Os geógrafos judeus e a historiografia da geografia.
  

Carlos Alberto Póvoa*

"O Universo da vida é uma imagem da Criação. É um diagrama objetivo dos princípios que operam em todo o Universo. Moldada sob a forma de uma árvore analógica, revela o fluxo de forças que descem do Divino para o Mundo inferior e que retornam novamente a ele. Nela estão contidas todas as leis e sua interação. Constitui também uma visão integrada do homem."
Zev ben Shimon Halevi
 

A geografia sempre esteve presente no cotidiano da vida humana. Para alguns povos, essa ciência  teve um papel fundamental na extensão do homem enquanto  história, território, povo e cultura. Os judeus não fogem a essa regra e seus deslocamentos, em nome do supremo, permitiram que conhecessem e vivenciassem diversas realidades geográficas O horizonte geográfico primitivo   dos judeus limitou-se apenas ao  Egito, à Caldéia, à Mesopotâmia. As expedições comerciais de Salomão, porém, estenderam esse conhecimento em  várias direções, ao sul e  oeste  do Reino de Judá. As várias Diásporas (1) colocaram os judeus em contato com terras  desconhecidas, como a Grécia, a Ásia Oriental e Ocidental, os domínios dos impérios romano,  bizantino e islâmico. Os judeus desenvolveram atividades comerciais importantes desde o rio Ródano e  o vale do rio Pó atravessando o Mediterrâneo, o Mar Negro, a Turquia e a costa norte- africana a Europa Centro -Meridional, até a Índia e a China continental, onde esse rico comércio  foi, por fim, interrompido pelas Cruzadas ( século XI) e pelo surto de novos agentes econômicos. Os judeus, não obstante, rapidamente desbravaram e traçaram  novas rotas para a costa oeste e leste da África, até o Níger ( séculos XIV e XV).
 A Bíblia e os Apócrifos refletem a crença de que o mundo era um círculo de terra cercado pelo mar e um conceito geocêntrico segundo o qual a cidade de Jerusalém era o centro do mundo. A noção de que a Terra é uma esfera chegou  aos judeus através do  Islamismo       ( Cf. Samuel Malamud,1966). No século X, O Zohar (2) afirmava que o mundo gira em torno do Sol e de seu próprio eixo, pois alguns estudiosos   desmistificaram  as concepções do cristianismo a respeito do Universo,  aplicando um estudo de cosmologia baseado na Cabala (3). Os cartógrafos judeus  ibéricos demonstraram, em seus mapas, notável conhecimento da geografia e das rotas comerciais do Mediterrâneo e do norte da África; também conheciam as rotas comerciais terrestres, tanto da Europa Central quanto do Oriente Próximo. O judeu que sistematizou a geografia em hebraico foi Abraão Bar Chyya,  também conhecido pelo apelido de Abraão Judeu e Savasorda ( Sahib  es-Sorta). De nacionalidade espanhola, era um grande  cientista, enciclopedista e filósofo. Escreveu obras fantásticas para a sua época em hebraico sobre astronomia, geografia e filosofia moral Como geógrafo, participou da tradução de escritos científicos da geografia árabe para o latim e hebraico  estabelecendo bases terminológicas em hebraico, de maneira que exerceu  um papel importante na transmissão da ciência geográfica greco-árabe para o mundo cristão, por volta de 1100 D.C. Esse conhecimento geográfico, que  se formou e consolidou entre os séculos X e XIII, ainda hoje é utilizado nas  escolas de geografia em Israel e no mundo judaico. Abraão Judeu  e Savasorda incentivou  ilustres pesquisadores e exploradores como  Benjamin de Tudela ( século XII),  um viajante que manteve vários registros de suas viagens da Espanha e Portugal  até Bagdá, Pérsia e Egito, passando pela Terra Santa. Tudela  incluiu em seus escritos lendas que ouviu em várias comunidades judaicas durante suas viagens. Petahias de Regenburg seu contemporâneo e companheiro de  pesquisas,  também escreveu a respeito de  viagens que fizera à Europa   Oriental e ao Oriente da Ásia, incluindo o Japão.  Descreveu novos povos,  novas culturas,  novos meios naturais  outras concepções filosóficas e religiosas,   que introduziram modificações nas pesquisas de geografia  daquela época.
No século XVIII, os principais livros e manuais modernos de geografia em hebraico foram
publicados, com base  nas fontes dos pesquisadores  das instituições espanholas, portuguesas, francesas e alemãs  São comuns  relatos sobre a Palestina, onde havia um interesse  na  fixação de comunidades judaicas oriundas da Europa Oriental, Ibérica e mesmo do Oriente Médio;  afinal, esta região é historicamente importante na vida dos judeus,  principalmente os lugares a  que se refere o Antigo Testamento. Neste mesmo século, Chayyim José David Azulai  descreveu  as comunidades judaicas de várias regiões do mundo, colaborando  para a  atualização das pesquisas sobre a adaptação dos judeus errantes  (muitos os confundiam com  os ciganos.).
Sansão Há-Lev e Shevilei Olam, em 1825, abordaram novos métodos para  estudos da geografia cultural judaica,  que envolvia questões da religiosidade e da identidade de um povo que busca se constituir como  nação.  Enquanto Hilel Kahana, com o seu Gelilot Aretz ( 1880) ou manual de pesquisas sobre territórios e geopolítica, desmistificou  a historiografia e o geograficidade do  judaísmo, diante dos  pensadores e  pesquisadores europeus da época, acrescentando  terminologias  geográficas ligadas aos estudos hebraicos da terra. No início do século XX,  Jacob Sapir  acrescentou informações  desconhecidas pela academia, sobre os Judeus Teimanitas (4) e o processo cultural e religioso denominado de judeus do Islã.
Na chamada  Escola de Geografia  Israelense, os usos   das bases metodológicas e científicas foram buscados  nas escolas européias de geografia e  cartografia, mas  destacando os ideais nacionalistas  judaicos. Finalmente, em 1948, um povo marcado por uma identidade cultural-religiosa singular, constitui um Estado forte. Atualmente, interessa-lhe ampliar e divulgar as realizações de Eretz Israel (5) nas redes mundiais de comunicação e tecnologia.

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*Mestrando em Geografia das religiões e Geopolítica,  pela Universidade Federal de Uberlândia , sob a orientação da   Profa. Dra.  Vânia R. F. Vlach.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Notas:

1- Em grego, significa "dispersão". A diáspora começou ao fim do período do segundo Templo, quando  surgiram grandes centros judaicos em Babilônia, Alexandria, Roma e em todo  mundo    grego-romano.
2-   Em hebraico, significa "esplendor". Principal obra da  Cabala; ( Espanha século X).
3- Em hebraico, "tradição recebida", sobre todos os ensinamentos ou midrash esotéricos
      que começaram a surgir  no sul da França e na Espanha no século XIII.
4- Em hebraico, significa "Judeus do Iêmen".  desde a época do Rei Salomão ( 900  a.C).
      Assemelham-se lingüisticamente aos judeus orientais (falam o árabe), porém sua pele é
      mais escura  e possuem um folclore muito rico.
5- Em hebraico significa "Terra de Israel", nome definido  pelo Altíssimo,  para  designar e a "Terra Prometida".
 
 
 
 

Bibliografia:

BORGER, Hans.  Uma história do povo judeu. Vol.1 de Canaã à Espanha./ Hans Borger -
      São Paulo - SP. Editora e Livraria Sêfer.-  1999. 479p.
CORDEIRO, Hélio D. O que é judaísmo / Hélio Daniel Cordeiro -  Edições   Brasiliense,
     Coleção primeiros passos. São Paulo - SP. 1998.  311 p.
FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-científicos;
     colaboração: Ana Cristina de Vasconcellos, Stella Maris Borges, Maria Helena de
    Andrade Magalhães. - 4ª  ed.- ver. e aum. -  Belo Horizonte - MG,  Ed. UFMG, 1998,
    213p.
GILBERT, Martin. The illustrated atlas of Jewish civilization: 4.000 years of Jewish
    history /  New York - U.S.A,  Martin Gilbert. Macmillan Publishing Company. 1990.
    224p.
LIPINER, Elias. Gaspar da Gama. Um converso na frota de Cabral / Elias Lipiner - Rio
    de Janeiro: nova Fronteira, 1987. 276p.
UNTERMAN, Alan. Dicionário de lendas e tradições: 222 ilustrações / Alan Unterman;
      tradução Paulo Geiger. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1992. 278 p.
 
 
 

 
 

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