E de repente, tudo fazia sentido. A minha mente estava descontrolada, sentia a adrenalina nas veias e o pulsar do sangue nos dedos enquanto empunhava a pistola como se agarrasse a própria vida. Talvez não a minha, mas a de quantos outros, que tinham enfrentado a morte a olhar para o cano de um revólver como aquele. Talvez não a minha, apenas por sorte. E ia aproveitar enquanto tinha a oportunidade, em vez de esperar que uma morte igualmente cruel e fria me viesse procurar por sentença daquele homem.

Ele continuava impassível, segurando calmamente o livro que eu lhe tinha enfiado nas mãos. A história da sua vida. Ia morrer agarrado à esperança que dera e roubara a tanta gente. A face imperturbada quase me convidava a premir o gatilho naquele instante. mas não, ainda não...

A última pessoa que devia estar ali, ironicamente, apareceu. Keller. Ele que não pensasse que ia mudar alguma coisa. Involuntariamente, as minhas mãos começaram a tremer. ouço vagamente a voz dele, ele quer que eu pouse a pistola. Ele quer que eu deixe o assassino do meu irmão ileso, quando tenho a oportunidade de o fazer pagar por me ter tirado tudo. O que é que interessa o que acontece se eu baixar a arma e o deixar ir? Não o vou fazer, ele não tem como me impedir de acabar com isto. O que me interessa se ele for castigado e morrer na prisão? Eu quero que ele morra exactamente como o meu irmão.

Ouço uma voz a dizer exactamente isso, antes de perceber que é a minha. A adrenalina está a misturar-se com uma confusão de pensamentos. Sinto o revólver a escorregar nas mãos suadas e faço tentativas de o equilibrar melhor entre os dedos.

Ouço um milhão de vozes na minha cabeça, dizendo, contando, acompanhadas por um turbilhão de imagens desfocadas e quase inidentificáveis. Quase. Uma voz sobrepõe-se a tudo o resto. "És uma fraca."

"És uma fraca."

A minha voz impõe-se à respiração alterada, e mesmo assim não soa como minha, sai rouca e arrastada. Obrigo-o a ler. Quero que ele se lembre daquilo em que outrora acreditou. Quero que ele perceba a grande mudança que trouxe à vida daqueles de quem era a única réstia de esperança.

Ele lê cada palavra quase num sussurro, e cada uma ressoa no meu espírito. Cada uma abre um pouco mais a ferida e faz-me perder o raciocínio. No fundo, acho que era isso que queria, renovar o ódio que o maldito Keller tinha esbatido com aquele parágrafo que já sabia de cor. A leitura falha quase no fim; termino-a eu. Digo cada palavra como uma bala, e sei que cada uma tem um efeito no autor original. Óptimo. Agora não há voltar atrás.

O Keller continua a mandar-me desistir. Quase parece uma súplica agora. Mas sei que não vou parar.

Atirar-me à cara uma filosofia que eu mesma lhe ensinei é um golpe baixo. E ele só diz aquilo para me demover, na minha situação ele faria o mesmo, e ele sabe-o, ele admitiu-o.

Mas também eu estava certa do contrário...

"Pousa a arma, Silvia."

"Não consigo."

Acho que vê-lo apontar-me uma pistola à cabeça assustou-me mais do que a noção das consequências que levar a cabo o meu intento teria.

Esvaziei os pulmões de alívio quando ele a largou. "É assim que se faz."

As minhas pernas fraquejaram; eu toda tremia. A única pessoa que me poderia ter impedido tinha aparecido no momento exacto.

Baixei os braços, cada músculo do meu corpo descontraiu-se e caí no chão no meio de um remoinho de lágrimas.

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