plano a sua preocupação com as suas
necessidades como mulher;
7.
Mulher orientada por uma carreira ou para a sociedade: organiza a sua vida doméstica em
função das necessidades das suas actividades exteriores;
Obviamente,
existe uma correlação entre estes vários tipos psicossociológicos e o nível
social. No meio americano, Lopata diz que a orientação para o
marido é particularmente frequente entre os casados com homens de nível social
elevado. A orientação predominante para os filhos surge muitas vezes
ligada a casos de casamento mal sucedido, de divórcio ou de separação. Em
regra, surge entre os níveis mais baixos, com educação mais limitada.
10.6. A mulher que trabalha fora de casa
Para
as mulheres que trabalham, o papel de dona de casa tem de conjugar-se com os
requisitos do emprego.
Uma questão que se põe em termos diferentes consoante o tipo de emprego.
A
grande maioria das mulheres empregadas ocupa postos de trabalho em fábricas,
comércios, escritórios, em funções requerendo limitada qualificação. O
trabalho é visto como um meio de completar o rendimento familiar,
oportunidade de convívio e quebrar o relativo isolamento da vida doméstica.
O
trabalho remunerado é um factor de independência para a mulher, e consolida o seu estatuto de
igualdade com o marido. O suplemento da receita familiar assim obtido é em
larga medida utilizado para financiar a melhoria da casa (móveis, alcatifas,
etc.), compra de roupas para todos, maiores possibilidades para os filhos e
despesas de férias. O suplemento de rendimento é gasto por forma que interessa
à família no seu conjunto e assegura e ajuda a reforçar a sua unidade.
- o cuidado dos filhos, o trabalho
das mães implica naturalmente certos ajustamentos em relação às fórmulas que
podem adoptar as mulheres que se ocupam somente da casa.
- há uma mobilização de
solidariedade familiar para cuidar das crianças durante o período diário de
ocupação da mãe. Os parentes próximos dão o seu apoio.
- os trabalhos por turnos permitem
às mulheres sair quando os maridos já estão em casa e podem assim velar pelos
filhos.
- os maridos tomam o encargo de
tarefas não tradicionalmente masculinas em relação às crianças.
- organiza-se o trabalho doméstico
numa mais equilibrada base de colaboração, que a alguns parece ajudar a
consolidar a relação conjugal.
à
Fenómeno da família com dupla carreira:
A
mulher procura continuar pela vida fora o modelo igualitário seguido pelo
sistema educacional,
em vez de retornar por ocasião do casamento aos modelos de dicotomia sexual
tradicionais. Isto acaba por traduzir-se em conflitos de papéis e em tensões mais
ou menos marcadas.
É
um balanço entre benefícios e perdas, benefícios resultantes da satisfação com
a carreira e perdas decorrentes do conflito com os modelos tradicionais.
Implica também, naturalmente, para o marido a necessidade de certas adaptações correlativas
para harmonizar as exigências da sua carreira com as condições da vida
familiar, em face das exigências da carreira da mulher.
Rhona, Rapport e Robert N.
Rapoport, que se têm dedicado ao estudo destes casos, consideram que podem
individualizar-se cinco dimensões estruturais de tensão na vida dos casais como
carreira dupla, e que são as seguintes:
1. Sobrecarga de papéis: as carreiras são exigentes, implicam
para além do horário de trabalho um esforço suplementar em casa, em estudo e
meditação, preparação de soluções, planeamento, etc., o que leva a que estes
casais tendam a restringir ao mínimo as actividades familiares não essenciais.
2. Dilemas relativos às normas: resultam da ruptura com os modelos
tradicionais.
3. Preservação da Identidade pessoal: o facto de serem de sexos distintos,
é fonte de tensões. Quando os homens e as mulheres prosseguem o seu
desenvolvimento pessoal seguindo os mesmos canais de papéis, podem achar-se
confrontados com a dificuldade de manter
a sua identidade distinta. Muitos homens não vêem com bons olhos a perspectiva
das suas mulheres enveredarem por uma carreira que possa reduzir a sua
disponibilidade para se ocuparem do lar e dos filhos, ou que possa afectar a
própria carreira do marido.
4. Dilemas da rede de relações sociais: torna-se necessário reduzir o tempo
despendido em outras actividades, o que implica muitas das vezes a delegação de
responsabilidades em pessoal doméstico e a redução de contactos com familiares
e amigos, o que, por sua vez, irá resultar no isolamento e na sensação de culpa
por não dar mais atenção a parentes e amigos.
5. Ciclos de papéis: as carreiras, em regra, requerem
grandes esforços nos anos iniciais que são justamente os primeiros anos do
casamento. Se se evitam tais esforços, para dar atenção à vida familiar, pode
comprometer-se o futuro profissional. Ex: Nascimento dos filhos.
A
verdade é que os ritmos usuais das carreiras estão definidos em função do ciclo
de vida dos homens e não do das mulheres. Existem muitas práticas discriminatórias. Existe no meio
feminino profissional um certo mal-estar, e o desejo de reorganização das
estruturas mais favorável à prossecução de uma carreira.
Isto
leva a uma crescente agitação colectiva em torno do problema, o qual, hoje em
dia, tende a conjugar-se em movimentos da libertação da mulher.
10.7. O movimento de libertação da mulher
Nasceu
nos EUA e propagou-se rapidamente a todos os principais países industriais da
economia capitalista.
As iniciadoras, e actuais apoios são da classe média com educação
universitária, que se revoltam contra a discriminação e contra uma sociedade
dominada pelos homens e em que a mulher é vista como um objecto sexual ou como
governante do lar e produtora de filhos. Denunciou o predomínio masculino na
sociedade, classificado de sexismo, por analogia com o racismo. Tentou
reivindicar a igualdade e independência para as mulheres.
Podem
distinguir-se duas linhas básicas de movimentos:
à
Reformista:
insiste na reivindicação do reconhecimento dos direitos da mulher. A National
Organization of Women (NOW) foi uma das correntes de luta mais importantes, que
actuou, sobretudo, através de informação, de pôr o problema das discriminações
contra a mulher perante a opinião pública.
à
Radical:
entende que as mulheres constituem uma classe oprimida e que se impôs a
denúncia global do tipo de sociedade que lhes impõem um estatuto inferior.
Surgiu por uma forma menos organizada que a reformista, como polarização das
mulheres militantes de diversos movimentos progressistas em 67 e 68.
·
Salários
iguais;
·
Igualdade
de oportunidades;
·
Serviços
gratuitos de contenção de nascimentos e aborto a pedido;
·
Creches
pré escolares e infantários gratuitos;
Estas
reivindicações reflectem o descontentamento em face de situações concretas, embora o movimento seja sobretudo
uma contestação global de um estado de coisas que mantém a mulher numa situação
subordinada, no seio de uma sociedade urbana e industrial em que existem os meios
materiais para dar à mulher uma posição efectivamente coerente com a ideologia
igualitária dominante.
A
mulher vive uma situação inferior no trabalho, com funções relativamente mal remuneradas. O
que se impõe é a valorização do trabalho da mulher, aumentando os
salários pagos a «trabalhos de mulher».
Isto implica uma acção em profundidade para a
mudança de atitudes tradicionais, a que realmente as próprias mulheres aderem
em muitos casos. Para as mulheres, o trabalho
é muitas das vezes encarado a assegurar um suplemento de vencimento e
não uma base de sustento de uma família, contribuindo para manter a atitude que
conduz a pagar-lhes menos que aos homens.
Þ
Educação: O
esquema educativo é, no seu princípio, igualitário. Mas a prática é que as
raparigas sejam encaminhadas para os tipos de formação que preparam para
«trabalhos de mulher».
Þ
Posição da mulher na família (controle do corpo):
·
Denuncia-se
e repudia-se, em particular, a sobrecarga que a criação dos filhos faz recair
sobre a mulher;
·
Direito
de ter apenas os filhos que desejar;
·
Liberdade
no plano sexual;
·
Estabelecimento
de condições que permitam ter filhos e criá-los sem uma ruptura com a corrente
geral da vida:
·
Quebras
de actividades profissionais;
O
slogan «Controle do corpo» exprime a reivindicação, da liberdade da mulher
dispor de si própria sem sujeição e condicionalismos exteriores, quer seja
solteira ou casada.
Este
movimento irá suscitar algumas modificações, no papel da mulher no
trabalho e na família, quer por intermédio da mudança de atitudes que
suscita pelo repúdio dos modelos tradicionais da dicotomia sexual, quer pelo
meio de mudança nas práticas sindicais e nas orientações educacionais, quer
ainda através de nova legislação sobre o estatuto da mulher.
11. A diferenciação
por idades
11.1. O ordenamento etário das sociedades
A vida de cada indivíduo percorre um ciclo em
que os acontecimentos fundamentais são o nascimento, e a morte.
Cada fase é marcada por cerimónias
ou celebrações próprias. O estatuto social do indivíduo varia à medida que vai percorrendo as
diferentes fases do ciclo até à morte:
Þ
Criança:
Depende estreitamente da mãe e de outros adultos. À medida que vai crescendo a
sua autonomia vai aumentando. O estatuto das crianças evolui com o crescimento:
Bebé, que ainda não anda; Criança, que já anda e depois aquele
que pode brincar com outros, afastar-se da mãe, frequentar a escola.
Þ
Puberdade:
Passagem biológica para o estado adulto. A partir daí, rapaz e rapariga estão
aptos a preencher as funções do seu sexo. Nas sociedades primitivas, é a
puberdade que separa o estado social de criança do estado social de adulto. Nas
sociedades mais avançadas, é apenas uma fase de transição.
Þ
Adulto:
Casado e com filhos, ou vivendo independentemente da família de orientação,
participa na vida colectiva em toda a plenitude. É a pessoa responsável, o bom
cidadão. Estado de maior prestígio na vida dos indivíduos.
Þ
Envelhecimento:
· Acréscimo de prestígio, outras vezes
perdas de influência;
· Perda de forças;
· Torna-se por isso menos fácil
defender uma posição;
· Em muitas sociedades, a velhice, que
anda ligada à sabedoria, feita de experiência, é a fase da vida, em que exerce
maior influência;
· Em sociedades primitivas, devido ás
dificuldades de subsistência, podem ser abandonados, deixados à espera da morte
certa. Ex: Bochimanes.
Na sociedade industrial, assumem uma
posição diminuída.
Implica sempre uma perda de influência e muitas vezes um progressivo isolamento
em relação aos filhos e outros parentes, apesar de ainda assim se tentar
garantir o bem estar destes.
É claro que o estado de coisas
normal é coexistirem numa mesma sociedade indivíduos de todos os estados do
ciclo da vida, misturando-se no correr usual da existência de todos os dias.
À escala das pequenas comunidades com poucas centenas
ou milhares de pessoas, a influência de factores conjunturais pode naturalmente
modificar estes padrões de estrutura etária.
Uma zona rural pode esvaziar-se das suas gerações
jovens por efeito da emigração, mostrando-se a estrutura etária envelhecida.
Ou, pelo contrário, um bairro suburbano de um grande centro industrial registar
o fluxo de muitos casais jovens, numa fase do ciclo familiar caracterizada pela
alta fecundidade, e mostrar por isso uma proporção elevada de crianças.
11.2. As classes de
idades
As classes de idades como forma de
organização social encontram-se muito junto das sociedades tribais.
Os indivíduos repartem-se segundo a idade, e acedem
às diversas funções na base do seu status etário. Nalguns casos existem escalas
hierárquicas que o indivíduo normal vai percorrendo ao longo da vida. Noutros
casos diferenciam-se somente as pessoas em crianças e adultos, solteiros e
casados, casados com filhos.
A formação de classes etárias
resulta em regra das cerimónias que marcam a puberdade. Os jovens são agrupados e
afastados das famílias e da vida normal das aldeias, passando a ser durante
algum tempo objecto de ensinamentos que visam informá-los dos conhecimentos que
se consideram próprios do estado de adulto.
O processo termina com grandes festejos. São
considerados adultos, passando a acompanhar com os homens, e as raparigas estão
aptas para o matrimónio, que em regra pouco demora.
As cerimónias de iniciação só se
realizam de tempos a tempos, de modo que em cada ocasião são juntos os ainda não iniciados, que
podem apresentar entre si diferenças de 6 e 7 anos e mais. A passagem em
conjunto por este processo cria deveres de solidariedade: cada homem, durante
toda a sua vida, fica integrado na sua classe de idade e é no seu quadro que se
desenrola a maior parte da sua vida pública. As classes de idades desempenham
um papel nos trabalhos colectivos, nomeadamente na altura do noivado.
O papel social das classes de idades assim
formadas varia naturalmente de povo para povo. Na África Ocidental,
conhecem-se vários povos em que a estrutura social está estritamente ligada às
classes de idades.
Ex: os Arushas, povo que se dedica basicamente
à agricultura, e possui algum gado.
Toda a população masculina adulta dos Arushas está
repartida em duas grandes classes, a dos novos e a dos velhos, cada uma das
quais se reparte ainda em duas subclasses, a dos modernos e a dos antigos.
A entrada nestas classes começa com
a iniciação da puberdade, em que os rapazes são circuncisados. Após a iniciação, os
rapazes passam à classe dos novos que é designada pela palavra massai murran,(guerreiro).
É uma classe que mantém uma certa disponibilidade, não tendo funções económicas
precisas. As armas e outros distintivos são diferentes consoante a posição na
classe dos murran. Depois da iniciação, os jovens deixam de ser
guardadores de gado.
Os murran estão divididos numa
classe mais moderna e numa mais antiga. Os jovens iniciados entram na classe mais moderna.
Não casam, são empregados em incumbências determinadas pelos velhos do grupo.
Não tomam, em princípio, parte das deliberações públicas. Os murrans
modernos passa à classe dos murrans antigos. Estes podem já
casar-se e começam, a trabalhar nos campos. Começam igualmente a participar nas
reuniões dos velhos, mas, em princípio, só devem falar se para tal forem
solicitados. Após cerca de 11 anos nesta classe são promovidos à classe dos
velhos. A promoção é feita por forma a dar lugar à passagem dos murrans
modernos à classe dos murrans antigos.
Os velhos, estão repartidos em duas classes. Os mais
modernos que efectivamente dirigem os negócios correntes. Os mais
antigos têm funções mais cerimoniais, e são sobretudo solicitados como
conselheiros.
As classes não têm chefes, apenas porta-vozes. Há dois
oradores por cada classe, um que fala com a classe acima na hierarquia etária,
e outra que fala com a classe abaixo. Incumbe-lhes intervir na vida
comunitária, zelando pela salvaguarda dos interesses dos seus camaradas de
classe.
Além desta organização em classes de idade há
uma outra com base em linhagens patrilineares. Cada linhagem é composta
pelos descendentes patrilineares de um dos primeiros arushas que se fixaram na
região.
As linhagens conduzem a um
agrupamento em clãs,
que reparte a população em duas metades. Cada metade contém dois clãs.
Dentro destes há subclãs que juntam até 10 linhagens, repartidas em 2 divisões.
Cada linhagem ainda, por sua vez, se reparte em duas sublinhagens.
As linhagens escolhem como seus representantes um ou
dois conselheiros, que têm para com os membros da linhagem funções análogas às
dos oradores das classes de idades. A escolha é feita pelos velhos, e em regra
recai sobre um homem que pertença à classe mais moderna dos velhos. Muitas
vezes são pessoas que já ocupam a função de oradores dos seus grupos de idade.
11.3. Os bandos de jovens
Em muitas sociedades em que não existem estas classes
de idades institucionalizadas verificam-se, no entanto, diversos casos em que
as circunstâncias se conjugam para moldar numa mesma atitude as pessoas de
categorias etárias próximas, levando-as a comportar-se como um grupo social
dotado de certa coesão. Ex.: a juventude na generalidade das grandes zonas
urbanas dos países desenvolvidos.
Os jovens quando começam a ter
autonomia para se afastarem das famílias, tendem a juntar-se em bandos, criados
na base da vizinhança ou a partir da frequência habitual de certos locais. É uma tendência da adolescência e
por isso são correntemente designados por bandos de adolescentes. O
fenómeno pode prolongar-se, para alguns, até aos primeiros anos da vida adulta.
Estes
bandos são constituídos por:
· 10 a 20 jovens que estão habitualmente
nos mesmos locais;
· Modos de ser comuns: calão próprio,
vestuário, ornamentos e penteados;
· Cada bando, em regra, tem a sua
área, que é uma rua ou um bloco urbano;
· Tem uma estrutura interna própria,
organizando-se em torno de um núcleo de indivíduos mais influentes que
polarizam os outros;
A
continuidade do convívio e os próprios atritos com a vizinhança ajudam à coesão
do bando. Criam um meio fechado, de difícil penetração aos adultos e ao
exterior. Os jovens passam mais tempo juntos do que junto das suas
famílias.
Estes
bandos encontram-se em todos os níveis sociais, o que difere são os meios à
disposição para passarem o tempo. Ex.: motos e carros dispendiosos.
Geralmente
são integrados só por rapazes, mas, por vezes, podem surgir raparigas.
Os
bandos ocupam-se,
em muitos casos, sobretudo, em actividades de tipo recreativo. Contudo, podem
tornar-se incómodos para os adultos da vizinhança: Jogos de rua, embaraçam
o comércio, provocam ruídos com acelerações de motos e carros, suscitam
distúrbios, furtam artigos em lojas e carros, são responsáveis por delitos
sexuais, etc.. No fundo, são um desafio e uma fonte de inquietação para os
adultos.
Provocam
também incidentes violentos: Guerras entre bandos, feridos graves,
mortos. São uma ameaça para o cidadão comum, estando por isso sob a constante
vigilância da polícia.
Foram
as actividades de delinquência que suscitaram a atenção dos estudiosos como Lewis
Yablonsky, que distingue 3 tipos básicos de bandos de jovens:
à
Bando social:
·
é
o bando mais comum, juntam-se para brincar;
· amizade;
· actividades comuns;
· usam peças de vestuário ou emblemas
que os identificam como membros do grupo;
· são emocionalmente estáveis;
· identificam-se com os valores da
comunidade;
· as suas actividades podem
integrar-se em instituições desportivas ou recreativas existentes;
à
Bando Delinquente:
·
são
em número reduzido;
· as suas actividades transbordam para
domínios ilícitos;
· são emocionalmente estáveis, mas que
foram socializados em condições marginais, aceitando sem relutância a prática
de delitos com fins lucrativos;
· a junção dos jovens é mais no
sentido da organização eficiente do grupo;
· usualmente continuam activos até
serem interrompidos por detecção pela polícia ou encarceração;
· os membros detidos e afastados são
muitas vezes substituídos;
· o leader é usualmente o melhor
ladrão, organizador e planeador das actividades delinquentes;
à Bando Violento:
·
é
minoritário e é o mais perigoso;
· têm dado origem a alguns crimes
espectaculares;
· é estruturado com vista a permitir a
expressão da agressividade que domina os jovens em certas circunstâncias;
· tudo o que fazem visa a descarga
emocional e a violência;
· estão sempre a entrar e a sair
membros;
· os rapazes que integram estes bandos
são, frequentemente, desequilibrados psiquicamente.
Yablonsky observou este tipo de bandos
violentos nas zonas da cidade de N.Y. habitadas por negros e
porto-riquenhos de cor, que são em regra zonas degradadas, marcadas por
diversos fenómenos de marginalidade social.
Causas:
1.
Desenquadramento
no meio citadino, em ruptura com a geração mais velha;
2.
Desejosos
de aceder aos modelos de consumo e de sucesso apresentados como ideal
colectivo, experimentando porém a nobreza e a discriminação social, os jovens
sentem profundamente a sua marginalização;
3.
O
bando é um meio de ajustamento das tensões pessoais;
4.
Personalidades
desequilibradas, insensíveis ao sofrimento de outrém;
Os
bandos correspondem a uma necessidade psicológica dos jovens, um apoio importante, no processo
de afastamento da família e de consolidação da autonomia própria que
caracteriza normalmente a puberdade como período de transição. O adolescente
sente a necessidade de afirmar a sua individualidade e independência face aos
adultos e em particular face aos seus pais. Isto suscita impulsos de
agressividade, e ao mesmo tempo sentimentos de insegurança e de culpabilidade.
Nas
sociedades primitivas, as cerimónias de iniciação consagram a passagem ao
estado de adulto. A falta de um modo de reconhecimento público do estado de
adulto, análogo aos ritos de passagem da puberdade das sociedades primitivas, é
uma das causas de insegurança e desequilíbrio dos jovens nas sociedades de cultura
euro-americana.
Para
H. Bloch e A. Niederhoffer, representam uma organização
espontânea de actividades análogas à dos ritos de passagem das sociedades
primitivas. As atitudes (tatuagens, proezas físicas, etc.) dos jovens procuram
evidenciar a maturidade que os jovens aspiram a ver reconhecida.
Quando
os adolescentes encontram dificuldades, procurarão alcançar os equivalentes
simbólicos da conduta adulta que lhes está interdita.
Podemos
explicar uma boa parte dos costumes e rituais espontâneos, não estruturados, do
comportamento do bando, pelo facto de que a nossa cultura não soube, ou não
quis, vir ao encontro das necessidades da adolescência em circunstâncias
críticas da sua vida.
11.4. A Contracultura da juventude
Os
bandos geram no seu seio tendências que têm todas as característica de uma
subcultura da juventude. Dissociam-se dos modelos dominantes, acabando por gerar conflitos de
gerações, que em regra tem profundas consequências.
Uma
contracultura significa uma cultura tão radicalmente afastada dos
pressupostos centrais da nossa sociedade que para muitos mal parece uma cultura.
Podem
encontrar-se movimentos de juventude em muitas ocasiões de grandes
transformações históricas. Ex.: Antiga Grécia, Roma, Idade Média, Reforma,
Revolução Francesa, no seio da Revolução Francesa.
Friedrich
Heer sustenta que
existe um movimento de juventude, quando jovens de um grupo social
identificável se sentiram em algum momento definido da história em oposição,
em conjunto, com uma geração mais velha e foram reconhecidos por essa
geração mais velha como uma contraforça, a denunciar como despeitosa,
rebelde e revolucionária.
No
período posterior à guerra de 1939-45, a elevação do nível de vida, o aumento
correlativo do poder de compra das camadas mais novas e o desejo de marcar
distâncias em relação às gerações mais convencionais, fez surgir o vestuário
típico dos jovens. Desencadeou a era teddy boy, caracterizada pelo
blusão de couro, real ou imitado. Aparecimento do uniforme dos jovens.
A
modo do vestuário chamou a atenção para o potencial do mercado juvenil, cujo
interesse levou naturalmente uma importante parte da indústria e do comércio a
concentrar-se nessa clientela com significativo poder de compra. No mesmo
sentido, jogou o enorme êxito comercial dos pop singers. Tudo isto leva
a uma consciência de classe.
Toda
esta tomada de consciência foi passando por sucessivas transformações, tanto no
plano ideológico, como do vestuário.
Fins
da década de 50, onda
beatnik: Para os beat a vida deve ser vivida por cada um à sua própria
maneira, em alegria, amor e liberdade. Desencadeou um movimento em direcção à
Califórnia. A Califórnia está voltada para Oriente, associando-se assim o
entusiasmo pela filosofia e pela mística orientais.
Década
de 60 em N.Y. e S. Francisco, hippies: No chamado verão do amor de 1967, os hippies
espalharam-se por todos os EU. Apresenta-se como um protesto contra a sociedade
industrial, um repúdio da sociedade de consumo. Cultivam a pobreza, inspiram-se
no vestuário índio e procuram a valorização da sensibilidade interior. Muitos
preferem aceder à contemplação por meio de drogas.
No
final da década de 60, desencadeou-se uma emigração hippie, a partir da
América e da Europa, através da Turquia, Afeganistão, Paquistão, para a Índia, onde
estão mais perto das fontes espirituais que professam, e onde a droga é mais
fácil de obter.
Os
hippies lançam grandes campanhas de acção propagandística, pregando o
amor e o culto das flores. Época do slogan: ”Make love, not war” - usam como
instrumento de revolução, como meio de resistência pacífica, o poder das
flores.
Criaram
uma série de contravalores, que iam contra o «bom cidadão»: índio contra
branco, eu contra sociedade, prazer contra dor, comunitário contra individual,
anarquia contra rotina.
Na
década de 1960, assistiu-se a numerosos casos de conflitos generalizados,
envolvendo milhares de jovens. Há certos condicionalismos comuns que
desencadeiam a contestação. Assiste-se a uma massificação dos jovens,
arregimentados em cada vez maior número, nas sociedades industriais e urbanas,
em liceus e universidades, que não se mostram aptos a corresponder às suas
aspirações profundas. A vida do nosso tempo ajudou a criar uma situação
objectiva capaz de fazer emergir nos meios urbanos e industriais um fenómeno de
classe de idade, impulsionando uma subcultura característica.
11.5. A classe dos velhos na sociedade
industrial
A
sociedade industrial está, por outro lado, a fazer convergir as pessoas acima
da idade de aposentação para uma situação objectiva capaz de se tornar uma classe
de idade.
Esta
terceira idade é, sob numerosos aspectos, uma classe diminuída.
Para alguns, a aposentação significa uma quebra de meios. A mediocridade dos
meios materiais acentua-se ao mesmo tempo que crescem as despesas com cuidados
médicos e outros tornados necessários pela crescente redução da autonomia
física das pessoas acima dos 70 anos.
É
a fase da vida menos prestigiosa. Nas sociedades industriais, a
renovação constante do saber e dos métodos de trabalho desvaloriza a
experiência dos velhos até à irrelevância. A forma como são olhados pelos mais
novos, e a forma como aliás se vêem a si próprios, ressente-se profundamente
deste facto, aviltando os últimos anos da vida de muitos.
É
uma época de relativo isolamento. A aposentação significa um certo afastamento daqueles com
quem habitualmente convive. A regra de residência neolocal dos filhos, a
relativa distensão dos contactos familiares inerente ao estilo de vida de
volumosas camadas de população acentuam ainda o processo.
A
restruturação nas relações sociais afecta de forma diversa homens e mulheres:
Homens:
para alguns, a
reforma permite desenvolver actividades que as exigências da rotina diária
antes punham em segundo plano. Ou permite uma actividade subsidiária, a ritmo
mais reduzido. Porém, para a grande maioria a reforma é sobretudo desocupação,
de difícil adaptação.
Mulheres: a transição é menos brusca, podem
continuar a manter os seus cuidados com a casa. É mais corrente terem relações
correntes com amigas e vizinhas. A aposentação do marido introduz, um problema
novo: a presença acentuado do marido em casa que provoca desorganização da
rotina doméstica e é fonte de tensões. Para a mulher o grande corte na sua
vida, na velhice vem com a viuvez, que altera radicalmente o padrão de relações
que está habituada.
O
problema da terceira idade não é visto apenas como uma questão de garantias
materiais, mas também como um problema de manter as pessoas inseridas na
comunidade, e sentirem-se úteis na medida das sus forças e aptidões. Assim,
criam-se esquemas de apoio, procura-se preparar as pessoas para os
condicionalismos da reforma, estimulando a procura de interesses de
compensação.
12.
Ocupações, ofícios e profissões
12.1. A diferenciação das actividades
O
tipo de ocupação, o ofício, ou a modalidade de trabalho são elementos básicos
de diferenciação das pessoas, por afectarem de forma decisiva as atitudes, os
comportamentos e os modos de vida:
· Determina os esforços e os ritmos de
vida;
· Molda a personalidade;
· Afecta o padrão das relações
sociais;
· Define a inserção das pessoas na
colectividade;
· Condiciona toda a visão do mundo,
das coisas e das pessoas por que cada um se guia na sua acção;
· As condições em que se exerce a
actividade, o nível de rendimentos que por ela alcança, delimitam em larga
medida a posição social dos activos e das suas famílias;
à
Grau de diferenciação:
Este grau anda profundamente ligado
ao tipo de economia dominante.
Sociedades urbanas e industriais: A diferenciação dos ofícios e
profissões é muito grande e continuamente a acentuar-se.
Nas sociedades em que dominam fórmulas
tradicionais de produção a diferenciação é muito reduzida.
Nas sociedades primitivas, a regra é que poucas
diferenciações de actividade haja, para além das que resultam da idade ou
do sexo. Dentro de cada sexo, em cada idade, todos fazem o mesmo. Todas as
mulheres praticam em regra as operações domésticas e as actividades de cultivo
que o costume lhes reserva. Os homens são todos guerreiros ou caçadores, ou
pastores, ou agricultores, ou pescadores, apenas com as diferenças que a idade
impõe. Algumas diferenças de repartição de ocupações reflectem diferenças de
posição social.
O
aperfeiçoamento da técnica, que leva ao aumento de produção, conduz ao
acréscimo da divisão de trabalho e à especialização profissional. Mas a verdade é que enquanto
domina a economia de tipo agrícola ou pecuário, a diferenciação tende a ser
reduzida.
Um
estudo de N. Baudeau ordenava as classes trabalhadoras,
dividindo-as em classe produtiva - proprietários, caça, pesca - e classe
estéril - artífices, comerciantes, espectáculos, a que se deviam juntar
eclesiásticos, militares, oficiais de justiça e os empregados de fisco.
Num recenseamento da população trabalhadora, em 1800,
no EUA surgiam várias classes.
Nos começos do século XIX, quando se começava a
estender a Revolução Industrial, uma larga maioria das pessoas que exerciam uma
actividade ocupavam-se na agricultura e na pesca.
A mentalidade dominante na generalidade dos países
era ainda rural, e o exercício de todas as actividades, mesmo as não agrícolas,
estava, de facto, na maior parte dos casos, estreitamente ligado às
necessidades da numerosa classe agrícola e da pequena classe piscatória. A
revolução industrial e a urbanização acelerada modificaram rapidamente este
estado de coisas no decurso do século XIX e do século XX. Por esta
altura, há um grande êxodo para a cidade, a diferenciação expande-se.
A expansão dos mercados, a maior complexidade do comércio
e da gestão das grandes unidades industriais, o desenvolvimento dos serviços de
estado, a crescente procura de serviços diversos por uma população cujo nível
de vida se elevava e cujo estilo de vida se modificava, fizeram, por seu lado,
surgir e alargar-se continuamente toda uma massa de vendedores, empregados de
escritório, funcionários, profissionais de diferentes tipos de serviço, que
representam uma proporção crescente dos activos, e são já, nos países muito
desenvolvidos, mais numerosos do que os trabalhadores da indústria.
Continuamente, aparecem novas actividades, com novos
ofícios e profissões, outras extinguem-se algumas, antes praticamente
desconhecidas, tornam-se importantes.
O número de ocupações profissionais
é variável com o grau de desenvolvimento. Em Portugal, segundo um estudo de entre 1971 e 1974,
indicam-se cerca de 4000 ocupações profissionais.
Genericamente, as actividades do sector primário, em
que se inclui a agricultura, a exploração florestal, a pecuária, a caça e a
pesca, têm continuamente perdido peso no conjunto da população activa desde
começos da revolução industrial.
Os sectores secundário e terciário repartem entre si
o restante. Ao lado dos blue collars surgem os white collars. O
incremento destes sectores explica-se devido às transformações técnicas
(revolução agrícola e industrial) e à evolução da procura (aumento dos
mercados a nível nacional; procura de produtos industriais, em parte decido aos
aumentos salariais; expansão de fábricas; crescente aglomeração de mão de obra
nas zonas industriais).
Surge a necessidade de classes de vendedores,
empregados de escritório, etc. O reconhecimento da responsabilidade
governamental em domínios cada vez mais numerosos da vida colectiva dilatou o
funcionalismo público. Começa também a haver uma preocupação com a educação
e a assistência médica.
A procura de produtos industriais foi servida,
basicamente por duas vias: maior número de trabalhadores e crescente rendimento
do trabalho por intermédio de novas invenções. O aumento dos salários estimulou
a introdução de técnicas concebidas para reduzir o emprego de mão-de-obra. A
indústria tornou-se capaz de produzir cada vez mais sem incorporações
proporcionais de trabalho.
No sector dos serviços, a melhoria
da técnica não permitiu, substituir a mão de obra, por máquinas a ritmo
comparável, pelo que a procura tem-se traduzido num aumento do número de
pessoas.
A diferenciação é um espelho
do grau de desenvolvimento económico do país. No entanto, convém notar que, embora um secundário
importante seja quase sempre sinal de nível relevante de desenvolvimento
económico, um terciário volumoso pode coincidir com uma economia pouco
modernizada. Isto é comum nas sociedades tradicionais.
12.2. Lavradores e
camponeses
A) Tipos agrícolas
Existem
dois tipos de mentalidade dominante:
1.
Predomina
a preocupação de produzir para consumo próprio.
2.
Domina
a preocupação de produzir excedentes para colocação exterior.
Os
vários sistemas de organização da economia agrícola diferenciam-se pela forma
particular como neles de combinam estas duas preocupações.
Henrique
de Barros individualiza sete modalidades fundamentais de organização
económica da agricultura. As quatro primeiras são formas de agricultura
tradicional. As duas últimas representam formas de agricultura, visando em
regra a contínua melhoria técnica, embora com resultados práticos de desigual
interesse.
à Agricultura de Subsistência:
· encontra-se na generalidade das
populações primitivas;
· representa o regime de produção mais
precário;
· as regras de cultivo são
comparativamente simples;
· produz-se o suficiente para comer, e
um pouco mais para servir de semente para o ano seguinte;
· o eventual excedente é utilizado
para troca de outros bens;
à Agricultura de tráfico:
· forma-se em zonas de economia de
subsistência, onde surge um comerciante que compra os excedentes;
à Agricultura de dependência
fundiária:
· associada a uma técnica mais
avançada;
· terra pertencente a outrém (laços de
subordinação pessoal);
· obrigação de entregar um aparte
substancial ao dono da terra;
· visa uma produção superior ao
necessário para a subsistência do agricultor e família;
· serviços pessoais diversos ao
proprietário;
· dependência económica, social e
política;
à
Agricultura camponesa:
·
produção
de base familiar e de técnica tradicional;
·
na
sua fórmula mais avançada, há uma forte motivação para a produção de excedentes
par venda;
·
tendo
em conta as necessidades do autoconsumo familiar, visa obter o maior benefício
monetário possível da sua produção;
·
visa
fazer o maior uso daquilo que pode obter no seio da sua própria unidade
familiar e reduzir tanto quanto possível o peso do que tem de ser adquirido no exterior;
·
trabalho
familiar;
·
aproveita
o máximo a superfície arável disponível;
·
comprime
tanto quanto pode o uso de fertilizantes químicos e de outros produtos que têm
de adquirir a terceiros;
·
governação
com enfoque nas preocupações de autonomia, segurança e prestígio no meio local;
à
Agricultura a tempo parcial:
· é uma categoria homogénea que
abrange fórmulas próprias de economia camponesa, fórmulas de transição entre a
agricultura tradicional e a indústria, e ainda casos que são manifestações de
um certo impulso de retorno à terra que se aviva nas situações industriais e
urbanas;
· a actividade agrícola representa a
fonte de apenas parte dos rendimentos do agricultor;
· ocupar utilmente os tempos livres;
· forma de fugir ao congestionamento
urbano e industrial;
à Agricultura capitalista ou
empresarial:
· é a agricultura das grandes empresas
que gerem as suas propriedades agrícolas como se fossem fábricas;
· trata-se rentabilizar o investimento
(plantações de café, de chá, de algodão, etc., geridas industrialmente,
controladas minuciosamente, de forma a manter a alta qualidade dos produtos;
· trabalho assalariado;
· técnica mais moderna (Meios
mecânicos);
· mão-de-obra com relações de tipo
contratual;
· produzir o máximo de excedentes;
à Agricultura Colectiva: é uma forma socialista de
agricultura. Procura de racionalidade através de três fórmulas:
¨
Agricultura cooperativa livre: frequente em países de economia de mercado, em que os
agricultores se associam em cooperativas diversas para reforçarem a sua
capacidade de concorrência com as empresas capitalistas;
¨
Agricultura cooperativa imposta ou planeada: este tipo de cooperativismo foi,
também, adoptado pelos países soviéticos que impuseram às pessoas a
cooperatividade. Retiraram as propriedades às pessoas, que passaram a ser do
estado;
¨
Agricultura estatal: o estado administra as terras;
A mentalidade camponesa está no centro das
diversas modalidades de agricultura tradicional. O que caracteriza o
camponês é, em larga medida, o sistema de ligações que estabelece com a terra
que cultiva, o uso intensivo do trabalho familiar, a inserção em pequenas
comunidades. A terra que explora é, na verdade, elemento central da ideia que o
camponês faz de si próprio e da sua família, Representa a segurança, a posição
social e a continuidade da família. Simboliza um valor perpétuo de que cada
geração tem apenas o usufruto temporário.
A principal
qualidade estimada pelo agricultor é a devoção ao trabalho: trabalho
contínuo, sem horas definidas, subordinado à coacção da natureza.
O
trabalho urbano é visto como algo de diferente: apenas para ganhar dinheiro,
ocupa uma parte do dia, o tempo fora do trabalho é visto como principal da
vida. A mentalidade camponesa sublinha a experiência e é adversa da inovação.
B) O fenómeno dos movimentos de camponeses
O
individualismo e a auto-suficiência, à inserção em pequenas comunidades pouco
abertas ao exterior, a reserva inicial perante as perspectivas de inovação, a
vontade de igualização, tendem a tornar os camponeses numa camada
social tradicionalista.
Os
movimentos camponeses de reivindicação económica e social conduziram a
profundas mudanças nas estruturas existentes. A agitação rural tem resultado muitas vezes de
mudanças que ameaçam a estrutura a que o camponês está habituado:
1.
Aumento da comercialização de
géneros agrícolas, conduzindo a um impulso para a agricultura racionalizada,
que agrava a pressão dos grandes interesses sobre os grupos rurais mais
modestos, afectando os direitos do camponês e a sua posição social, e
suscitando reacções de protesto que se avolumam a pouco e pouco até à revolta
aberta.
2.
Acréscimo da pressão das elites
sobre os interesses da massa rural sem um correspondente alargamento das
funções das elites em termos que o camponês veja como úteis para si, aos seus e
à sua comunidade.
3.
Modificações relativas da posição da
camada camponesa em comparação com outras categorias sociais e pode por isso
surgir numa época de relativa melhoria económica.
Landsberger
considera que devem
individualizar-se três tipos de situações susceptíveis de estimular o
descontentamento:
a) Incoerência das posições sociais
(status inconsistency);
b) Deterioração relativamente a outro
grupo comparável;
c) Deterioração relativamente à própria posição passada ou à
posição esperada no presente, ou um sentimento de ameaça a respeito da posição
própria no futuro;
O
avanço de determinado sector pode acentuar a liderança. O retrocesso em relação
ao que se tinha, o desajustamento da condição presente por comparação com o que
se tem por razoável, a perspectiva de uma deterioração futura são causas muito
actuantes de descontentamento.
Como
tudo isto, se traduz basicamente numa reacção à mudança da condição a que se
tinham habituado, tem-se podido escrever que os rurais se revoltam para se
manterem iguais a si próprios.
Segundo
Landsberger podem enunciar-se cinco tipos de reacções mais correntes:
1.
Acréscimo da pressão das elites
sobre os interesses suscita de início sobretudo uma agitação no sentido de
preservação ou restauração do estado de coisas existente.
2.
Deterioração relativamente a outros
grupos comparáveis tende a desencadear também reivindicações no sentido de
preservação do equilíbrio tradicional.
3.
A ruptura de uma ordem agrícola do
tipo feudal no sentido da propriedade livre desencadeia uma agitação no sentido
inovador tendente à generalização do novo regime de propriedade privada.
4.
Difusão de novas ideologias pode
suscitar movimentos de acordo com a ideologias, que em regra surgem em épocas
de tensão e mudança, e portanto em sentidos vários.
5.
Amplitude das reivindicações tende a
ser tanto maior quanto mais os interesses que opõem às reivindicações rurais
estão interligados com diversos planos da sociedade no seu conjunto - e é por
aí que pode dar-se uma grande radicalização dos movimentos camponeses, que vêm
a por em causa todas as instituições ligadas aos interesses que estão em
conflito.
De
início, as reivindicações espontâneas dos camponeses são moderadas, tanto quanto aos meios, como aos
objectivos. É a prolongada falta de receptividade dos interesses
estabelecidos que tende a radicalizar as reivindicações. No entanto, esta
radicalização faz-se para a massa, mais ao nível dos meios que dos objectivos.
Uma
minoria poderá no entanto ter desde logo a visão de uma sociedade nova, que a
persistência das frustrações da massa ajudará a generalizar, desencadeando-se
por aí transformações mais vastas.
12.3. Artífices e
operários
A) Tipos de operários
O trabalho manual na indústria e nos
serviços anda associado a condições de vida que tendem a suscitar um tipo de
mentalidade bem diferenciada e até oposto ao da mentalidade camponesa.
O agricultor produz o principal do que come e decide
com bastante autonomia do seu trabalho e da sua vida, vive da terra; o operário
ganha o seu sustento em condições de dependência e, em regra de subordinação.
Dependência do emprego por conta de outrém, e subordinação no ordenamento do
seu trabalho.
Assim como o camponês
reflecte o essencial do modo de ser das pessoas que trabalham a terra,
também o operário reflecte as características básicas dos que realizam
trabalhos manuais do tipo industrial.
A grande massa da população operária pode de facto
repartir-se por três grandes grupos, conforme observam Jean Marchal e
Jacques Lecaillon, na sua análise da estrutura do salariado em vários
países industriais:
à Operários não qualificados ou
serventes:
· Sem quaisquer conhecimentos
profissionais;
· Trabalhos simples que requerem a mão
humana;
· Trabalhos de carga e descarga;
· Transporte de materiais;
· Ajudantes dos mais qualificados;
· Facilmente substituíveis (a regra é
que em caso de compressão de custos ou de redução do ritmo de actividade, sejam
pesadamente afectados pelo desemprego);
à
Operários semi-qualificados ou especializados:
·
Constituem
hoje nos países mais desenvolvidos a maioria dos operários;
·
Após
uma aprendizagem de alguns dias, ou poucas semanas, estão aptos a realizar
determinadas tarefas de certa complexidade;
·
Fazem
coisas simples como, por exemplo, manejar uma máquina, trabalhar numa linha de
montagem, aparafusar peças de automóveis, etc.;
à
Operários qualificados / artífices / profissionais:
· Têm um grande saber profissional;
· Passam, geralmente, 6 a 8 anos como
aprendizes;
· Porque são altamente especializados
são raros;
· Bem remunerados e gozam de
estabilidade no emprego, só em caso de crise muito grave, correm risco de
desemprego;
· Hoje em dia são os chefes de secção,
ou os operários de manutenção;
As
diferentes indústrias têm proporções diversas de cada um destes três tipos de
trabalhadores manuais, conforme mostram os autores acima citados, comparando
estatísticas de diversos países desenvolvidos.
B) A evolução da condição
operária
Em
si, isto reflecte um fenómeno que anda estritamente ligado ao processo de
industrialização e que é o empobrecimento
do conteúdo profissional das funções do trabalho manual. A
industrialização é, com efeito, em essência, a generalização de processos de
produção de massa, que se substituem aos antigos métodos de produção artesanal.
Os operários são uma classe mais
pronta a trabalhar por um salário mais baixo. A indústria criou a classe operária, que
como categoria social maciça ganhou relevância basicamente no século XIX. Até
fins, do século XVIII o trabalho de tipo industrial fez-se em regra em pequenas
oficinas, mesmo na Inglaterra, na França e na Alemanha. Havia muito a figura do
artesão-camponês.
As manufacturas centralizadas, onde se reuniam algumas dezenas ou
centenas de oficiais e aprendizes trabalhando sob a direcção de mestres, eram
pouco preferidas pelas condições comparativamente desfavoráveis que as
caracterizavam. As manufacturas eram lugares mal-afamados, trabalhar aí
era factor de marginalização social.
As primeiras grandes fábricas da nova era industrial,
que apareceram na indústria têxtil algodoeira inglesa em finais do século XVIII
coexistiram durante largo tempo com o sistema de fabrico caseiro, então já em
regra na dependência de um contratador que fornecia a matéria-prima e adquiria
o produto acabado a um preço estabelecido. De início, mesmo nas novas fábricas,
a organização do trabalho traduzia basicamente uma adaptação dos métodos
anteriores às novas condições.
Nem sempre a mecanização foi o
elemento mais dinâmico da expansão de uma indústria, mas quase sempre esteve
presente o processo de fabrico em tarefas simples a executar por forma
repetitiva, que um operário, mesmo pouco experimentado pode aprender
depressa e executar sempre do mesmo modo com um grau de perfeição suficiente.
O progresso técnico fez surgir a automação,
que representa a terceira forma de realização do trabalho, em que o
operário deixa de ser o executor directo para ser um vigilante e controlador
dos instrumentos que realizam integralmente as operações de produção.
Alain Touraine salienta justamente a vantagem de
individualizar 3 fases da ecolução profissional para o entendimento deste
processo.
Fase
A: Execução de trabalho própria do artífice
É o tipo de trabalho não normalizado em que a
habilidade manual é decisiva. O resultado do trabalho depende da forma de
fazer, que é fruto da experiência e treino conjugados com o jeito do
trabalhador. As máquinas e instrumentos que se usam universais, isto é, podem
fazer diferentes tipos de operações consoante as necessidades do trabalho em
curso.
Fase B: Trabalho fraccionado e
normalizado
Feito
com máquinas especializadas. Pode implantar-se devido a :
· Exigências técnicas: Decorrem de normas de rigorosa
precisão na execução do trabalho, com tolerâncias muito limitadas, e que assim
eliminam a variabilidade que sempre marca o trabalho artesanal.
· Exigências económicas: que permitam prever um certo
escalonamento das vendas a longo prazo, em função do qual se possa estabelecer
um plano de produção.
Na
fase B, pode coexistir trabalhos de fase A. Ex.: Indústria automóvel. A fase B
instala-se nos seus dois aspectos: o primeiro é mais visível nas oficinas de
utensilagem e de manutenção, o segundo nas oficinas de fabrico, nas cadeias de
acabamento e montagem.
É
a produção em série que surge quando há a necessidade de grandes quantidades de
produtos.
Fase
C: Automação
Podem continuar a existir trabalhos da Fase A. Por
exemplo, nas refinarias de petróleo no que respeita aos trabalhos de
manutenção. A intervenção dos operários é muito reduzida.
Para
a definição do operário contribuiu também, a par das fórmulas técnicas, em
larga medida o facto de o trabalho muito organizado das fábricas impor
naturalmente uma disciplina rigorosa. É um dos aspectos a que mais reage o
camponês convertido em operário industrial ou o artesão que troca a pequena
oficina quase doméstica pela fábrica.
A preocupação constante da gestão das empresas com a
economia da matéria-prima, da mão-de-obra e de tempo na execução das tarefas
fez introduzir continuamente em muitas indústrias modificações que
condicionaram cada vez mais apertadamente o trabalho dos operários. Ex.: o
sistema de linha de montagem, inventado por Henry Ford.
A pressão de normas de produção cada
vez mais exigentes tornou-se na verdade uma das mais constantes causas de
descontentamento dos operários. Isso mesmo está documentado, em estudos das reacções dos
operários das linhas de montagem, que revelam profundas atitudes negativas em
relação ao trabalho, as quais se reflectem na acentuada mobilidade de
mão-de-obra, que procura outros trabalhos logo que as condições do mercado
permitem. O descontentamento com o trabalho em cadeia tem aliás inspirado
vários estudos com vista a encontrar outras fórmulas capazes de manterem alta
produtividade com maior satisfação dos operários.
Uma fórmula que foi recentemente experimentada é a de
acentuar o espírito de equipa, permitindo aos trabalhadores organizarem com
certa autonomia o seu próprio trabalho e percorrerem todos os postos de
trabalho numa linha de montagem, o que lhes torna possível completar todas as
operações de uma dada fase de produção. Houve resultados bastante positivos em
termos de satisfação no trabalho sem redução de rendimento.
Estas novas fórmulas de organização de trabalho
oferecem na verdade alternativas tanto contra a pressão dos ritmos intensos,
despersonalizados, impostos pela regulação apertada nas linhas de montagem,
como contra o fraccionamento excessivo das tarefas, que é outras das grandes
causas da insatisfação dos operários. A simplificação aumenta o rendimento,
mas igualiza os operários, e estreita as diferenças de salário que
normalmente se espera que acompanhem as diferenças de idade e de experiência.
Nas
fábricas automatizadas as tarefas reagrupam-se e o operário actua sobretudo
como controlador de todo um conjunto de operações. Por essa forma, o
trabalho despersonalizado, alienado da fase B, pode ser substituído por um
trabalho em que o operário recupera a posição que tinha na fase A.
Serge Mallet diz que existem dois tipos de
trabalhadores nas fábricas automatizadas:
1.
Supervisores, operadores,… que são
os correctores humano dos possíveis falhanços da máquina. Possuem um
conhecimento muito complexo.
2.
Mecânicos, electricistas,
relojoeiros, etc.. Com mais responsabilidade que os operadores, estão em
ligação com todos os postos de produção, têm do conjunto do processo produtivo
uma visão global.
Pelos postos que criou, a automação - se
elimina totalmente a relação do homem ao objecto - destrói os
fraccionamentos do trabalho e reconstitui, ao nível da equipa e mesmo ao
nível do conjunto do trabalho colectivo, a visão sintética do trabalho
polivalente.
As unidades de produção diminuem de volume e as
relações humanas entre os grupos de operários são mais frequentes, menos
anónimas que as que se observam na fábrica taylorizada. Os operários
aproximam-se das várias camadas de trabalhadores da fábrica e as hierarquias
redefinem-se com separações menos marcadas entre o operário, o técnico e o
quadro. Assim surge, como sustenta Serge Mallet, uma nova classe
operária.
A acção colectiva que caracteriza o operariado tem
variado substancialmente consoante a evolução das suas características.
De início, as associações operárias traduziam
basicamente os pontos de vista dos artífices, dos operários qualificados. Foi
entre eles que se começaram a afirmar as associações de recreio e interajuda,
que depois começaram a assumir cada vez mais características sindicais, como
meio de protecção contra os mestres em face de um estado de coisas que tornava
cada vez mais difícil aos oficiais o acesso à mestrança. O movimento
sindicalista espalhou-se pela França (ex:CGT-1895), Inglaterra (1888/1889) EUA
(Order of Knights-1881, ex.).
A tendência para a crescente
importância dos sindicatos reflecte basicamente a mudança na composição da
massa operária verificada a partir do último quartel do século XIX. Na primeira fase da Revolução
Industrial, com predomínio da Fase A, o elemento central do operariado era o
artífice, em torno do qual se juntavam os muitos operários. Para o artífice,
detentor de uma especialização profissional que pode ser exercida em qualquer
lugar, o importante é a defesa do ofício.
A invasão do trabalho da fase B transforma
fundamentalmente o equilíbrio de interesses dentro da massa operária. O
núcleo central não é já o artífice, mas sim o operário semiqualificado:
· Realiza tarefas de forma repetitiva
e pode ser facilmente substituível por qualquer outro que leva pouco tempo a
treinar;
· Não dispõe de uma arte, mas apenas
dos seus braços;
· Grande dependência do patronato;
· Insegurança;
Este processo conduz nos países mais industrializados
da Europa e da América ao aparecimento de um sindicalismo de massas estruturado
em torno de um funcionalismo sindical e de grandes partidos políticos voltados
para os problema de condição operária.
O movimento sindical foi aliás, a pouco e pouco,
conduzido à procura sistemática da negociação com o patronato, apoiando-se ao
mesmo tempo na força dos partidos políticos. É o sistema chamado em França da
participação conflitual, em que o movimento sindical aceita a situação
existente como um dado objectivo, procurando tirar daí as maiores vantagens
para os seus associados, mas recusa-se a assumir qualquer responsabilidade na
gestão de empresas. (Os movimentos sindicais estão ligados aos partidos de
esquerda.).
Parece a alguns que a organização do trabalho típico
da Fase C permitirá modificar de novo estas tendências, criando condições que
permitam ao operariado ter uma intervenção directa na gestão das unidades de
produção. As condições modernas da produção oferecem hoje as possibilidades
objectivas do desenvolvimento da autogestão generalizada da produção e da
economia por aqueles que dela suportam o peso.
12.4. Vendedores, empregados de
escritório, quadros, profissões liberais e científicas
A volumosa categoria dos trabalhadores
caracteriza-se sobretudo pela heterogeneidade. É difícil de os identificar.
Umas das formas é o traje de trabalho - white
collar. Esta categoria recobre condições de actividade muito diversas, que
só têm em comum o não exigirem trabalho manual e que andam ligadas a níveis de
rendimentos e condições de vida bastante diferenciados:
·
Empregados
de comércio
·
Técnicos
·
Empregados
e funcionários de secretaria
·
Professores
·
Eclesiásticos
·
Profissões
liberais
·
Oficiais
das FFAA e militarizadas
·
Profissões
artísticas ou de entretenimento
·
…
Umas
representam actividades tradicionais anteriores à revolução industrial. Outras
são basicamente fruto da expansão urbana e industrial e da mudança nas condições
de vida. Todas têm sofrido transformações.
As
muitas designações socio-económicas recobrem hoje realidades muito diversas.
Ex.: os patrões do comércio e da indústria são, de facto, basicamente, os
pequenos patrões, sujeitos à pressão da concorrência das grandes organizações e
com um espaço de manobra cada vez mais restrito em muitos campos.
Os
professores e os que exercem profissões literárias e científicas são em número
crescente. É o
fruto do aumento da procura de serviços educacionais de todos os níveis nas
sociedades industriais. Há cada vez mais pessoas nesta área.
Estas
funções, mesmo as
menos remuneradas, andam em regra ligadas a um estatuto bastante diferente
do das actividades manuais. O trabalho é mais leve, e em regra utilizado em
escritórios ou em locais caracterizados por
maior limpeza e conforto do que o comum das oficinas. Tem um fácil
acesso às pessoas de níveis mais elevados. A sua forma de vestir é aliás pouco
diferente da das pessoas com rendimentos mais altos.
Este
tipo de trabalho requer instrução adequada nas Universidades.
A
estabilidade do emprego é em regra maior do que a dos trabalhadores manuais;
têm uma remuneração mais elevada; existe o estatuto de carreira.
A
remuneração, baixa de início aumenta com a idade. Os anos mais avançados da vida
activa, que para o operário são anos de declínio de forças e muitas das vezes
de redução de rendimentos, são para o terciário anos de maior remuneração e
prestígio.
Valoriza
em regra a instrução, bastante mais que os operários e os camponeses. As suas
preferências quanto à educação dos filhos vão significativamente para os
estudos secundários do tipo literário, enquanto os filhos camponeses e
operários seguem em larga proporção o ensino técnico. O acesso aos trabalhos de
tipo não manual é visto como sinal de promoção social.
Isto
traduz realmente uma evolução das ideias das pessoas sobre aquilo em que pode
assentar a sua segurança no futuro, que resulta ela própria das transformações
nas condições de vida. Para a nova classe média, a educação substituiu a
propriedade como garante da promoção social.
Ora
a verdade é que o próprio aumento do número destes trabalhadores suscita uma
desvalorização que é agudamente sentida. O prestígio do seu tipo de
funções dilui-se por efeito da
generalização, da instrução e da convergência dos modelos de vestuário e
estilos de vida nas zonas urbanas das sociedades industriais.
A
desvalorização é sentida por comparação com o estatuto passado das mesmas
ocupações que é o estatuto de uma época em que o técnico e o trabalhador não
manual constituíam uma pequena elite. E é sentida por efeito da homogeneização
actual das condições de vida, que leva os níveis de remuneração das camadas
superiores do operariado, a ultrapassar os das camadas mais baixas dos empregados
de escritório e funcionários de secretaria e dos empregados de comércio.
É
este fenómeno que tem suscitado o aparecimento de acção colectiva entre pessoas
cuja atitude as inclina, na verdade, sobretudo à acção individual para a defesa dos seus
interesses.
Os
vários sindicatos - bancários, guarda-livros, empregados de seguros, etc. -
sucederam-se. O fenómeno associativo entre os funcionários de categoria mais
elevada é quase todo ele posterior à IIª GM.
Em
muitos países a sindicalização dos funcionários tem enfrentado reservas e
restrições por parte dos poderes públicos.
12.5. A escala de prestígio das ocupações
O
exercício de uma determinada profissão tende a colocar a pessoa numa posição
social específica, por comparação com as que exercem outras profissões.
Forma
realizados vários inquéritos por forma a saber quais as razões para tais
diferenciações de posição social.
Um
dos mais importantes inquéritos foi realizado em 1947 por Paul K. Hatt e
Cecil North, com o apoio do “National Opinion Research Center” da
Universidade de Chicago. Foi pedido às pessoas que dessem a sua opinião pessoal
sobre o nível que as pessoas atribuiriam a cada uma das profissões referidas no
inquérito. As respostas possíveis eram seis:
·
Nível
Excelente;
·
Bom
Nível;
·
Nível
Médio;
·
Um
pouco abaixo da média;
·
Nível
modesto;
·
Não
sei;
A
cotação obtida por cada profissão definia o seu prestígio. A posição a que
se reconheceu mais prestígio foi a de juiz do Supremo Tribunal dos Estados
Unidos, com 96 pontos (máximo era 100). Logo a seguir encontra-se a
profissão de médico, depois a de governador de um estado, etc..
Ainda
neste inquérito, era perguntado às pessoas qual era a razão pela qual atribuíam
o nível excelente a uma determinada profissão. As respostas foram variadas, mas
a razão invocada com mais frequência foi o nível de remuneração.
13. Estratificação e Hierarquização
13.1. Classes
e Status
Em todas as sociedades existem
diferenças sociais, que se traduzem no nível de rendimento, no tipo de
profissão, na religião praticada, na origem familiar, entre outros. Estes
factores de diferenciação determinam a formação de grupos muito actuantes
dentro da sociedade.
Assim, o status social de cada
indivíduo é definido pela combinação dos factores supracitados, quer isto dizer
que essa combinação é determinante na posição das pessoas e da família na
hierarquia social.
Contudo, a semelhança de interesses
económicos pode, por si só, suscitar a formação de classes que entram em
competição com outras classes com interesses opostos.
Max Weber faz a distinção
entre ordem económica e ordem social, demarcando-as da ordem legal. Todas estas
ordens integram a estrutura do Poder em cada sociedade, e, embora se relacionem
entre si, têm o seu conteúdo próprio. Assim:
·
as
diferenciações na ordem económica exprimem-se em classes;
·
as
diferenciações na ordem social traduzem-se em grupos de status;
·
as
diferenciações na ordem da luta pelo Poder exprimem-se através de partidos;
Þ
Classes:
O primeiro tipo de classes é
definido em termos de interesses económicos. Weber considerava
que era preciso definir-se classe segundo três critérios:
1. existe uma classe quando um conjunto de pessoas têm
em comum um componente causal das suas oportunidades de vida;
2. quando esse componente é representado por interesses
económicos na posse de bens e oportunidades de ganho;
3. e quando é representado em condições de mercado de
bens ou de trabalho;
Weber afirma, ainda, que a detenção
ou a não detenção de propriedade é um factor fundamental na definição das
situações de classe. Sustenta que dentro da categoria dos que dispõem de
propriedade há que distinguir o tipo de bens de que se trata
(dinheiro, gado, capital financeiro, etc.), e dentro da categoria dos que
não dispõem de propriedades há que distinguir consoante o tipo de
serviços que podem oferecer e consoante a forma como prestam tais serviços.
É importante reconhecer que os indivíduos
são condicionados pela sua situação de classe, pois é devido a esta
condicionante que se torna possível “sentir” o contraste das oportunidades
de vida como resultado de uma dada distribuição da propriedade, e da
estrutura da ordem económica concreta.
Þ
Status:
Segundo Weber, este grupo é
definido em termos de prestígio, isto é, a situação de status de um
indivíduo deriva da estimação social específica da honra, que pode ser
positiva ou negativa. Os factores que caracterizam o status são:
·
um estilo de
vida específico;
·
tendência para restringir
as relações de casamento e de convívio social às pessoas com o mesmo estilo de
vida;
·
tendência para a
estratificação dos vários grupos de status segundo a ordem de honra e prestígio
aceite pela comunidade ou pela sociedade no seu conjunto;
Note-se que os indivíduos de um
status mais elevado não têm, necessariamente, de pertencer à classe alta, e
vice-versa. Uma família pode manter o seu status, a sua honra social, ao longo
de gerações mas pode não manter uma situação económica vantajosa, muito pelo
contrário. Assim como uma família sem prestigio social reconhecido pode dispor
de condições económicas vantajosas, mantendo um nível de vida superior ao de
muitas famílias de status elevados.
A situação de classe
relaciona-se com a forma de produzir ou de adquirir bens. A situação de
status liga-se com a forma como os bens são consumidos, em obediência a
certos estilos de vida.
A evolução das relações de forças na
sociedade podem por em causa as situações de classe, uma vez que estas se
definem por interesses em competição num mercado.
As situações de status, mais
enraizadas na cultura, caracterizam-se por certa flexibilidade. Pois, um
indivíduo, quando nasce, adopta imediatamente o status da família, contudo, ao
longo da sua vida, o indivíduo pode subir ou descer na escala social: sobe por
meio de aquisição dos atributos de um status mais elevado; desce quando perde
os atributos do status superior em que nasceu ou que se alcançou no decurso da
vida. Note-se que a este tipo de grupos de status, a literatura sociológica
actual designa por classes sociais.
Por outro lado, esta flexibilidade
de movimentação dentro dos status pode ser dificultada ou mesmo
impossibilitada, como se verifica, por exemplo, no sistema das castas.
13.2. As Classes Sociais
Þ
Classes de
interesses:
Partindo das capacidades de mercado
que caracterizam os vários grupos em cada caso concreto, Anthony Giddens
distingue três tipos de factores de estruturação de classes:
à
Factor
Mediate: o principal factor mediato
de estruturação das relações de classe é o grau de mobilidade social, pois as
pessoas sobem e descem de nível de vida. Segundo Giddens, são três os
factores básicos de mobilidade, os quais se ligam a três grandes tipos de
capacidades de mercado:
·
a propriedade
dos meios de produção;
·
a posse de
habilitações educacionais ou técnicas;
·
a posse de força
de trabalho manual;
à
Factor
Proximate: Giddens distingue,
também, três factores próximos da estruturação das relações de classe, a saber:
·
a divisão do
trabalho dentro da empresa: as
categorias de trabalhadores definem-se pela diferenciação de funções e de
condições de trabalho; um dos casos mais marcados é a distinção entre trabalho
manual e não manual;
·
as relações
de autoridade dentro da empresa: a
diferenciação das pessoas deve-se, ainda, à hierarquia de autoridade; são os
proprietários e os seus representantes que exercem a autoridade, contudo, há
trabalhadores que também exercem autoridade, pelos cargos de chefia que ocupam,
pelo que se aproximam da classe proprietária e se separam da classe
trabalhadora;
·
distributive
groupings: resultam dos modelos de
consumo e tendem a aproximar pessoas com níveis de rendimentos semelhantes,
embora não conduzam necessariamente à consciência de uma semelhança de status. Giddens
explica a tendência para a formação de bairros residenciais de classe operária
ou de classe média, que tendem a tornar-se comunidades de família com modo de
vida semelhante, como resultado dos níveis de rendimento.
à
Factor
Ultimate: este é um factor decisivo,
relacionado com a articulação das relações de poder em cada sociedade. Define
os termos em que a acção do Estado delimita o jogo dos factores de estruturação
das relações de classe.
As classes tornam-se realidades
actuantes apenas na medida em que as pessoas se apercebem da sua existência.
Assim, Giddens faz a distinção entre:
·
class
awareness (percepção da classe): a percepção
da classe é a forma mais delicada de tomar conhecimento do fenómeno classe,
que pode até traduzir-se na negação prévia de que tal exista na realidade;
·
class
consciousness (consciência da classe):
a consciência da classe traduz-se na percepção imediata que um indivíduo
tem de pertencer a uma determinada classe e da distância desta em relação a
outras classes; a consciência de classe, segundo Giddens, pode ter três
níveis básicos de intensidade:
·
num primeiro
nível traduz a simples apreensão da própria situação de classe e da diferença
em relação a outras classes;
·
num segundo nível
existe já, junto com a percepção da própria situação de classe, o sentimento da
oposição de interesses a outra ou outras classes;
·
num terceiro
nível está a «consciência de classe revolucionária» que, como explica Giddens,
«envolve o reconhecimento da possibilidade de uma reorganização global da
mediação institucional do Poder, e a crença de que tal reorganização pode
alcançar-se através da acção de classe»;
O próprio decurso das relações
sociais em situações de classe pode ajudar a desenvolver a consciência de
classe.
Para Marx cada classe
define-se basicamente pela sua posição em relação aos meios de produção.
Sustenta, em O Capital, que as três principais classes sociais são os
assalariados (proprietários da força de trabalho), os capitalistas (proprietários
de capital) e os agrários (proprietários de terras). Já na Ideologia Alemã,
evidencia que a formação da classe dá-se a partir de uma comunidade de
interesses face a outras classes, e, uma vez constituída, a classe prevalece
sobre os indivíduos que a compõem, uma vez que esse têm as suas acções
limitadas pela classe a que pertencem.
Þ
Grupos de
status:
No seio da sociologia americana
desenvolveu-se toda uma importante corrente de análise das classes sociais
entendidas como grupos de status, que não estão, necessariamente, em
conflito uns com os outros. Vários foram os autores que colaboraram no
desenvolvimento desta corrente de análise, entre eles: Lloyd Warner, John
Dollard, Allison Davis, Burleigh B. Gardner e Mary R. Gardner.
Warner e os seus
colaboradores assentam a sua análise em dois métodos, a saber:
à
Participação
avaliada: consiste na apuração dos
níveis de status existentes em cada comunidade, sobretudo a partir da avaliação
de si próprios e dos outros que fazem os interessados;
à
Índice das
características de status: este
índice é calculado a partir da ponderação de quatro atributos básicos que se
consideram elementos importantes do status de cada pessoa;
A avaliação da participação
realiza-se por meio de seis técnicas:
1. classificação por comparação e acordo dos níveis
atribuídos aos vários indivíduos por diferentes informadores;
2. classificação por atribuição simbólica, em que o
indivíduo é classificado pelo investigador a partir do facto de ele aparecer
aos olhos dos informadores como revestido de certos símbolos de status elevado
ou baixo;
3. classificação pela reputação, em que o indivíduo é
classificado pelo investigador com base na reputação de status que lhe é
atribuída pelos informadores;
4. classificação por comparação, feita pelo próprio
investigador, a partir de testemunhos de que a pessoa em causa está acima, a
par ou abaixo de outras cujo nível de status foi previamente determinado;
5. classificação por simples atribuição de um dado
nível a certos indivíduos por diversos informadores qualificados;
6. classificação com base na filiação institucional
(institutional membership);
No índice das características de
status consideram-se os seguintes factores, com as respectivas ponderações:
1. ocupação, 4;
2. fonte de rendimentos, 3;
3. tipo de habitação, 3;
4. área de residência, 2;
Para cada um dos factores foi
elaborada uma escala com sete graus, sendo atribuído a cada indivíduo, para
cada factor, um valor que é o resultado da multiplicação do grau da respectiva
escala em que o indivíduo se situa pela ponderação do factor.
A soma dos valores assim
atribuídos para os quatro factores dá o número de ponderação do índice que
delimita o nível de status do indivíduo na comunidade em que vive.
A escala das ocupações foi elaborada
de acordo com o nível de prestígio das diversas ocupações, tendo em conta o
grau de instrução que requerem, o nível de rendimentos que proporcionam, as
condições em que se exercem, e assim por diante.
Na escala das fontes de rendimento
distinguem-se os seguintes casos:
1. Riqueza herdada;
2. Riqueza ganha;
3. Lucros e consultas;
4. Ordenado;
5. Salário;
6. Beneficência privada;
7. Assistência pública e rendimento não respeitável;
Na escala do tipo de habitação
observa-se desde as casas excelentes às casas muito medíocres.
Quanto às áreas residenciais
distinguem-se os seguintes níveis:
1. Muito alto:
zonas muito reputadas;
2. Alto: os
melhores subúrbios e áreas de prédios de apartamentos, casas com pátios
espaçosos, etc.;
3. Acima da média: áreas inteiramente residenciais, espaços em torno das casas maiores do
que a média, áreas de apartamentos em boas condições, etc.;
4. Médias:
vizinhanças residenciais, sem zonas deterioradas;
5. Abaixo da média: área que não se está a preservar, começo de deterioração, entrada de
indústrias, etc.;
6. Baixa:
bastante deteriorada, gasta, meio slum;
7. Muito baixa:
bairro em derrocada, slum;
Estes critérios significam que,
nesta orientação, a classe social se define pelos seguintes elementos:
·
nível de
rendimentos;
·
ocupação;
·
nível de
educação;
·
área de
residência;
·
prestígio no
meio em que se vive;
·
origem familiar;
·
estilo de vida;
·
nível de vida;
·
organizações em
que se participa;
·
modo de uso dos
tempos livres;
A análise de comunidades de
diferentes zonas dos Estados Unidos por métodos deste tipo permitiu delinear os
grandes traços da hierarquia de status existente, em que se distinguem os
seguintes estratos:
à
Alta classe
alta: constituída por famílias muito
abastadas, cuja riqueza tem já várias gerações. São famílias que vivem em zonas
mais reputadas da cidade, têm uma educação elevada e cultivam um estilo de
intervenção social muito activa. Os homens destas famílias, normalmente,
exercem profissões liberais. No plano de convívio social, esta é uma classe
muito organizada em clubes e círculos de relações, inteiramente fechados a
pessoas de nível social diferente.
à
Baixa classe
alta: constituída por famílias muito
ricas, cujo dinheiro é mais recente, pelo que ainda não consolidaram o seu
prestígio na comunidade. O seu modo de vida é muito próximo do da alta classe
alta, mas só ao fim de algumas gerações é que se dá uma completa aceitação pela
classe superior alta em plano de igualdade. São famílias que têm uma grande
influência social, embora representem uma pequena minoria.
à
Alta classe
média: composta por cidadãos com uma
considerável abundância de bens, embora não com fortunas de dimensão comparável
às dos do nível da baixa classe alta. Os membros desta classe têm uma boa
instrução, vivem em boas áreas residenciais, ocupam posições de relevo na
comunidade, e são, normalmente, donas de comércios importantes, proprietários
substanciais ou que praticam com certo sucesso profissões liberais.
à
Classe média
baixa: constituída por empregados de
escritório, pequenos comerciantes e parte dos operários qualificados ou
profissionais. Em regra, são pessoas que têm educação de nível secundário,
empregos estáveis, e um certo conforto material. Apesar de não disporem de
muitas propriedades, dispõem de certa segurança e são muitas vezes donos da
casa em que vivem.
à
Alta classe
baixa: correntemente designada por
classe operária, é constituída por trabalhadores de «colarinho azul»
qualificados dos escalões mais baixos, semi especializados e não qualificados.
Têm rendimentos limitados mas, com emprego regular, procuram manter-se dentro
dos padrões de comportamento da classe média. São pessoas, como elas próprias
se descrevem, «pobres mas honestas».
à
Baixa classe
baixa: é a classe pobre, constituída
por pessoas que vivem em condições marginais. São, muitas vezes, desempregadas,
pelo que recorrem frequentemente à caridade ou à assistência pública. Vivem nas
zonas residenciais mais desfavoráveis. Aos olhos das pessoas do nível mais
elevado são vistos como preguiçosos, imprevidentes, imorais e instáveis.
A melhoria das condições de vida
tende a aproximar muitos elementos materiais da vida dos diversos níveis
sociais. Muitos aspectos básicos do consumo de bens de uso corrente
tornam-se cada vez menos diferentes. A imposição de períodos cada vez mais
prolongados de escolaridade obrigatória diminui a distância entre os níveis de
instrução das várias classes. Assim, nos países industrializados, verifica-se
um grande aumento da classe média.
Þ
A mobilidade vertical:
Muitas pessoas mantêm-se no nível
em que nascem, mas muitas sobem no conceito da sociedade em que vivem e
aumentam de status, ou então descem no conceito geral, perdendo
os atributos de status que antes tinham.
A mobilidade que mais frequente se verifica é apenas
a subida ou descida de um nível imediatamente acima ou abaixo, mas, por vezes,
acontece um indivíduo subir de uma origem modesta até um nível social muito
elevado, ou vice-versa.
Todo este processo denomina-se por mobilidade
vertical, que umas vezes envolve apenas um indivíduo e os seus parentes
mais próximos, outras vezes estende-se a toda uma categoria social.
Entre os tipos de mobilidade mais
correntes contam-se a mudança de profissão e o acréscimo de
rendimentos (ex.: passagem de uma profissão manual para uma não manual, o
que acarreta um aumento de status).
Também o casamento pode ser um
factor de promoção social, quando uma pessoa casa com outra de status mais
elevado.
Note-se que estes factores de
promoção social podem igualmente ser factores de perda de status, se o
movimento se fizer noutro sentido.
A mobilidade vertical pode
fazer-se no decurso da vida do próprio interessado ou de uma geração para a
outra.
É um elemento central de qualquer
sociedade em mudança e tende, por isso, a acentuar-se nas sociedades urbanas e
industriais. Dada a mudança nas técnicas de produção e de gestão, criaram-se
novas profissões de alto nível, que representam uma possível subida no nível
social.
É de notar que, hoje em dia, a
transmissão de posições sociais por hereditariedade não assume tanta relevância
como outrora.
13.3. As ordens e estados
Uma
ordem é um grupo bem delimitado a que correspondem estatutos próprios
perante o poder político e estatutos sociais específicos, é um modelo
semi-formalizado em que é difícil sair-se do status em que se nasceu na ordem,
embora seja possível.
O
status é sempre atribuído por diploma legal, as ordens
hierarquizam-se e segmentam-se em graus chamados estados - são graus
no âmbito da hierarquia da ordem.
Apesar
dos sistemas semi-fechados, os reis tinham plenos poderes para tornar nobres
indivíduos não nobres, oriundos da camada popular ou do clero. O título de
nobre podia ser obtido por duas vias:
· a concessão real;
· o casamento;
Exemplos
em que o Rei tornou nobres indivíduos não nobres:
à Na Inglaterra a coroa tornou nobre
um famoso pirata, Francis Drake. Agraciou-o com o título de “sir”, tornando-o
corsário ao lhe ser atribuída a carta de corso. Foi uma forma de legalizar a
pirataria, pois os piratas passariam a roubar para o Rei.
à Em França quer Luís XIII quer Luís
XIV conotaram de títulos e honrarias membros do clero que seriam os seus braços
direitos: Cardeais Manuarim e RiecheKaux.
à Em Portugal, o Rei D. João I (Mestre
de Avis) atribuiu um título nobiliárquico a Nuno Álvares Pereira que passou a
possuir o título de “Dom”. Nuno Álvares Pereira era oriundo de uma camada
social que ajudou o Mestre de Avis a vencer na Revolução de 1833-35, ou seja,
era oriundo da burguesia comercial marítima.
Exemplos
de sociedades que estiveram estruturadas em ordens:
à Anterior ao nascimento de Cristo -
Sociedade Romana: no século V e IV a.C., existiam duas ordens juridicamente
hereditárias:
·
Patrícios;
·
Plebeus;
Em
445 a.C. foi abolida uma lei na sociedade romana que proibia o casamento entre
Patrícios e Plebeus. A partir de então, os membros das duas ordens começaram a
casar.
Em
336 a.C., já os Plebeus podiam concorrer para ocupar os dois cargos de
cônsules. A pouco e pouco, as mulheres patrícias não asseguravam a renovação
das gerações e, consequentemente, no século II a.C., já só existiam 24 família
genuinamente patrícias.
Estas
duas ordens perderam importância e forma substituídas por outras duas
juridicamente não hereditárias:
·
Senatorial
ou Senado de Roma;
·
Ordem
Equestre;
Eram
nomeados cavaleiros aqueles que possuíssem uma grande fortuna pessoal (fortuna
igual ou superior a 400 000 sestérios). Na ordem senatorial a esmagadora
maioria eram os Plebeus.
Mas
depois do império de Roma continuou a alargar-se extraordinariamente, e Roma
achou por bem conceder um estatuto de privilégio aos seus filhos e nasceu a ordem
dos cidadãos romanos: o total da população residente no império era de
55/60 milhões. Os cerca de 50 a 55 milhões que não tinham o estatuto de filhos
de Roma eram os bárbaros ou estrangeiros.
à
Posterior
ao nascimento de Cristo - Sociedade Francesa no século XVII
O
magistrado francês Charles Louseau, autor do livro Tratado das Ordens e das
simples Dignidades, apontava as três grandes ordens da nação:
Þ
O
Clero: eram os representantes de Deus na terra:
·
Cardeais;
·
Princepes;
·
Arcebispos;
·
Bispos;
·
Padres;
·
Diáconos;
·
Sub-diáconos;
·
......
Þ
A
nobreza: subdivide-se em:
à
Nobreza
de Raça Antiga: parentes mais próximos dos monarcas:
·
Princepes:
de sangue ou da coroa;
·
Princepes:
filhos dos reis;
·
Alta
nobreza dos Cavaleiros (altos cavaleiros - parentes mais afastados dos
monarcas);
à
Nobreza
da Dignidade:
·
Duques;
·
Marqueses;
·
Condes;
·
Viscondes;
·
Barões;
·
Castelões;
Þ
O
Terceiro Estado: são as restantes pessoas:
·
Letrados;
·
Doutores;
·
Licenciados;
·
Bachareis;
·
Advogados;
·
Comerciantes;
·
Joalheiros;
·
Lavradores;
·
Camponeses;
·
Detentores
de ofícios mecânicos;
·
Jornaleiros;
·
Moços
de Fretes;
·
Vagabundos,
mendigos, ladrões;
O
cientista social francês Rolan Mousnier, autor do livro As hierarquias
sociais - de 1450 até aos nossos dias, promoveu uma análise classificatória
das sociedades de ordens, apontando seis tipologias:
1.
Ordens assentes no primado conferido
à nobreza militar.
Ex.: a sociedade francesa e a portuguesa no século XVIII.
2.
Ordens militares ou ordens assentes
no primado conferido à magistratura e às letras.
Exemplo:
a sociedade chinesa porque ao longo de muitos séculos, desde a dinastia dos Mao
(221 a.C. - 220 d.C.), passando pela dinastia dos Ming (1368 - 1644), atingindo
a dinastia dos Tsung (1644 - 1912), a sociedade chinesa encontrava-se
estruturada e estratificada muito por influência da doutrina de Corfúcio?,
ele considerava que a desigualdade social era uma lei de natureza, e por isso
deveriam existir duas classes: os grandes detentores do poder intelectual
(competia-lhes estudar, adquirir virtudes e governar); e os pequenos detentores
de poder manual (existiam para promover a subsistência dos grandes); a
estratificação social era:
-
Elite;
-
Vulgo;
-
Ignóbeis ou os vis;
A elite
eram os funcionários administrativos, burocratas (quando os portugueses
chegaram à Índia verificaram que estes editavam leis, logo também lhes chamavam
os mandarins.
O vulgo
era constituído pelos detentores de profissões respeitáveis: comerciantes,
mercadores, operários, artesãos e os cultivadores de arroz.
Finalmente,
a última classe era constituída pelos marginais descendentes de povos
que ainda não tinham sido assimilados pelo império da China.
Esta
estrutura situava-se à margem do imperador, da sua família e de uma nobreza de
dignatários assalariados.
3. Ordens assentes na dedicação hereditária ao serviço do
estado.
Exemplo:
a sociedade moscovita no século XVI com a chamada Rússia dos Czares: quando um
Czar da Rússia pretendia recrutar alguém para um cargo político tendia a
consultar o livro de registos onde eram anotados todos os serviços prestados
pelas famílias nobres à causa monárquica, normalmente, a escolha incidia em
membros da família mais antiga e do seu ramo mais antigo.
4. Ordens teocráticas: são ordens em que o primado é
atribuído à ordem monástica, o princípio fundamental é o da união litúrgica.
Exemplo:
na Europa o estado do Vaticano; organização antiga do estado do Tibete - nesta
sociedade o único superior é o homem contemplativo: o monge. O líder espiritual
da sociedade tibetana é Dalai - a religião oficial do estado é o Baptismo, é
dever das famílias leigas asseguraram as despesas do culto. Um monge do Tibete
deve rapar o cabelo e enclausurar-se pelo menos uma vez na vida durante três
anos e três meses, há monges que triplicam esse tempo.
5. Ordens filosóficas: são ordens assentes no primado
conferido a uma determinada ideologia.
Exemplos:
Itália fascista tinha como valor supremo “Tudo pelo estado, nada contra o
estado, nada fora do estado”; A Alemanha hitleriana tinha como valor supremo a
comunidade de sangue germano; a Rússia como ditadura do proletariado.
6. Ordens Tecnocráticas: são ordens em que o primado é
atribuído aos técnicos, é o que sucede nas sociedades mais industrializadas,
onde se constata um governo estético controlado pelos políticos.
Exemplo:
Inglaterra onde surge como figura em cada mosteiro o subsecretário de estado
permanente - é um alto funcionário de carreira do quadro ministerial, não ocupa
um lugar de gabinete, compete-lhe preparar as soluções para a resolução dos
problemas que afligem o ministério. A função do ministro é escolher, optar
entre as soluções propostas aquela que julga ser a mais correcta.
13.4. O Sistema das Castas
O
sistema das castas da Índia é geralmente reconhecido como um exemplo extremo de
diferenciação social.
O
sistema de casta separa as pessoas em grupos hereditários.
As
castas andam muitas vezes associadas a uma especialização profissional
hereditária, manifestam-se por uma complexa hierarquia de prestígio, e
caracterizam-se especialmente pela preocupação constante de salvaguardarem a
sua especialidade de grupo em todos os domínios.
Existem
dois princípios fundamentais que permitem fazer a distinção entre as várias
castas:
·
a
especialização funcional;
·
a
oposição puro/impuro de critério religioso;
Þ
Especialização funcional: reparte a população indiana segundo o critério das
varnas.
As
varnas («cores») são quatro, e hierarquizam-se da seguinte maneira:
à
Brâmanes:
são sacerdotes encarregues das funções rituais e representam o poder
espiritual;
à
Kshatriyas:
são guerreiros que representam o poder material, pertencem a famílias
reinantes, a nobreza no sentido europeu, e todos os outros grupos de famílias
em que hereditariamente se exercem funções militares;
à
Vaishyas:
nos textos religiosos são descritos como criadores de gado (agricultores), mas
hoje são basicamente comerciantes;
à
Sudras: nos
textos religiosos são descritos como servidores não livres, e que incluem hoje
as famílias em que se exercem ofícios manuais;
Para
além das quatro varnas pode ainda considerar-se uma quinta categoria:
famílias em que se exercem ofícios considerados pela cultura indiana como
particularmente ignóbeis e que por isso mesmo são mantidas à distância por
todas as outras, pelo que são designadas por intocáveis.
Para
além disto há, ainda, que considerar o jati (casta, no sentido de
nascimento): grupo hereditário fechado em que se concretiza a casta.
Em
cada varna há diversos jatis, diferenciados por:
- particularidades de ritual religioso;
- hábitos alimentares;
- certas características assumidas por um antepassado
ou grupo de antepassados que por isso se separou de outros da mesma casta;
Assim
se diferenciam castas, subcastas e subsubcastas, e assim por diante, segundo o
processo de segmentação que é inerente ao sistema.
Þ
A oposição puro/impuro de critério religioso: a minuciosa hierarquização dos jatis
resulta da definição de numerosos critérios que giram em torno da oposição
puro/impuro.
Os costumes
das camadas superiores de brâmanes fornecem o modelo de pureza de hábitos,
pelo que o prestígio das outras castas é alcançado consoante o grau de
proximidade ou afastamento dos seus costumes em relação aos costumes dos
brâmanes.
Os costumes dos brâmanes são:
·
pratica-se
a monogamia;
·
é
interdito o casamento de viúvas;
·
é
proibido o divórcio;
·
o
casamento em idades jovens é favorecido, o que permite classificar as castas em
mais elevadas e mais baixas;
·
adoptaram
hábitos vegetarianos;
Os
hábitos alimentares constituem, assim, um factor de ordenação das diferentes
castas:
·
o
estatuto daqueles que seguem o regime vegetariano é superior ao daqueles que
comem carne.
·
entre
aqueles que comem carne faz-se, ainda, a graduação consoante o tipo de carne
que se come. Assim, comer carne de caça ao invés de carne de porco doméstico é
um sinal de menor impureza.
Tudo
o que se relaciona com a vaca é sagrado, pelo que todos aqueles que lidam com
as carcaças dos bovinos são considerados impuros e, por conseguinte, intocáveis
(ex.: Camar).
O
ordenamento também se faz consoante as condições em que se trabalha na
profissão tradicional da casta. Os trabalhos mais sujos traduzem um estatuto
mais baixo do que os trabalhos limpos.
A
aplicação dos diversos critérios de ordenamento faz-se tendo em conta o jati e
a varna. Assim, os Kshatriyas, apesar de serem polígenos e de comerem carne,
afastando-se muito dos Brâmanes, podem ocupar uma posição social de primeiro
plano em virtude do seu papel funcional, da sua varna.
Note-se
que muitas vezes os próprios indianos confundem varna e jati.
O
que caracteriza a casta é basicamente o exclusivismo. A vida dos indivíduos
e das famílias é governada pela preocupação de se manterem dentro da sua casta,
e de evitarem contactos demasiados com indivíduos de castas consideradas
inferiores à sua.
A
condição de casta, mesmo muito desfavorável, é sancionada religiosamente
e considera-se fundamental seguir as tradições da sua casta. Quando tal não
é possível, há sempre o cuidado em evitar práticas que possam acarretar perda
de status.
O
casamento assume certa relevância na salvaguarda do status social:
·
Casar
fora da casta significa a perda de status para os filhos;
·
Deve
praticar-se a isogamia: as pessoas casam-se dentro da mesma casta, em famílias
da vizinhança que se conhecem bem e por isso se tem a certeza que pertencem à
mesma casta.
·
Contudo,
é aceite o casamento de uma mulher com um homem de nível superior ao seu, e que
se acompanha em regra de certos pagamentos por parte da família da mulher, sem
que se verifique a perda de status por parte do marido. Mas a situação inversa,
casamento de um homem com uma mulher de nível acima do seu, não é aceitável
dentro das regras da casta e implica a perda de status.
A
salvaguarda do status exige, também, cuidados nos contactos com pessoas
exteriores à família, e em particular com pessoas de outras castas.
Assim,
as condições em que as pessoas de cada casta entram em contacto com as de outra
casta, os termos em que se faz a frequentação dos templos e de outros lugares
públicos, obedecem a regras minuciosamente fixadas que têm de ser respeitadas
com rigor.
A
separação social das castas é feita em todos os domínios, inclusive no da
habitação.
O
nascimento define a posição no sistema das castas, o que dificulta substancialmente
a mobilidade social, sobretudo a mobilidade ascendente.
A
pessoa pode ser expulsa da sua casta e perder status, e vir a ser agregada
numa casta mais baixa ou posta ao nível dos intocáveis, se não cumprir com as
regras costumeiras que lhe são próprias. Mas não pode passar de uma casta
mais baixa para uma mais elevada, quaisquer que sejam os seus méritos
pessoais, a sua capacidade de se distinguir, de acumular riqueza ou de reunir
quaisquer outros atributos dos que noutras condições levariam ao seu
reconhecimento por parte da sociedade.
O
facto mais observável e possível em termos de mobilidade ascendente é a
promoção colectiva do grupo que, pela purificação dos seus costumes, por uma
maior conformidade com os modelos de vida dos brâmanes, consegue elevar-se na
hierarquia das castas, de uma geração para a outra.
Para
além disto, o sistema só parece penetrável a dois níveis:
·
pela
conquista e exercício duradouro do Poder, que faz entrar os seus titulares na
varna Kshatriya;
·
pela
assimilação aos intocáveis;
13.5. Raças e Minorias
As
características rácicas constituem um importante factor de diferenciação
social.
É o
que se verifica quando coexistem, no mesmo território, grupos étnicos
diferentes. Estas diferenças tanto podem tratar-se de diferenças de tradição
cultural como diferentes características físicas.
Um
especialista na abordagem desta temática foi Michael Banton que faz a distinção
de diferentes ordens de relações raciais da seguinte forma:
à
Contacto Periférico: situações em que o contacto entre grupos é apenas ocasional e
limitado, pelo que a influência recíproca de uns grupos sobre os outros é
muito reduzida, não chegando a pôr-se propriamente um problema de convívio,
salvo o da manutenção da paz.
à
Contacto Institucionalizado: situação que se desenvolve quando dois grupos, cujos
territórios de habitat são distantes, entram em ligação permanente, ou
pelo menos duradoura, por intermédio de uma delegação, feitoria ou «colónia» de
membros de um grupo na área habitada pelo outro. São apenas alguns membros dos
diferentes grupos que entram em contacto recíproco, continuando mesmo assim
ligados aos costumes do seu próprio grupo.
à
Aculturação:
situação resultante de um contacto prolongado entre indivíduos de grupos
diferentes. Alargando-se a base de contacto, como muitas vezes se verifica,
pela expansão da feitoria ou «colónia» inicial, e desenvolvendo-se
paralelamente esforços para a difusão dos valores próprios do grupo de que esta
provém, como acontece através da fundação de missões, igrejas e escolas e da
acção do comércio de retalho, a influência recíproca alarga-se e
consolida-se, alastrando um processo de interpenetração de cultura.
à
Domínio:
situação que se desenvolve quando um grupo está subordinado a outro grupo.
Pode, no entanto, acontecer que existam relações pessoais a para das relações
de domínio, o que leva os indivíduos de um e de outro grupo a reconhecer-se e a
respeitar-se nas suas qualidades humanas. Mas esta não é com certeza a situação
dominante na sociedade.
à
Paternalismo:
situação resultante do contacto que se realiza sob a supervisão directa dos
governos europeus, em que as atitudes raciais têm menor papel e o princípio
do respeito pelos direitos dos povos é elemento actuante, que podem vir a
impor certas regras básicas nas relações entre as raças.
à
Integração:
esta é a situação que se verifica quando a raça tem pouca relevância na
definição da posição social das pessoas e no convívio social.
à
Pluralismo: a
ordem pluralista, embora possa acompanhar-se de atitudes raciais ou étnicas
bastante vivas, pode existir num contexto de igualdade cívica entre os
membros dos diversos grupos. O pluralismo rácico pode acompanhar-se de
pluralismo religioso, de pluralismo linguístico, etc..
13.6. Elites e não elites
As elites apresentam-se com
estratos sociais que apenas parcialmente recobrem as classes ou os grupos de
status. Segundo Pareto, a elite é, em cada tipo de actividade
humana, constituída pelas pessoas que pelas suas qualidades se distinguem
muito do comum. Pois, há aqueles que, na sua profissão, são muito bons e há
aqueles que são menos bons ou maus, pelo que Pareto considera que se
deve formar uma classe daqueles que são muito bons, atribuindo-lhes o nome de
elite.
Contudo, Pareto sustenta,
ainda que se deve individualizar dentro da elite uma primeira classe
constituída por aqueles que participam no poder (políticos), e uma segunda
classe constituída pelo resto da elite que não participa no poder (pessoas comuns).
Assim Pareto faz a
estratificação da população da seguinte maneira:
à
O estrato baixo,
a classe que não é elite;
à
O estrato alto,
a classe da elite, que se subdivide em:
·
a elite
governante, política;
·
a elite não
governante, não política;
A elite política é
constituída pelas pessoas que em cada época têm as aptidões adequadas para
exercerem o Poder, para se sobreporem ao resto da elite e à massa da não elite.
Visto que as aptidões acima da média são apenas parcialmente transmissíveis de
pais para filhos, a elite está sujeita a um constante processo de renovação,
ao qual Pareto chama circulação das elites.
A circulação faz-se sob formas
individuais e colectivas. Individualmente pelos que sobem ou descem graças
às suas características pessoais. Colectivamente quando uma camada detentora do
Poder deixa de corresponder às exigências do tempo e é, por isso, globalmente
substituída por uma outra elite mais apta para o momento.
Isto resulta, basicamente, de
dois processos:
·
a elite governante
está sujeita a um processo de desgaste que tende a enfraquecê-la, e que, caso
não seja compensado, pode levar à sua queda.
·
as qualidades da
elite não são sempre as mesmas. Numas épocas exige-se a capacidade de
persuasão, a esperteza, noutras épocas exige-se a capacidade de se impor pela
força.
Como as elites se habituam a usar
predominantemente um dos elementos do Poder, quando as circunstâncias mudam as
elites deixam de corresponder à conjuntura e são substituídas por outras mais
aptas. Há assim na história das elites governantes uma alternativa dos leões e
das raposas.
Em termos políticos verifica-se uma alternância entre a Elite
das Raposas e a Elite dos Leões. É a alternância dos que tendem a
recorrer sobretudo à habilidade como meio de governo e a dos que estão
dispostos a recorrer à força.
A Elite das
Raposas não usam a força para impor as ordens do governo, negoceiam. Esta
elite acha a repressão um meio incorrecto de governar.
A certa altura as
pessoas cansam-se do diálogo e começam a considerar os governos da raposa um
pouco caóticos. As pessoas sentem a necessidade de uma autoridade. A elite
transforma-se, então, numa elite autoritária, a Elite dos Leões, que
acha que devem ser suprimidas todas as formas de “distúrbio”. Esta situação dura
até as pessoas sentirem novamente uma necessidade de diálogo, pelo que a Elite
das Raposas sobe de novo ao poder, e assim sucessivamente.
Para Pareto
esta rotação das elites resulta da alteração dos resíduos da massa.
Raymond Aron,
na sua análise das estruturas de poder nas sociedades industriais, nota, por
exemplo, que na elite dos países ocidentais se podem distinguir as seguintes
categorias principais:
a) as pessoas que exercem um poder
espiritual e que são, por um lado, os dignatários religiosos e, por outro, os
intelectuais laicos;
b) os dirigentes políticos, os altos
funcionários e os chefes das forças armadas e militarizadas;
c) os gestores do trabalho comum, que podem
ser os proprietários dos meios de produção, mas que são hoje mais correntemente
nas grandes empresas gestores profissionais;
d) os condutores de massas que, «por um
lado, exprimem e orientam as reivindicações dos operários no interior da
sociedade existente e por vezes, simultaneamente, são pretendentes ao poder
político, e até espiritual».
O conceito de
elite recobre entidades heterogéneas e desigualmente poderosas, por isso, Anthony
Giddens sustenta que há que distinguir diferentes tipos de elite
groups. Distinção que tem em conta, por um lado, a forma de
recrutamento e o grau de coesão das elites e, por outro lado, o grau de
poder e a amplitude da influência de que a elite dispõe.
Da conjugação
destas quatro dimensões das características da elite, Giddens retira os
seguintes tipos de elites:
1. classe dirigente (ruling class): quando uma elite fechada,
uniforme ou institucionalizada, tem um poder consolidado e exerce influência
quer sobre domínios amplos (poder autocrático), quer restritos (poder
oligárquico) da vida colectiva;
2. classe governante (governing class): quando uma elite fechada,
uniforme ou institucionalizada, se afirma num contexto de poder difuso, quer
com uma influência social ampla (poder hegemónico) quer com uma influência
social restrita a certos sectores (poder democrático);
3. elite de poder: quando uma elite aberta, mas muito
integrada, dispõe de um poder consolidado quer com uma influência social
ampla (autocrática) quer restrita (oligárquica);
4. grupos hegemónicos (leadership groups): quando uma elite aberta e pouco
integrada num contexto de poder difuso exerce uma influência social ampla
(hegemónica) ou restrita (democrática).
14. Teorias do Sistema Social
14.1. O Modelo
de Talcott Parsons
Þ
A Teoria
Geral da Acção
A multiplicidade de elementos que se interpenetram em
várias situações sociais dá-nos a ideia de que a configuração daqueles em qualquer momento, mostra
também os efeitos das suas determinantes específicas, os efeitos dos outros
elementos e das reacções e interacções recíprocas entre cada um e os outros.
Há uma forte influência das interligações entre as
várias facetas do social.
Esta teoria geral da acção de Talcott Parsons
explica as diversas facetas do social, e iniciou-se a partir de uma revisão
crítica de Max Weber, Pareto e Durkheim. A visão da
teoria sociológica como teoria das acções sociais vem de Weber,
enquanto que a ideia do sistema social vem de Pareto.
O objecto de estudo para Talcott Parsons
é a acção de um agente ou de uma colectividade/grupo, em determinada
situação, ou seja, considera que a acção do agente é orientada para uma certa
situação, procurando explicar-se a maneira de orientação da acção.
A situação comporta objectos de dois tipos:
1. Objectos Sociais – Indivíduos e Grupos;
2. Objectos Não Sociais – Objectos Físicos,
Recursos Culturais;
Em relação a cada tipo de objecto, os agentes
orientam-se de diferentes formas.
As relações dos agentes estabelecidas com os
diferentes objectos da situação em que se movem, são o sistema de
orientações do agente ou da colectividade.
Esta situação dos agentes organiza-se em sistemas de
dois níveis:
·
Sistemas de
Acção: o individual e o colectivo.
No primeiro nível, temos o próprio organismo e a personalidade do
agente; no segundo nível, temos o sistema social.
·
Sistema da
Cultura: por ter os seus próprios
problemas de integração e as suas próprias formas, não se incluem em nenhum dos
níveis acima referidos. A cultura não está em si própria organizada como um
sistema de acção, e por isso está num nível diferente do das personalidades e
dos sistemas sociais.
A estes quatro sistemas faz Talcott Parsons
corresponder quatro funções básicas:
1. Manutenção dos modelos
culturais : Sistema Cultural
2. Integração: Sistema
Social
3. Realização dos fins
colectivos: Sistema de Personalidade
4. Adaptação ao meio exterior: Organismo
Em todas as situações, os objectos influenciam a
acção de acordo com as suas modalidades. Por modalidades, entende-se os
atributos que tornam os objectos relevantes para o agente em determinada
situação, isto é, é em função da modalidade que para o agente é mais
importante naquela situação, que ele se vai orientar para o objecto.
As modalidades mais importantes são as que distinguem
os objectos em sociais e não sociais. Os objectos sociais têm capacidade para
intervir na interacção social, e podem ser quer sujeito quer objecto. Eles
podem ter dois tipos de características: quanto ao seu significado para a
acção, complexos de qualidades e complexos de realização; quanto à
amplitude da sua significância, podem ter uma significação difusa ou uma
significância específica.
No que diz respeito ao seu significado para a
acção, o objecto é visto como complexo de qualidades quando ………. Interessa
é o que ele é e não o que faz.; é visto como um complexo de realizações
quando interessa o que ele faz, aquilo que produz.
No que concerne à amplitude da significância,
um objecto tem significância difusa quando abrange tudo o que não é
incompatível com outras relações (tem uma importância ampla); tem significância
específica quando há determinados aspectos que são os mais importantes para o
agente.
O agente tem de fazer várias escolhas que pressupõem
expectativas em relação à evolução da situação. Assim, existem cinco
escolhas dicotómicas (variáveis – padrão):
1. Afectividade / Neutralidade
afectiva:
escolha em relação à gratificação dos impulsos. A afectividade tende a dar
prioridade à gratificação imediata dos impulsos. A neutralidade afectiva, pelo
contrário, dá prioridade a avaliações que contenham os impulsos;
2. Orientação para si próprio /
Orientação para a colectividade: escolha entre dar prioridade aos seus próprios interesses,
ou dar prioridade aos interesses
colectivos;
3. Universalismo / Particularismo: escolha em tratar os objectos da mesma classe de
maneira igual, ou dar atenção particular a cada um;
4. Atribuição / Realização: escolha em atender na sua acção aos complexos de
qualidades ou aos complexos de realizações;
5. Especificidade / Difusidade: reporta-se à amplitude de significância dos
objectos, e é a escolha do agente entre um conjunto de aspectos ou a aspectos
específicos do objecto.
As três primeiras dicotomias definem prioridades na
orientação da acção;
as duas últimas são em relação às modalidades dos objectos que se devem ter
em conta na acção.
Estas variáveis – padrão definem o quadro de
acção em quatro níveis:
1. Nível Concreto:
Escolhas que qualquer agente tem de fazer antes de actuar;
2. Nível da Personalidade:
Hábitos de escolha resultantes do processo de socialização do agente;
3. Nível da Colectividade:
Elementos que definem os direitos e deveres dos vários papéis sociais;
4. Nível da Cultura:
Aspectos das normas de valor.
Os Sistemas Sociais
A base dos sistemas sociais é a orientação dos
actores em relação uns aos outros em determinada situação e analisa-se em papéis sociais e
conjuntos de papéis sociais. Os papéis de cada agente implicam expectativas dos
outros a seu respeito de acordo com um esquema de complementaridade e
reciprocidade acompanhado de sanções.
O sistema social é, segundo Parsons, um
sistema de acções diferenciadas que se organiza num sistema de papéis
diferenciados. Esta diferenciação pressupõe a integração.
Assim, um sistema social tem: Papéis, colectividades, normas
e valores.
Um elemento essencial
do sistema é o processo de repartição que controla a atribuição de tarefas,
de facilidades e de recompensas.
A repartição de tarefas é a colocação
respectiva das pessoas nos papéis sociais que desempenham para o sistema
funcionar. Isto pressupõe a definição de critério de elegibilidade, sendo
um deles a definição de qualificações que a pessoa deve ter.
A repartição de facilidades é a atribuição
dos instrumentos que são precisos para o bom desempenho dos papéis sociais.
É um elemento decisivo da repartição de poder dentro dos sistemas sociais.
A repartição de recompensas deriva da repartição
de facilidades, pois estas podem ser recompensas pelas potencialidades
que oferecem. As recompensas motivam os agentes, sendo por isso um elemento
essencial ao funcionamento dos sistemas sociais.
Dentro de cada sistema social há uma
interdependência entre estes três processos de repartição. O que distingue os sistemas
sociais em relação a estes processos são os critérios de atribuição.
O processo de atribuição pode
ser feito de três formas:
1.
Repartição por decisão selectiva de
uma qualquer entidade, tendo em conta qualidades ou repartições;
2.
Repartição por regras já
estabelecidas, de acordo com as qualidades;
3.
Repartição por competição entre os
candidatos, tomando em conta as realizações;
Nos sistemas sociais intervêm diferentes regras de
atribuição, não é obrigatório haver só uma.
O equilíbrio do sistema social requer a existência
de papéis sociais com funções coordenadoras, ligados a responsabilidades.
Assim, a estabilidade do sistema está dependente
da capacidade dos processos em manterem a coordenação e a integração dos vários
componentes.
O equilíbrio é, então, resultado da
combinação dos vários elementos que compõem o sistema social.
Estes elementos de diferenciação foram classificados:
à
Instituições
Relacionais
1. Categoria das unidades: sectores como
objectos de orientação
a)
actores individuais como objectos
b)
actores colectivos como objectos
2. Classificação dos tipos de orientação de papéis
e sua distribuição dentro do sistema:
a) papéis
de actores individuais
b) papéis
de actores colectivos
Estes dois englobam aspectos essenciais da
intervenção dos indivíduos e grupos nas situações: a sua presença como objectos
para os outros e a sua acção como agentes orientados num sentido.
Quanto aos objectos de orientação, os
indivíduos diferenciam-se pelas qualidades e pelas realizações.
As qualidades dos indivíduos – objectos são relevantes pelas
características classificatórias (sexo, idade, etc.). As qualidades dos actores
– colectividades distinguem-se em características classificatórias (n.º de
membros, características individuais dos membros), e relacionais (localização
temporal, etc.).
As realizações dos indivíduos – objectos
são apreciadas tendo em conta a prioridade instrumental (competência técnica) e
a prioridade expressiva (capacidade de suscitar receptividade e
correspondência). Os actores – colectividades também têm de ter em conta
a prioridade instrumental (organização produtiva, por exemplo) e a
prioridade expressiva (grupo teatral, por exemplo); e também a prioridade moral
(exemplo: igrejas).
Quanto aos outros tipos de orientação dos
papéis, tanto nos individuais como nos colectivos, distinguem-se orientações em
função dos interesses particulares (orientação para si próprio), e em função
dos interesses colectivos (para a colectividade). Nas duas orientações e nos
dois tipos de papéis, diferenciam-se três aspectos de acordo com a orientação:
Instrumental (predominam as facilidades), expressivo (recompensas) ou moral
(valores morais, sentimentos de dever).
à
Instituições
Regulativas
3. Classificação e distribuição de facilidades e
organização do sistema de poder–orientação instrumental das relações.
4. Classificação
e distribuição das recompensas e organização do sistema de recompensa–orientação
expressiva das relações.
Quanto ao primeiro, distinguem-se três tipos de
complexos:
a)
complexos ecológicos de divisão do trabalho sem organização em colectividades;
toma como referência o ego;
b)
colectividades e subcolectividades;
c)
economia instrumental do sistema social como sistema diferenciado integrado;
Quanto aos aspectos expressivos, temos três situações:
a)
complexo ecológico de reciprocidades expressivas; também toma o ego com
referência;
b)
subcolectividade expressivamente orientada;
c)
economia expressiva como sistema diferenciado e integrado;
à
Instituições
Culturais
5. Sistema de orientação cultural:
padronização das orientações culturais em relação à estrutura social. Aqui,
distinguem-se os sistemas de crenças (ciências, ideologias, religiões), e de
símbolos expressivos.
à
Instituições
Relacionais e Regulativas
6. Estruturas
integrativas; o próprio sistema como colectividade; papéis que
institucionalizam responsabilidades especiais por interesses colectivos.
Dois aspectos:
a)
Institucionalização de padrões regulativos que definem os limites da esfera
privada de orientações;
b)
Institucionalização de funções colectivas efectivas, instrumentais ou
expressivas.
Requisitos estruturais das sociedades concretas
Na análise da estrutura concreta das sociedades,
surgem quatro grandes combinações de elemento:
1. agregado do parentesco, controle das relações sexuais
e sociabilização: a importância do
parentesco na geração e criação de pessoas, torna este agregado um elemento
central da estrutura social.
2. agregado da organização dos papéis instrumentais de
realizações e da estratificação: a
diferenciação de funções implica uma diferenciação na atribuição de facilidades.
A valorização da eficiência instrumental leva a uma diferente atribuição de
recompensas de acordo com a diferência de eficácia, o que leva a uma
estratificação com base no prestígio.
3. agregado do poder, da força e da territorialidade: o poder resulta do controle de facilidades e dos
conflitos que possam surgir devido à competição pelo acesso ás facilidades e às
recompensas, o que implica a utilização da força para evitar conflitos que
levem à ruptura. A força tem de estar organizada num território.
4. agregado da religião e da integração de valores: a resposta aos anseios humanos que advêm da
religião, estão correspondentes com o sistema de valores dominantes.
Estes agregados
são necessários para a existência do sistema social, para se manter estável.
Os requisitos estruturais resultam
grande parte, do parentesco, mas incluem também a comunidade, a etnia
e a classe. Estes quatro agrupamentos caracterizam todos os actores
individuais em todas as sociedades, e devem ser parte integrante da estrutura
de todas as sociedades.
O parentesco, o sexo e a idade são
elementos básicos da posição social. As unidades de parentesco constituem
unidades de residência e são a base das comunidades. São também a base da etnia
e da classe de status, visto que uma pessoa tem ao início o status da sua
família.
Das cinco dicotomias de variáveis-padrão
atrás referidas, há duas que se reportam às necessidades do sistema de
personalidade: afectividade/neutralidade afectiva e especificidade/difusidade.
As do universalismo/particularismo e atribuição/realização
exprimem características da estrutura do sistema social. A outra, orientação
para si próprio/orientação para a colectividade está no âmbito da
integração interna dos sistemas sociais.
As dicotomias que se referem à
estrutura do sistema social, permitem realçar quatro tipos de padrões
dominantes:
1. Universalístico-Realizativo:
favorece a determinação do status com base e classificações onde predominam as
manifestações de realizações dos actores e ao predomínio dos interesses
cognitivos sobre os expressivos no plano cultural. A manifestação de
realizações exprime-se na valorização do sucesso dos diferentes actores, que
pressupõe os elementos instrumentais da acção.
2. Universalístico-Atributívo:
os actores são classificados a partir do que são e não daquilo que sabem fazer
individualmente. Aqui, o status não é específico, mas tende a ser generalizado
em relação a uma escal de prestígio geral. Há uma tendência para atribuir
qualidades ao grupo que o indivíduo pertence, pois o universalismo não permite
a particularização.
3. Particularístico-Realizativo:
dá-se valor às realizações dos agentes e não às suas qualidades.
4. Particularístico-Atributivo:
valorizam-se certos aspectos das relações, como o parentesco e a comunidade
local. Estas sociedades tendem a ser tradicionalistas e individualistas, pois
desinteressam-se pelas sociedades que estão fora da localidade.
Nos padrões particularísticos,
valorizam-se os actores não em termos genéricos mas em termos das suas posições
específicas no sistema relacional, como o sexo, idade, etnia, grupo de
parentesco, etc.
Tudo isto tem a ver com a tendência
natural dos sistemas sociais para manterem o seu equilíbrio interno, face às
modificações nos sistemas exteriores e nos elementos do próprio sistema. A
socialização é, pois, um processo onde se ensinam às novas gerações, as regras
do sistema onde se inserem, e também de controlo social onde se combatem os
comportamentos desviantes.
Quando surge um impulso
desequilibrador numa parte do sistema, verifica-se logo uma série de reacções
para restabelecer o equilíbrio.
14.2. O Modelo de Gurvitch
Este modelo é uma tentativa de
abordar a realidade social nas suas diversas facetas, dimensões, tensões e
contradições.
O método que Gurvitch
considera adequado para isto é o hiperempirismo dialéctico, que
compreende a complementaridade, a implicação mútua, a ambivalência, a
polarização e a colocação em reciprocidade de perspectivas, ou seja, há que
ter em conta o fenómeno social total (ligação de um aspecto da realidade
social com todos os outros).
Há que distinguir os planos em
profundidade e as três escalas de manifestação dos fenómenos (escala
microssociológica das formas de sociabilidade; escala dos agrupamentos
particulares e classes sociais; escala das sociedades globais e das suas
estruturas).
Numa análise do sistema social há
aspectos que são mais óbvios, que se identificam mais facilmente (planos mais
superficiais de manifestação dos fenómenos), e há outros que requerem mais
rigor porque são mais difíceis de identificar (planos em profundidade).
Gurvitch individualiza dez planos:
1. Superfície
morfológica e ecológica: população e sua implantação no território, bem
como as infra-estruturas criadas para adaptar o meio à satisfação das
necessidades do homem.
2. Organizações
sociais ou aparelhos organizados: estruturas jurídicas e administrativas
pré-estabelecidas, ordenadas, hierarquizadas, rígidas.
3. Modelos
Sociais: práticas de acção definidas e generalizadas na sociedade.
Exemplos: Vestuário, regras de etiqueta, técnicas de produção. Divide-se em
modelos culturais (valores) e modelos técnicos (técnicas de produção).
4. Condutas
colectivas de certa regularidade, mas desenvolvendo-se for a dos aparelhos
organizados: maneiras de agir que realizam os modelos sociais, mas não tão
rígidas como as dos aparelhos organizados.
a) Ritos e procedimentos com
características de regularidade (rituais religiosos);
b) Práticas, costumes, rotinas e géneros de
vida;
c)
Modas e entusiasmos colectivos;
d)
Condutas não conformistas contrárias aos modelos sociais.
5. Teias de
papéis sociais: para além dos papéis sociais desempenhados pelos
indivíduos, há que ter em conta os papéis desempenhados pelos conjuntos.
6. Atitudes
colectivas: determinados pressupostos que levam as colectividades a agirem
de certa forma em comum.
7. Símbolos
sociais: levam à união dos elementos heterogéneos da sociedade. Podem ter
predomínio de elementos intelectuais (linguagem), elementos emotivos (danças,
festejos do casamento, bandeiras, monumentos), ou elementos activos e
voluntários (símbolos de coragem).
8. Condutas
colectivas efervescentes, inovadoras e criadoras: estão sempre presentes
nas várias situações sociais e são fonte de mudanças sociais.
9. Ideias e
valores colectivos: precisam da intervenção de actos colectivos, e por
isso, pressupõem estados mentais e actos psíquicos colectivos (10).
As representações colectivas,
a memória colectiva, as percepções colectivas são estados
mentais intelectuais, os sofrimentos e as satisfações colectivas, a alegrias
e tristezas são estados mentais emotivos, as tendências activas e
os esforços colectivos são estados mentais voluntários.
Ao contrário disto, as intuições
intelectuais e juízos colectivos são actos mentais intelectuais, as
preferências ou repúdio de valores, actos colectivos de amor e ódio são actos
mentais emotivos, e os actos colectivos a escolha, decisão e criação são actos
mentais voluntários.
Os níveis em profundidade estão
presentes ao nível das sociedades globais, dos agrupamentos
particulares e das formas de sociabilidade. Estes três níveis não
podem ser separados pois cada um
pressupõe os outros: as formas de sociabilidade constituem os tipos
microssociológicos, que são elementos dos agrupamentos particulares e estes
inserem-se nas sociedades globais.
Para Gurvitch, as classes
sociais são um tipo especial de agrupamento, e enumera seis
características que as distinguem dos outros agrupamentos:
-
Agrupamentos particulares;
-
Suprafuncionalidade;
-
Tendência para uma estruturação acentuada;
-
Resistência à penetração pela sociedade global;
-
falta uma (pág. 310, 2.º parágrafo)
A suprafuncionalidade é uma
característica que impede a classe social de se exprimir numa organização
única, embora tenha uma estrutura unificada e firme.
As sociedades globais são “macrocosmos dos macrocosmos
sociais”, são a forma mais ampla da realidade social.
As estruturas específicas permitem
diferenciar e individualizar dez tipos de sociedades globais históricas:
1. Teocracias carismáticas;
2. Sociedades ditas patriarcas ( o patriarca, chefe de
família, comanda todas as actividades sociais);
3. Sociedades Feudais;
4. Sociedades Globais, predominando as cidades-estado
que se tornaram impérios;
5. Sociedades dando nascença ao começo do capitalismo e
absolutismo dito esclarecido;
6. Sociedades Globais democrático-liberais
correspondentes ao capitalismo concorrencial;
7. Sociedade dirigista correspondente ao capitalismo
organizado plenamente desenvolvido;
8. Sociedade fascista de base técnico-burocrática;
9. Sociedade planificada segundo os princípios do
estatismo colectivista;
10. Sociedade planificada segundo os
princípios do colectivismo pluralista.
Os tipos de 7 a 10 são as sociedades
globais em luta na actualidade.
Tanto o modelo de Parsons como o de Gurvitch mostram
como se combinam os diferentes factores de diferenciação social no sistema
global, como o individual e o colectivo se integram num conjunto.