ISSN: 1516-4888

 

VOLUME 1 - NÚMERO 2 - NOV./1999

 

 
REFLEXÕES SOBRE AUTOGESTÃO E
PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIANA AMÉRICA LATINA

Alejandra León Cedeño1

 

Nas últimas décadas, a Psicologia Social latino-americana tem construído um fecundo terreno teórico e metodológico no estudo das influências que as relações sociais, econômicas e políticas exercem sobre a esfera psicológica nos cidadãos destes países (Almeida, 1998). Em meio ao "colonialismo intelectual", ao qual as ciências do continente estão submetidas em relação ao conhecimento europeu e norte-americano, uma representação significativa das ciências sociais na América Latina e em particular da psicologia social tem feito sérios esforços -desde o final dos anos 50 e a década de 60 – para construir uma "ciência própria", com um corpo teórico coerente com as condições de vida destes países, e que ademais visa contribuir com sua transformação social.

Os primeiros trabalhos autóctones na área psicossocial, assim como em áreas vizinhas como a sociologia militante e a educação popular, se caracterizaram pela realização de práticas "subversivas", devido aos regimes ditatoriais que existiam praticamente em todo o continente. Tais trabalhos eram feitos de forma clandestina, ou muito discreta, razão pela qual foram surgindo de forma simultânea porém isolada. Eram produções teórico-práticas que tinham em comum a tentativa de dar resposta a problemas de exploração e opressão, buscando comprometer-se com a modificação da situação que vivia a população empobrecida.

O trabalho em comunidades foi uma prática que caracterizou estas iniciativas, constituíndo uma maneira de aproximar-se da população oprimida, ao mesmo tempo que se rompia com a aridez, os limites e os rigores da psicologia que imperava naquele momento -experimentalista, individualista, que ao legitimar a ordem social existente acabava sendo um instrumento a serviço da dominação. É neste contexto que nasce a psicologia comunitária.

Segundo Lane (1996), já na década de 40 existiam no Brasil - e em outros países da América Latina- programas de trabalho comunitário, mas que eram majoritariamente orientados por uma postura positivista de sociedade, que levava a intervenções paternalistas. Escovar (1979) e Montero (1984) apontam que o nome Psicologia Comunitária surgiu em 1965 nos Estados Unidos, com a proposta de formar uma disciplina que se dedicasse a trabalhar com a saúde mental das populações excluídas. Contudo, seu enfoque partia da premissa de que os problemas sociais existem porque as instituições sociais existentes são insuficientes para socializar a toda a população. Assim,

o que se presume é que o sistema social, em si, está bem. São as instituições sociais as que, devido ao grande número de pessoas às quais devem prestar serviços, ou a problemas em suas organizações internas, não conseguem "integrar" a um número plural de membros da sociedade, criando assim uma classe social de marginados que sofrem de um déficit de socialização. (Escovar, 1979, p. 2).

Na América Latina, apesar de existirem enfoques baseados no norte-americano (denominados "saúde mental comunitária" ou "psicologia em comunidade"), a psicologia comunitária partiu de uma premissa que contraargumenta a anteriormente citada: os problemas sociais são causados pela estrutura social desigual, na qual a imensa maioria das pessoas é excluída do acesso aos recursos que por direito lhe correspondem. Esta base, compartilhada pelos representantes da nova disciplina que estava surgindo, fez com que ela adquirisse maior força a partir da década de 70, quando os pesquisadores de vários países começaram a interagir cada vez mais e, ao descobrirem seu interesses comuns, foram influenciando-se mutuamente na criação de novos conhecimentos e ações comunitárias. Em tais tentativas havia um interesse geral por relacionar dialeticamente a teoria com a prática, sendo que uma modificaria a outra, ao mesmo tempo que era por ela modificada.

Esta psicologia se nutriu de trabalhos latino-americanos de outras áreas, como o do educador brasileiro Paulo Freire, sobre alfabetização de adultos e educação popular; o do sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, acerca de desenvolvimento comunal num povoado campesino; o do assistente social argentino Ezequiel Ander Egg, em relação a trabalho social, educação e autogestão, ou o do padre jesuíta e psicólogo social Ignacio Martín-Baró, de El Salvador, sobre as desigualdades do sistema salvadorenho, a tortura, e o trabalho com grupos por uma "psicologia da libertação". Isto sem excluir, claro está, as influências de autores estrangeiros como Lewin, Seligman, Berger e Luckmann ou o próprio Marx, além de psicólogos comunitários norte-americanos como Rappaport e Newbrough. Importantes representantes desta disciplina se encontram em diferentes países: Maritza Montero na Venezuela, Sílvia Lane no Brasil, Irma Serrano-García em Porto Rico, Luis Escovar no Panamá, Eduardo Almeida no México, só para citar alguns.

Uma das primeiras definições da Psicologia Comunitária, que foi amplamente divulgada, é a de Montero (1982, p. 16), afirmando que esta disciplina constitui a "área da psicologia cujo objeto é o estudo dos fatores psicossociais que permitem desenvolver, fomentar e manter o controle e poder que os indivíduos podem exercer sobre seu ambiente individual e social, para solucionar problemas que os afetam e lograr mudanças nestes ambientes e na estrutura social". Seus princípios básicos são os de: 1) união entre teoria e prática; 2) transformação social como meta; 3) poder e controle dentro da comunidade; 4) conscientização e socialização; 5) autogestão e participação. A produção da autora, desde os seus trabalhos iniciais, incorpora, então, a autogestão nesta disciplina.

 

A AUTOGESTÃO ENTRA NA HISTÓRIA

O termo "autogestão" tem uma importância fundamental dentro deste enfoque, pois segundo diversos autores constitui o objetivo central perseguido na ação junto com a comunidade (Montero, 1984; Almeida, 1998; León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997). No dizer da própria Montero (1984), "a Psicologia Comunitária se apresenta então como uma via de interação, geradora de tecnologia social, cujo objetivo é lograr a autogestão para que os indivíduos produzam e controlem as mudanças em seu ambiente imediato"(p. 397). Ou em palavras de Rivera-Medina e Serrano-García (1985-b), "a organização comunal encaminhada a promover a autogestão é provavelmente a atividade (da psicologia comunitária) mais freqüente nos nossos países" (p. 12).

A relevância da autogestão, entretanto, não é exclusiva desta área: a dupla "autogestão/comunidade" é o centro de múltiplas atividades e programas sociais na América Latina cujo enfoque não é, necessariamente, o da psicologia comunitária. Áreas como por exemplo a sociologia, o serviço social, a medicina, a ecologia ou a religião se utilizam também da palavra autogestão no âmbito comunitário, e o próprio nome de vários destes empreendimentos deixa ver um interesse pela promoção da autogestão e a visão desta como um objetivo central a alcançar 2.

Mas como aparece a palavra autogestão na psicologia comunitária? Não achamos até o momento nenhuma versão escrita desta "história da autogestão". Porém, podem apontar-se alguns elementos históricos sobre o surgimento do termo no âmbito da comunidade e que, portanto, podem ajudar a entender os usos que dele são feitos.

"Autogestão" é uma palavra que não aparece em textos psicossociais comunitários anteriores à década de 70, o que é lógico, pois este vocábulo criado na Europa, apareceu nas línguas românicas (francês, espanhol, italiano, português) na década de 60 3, e, embora parece ter chegado à América Latina por várias vias como o anarquismo, a democracia cristã e a experiência iugoslava, Lane (1998) sugere que ela entrou com força a partir dos acontecimentos do maio francês em 1968 4.

Visando mostrar como é usado este vocábulo por diferentes psicólogos sociais comunitários latino-americanos, mostrar-se-ão a seguir algumas referências à autogestão em países caribenhos (Venezuela, Porto Rico, México) e no Brasil, nações importantes quanto à produção de conhecimento nesta área. Esta não pretende ser uma revisão completa da história e usos do termo, mas revisa textos e falas de autores reconhecidos na área, que podem estar tendo influência nas práticas comunitárias em grande parte do continente, e cujas posturas sobre autogestão vale a pena conhecer.

 

AUTOGESTÃO COMUNITÁRIA NO CARIBE: O TERMO EM AUTORES DA VENEZUELA

Partindo dos textos latino-americanos revisados até o momento, as primeiras menções do nome autogestão pertencem a Maritza Montero. A autora se utiliza do termo já nos seus primeiras publicações em psicologia comunitária (1979, 1980, 1982, 1984, s/d a, s/d b). Naqueles trabalhos iniciais, ela não apenas o nomeia como o utiliza para interpretar trabalhos do educador Paulo Freire ou do sociólogo Orlando Fals Borda, anteriores ao advento do termo, e que portanto não se utilizavam dele. A respeito de Freire, por exemplo, diz: "(A psicologia comunitária) se enriquece com o aporte teórico metodológico dos postulados de Paulo Freire, referentes ao logro da consciência possível na comunidade autogestora" (Montero, 1984, p. 395).

Ou, no caso de Fals Borda, ela cita o autor e comenta:

"A comunidade se ocupa dos seus próprios problemas e se organiza para resolvê-los ela mesma, desenvolvendo seus próprios recursos e potencialidades e utilizando os alheios" (Fals Borda, 1959). Esta noção exclui toda idéia de paternalismo, cujos efeitos são contrários ao mesmo conceito de desenvolvimento comunal. Significam que a comunidade deve gerar autodeterminação e ser autogestora, para o qual é claro que o primeiro passo, e nele a ação do psicólogo social é muito importante, deve ser colocar suas necessidades, suas potencialidades e motivar-se para seu logro e utilização (Montero, 1979).

Nos usos que a autora faz a este substantivo, parece haver traços do uso entusiasta que foi dado ao termo autogestão nos anos 60 e 70, época da sua "explosão" e expansão (e começo dos seus múltiplos sentidos). Além de relacionar a palavra à Freire e Fals Borda emprega-a para referir-se a experiências de Porto Rico: as de Serrano-García e Irizarry (apud Montero, 1984), que não nomeiam o termo, ou a propostas de Escovar (1979), que tampouco fala sobre autogestão para colocar o controle nos sujeitos ante a desigualdade estrutural na América Latina e a falta de controle sobre o próprio ambiente, que geram alienação, desesperança aprendida e foco de controle externo. E, inclusive, ao falar dos antecedentes desta psicologia e o surgimento mais formal da mesma no final dos anos 60 e na década de 70, afirma que "em uma primeira etapa (anos 50 e 60), mais que de uma psicologia comunitária deve falar-se de desenvolvimento comunitário, de participação, de autogestão, somente. Trata-se de uma estratégia, de uma metodologia, na qual o aporte psicossocial não tem sido clarificado ainda" (Montero, 1984, p. 389). Ou seja, a autogestão era uma prática relacionada com trabalhos realizados por profissionais em comunidades, que existia antes da aparição mais clara desta disciplina, não se sabe se utilizando-se ou não deste nome. Vale ressaltar que nestes textos não se faz referência à fonte da qual se tomou emprestado o termo ou ao significado original do mesmo, e que em diversas ocasiões ele é nomeado sem uma explicação de como ele está sendo entendido: é como se naquela época fosse claro para todos o que autogestão significava.

Mas Montero escreve sobre a palavra. Ela reafirma, praticamente em todos seus textos comunitários dos anos 70 e 80, que a autogestão é um objetivo primordial da psicologia comunitária, a ser atingido nos âmbitos individual e social para favorecer o desenvolvimento comunal. O que seria autogestão? Nem sempre esta palavra é definida: quase sempre é apenas nomeada pela autora. Mas em textos sem data, ela escreve que é "decidir, controlar e realizar a ação transformadora. Significa autodeterminação, autodireção e identidade produto de uma tomada de consciência enquanto grupo". Implica em organização e participação (Montero, sem data-a., p.1; sem data-b, p. 1).

No âmbito individual, autogestão significa a psicologia comunitária trabalhar com os sujeitos para eles atingirem o controle sobre seu próprio ambiente, exercendo transformações no mesmo; "autogestão dos indivíduos porque a psicologia trata com pessoas e com grupos primários, que em última instância são os construtores da sociedade" (Montero, 1982, p. 17). No espaço do coletivo, que deve trabalhar-se junto com o individual, o psicólogo trabalha como agente de mudança com um grupo, induzindo a tomada de consciência, a identificação de problemas e necessidades, a eleição de vias de ação, a tomada de decisões e, com isto, a mudança na relação entre indivíduo e seu ambiente, que é transformado (Montero, 1984). Mas a ação coletiva empreendida, mesmo que esteja centrada no grupo, não significa que os objetivos comunitários serão sempre alcançados pela ação exclusiva do mesmo. Em certos casos, pelo menos a curto e médio prazo, precisar-se-á da colaboração governamental ou de agências financiadoras, que devem estar sujeitas à direção e administração do grupo em questão (Montero, 1979).

Tal processo, então, implicaria em clara autonomia respeito do governo ou financiadores que, caso participarem em algum projeto do grupo, seria seguindo as propostas e pedidos do mesmo 5. Mas para que esta capacidade de negociação e exigência seja fortalecida, a assessoria do psicólogo parece ser bastante importante. O conceito de autogestão, então, estaria atrelado ao papel do profissional comunitário, e este, em vez de ser paternalista ou autoritário, deve ser

facilitador e treinador do grupo, administrando as técnicas e procedimentos mais adequados para o logro da solidariedade grupal, para sua melhor comunicação e discussão de objetivos, para esclarecer as metas. De tal maneira, que o grupo pode continuar e realizar a labor, ainda em ausência do facilitador. Uma comunidade terá se desenvolvido como tal, quando do seu seio puderem surgir os líderes capacitados para mantê-la unida no logro das suas metas. E é este um aspecto fundamental: o psicólogo deverá detectar os líderes e treiná-los para o trabalho grupal, para que eles por sua vez possam realizar a mesma labor respeito de outros membros" (Montero, 1979, p. 13).

Uma primeira diferença com o uso clássico do termo, refere-se a importância do profissional que não pertence à comunidade, mas se constitui em facilitador da mesma. Em vez de referir-se à ação autônoma dos operários (ou, no caso, dos moradores de um bairro), para organizar-se seguindo práticas autóctones de produção, autogestão é uma palavra utilizada para referir-se ao objetivo de um grupo de profissionais que espera que outros - "a comunidade", sua população alvo – a atinjam, para o qual lhes brindam assessoria. O termo parece, assim, estar sendo entendido como um processo no qual um grupo comunitário se autodetermina, após ser treinado para tal fim por profissionais, para o que Montero (s/d a) denomina como tomar consciência da situação que o afeta, motivar-se para a autogestão que for desenvolvida, informar e envolver a outras pessoas para o trabalho comunal (socialização) e melhorar seu desempenho grupal. Também é verdade que, em curso de 1992, aquela psicóloga vinculou o nome autogestão ao estudo de Tomasetta (1972), que faz uma revisão crítica das diferentes experiências autogeridas na Europa, mas isto não se reflete em nenhum dos textos da autora achados até o momento.

Em trabalhos venezuelanos mais recentes sobre psicologia comunitária (Caro, 1997; León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997) pode observar-se também a idéia de autogestão como objetivo desta disciplina, assim como a importância do facilitador, assessor ou agente externo. É desde a perspectiva deste último que o tema da autogestão é abordado -nem sempre de maneira explícita. Tampouco há nestes textos referência alguma à palavra autogestão como sendo utilizada desde muito tempo atrás, para referir-se a formas de produção autônomas, autóctones e igualitárias em lugares e âmbitos distintos -e que posteriormente foi adquirindo múltiplas implicações.

Caro (1997) narra um processo de autogestão na moradia a partir da parceria entre uma ONG (que desenhou e coordenou o projeto), o governo (que o financiou) e diversas comunidades venezuelanas que empreenderam um processo de autoconstrução com a formação e apoio permanente de diversos profissionais capacitados por esta ONG. O objetivo final era a autogestão dos moradores na solução dos seus problemas habitacionais, definindo autogestão como um processo que vai além da tradicional autoconstrução e que se refere a

motivação, capacitação e participação ativa da comunidade, como principal protagonista, e dos distintos atores envolvidos, para que estes assumam o controle das suas ações em todas as fases (...) do projeto, e decidam as estratégias que lhes resultem mais adequadas para atingir estes fins. Contudo, o processo de autogestão não significa fazer as coisas sozinhos, por si mesmos sem o apoio de outros; se bem a responsabilidade fundamental para criar os meios idôneos parra a satisfação de uma necessidade é de quem a sofre, os outros agentes atuam de forma ilimitada e temporária, "subsidiária", para facilitar aos principais responsáveis a possibilidade de que sua ação seja efetiva. (p. 26).

A autora conclui que a autogestão é possível se forem cumpridas seis condições: 1) participação ativa dos sujeitos; 2) capacitação dos agentes interventores; 3) assistência técnica integral e seguimento; 4) respaldo financeiro; 5) apoio, coordenação e compromisso interinstitucional e 6) procedimentos burocráticos expeditos. Como se vê, apesar de que se pretende que o "peso final" esteja na comunidade, apenas uma destas seis condições se refere aos "protagonistas" da autogestão: o resto depende de atores externos. E partindo da necessidade de seis passos, dos quais apenas um depende dos moradores, é bastante provável que aconteçam processos de tomada e execução de decisões sem que sejam discutidas com os mesmos e aprovadas por eles 6. É preciso, então, muito senso crítico para utilizar este conceito em meio a tantos agentes externos diferentes e com pesos desiguais no momento de tomar as decisões.

Nota-se que, nos casos resenhados, a autogestão é um objetivo procurado pelo profissional desta disciplina antes do seu contato com as comunidades em questão, e não parece surgir da própria população interessada -ou pelo menos não fica claro- o que indica a necessidade de estar alerta para o "auto" da gestão não ser sutilmente imposto (sem ter essa intenção) em vez de constituir-se como um exercício de autonomia.

A postura de León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte (1997) é mais explícita em relação à figura do facilitador ou "catalisador social" (Fals Borda, 1959). Afirmando que os aportes da psicologia comunitária no tema da autogestão são incipientes, elas esboçam uma definição do termo como "processo por meio do qual as pessoas pertencentes a uma comunidade satisfazem autonomamente necessidades sentidas através da identificação, potenciação e obtenção de recursos" (p. 70). Desse conceito se deriva uma implicação relacional: os membros da comunidade atuam de forma autônoma em relação aos agentes externos a ela, pelo que a autogestão seria um objetivo comum a ambas as partes, que vai se construindo na sua interação. Assim, este objetivo precisaria da participação voluntária e crescente dos moradores do local, assim como da revisão das atividades dos/as agentes externos para promover uma independência cada vez maior na formulação, gerência, execução e avaliação dos projetos que eles se proponham realizar. Seria, então, um processo gradual que se atinge na negociação -"um complexo ir e vir no qual os membros da comunidade tomam iniciativas próprias em certas ocasiões e, em outras, delegam a tomada de decisões" (p. 70)- e não uma meta que se atinge a partir de uma aprendizagem linear.

O texto propõe a avaliação da particularidade de cada processo no desenho de estratégias para atingi-la, apontando elementos obstaculizadores -relativos aos agentes internos (como a desesperança aprendida, submissão e falta de iniciativa, relações pessoais conflitivas, incapacidade de planejar a mediano prazo, condições sócio-econômicas adversas) e aos externos (paternalismo, imposição, preconceito, etnocentrismo, entre outros). Ante isto se propõem possíveis soluções no dia-a-dia: analisar e explicitar as relações de poder no grupo, definir e revisar periodicamente as "regras" do mesmo, propiciar que desde o primeiro dia de trabalho todas as pessoas opinem a partir da discussão em duplas ou pequenos grupos antes das reuniões plenárias, formular perguntas para que os membros do grupo construam suas propostas de solução aos problemas, trabalhar as relações interpessoais, por exemplo.

Esta parece ser uma primeira tentativa de sistematização das relações das pessoas "internas" com as "externas" na autogestão, ainda que preliminar e com pouco embasamento teórico. Chama a atenção, porém, que esta escrita, mesmo propondo estudar as relações de poder no grupo, não faz referência às raízes do termo autogestão e portanto não nomeia um ponto crucial nas primeiras iniciativas deste tipo: a proposta de igualdade das pessoas que participam em um projeto desta natureza; a organização sem líderes, sem favoritos ou iluminados. Este tema tampouco é tratado nos textos citados anteriormente. Montero, de certa forma, afasta-se desta postura quando propõe que o psicólogo detecte e treine os líderes do local, que deverão trabalhar, por sua vez, com outros moradores, correndo o risco de reproduzir, mesmo sem querer, uma certa estrutura hierárquica, se bem que os líderes por ela propostos parecem responder a uma liderança democrática. Caro (1997), não dá informação sobre este ponto em um caso de relação entre muitos entes: assessores, financiadores, promotores, facilitadores, capacitadores e formuladores do projeto.

É este um aspecto fundamental que sem dúvida deve ser aprofundado, pois se relaciona enormemente com o exercício da autonomia cidadã na tomada e realização de ações comunais por parte de um agrupamento.

 

ALGUNS USOS DO TERMO EM PORTO RICO

Os dois textos porto-riquenhos que nomeiam autogestão, e foram achados nesta revisão, datam de 1985 e se relacionam com Irma Serrano-García. Ela, junto com outros autores, apresenta dois trabalhos cujo tema é a história e revisão crítica da psicologia comunitária entre 1960 e 1985. No primeiro deles (Serrano-García e Álvarez Hernández, julho de 1985) fala-se desta psicologia como desenvolvida com mais especificidade na Venezuela e em Porto Rico, e coloca Montero e Ocando (1980) como autores de um marco conceitual baseado em vários pressupostos, no primeiro dos quais aparece o desejável que é a autogestão. Já no segundo, apresentado três meses depois (Rivera-Medina e Serrano-Garcia, outubro de 1985), o termo deixa de fazer exclusiva referência a Montero: seu uso se generaliza quando os autores dizem que a promoção da autogestão é a atividade mais freqüentemente desenvolvida pela psicologia comunitária em países latino-americanos, especialmente, segundo os autores, nos caribenhos. É interessante notar que os trabalhos do Brasil, de grande peso na área, não são aí nomeados. Destaca-se nesta escrita a existência de dois pólos conceituais (Saúde Comunitária e Mudança Social), o primeiro dos quais estaria relacionado com empreendimentos norte-americanos e o segundo, contrariamente aos trabalhos dos Estados Unidos, "parece ter maior vitalidade através dos esforços de autogestão e desenvolvimento comunal" (p. 13).

Rivera-Medina e Serrano Garcia (1985), destacam o caso de Cuba como sendo particular, já que, apesar de o modelo clínico comunitário prevalecer na ilha, o psicólogo exerce uma função de autogestão assessorando os representantes dos policlínicos de saúde que operam nos Comitês de Defesa da Revolução, ajudando assim a manter a transformação que se dera em Cuba (p. 13).

Neste segundo texto de 1985, argumenta-se que as práticas de desenvolvimento da autogestão são comuns em países latino-americanos e exemplifica-se o que a respeito é feito em Porto Rico, bastante parecido com as propostas de Montero na Venezuela:

A organização comunal encaminhada a promover a autogestão é provavelmente a atividade mais freqüente nos nossos países. Conhecemos exemplos de Cuba, Porto Rico, México e Venezuela. Neste tipo de projeto se tenta facilitar mediante diversas estratégias e técnicas o desenvolvimento de uma comunidade marginada, de extrema pobreza (rural, urbana, indígena). Esta atividade, como apontamos antes, tem uma longa tradição na América Latina. Os/as psicólogos comunitários nas suas recentes incursões aportam ao desenvolvimento comunal conhecimentos e técnicas da psicologia tais como os derivados da dinâmica de grupo, os estudos de liderança e a análise de organizações comunais. Em Porto Rico têm se realizado alguns esforços desta índole. Estes se iniciam geralmente com uma identificação de necessidades, recursos e expectativas na comunidade, e são seguidos pelo desenvolvimento de atividades que a comunidade estima necessárias para a solução de problemas identificados. Os projetos têm se concentrado em problemas de índole social versus estrutural ou político, porque ao empenhar-se neste tipo de esforço têm encontrado que as ferramentas que proporciona a psicologia são limitadas para lograr a mudança transformadora desejada. (p. 12-13).

Assim, a noção de autogestão empregada faz referência, também, a algo que deve ser promovido nas comunidades marginalizadas; algo no qual o profissional facilitador tem grande inerência. Os textos apontam que esta noção já era praticada antes do advento mais sistematizado da psicologia comunitária (e de fato continua aparecendo em outras áreas, tal como se viu na nota de rodapé número 2). Mas o uso que aqui se faz do termo, sem maiores referências ao significado do conceito, não permite deduzir detalhes sobre a particularidade da sua prática nas diferentes experiências mencionadas. Ainda mais porque estes autores, tampouco, dizem de onde ou com que sentido adquiriram a palavra – fato comum nos textos psicossociais comunitários: é como se apenas o nome "autogestão" fosse claro e transparente para todos.

A impressão que dá é que, desde o momento em que Montero e provavelmente outros pesquisadores "batizam" com o nome autogestão uma série de experiências que estavam sendo desenvolvidas com o intuito de promover autonomia e não paternalismo, ou ações concretas em vez de fatalismo, os autores foram se identificando com o termo e empregando-o para tudo que parecesse ter estas características. O que era visto como uma abordagem interessante ou boa no trabalho -que se contrapunha aos métodos "importados", de cunho positivista, e ao pressuposto de que as bases do sistema social estão bem - passa, em maior ou menor medida, a identificar-se com um termo como autogestão e a constituir-se em um objetivo para os profissionais comunitários. Esta denominação autogestão, então, parece ser um dever: a "comunidade" (sem especificar quem são seus integrantes) deve funcionar por ela mesma, independentemente de atores externos, mas apoiada por profissionais comprometidos. Há que se repetir que isto não é uma afirmação e sim uma suposição a partir das narrativas destes textos.

 

ALGUNS USOS DO TERMO NO MÉXICO

Almeida (1998, 1999), o único autor mexicano a que se teve acesso quanto ao tema referido, apresenta uma visão da psicologia comunitária coerente com as anteriormente apresentadas. Ao referir-se ao ao trabalho de Quintal de (apud Almeida, 1998), ele aponta que o psicólogo "colabora com a comunidade na compreensão e análise das influências que as condições sociais, políticas e econômicas (o macrossocial) exercem sobre a esfera psicológica (o microssocial) e na desmitificação desses influências que produzem fatalidade e conformidade nas relações cotidianas" (Almeida, 1998, p. 7). Nesta formulação acrescenta um ponto de vista inovador: a possível ação do psicólogo comunitário na formulação de políticas públicas e na gestão para o desenvolvimento sustentável.

Nota-se nos textos de Almeida, bem mais recentes que a maioria dos já citados, uma maior integração e intercâmbio entre diversos autores latino-americanos; além de citar investigadores mexicanos, ele se refere ao trabalho de brasileiros, porto-riquenhos e venezuelanos, além dos europeus e norte-americanos. Vale ressaltar que entre os autores citados aparecem todos os nomeados até agora.

Os usos da palavra autogestão nos textos deste mexicano (Almeida e Sanches, 1996, apud Almeida, 1998, 1999) se dão basicamente para estudar e propiciar a organização das pessoas. Isto dentro de uma prática que tenta relacionar determinantes sócio-econômicos (nível de vida), étnico-culturais (estilo de vida) e tecnológico-ecológicos (qualidade de vida) com categorias psicossociais como participação, organização, conhecimento e poder. No caso da participação, ela é relacionada com os conceitos de identidade versus alienação. Para entender e promover a organização, enfoca os processos de autogestão vs. dependência; na categoria "conhecimento", refere-se aos conceitos de consciência crítica vs. microvisão e com relação ao poder, maneja os termos democracia vs. imposição.

O autor não explica diretamente o que entende como autogestão quando propõe uma educação para o desenvolvimento sustentável: uma educação que permita aumentar o nível de vida das regiões, dinamizar os estilos de vida das mesmas - abrindo espaço para a pluralidade - e melhorar a qualidade de vida resolvendo a crise ecológica. Tal educação incluiria: 1) Capacitação para a autogestão econômica e política, fomentando a criação de organizações de base e de ONGs e respeito ao município (Paas apud Almeida, 1999); 2) Capacitação para a autogestão cultural e a promoção de uma educação formal a partir do respeito à cultura local e regional; e 3) Capacitação da autogestão ecológica e para a introdução dos avanços tecnológicos que não deteriorem o ecossistema (Almeida, 1999, p. 95).

O que está sendo entendido como autogestão, então, poderia estar presente em uma grande diversidade de áreas e, para atingi-la, as pessoas passariam por um processo de capacitação. A idéia de "promoção da autogestão", nomeada nos autores anteriores, aqui se diversifica e se faz mais complexa, dando-se através de instâncias tais como organizações de base e ONGs, e sendo aliada de uma postura crítica. Resulta interessante que este psicólogo inclui de forma explícita a importância do autóctone e do respeito à particularidade, o que não aparecia de forma explícita em textos psicossociais comunitários prévios (que enfatizavam a importância de alcançar autonomia, mas ao mesmo tempo propunham que o psicólogo empregasse os meios e técnicas de dinâmica de grupos "mais adequadas" para promover essa autonomia no grupo, correndo o risco de padronizar as ações para comunidades diferentes sem tomar em consideração as especificidades locais).

Considerando a história do termo, porém, é mais fácil imaginar o que seria uma autogestão econômica e política neste caso, mas... o que seria autogestão ecológica? E cultural? Existem experiências a respeito? Como funcionam ou de que maneiras poderiam funcionar? Seria preciso um esclarecimento maior para não cair na impressionante diversidade atual deste termo, que de certa forma o banaliza.

Quando Almeida (1998) disserta sobre a importância de incluir a psicologia social dentro das políticas públicas, fala sobre as políticas que os psicólogos comunitários poderiam estar contribuindo para criar. Em duas delas se utiliza do nome autogestão: 1) nas políticas habitacionais -"participando na construção de organizações que fomentem a autogestão de moradores para solucionar seus problemas de moradia" (Almeida, 1998, p. 14, citando a venezuelana Caro, 1997, e suas ações de apoio à autogestão, já mencionadas); e 2) na criação de uma política propriamente comunitária, que ressalte que o objetivo primordial de qualquer processo comunitário é a autogestão, e na qual os psicólogos ajudem a remover obstáculos individuais e contextuais dos agentes internos e externos (a respeito, cita as também venezuelanas León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997, cujo artigo foi comentado em páginas anteriores). Ou seja, também este autor vê a autogestão como um objetivo fundamental nesta disciplina, que deve ser promovido pelos profissionais. Se o conceito é tão importante, é preciso esclarecer como ele está sendo entendido e, se é possível que um agente externo estimule um processo deste tipo, pesquisar quais as bases do seu relacionamento com os moradores.

 

ALGUNS USOS DO TERMO NO BRASIL

Na bibliografia brasileira sobre psicologia comunitária encontramos poucas referências à palavra autogestão. Em textos de Lane (1996) e Sawaia (1996), por exemplo, nomeiam-se os substantivos "autonomia" e "autoorganização", referendo-se ao poder de decisão de um grupo no contexto comunitário, à organização de "grupos que se tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de situações de vida através de atividades cooperativas" e transformadoras, para o qual é necessário o entendimento das relações de poder que se constituem no cotidiano e o resgate da subjetividade (Lane, 1996, p. 25). Isto parece fazer alusão ao que em outros casos estaria sendo denominado como autogestão - e incorpora domínios como subjetividade e relações de poder.

Campos (1996), ao caracterizar o que entende por psicologia comunitária, nomeia o termo autogestão sem explicá-lo :

Tipicamente, os trabalhos comunitários partem de um levantamento das necessidades e carências vividas pelo grupo - cliente, sobretudo no que se refere às condições de saúde, educação e saneamento básico. A seguir, utilizando-se métodos e processos de conscientização, procura-se trabalhar com os grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel de sujeitos de sua própria história, conscientes dos determinantes sócio-políticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados. A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade, marca a produção teórica da psicologia comunitária. (p. 10).

No texto desta autora aparecem mais duas alusões à palavra. Uma diz "em termos políticos, questionam-se todas as formas de opressão e de dominação, e busca-se o desenvolvimento de práticas de autogestão cooperativa" (Bomfim apude Campos, 1996, p. 11). A outra, também mencionando o trabalho de Bomfim, resenha que "as principais estratégias de ação detectadas foram: reuniões com os moradores para análise das necessidades e possíveis soluções, inclusive com o incentivo à formação de grupos de autogestão..." (Campos, 1996, p. 12).

Infelizmente, ainda não tivemos acesso às obras da própria Bomfim, de modo que estas citações não dizem muito sobre o que está sendo entendido como autogestão no caso dela e da mesma Campos, mas a nomeação sem maiores explicações já é algo interessante. Olhando apenas o contexto onde a palavra é nomeada, pode-se supor que o sentido dado à palavra é semelhante aos já discutidos, ou seja, o conceito visto como um objetivo da psicologia comunitária, que pode ser estimulado pelo psicólogo no seu trabalho com grupos. Observando de perto, as formas de "estimular" a autogestão e a concepção sobre o que este "importante objetivo" significa podem ser muito diferentes entre um/a autor/a e outro/a, mas ao ver apenas a generalidade parece que está se fazendo a mesma coisa: declarar a importância de algo sem explicar o que é.

Guareschi (1996) é mais claro nos seus argumentos. Para ele, todo projeto empreendido junto com grupos de uma comunidade (seja esta de qualquer classe social, religião, raça etc.) deve incluir

além do diálogo e a partilha de saberes, a garantia de autonomia e autogestão das próprias comunidades. Afinal, são eles que lá vivem, e que vão continuar a viver. Quem vai por um tempo, para prestar um serviço, para partilhar seu saber, não pode retirar das comunidades essa prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia. A autogestão é o ápice de relações genuinamente democráticas, onde há participação de todos. (p. 99).

Guareschi aponta aqui que o processo de intervenção deve assegurar a autonomia dos indivíduos para tomar tomar as próprias decisões. A autogestão envolveria todos os implicados em um contexto de igualdade de direitos e responsabilidades, e participação. Esta é uma concepção que se aproxima das noções libertárias que caracterizaram a autogestão na segunda metade do século passado e no começo deste século. É uma perspectiva diferente das propostas dos autores anteriores, que enfatizam a necessidade da autonomia e do profissional assessor sair dos locais em que trabalha, e não diferenciam autonomia de autogestão. Além disso, sugerem que a autogestão seja atingida através da formação de líderes comunitários. Guareschi, diferentemente, já coloca a importância das relações democráticas, em que cada membro seja considerado como ente chave para o processo de instituição da autogestão.

Lane (1998) também disserta neste sentido ao afirmar que na autogestão, a cooperação é um tópico de grande importância; isto, contudo, não significa que autogestão e cooperativas sejam sinônimos. Enquanto as segundas se relacionam basicamente com a prestação de serviços, podendo ter princípios claramente capitalistas ou autoritários, na autogestão todos têm direito a voz e voto e participam diretamente das decisões. O trabalho realizado em conjunto é de todos.

A própria Lane (1998), pioneira da psicologia social brasileira e latino-americana, foi bastante esclarecedora em conversa sobre autogestão, sua história e seus problemas. Segundo ela, o conceito chegou à América Latina provavelmente a partir do movimento francês de maio de 68. Depois daquele momento, e principalmente na década de 70, diversos psicólogos sociais brasileiros tiveram contato com experiências práticas a respeito em visitas ao Peru. Durante o mandato do Governo Revolucionário das Forças Armadas, dirigido por J. Alvarado, um militar nacionalista, entre 1968 e 1975, formaram-se nesse país muitas cooperativas e iniciativas autogeridas, assim como um Centro de Estudos Superiores sobre Cooperativas e Autogestão, com o qual os brasileiros passaram a se relacionar. A autogestão peruana, vale ressaltar, não teve uma participação importante de psicólogos comunitários e sim de assistentes sociais, partidos de esquerda e pessoas ligadas ao governo, além dos próprios trabalhadores e camponeses.

Ao lembrar de casos concretos que conhecera no Peru, Lane nomeou especificamente um deles, uma empresa de ônibus que pretendia ser autogestionária, mas que enfrentou sérias dificuldades para competir com os concorrentes capitalistas e finalmente não conseguiu subsistir. Segundo Mendonça (1998), este foi o destino de praticamente todos os casos vinculados a esta palavra, com perdas substanciais para o Estado peruano e amargas lembranças para os envolvidos 7.

Como experiências brasileiras de satisfação de necessidades básicas que pretendem trabalhar de forma autogestiva, ela menciona as áreas de ensino, postos de saúde e mutirões. Se bem que, em relação a estes últimos, vinculados à autogestão em textos brasileiros e em movimentos como o MST, questiona "até que ponto a idéia de mutirão é exploração de mão de obra e assumir a obrigação do Estado?" É esta uma discussão chave, que vale a pena fazer comentando experiências específicas, observando a participação de todos os entes envolvidos e as circunstâncias do contexto, e não generalizando ao dizer que "os mutirões são bons" ou "são maus".

Comentando este tipo de processos autogeridos, que ela vincula com a necessidade da cooperação (mesmo que, como já se disse, diferencie autogestão de cooperativas), Lane indica que nos nossos países, contrariamente a outros como o Japão, não se educa para cooperar. A lógica da cooperação não é entendida pela população, o que faz prevalecer é a concorrência de preços: se os produtos são mais baratos no mercado do que numa iniciativa comunitária autogerida, as pessoas compram no mercado.

A concepção da autora faz com que ela afirme que "para ter uma sociedade autogestionária, é preciso trabalhar a consciência social, a consciência política e o não abdicar do direito de decidir. Se isto não for feito, a ideologia é minada pelo capital". E, adjudicando uma imensa dificuldade para atingir isto, ela finaliza dizendo: "a autogestão é uma utopia".

A consideração de tamanhas dificuldades é o que aparentemente leva a Reboredo a dizer, em 1998 que na psicologia comunitária brasileira, o termo "autogestão" foi substituído por "organização", e que provavelmente isso seja o mais correto. Spink, em diálogo com Reboredo, responde que seria interessante investigar por que a palavra autogestão se mantém na língua espanhola com densidade, pois isso não acontece, com a mesma intensidade na portuguesa. Ele sugere que ambas as línguas têm diferentes formas de lidar com o tema do poder, a partir da forma como a história de Espanha e Portugal, e suas respectivas ex-colônias, foi se configurando.

 

ALGUMAS REFLEXÕES

Como em outras áreas, na psicologia comunitária latino-americana tem sido empregado o nome autogestão atribuindo-se a ele uma grande importância. Nos textos revisados, especialmente nos de língua espanhola, há uma tendência a ver a autogestão como objetivo chave do trabalho comunitário, que deve ser promovido no mesmo. Porém, a teorização a respeito do termo, ainda incipiente, não vai muito além disso.

O foco psicossocial comunitário ao usar a palavra autogestão sai do sentido clássico do conceito, atrelado à esfera da produção, à tomada dos meios de produção por parte dos trabalhadores, e entra mais no campo da movimentação sócio-política, ou talvez caberia dizer micropolítica, pois refere-se às ações cotidianas empreendidas por moradores de um bairro, usualmente pobre, para transformar coletivamente as condições em que vivem (e, ainda que não esteja suficientemente explícito em muitos textos, implicando no estudo dos conflitos e relações de poder entre os diferentes atores do processo). Por que usar a palavra autogestão e não outra? Talvez pelo termo "gestão", pois o substantivo autogestionário parece ser usado como concretização da possibilidade de exercer a autonomia individual e coletiva participando nas decisões que afetam a própria comunidade. "Autônomo" seria algo "decidido livremente", e "autogerido" seria uma ação decidida e executada autonomamente. Isto não pode ser uma afirmação, pois existem na literatura diferentes relações entre os termos autogestão e autonomia, mas é o que pode se deduzir da leitura de muitos textos que aqui aparecem.

Da mesma forma, é possível deduzir que a grande relação do conceito de autogestão comunitária com o de autonomia, vincula-se ao fato da autogestão ter saído do campo da auto-produção coletiva e igualitária, para centrar-se na possibilidade de moradores de um bairro agirem conjuntamente, e no relacionamento deles com pessoas que tentam colaborar neste trabalho sem fazer-se imprescindíveis. Talvez por isso vários autores nomeiam a autonomia e autodeterminação junto com autogestão, e quiçá porque o tema é importante para esta disciplina, mas tem sido definido com pouco detalhe, autonomia e autogestão se vinculam de diferentes formas. Alguns autores usam as duas palavras de forma equivalente, quase como sinônimas; outros empregam "autonomia" em vez de "autogestão" para denominar o que é considerado o objetivo das ações comunitárias, relativo à autodeterminação do grupo. Outros, por último, falam de autonomia e autogestão como estando relacionados, mas sendo a autonomia o exercício de liberdade nas decisões, liberdade referente a agentes externos (Guareschi, 1996; Sánchez, 1997; Sawaia, 1997) e a autogestão "o ápice das relações genuinamente democráticas, onde há participação de todos" (Guareschi, 1996, p. 99). Por outro lado, vale a pena mencionar que, no âmbito de estudo dos movimentos sociais, Sandoval (1997) conceitua estes de maneira quase oposta. A autonomia se referiria à relação do grupo em relação com forças sociais e políticas externas, e a autogestão diria respeito à dinâmica interna de relações. Assim, existiriam grupos absolutamente autogeridos que não são autônomos, e vice-versa. A autonomia, contudo, seria mais difícil de atingir, pois os grupos não atuam em um vazio social nem político. Nesse sentido, o autor aponta que os detentores do poder podem conviver com grupos autogestionários, mas não com grupos muito autônomos. A partir deste panorama plural e não unânime, vê-se a necessidade de esclarecer a que nos estamos referindo ao empregar o vocábulo autogestão ou autonomia, em lugar de limitar-nos à mera nomeação.

Mas apesar dos poucos detalhes com que o conceito ainda é abordado, os textos mostram que a autogestão comunitária está sendo concebida de forma relacional: sempre se é autogestionário em relação a alguém (os próprios agentes externos que trabalham com a comunidade, o governo, ou a idéia de opor autogestão a dependência econômica, política, cultural, educativa ou ecológica. Dependência de outros, outros que de certa forma têm poder sobre nós, nos dominam). O curioso é que aparece a figura dos "agentes externos", pertencentes a universidades, ONGs, outras instituições sociais ou o próprio governo, que colaboram para que seja possível atingir esta autogestão. Tal traço é novo em relação às denominações clássicas, onde os trabalhadores resistiam ao capitalismo e exerciam sua autonomia através de modelos autóctones de participação (no caso, seriam autogestionários em relação à maioria das práticas fabris ou camponesas, caracterizadas por brutais relações de dominação, mas não respeito de "agentes externos"; esta idéia não parecia existir). E além deste ser um traço novo, é forte. Na imensa maioria de atividades, programas e projetos autogestionários latino-americanos registrados, na literatura revisada e na Internet, o nome autogestão é trazido a esta prática por agentes externos, sendo que em muitas ocasiões também são trazidas, junto com o nome, formas de trabalhar e de entender o mundo que são sutilmente impostas aos moradores (León Cedeño, 1998). É preciso tomar este ponto com extremo cuidado para refletir sobre a ação do psicólogo comunitário em relação à autogestão que, segundo as noções da sua área, deve ser o seu principal objetivo de ação. Frente este panorama, não é à toa que os conceitos de autogestão e autonomia relacionados aos agentes externos se relacionem em diversos textos.

Com respeito à estimulação de um processo autogerido por parte de um agente externo, ou seja, da autogestão como um processo que se quer induzir na comunidade, volta aqui a pergunta: pode ser a autogestão um processo no qual o poder se transfere do "facilitador" à "base"? Se isto é possível, é preciso pesquisar continuamente quais são as bases de um relacionamento deste tipo para obter, como diria Almeida, a autonomia e não a dependência, a valorização e dinamização do autóctone e não a submissão a modelos alheios de desenvolvimento comunal, a consciência crítica e não a microvisão, a democracia e não a imposição. É verdade que a psicologia social tem trabalhado estes temas ao postular que se deve facilitar e não dirigir, devolver as perguntas para o grupo e deixar que ele decida. Entretanto, parece-nos que esta questão deve estar sempre perto daqueles que atuam nesta área, e ser discutida com as pessoas junto com as quais for empreendida uma ação comunal, para não idealizar o nome autogestão nem assumir que se se está fazendo um processo denominado autogestionário (sejam quais forem as implicações deste nome, pois já se mencionou que autogestão poderia significar praticamente qualquer coisa), este necessariamente é bom e o psicólogo com certeza está contribuindo com a comunidade.

Ainda mais, seguindo a León Cedeño e Montenegro (1997), quem seria ou não um agente externo? As autoras apontam para um processo comunitário desenvolvido em uma favela de Caracas (1993-97), orientado pelos princípios da psicologia comunitária proposta por Montero, no qual por momentos se perde a "clara linha divisória" entre quem é de dentro e quem é de fora. São as relações dinâmicas que se dão ao longo do processo as que definem e redefinem continuamente quem é ou não externo nos diferentes momentos e contextos. Por exemplo, um padre estrangeiro que mora na comunidade, conhece-a bem, mas apesar dos anos ali ainda fala o idioma do lugar de forma errada, pertence ao bando dos externos ou dos moradores? E o presidente de uma associação de moradores que atrapalha constantemente o trabalho do grupo? León Cedeño e Montenegro concluem que se há ou não autogestão é algo que se definirá uma e outra vez na história de um agrupamento que atue em conjunto. Isto serve para ver continuamente a autogestão enquanto processo e não enquanto estado cristalizado, pois ao estabelecer um rótulo do tipo "tal grupo é autogestionário" corre-se o risco de assumir que ele é bom "por natureza" e perder de vista o que acontece no dia-a-dia de tal agrupamento, as desigualdades que podem estar acontecendo em nome da autogestão e com a melhor das intenções.

Quanto à questão da liderança é preciso colocar que este conceito, visto numa perspectiva histórica na forma de práticas que funcionam em pequena escala, transita em um amplo território com muitas fronteiras. De um lado, o conflito libertário entre natureza e sociedade e a crítica à noção de ser governado; de outro, as idéias de grupo sem líder e gestão coletivizada; de outro, ainda, formas culturais tradicionais de autoajuda, e finalmente a crítica ao Estado marxista enquanto mecanismo intermediário para a sociedade sem estado (Spink, 1998). Desta forma, a proposta de detectar e formar líderes para o trabalho em comunidade não corresponde às primeiras práticas denominadas autogestionárias, especialmente as de caráter anarquista. Mas dar uma resposta generalizada, uma "receita a seguir", seria um contrasenso neste trabalho. Existem diversas formas de organização quanto à liderança em iniciativas deste tipo; por exemplo, as pessoas se revezam na coordenação e todas passam por ela, ou cada pessoa tem maior poder de decisão em uma área específica. Talvez convenha lembrar, a este respeito, as palavras de Chauí (em entrevista de 1999) ao descrever ao chefe das tribos guaranís: "uma organização pode ter alguém no papel de chefe, desde que ninguém o escute".

O que vai ficando claro nos diferentes tópicos aqui discutidos é a necessidade de trabalhar com a noção de multiplicidade, e não unidimensionalidade, e de recuperar noções autóctones que em diversos casos (óbvio, não em todos, pois a autogestão não é uma panacéia sob cujos princípios todas as organizações devem funcionar) facilitam o avanço para uma gestão não hierarquizada, que respeite a subjetividade ao tempo que se constrói em termos de igualdade de direitos e responsabilidades.

E nesse sentido observam-se mudanças interessantes. Enquanto os primeiros textos da psicologia comunitária tendem a focalizar-se nas coletividades (o que o psicólogo comunitário deve ou não fazer, quase que "passo a passo"), os mais recentes se centram mais nas interrelações (alusão à particularidade de cada processo, diversidade cultural, recuperação crítica da história de cada comunidade, necessidade do espaço para o conflito e a divergência de opiniões, recuperação da subjetividade e da busca da felicidade, entre outros - Almeida, 1998; Wiesenfeld, 1997; Giuliani, 1997; León Cedeño, Montenegro, Ramdjan e Villarte, 1997; Montenegro, 1998; Sawaia, 1996; Lane, 1996). Consideramos esta tendência como importante no que se refere ao estudo da autogestão, pois a perspectiva da particularidade permite observar com mais clareza o uso do termo autogestão na prática e possíveis relações autoritárias encobertas sob o uso deste termo. Igualmente, esta abordagem facilita a aceitação de que existem diferentes formas de funcionar eficientemente, que um conjunto ou agrupamento de pessoas pode ter diferentes formas organizativas e não necessariamente a noção de grupo usual na psicologia social: entre 7 e 15 pessoas que se reúnem em um lugar e atuam dirigidos por um facilitador, podendo ser representados graficamente com um círculo que delimita "os de dentro" e "os de fora", em vez de considerar a possibilidade de vê-lo enquanto rede social que muda constantemente (Spink, 1988).

Finalizando, então, reafirma-se que é preciso esclarecer ao que está-se referindo com o termo autogestão. A psicologia comunitária, ou talvez o conjunto das ciências sociais, parece ter criado, mesmo que implicitamente, uma definição particular. Ela deve fazer-se explícita, inclusive para diferenciar-se de definições qualificadas com este rótulo na Internet e que se referem a "como fazer-se rico em pouco tempo" ou "como controlar o stress", ou, no mesmo campo da psicologia, norte-americana no caso, autocontrole individual atingida pelos sujeitos a respeito do tratamento clínico a que são submetidos (PsycLIT Journal Articles, 1990-95). Quando desprovido de sua história e significados originais, a palavra autogestão, que parece "politicamente correta", fica tão ampla que ninguém sabe muito bem o que ela quer dizer, e isto não ajuda na prática comunitária. Se a importância da mesma vai continuar sendo postulada na disciplina, é preciso passar de um tratamento "lato sensu" a um "stricto sensu" dele. Isto inclusive porque a atual polissemia do termo indica que não podemos simplesmente nomeá-lo como se todas as pessoas se referissem ao mesmo conceito.

Esta posição em nenhum momento coloca em cheque o valor da psicologia social comunitária. O surgimento desta disciplina foi uma mudança feliz: ajuda a construir uma psicologia deselitizada, procurando contribuir com o logro de uma vida mais justa para a população através do seu trabalho autônomo e digno. Considerando a história de opressão e expropriação dos recursos deste continente desde seu "descobrimento", iniciativas como estas são louváveis. Porém, vale a pena conferir o que está sendo entendido como autogestão nestes processos, o que está se fazendo e por quê, em uma análise crítica e cuidadosa para alertar sobre os perigos de o profissional comunitário contribuir com a criação de novas e mais sutis formas de exploração através da "autogestão comunitária", gerando o "colonialismo intelectual" que a própria psicologia social comunitária superou ao desenvolver trabalhos autóctones que se contrapunham à psicologia social dominante - norte-americana e européia.

 

NOTAS

1 - Psicóloga formada na Universidad Central de Venezuela; mestranda em Psicologia Social pela PUC-SP. Membro da Asociación para la Investigación y Acción Social (Venezuela). End. Rua Flor da Manhã, 110, bloco 3 – aptº 4 – Jd. Colina Verde - Londrina/PR – CEP: 86001-970.
2 - Como exemplos de práticas recentes (da década de 90) que aparecem na Internet pode-se nomear, entre muitas outras, as seguintes:
- Projeto UNI-Colima: estratégia de Módulos Docente-Assistenciais (Colima, Equador),
- Programa de Capacitação para mulheres em autogestão e apoio à comunidade (Panamá),
- Autogestão em San Juan de la Cruz (Cártago, Colômbia),
- Oficina de intercâmbio para a promoção da autogestão urbana do lixo sólido na América Central (San José, Costa Rica),
- Programa de produção de moradias em mutirão e autogestão (São Paulo, Brasil),
- Melhoramento de espaços comunitários através da autogestão da população (Santiago, Chile)
- Assessorias em planejamento e autogestão popular (Maracaibo, Venezuela).
Podem observar-se as denominações "capacitação em autogestão", "promoção da autogestão urbana...", "assessorias em planejamento e autogestão", ou a "promoção de valores de autocuidado, co-gestão e autogestão" que propõe o programa equatoriano UNI-Colima. Pelo menos de longe estas idéias parecem ser semelhantes às anteriormente citadas relativas à relevância da autogestão na psicologia comunitária.
3 - "Autogestão", no seu sentido inicial, refere-se à tomada das fábricas por parte dos operários, que abolem assim a separação de funções entre donos, administradores e trabalhadores ao diluir o poder entre eles e participar conjuntamente na tomada de decisões. Tem seus antecedentes na Europa industrial do século XIX, com movimentos de resistência operária como a Comuna de Paris. Pelo menos duas origens são atribuídas à palavra: a expressão russa "samupravlieni", utilizada na Revolução Russa pelos anarquistas, e o vocábulo servo-croata "samoupravlje", que segundo a "história oficial da autogestão" é o nome inicial da mesma. Esta denominação servo-croata designava o processo de administração das fábricas pelos próprios trabalhadores na Iugoslávia - processo ideado e comandado pelo Estado iugoslavo quando aquela nação ainda não tinha se dividido. A "ebulição" da palavra, nos anos 60, se deu quando na França se traduziu "samoupravlje" como "autogestion" e os mais diversos setores se apropriaram da palavra -partidos políticos, intelectuais, pequenos grupos e até a mídia-, dando a ela sentidos diferentes que inclusive diluem sua versão inicial (Cornelio, 1978; Aschinov, 1923[1980]). Na década de 80, o termo foi se desvanecendo e recentemente voltou à cena, basicamente como forma de enfrentar o crescente desemprego, se bem que hoje o conceito conta com uma gama variadíssima de significados que coexistem -alguns parecidos entre si e alguns contrapostos- constituindo portanto um termo polissêmico (León Cedeño, 1998). Na Internet (Amazon.com) podem achar-se, inclusive, livros do tipo "como fazer-se rico em pouco tempo", ou "como controlar o stress" vinculados à palavra autogestão.
4 - No maio francês, em 1968, houve uma apropriação da palavra autogestão utilizada, entre outros, por Lapassade (1971) em sua proposta de autogestão pedagógica iniciada em 1962. Provavelmente, o mesmo Lapassade e as outras "fontes" das quais beberam os movimentos estudantil e operário da época tomaram a palavra da experiência iugoslava, porém, não se descarta que esta apropriação tenha estado marcada pelo trabalho do padre Lebret e os padres-operários de vertente democrata cristã, que trabalhavam na própria França, ou pelo movimento anarquista europeu com conexões na América Latina.
5 - Embora as palavras da autora não sejam totalmente esclarecedoras, na visão da autora parecem estar o Estado e os financiadores a serviço da comunidade, e não vice-versa. Em nenhum momento Montero afirma que o Estado deve ser desligado das responsabilidades que a ele correspondem. Estes textos foram escritos no contexto de um Estado paternalista, cuja ação, formadora de dependência e não de cidadania, Montero argumenta contra enfatizando a pertinência da autogestão comunitária.
6 - Sabe-se, por exemplo, que grande maioria das instituições financiadoras outorga recursos para atividades específicas que devem cumprir-se em um tempo específico (muitas vezes determinado pelo próprio financiador) e que podem ser assinadas entre tal entidade e uma ONG muito antes de empreender o "processo de autogestão", ou sem conhecimento, por parte dos implicados, do projeto redigido e apresentado à instituição financeira.
7 - Em estudo realizado por Gómez (1987) nas Cooperativas Agrárias de Produção (CAPs), do Peru, encontra-se que aqueles movimentos começaram por disposições do governo em relação à Reforma Agrária (não surgiram da população interessada). Igualmente, a estrutura organizativa das CAPs foi implantada seguindo a legislação cooperativa peruana, e o Serviço Social daquele país teve uma forte atuação quanto à educação e organização de tais movimentos.
Naquela experiência pretendia-se que os trabalhadores governassem as empresas nas quais trabalhavam, mas assinala-se que nestas havia três tipos de trabalhadores: os técnicos (que eram contrários a tal iniciativa), os administrativos (de participação quase nula: era "o grupo que menos entendia o projeto") e os operários, cuja visão da luta estava "circunscrita à conquista de interesses econômicos imediatos, sem tomar consciência de que a luta por seus interesses era apenas uma parte da luta contra o capitalismo representado por seus patrões e que o objetivo a longo prazo devia ser a direção das empresas mediante um governo efetivo e democrático. A ‘cooperativização’ (...) não encontrou o movimento operário preparado para tomar nas suas mãos as CAPs e dirigi-las imediatamente à autogestão"(p.112). Nem os trabalhadores nem as comunidades onde se situavam as CAPs identificavam-se com estas, o que era interpretado pelos agentes externos como falta de consciência pela qual o processo não chegou a ser autogestionário. Isto indica a importância de estudar a particularidade de cada processo denominado como autogestionário, tentando entender qual a definição de autogestão usada no mesmo, em vez de supor que todas as experiências de autogestão são boas e igualitárias por definição.

 

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