Fragmentos De Um
Diário...
Tarde
dolente, cor de cinza, com chuvinha fina, pegadeira, suscitando
lembranças que se juntaram através do tempo. Pela janela do carro já
nem percebo postes e pessoas que passam em disparada. Quero fugir da
realidade, desprender da alma o fardo de responsabilidade que a vida
me confiou e sob o qual sucumbo a cada instante...
Ganho a
estrada, busco o campo. A medida que avanço, inexplicável torpor me
invade a mente... Paro de pensar e toda a minha vida desfila ante
meus olhos. Fenômeno desconhecido que, longe de inspirar medo,
inunda-me de tranqüilidade.
Teleportam-me a outra paisagem... A chuva cessara dando lugar à
claridade do sol que entremeava seus raios dourados sobre a mata
molhada. Sobre a encosta de pequena colina, arvoredo florido
balouçando ao sabor da brisa da tarde emprestava aspecto
deslumbrante à clareira acolhedora, verdadeiro oásis de prodigioso
bem estar, fazendo-me recordar, de imediato, os famosos bosques de
Viena sobre os quais tanto aprendera em minha juventude.
Sensação
de paz íntima e de respeito ao desconhecido aninharam-se em meu
peito, dando-me a impressão de que penetrara mundo diferente... A
Shangrilá dos meus sonhos, talvez...
Foi num
átimo de segundo, se tanto, que eu vislumbrei que em algum lugar do
espaço se encontra gravada, passo a passo, toda a trajetória de
minha milenar caminhada na busca da perfeição, porque não somos,
nesta vida, folhas soltas ao sabor dos ventos... Somos o que
pensamos e a cada momento mudamos a rota do destino através de
nossos atos, embora a caminhada aponte sempre o rumo norte... Jamais
estacamos na estrada porque a cada desvio que buscamos, mesmo que
nos atrase o passo, á frente sempre a encontramos novamente e
retomamos a jornada... E nesta centelha de tempo, num espaço
incomensurável , eu compreendi que Deus é a causa misteriosa de
tudo quanto existe e que eu não entendo. Manancial de todas as
formas de vida é o supremo consolo do infortúnio e a esperança de
riqueza do pobre. Essência do próprio direito é a fonte de justiça
do oprimido. Símbolo eterno da paz é o rumo de todas as criaturas na
busca da Luz que dissipa todas as sombras...
Nelson de
Medeiros Teixeira
03/1991