An Angel Disguised

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' i can hardly remember the last time i felt like i do, you're an angel disguised. and if it's a hero you want, i can save you, just stay here. '


Prólogo

A vida é irônica. Irônica e injusta. A minha vida inteira – e nisso não se contam muitos anos – eu sempre procurei alguém. Não digo alguém perfeito, de boa aparência e rico. Apenas alguém. Peço, por favor, que não me julgue. Por mais que minha situação não seja a melhor, eu sou feliz. Estou no auge da idade, tenho amigos e uma família um tanto quanto anormal. Meu pai morreu quando eu tinha apenas dez anos, e desde então minha mãe virou uma alcoólatra ranzinza que adora me colocar pra baixo. Tenho dois irmãos mais velhos, ambos em grandes empresas, ganhando bons salários e morando em uma grande metrópole. Motivo de orgulho para mãe, claro. E para justificar o desgosto da mulher comigo, eu sou um fracasso. Tenho 19 anos, tenho um trabalho insignificante e nenhuma perspectiva de melhorar de vida. Até que eu encontrei aquele alguém.
Desde quando éramos pequenos, colocam na minha cabeça que nós crescemos, encontramos alguém, nos amamos, casamos, temos filhos, passamos o resto da vida juntos e morremos felizes. Mas sortudos são os que conseguem isso. Azarados são os que amam e não são amados. Pior ainda são aqueles que amam, são amados e que, por alguma razão, não podem viver o que sentem. E essa é a minha história.

O1

Acordo de manhã. É domingo, meu dia de folga, então pego Porteiro para dar uma volta.
Porteiro é o meu companheiro que mora comigo. Tem 11 anos e mal consegue andar, mas não dispensa qualquer oportunidade de sair de casa. É preto e com os pêlos aparados, um vira-lata com pinta de labrador. Mais elegante que eu, o filho-da-mãe.
- Aceita um café da manhã, cachorro? - pergunto.
‘Com certeza, humano’, conseguia ouvir-lo pensar.
Entrei em um restaurante depois de amarrar Porteiro em uma arvore, eu tinha certeza que ele estaria dormindo até eu voltar depois de vinte minutos. Comi meu ovo mexido sem ao menos mastigar e peguei uma porção de batata frita para o cachorro, seu preferido. Andamos um pouco até chegar em frente a casa de David, meu velho amigo. Seu carro estacionado toscamente em frente a sua casa era patético. David morava com os pais em uma grande casa em um bom bairro da nossa pequena cidade, com um jardim arrumadinho e uma varanda bem posicionada na parte frontal da casa. A única coisa que estragava essa vista, que não combinava, era o seu carro. Era um velho Mustang Shelby vermelho que caia aos pedaços e nunca funcionava de primeira. Quando estávamos passamos, encontramos Dave saindo de casa.
- ! E ai man, o que conta? – ele me cumprimentou.
- Oi Dave. Nada demais, só dando uma volta com o Porteiro.
- E esse cachorro lá agüenta andar? Ta mais velho que nós dois juntos.
- E seu carro, que ta mais velho que nós dois mais nossos bisavôs?
- Não fala mal do carro.
- Não fala mal do Porteiro.
- Feito.
Se tinha uma coisa que irritava David era criticar o seu carro. Ele era sempre tranqüilo, não se preocupava com muito, mas seu carro era seu maior bem. Se ele não tivesse dinheiro para comprar um novo, estaria perdoado. Mas o cara já tinha 30 mil na conta do banco e não usava pra nada. Todo fim de mês íamos ao banco, ele depositava seu salário e não dizia uma palavra do que faria com aquele dinheiro. Apenas guardava. Ah, e claro, ele odiava Porteiro, assim como o cachorro não ia muito com a sua cara.
- E então, praticando para o Jogo de Verão? – ele me pergunta.
- Ahn? Ah sim, claro.
- Tô animado, esse ano eu soube que o outro time tem um novo cara, de dois metros e pesa cem quilos. E pelo visto não é exagero.
- Relaxa Dave, são meros detalhes.
O Jogo de Verão era um jogo de futebol idiota que Dave fazia questão de participar todo ano. Só uma desculpa para beber e brigar sem culpa. E por mais idiota que fosse, todo ano estávamos lá: eu, David e Richard, de quem falarei mais pra frente.
- Bom, to indo caminhar , preciso estar em forma até o jogo. Carteado hoje na sua casa?
- Pode apostar, amigo.
David foi para um lado e eu continuei com Porteiro para o outro. Toda noite jogávamos cartas, e revezávamos as casas. Às vezes na minha, às vezes na do David, às vezes na do Richard e às vezes na da Audrey. Ela era nossa melhor amiga e trabalhava comigo. Ambos éramos motorista de táxi, e passávamos o dia levando empresários apressados até o aeroporto e jovens bêbados depois de festas. Assim como eu, morava sozinha e não tinha muita probabilidade de subir na vida. Ah, e ela era linda. Era ruiva e com pequenas sardas no rosto, pernas longas e grossas e um corpo de dar inveja. Sempre fui um pouco atraído por ela, mas todos eram. E sempre que conversava com ela, ela dizia o mesmo.
- Você é meu melhor amigo, .
Essas palavras matam. Não é preciso de muito. Apenas de uma garota e as palavras.
Andamos um pouco até passarmos em frente à casa de Richard. Assim como Dave, ele morava com os pais. Não tinha carro, nem trabalho, e nem metas. Assim como o resto de nós, ele também era um fracasso. Ele era o cara mais tranqüilo que eu conhecia. Sempre estava de bem com tudo e todos. Nada o abalava. E ele topava qualquer programa, sempre. Era um bom amigo e adorava uma cerveja nojenta, que ninguém mais gostava. Isso é tudo que se pode dizer sobre Richie.
Continuamos em frente e viramos em uma rua não muito movimentada. Porteiro estava cansado, então resolvi sentar com ele em uma calçada, do outro lado da rua de uma casa branca, um pouco grande e toda avarandada. Era uma casa bonita, e fiquei observando-a. Enquanto isso, imaginava a família que morava ali. Várias hipóteses passaram pela minha cabeça, até que vejo a porta se abrindo e uma menina com roupa de ginástica, sem nenhum calçado e com fones no ouvido as de dentro da casa. E dalí pra frente, minha vida nunca mais foi a mesma.

O2

Foi como se tudo diminuísse de ritmo. Como em câmera lenta. Ela começou a correr descalça pela sua calçada. O único som que eu conseguia escutar era o som de seus pés tocando o chão, que fazia um eco alto em minha cabeça. A menina não aparentava ter mais de 16 anos, e não era perfeita. Era linda ao seu jeito. Mas não foi isso que me chamou sua atenção. Na realidade, eu ainda não sei o que chamou minha atenção. Talvez sua notória inocência, talvez sua energia, talvez o fato dela correr descalça. Eu, realmente, nem tento entender. Quando o ritmo voltou ao normal, eu senti que não podia perder aquela menina de vista. Levantei correndo e puxei Porteiro pela coleira, fazendo com que o cachorro engasgasse um pouco.
- Desculpe amigão, mas é urgência. Então desperte o jovem cachorro que tem dentro de você e corre, por favor.
'Ta bom, mas eu mereço uma batatinha depois'
Corremos um pouco até eu conseguir avistar a menina de novo. Ficamos um pouco mais atrás para que ela não nos percebesse, mas creio que foi em vão. Levou-nos até um campo, onde eu sentei do lado de fora embaixo de uma árvore e ela correu várias vezes em volta do campo. Era realmente rápida. Seus cabelos balançavam conforme o vento batia em sua face e ela parecia não se incomodar com minha presença. Era concentrada e parecia determinada com o que fazia. E queria conhecê-la, queria saber seu nome, sua idade, do que gostava, do que não gostava.
Não foi amor à primeira vista, eu realmente não acredito nisso. Foi interesse, costumo dizer. E então, ela saiu do campo e correu até em casa. Eu a segui, lógico. Mas foi só isso. Eu voltaria no dia seguinte para vê-la correr.
Voltei para casa pensativo e esperei ansioso para que o dia seguinte chegasse. Mas antes do dia, a noite. E a noite, o pessoal se reunia em minha casa. E pela primeira vez eu não estava animado para nosso jogo de cartas. Audrey foi a primeira a chegar e trouxe algumas cervejas, logo depois David e em seguida Richie. Sentamos-nos à mesa e começamos a jogar, enquanto eles conversavam animados. Eu não conseguia tirar a menina da minha cabeça.
- ? ? ? - Audrey me chamava.
- Hãn? É minha vez? - perguntei, voltando do transe.
- Sim, há uns dez minutos.
- Ah, desculpe.
- O que ta pegando, cara? - David perguntou. - Você ta desligado.
Suspirei.
- Eu conheci uma garota incrível hoje. - falei como se confessasse um crime.
Uma onda de comentários surgiram, e não pude deixar de corar.
- Conte-nos então. Qual é o nome dela?
- Não sei.
- Você ta brincando, né? – Dave perguntou um pouco incrédulo.
- Não David, não to.
- E quantos anos ela tem? – Audrey perguntou.
- Também não sei.
Todos começaram a rir alto.
- , essa menina existe? – David perguntou, ainda rindo.
- Idiota. É claro que ela existe!
- E como você a conheceu?
- Logo depois que te encontrei de manhã, Porteiro estava cansado e eu resolvi sentar em uma calçada para descansar.
- Eu falei que seu cachorro mal agüenta andar.
- Pois foi graças a ele que eu a conheci. De qualquer jeito, sentei em frente a uma casa branca bem bonita, da onde poucos minutos depois a menina sai de lá e começa a correr descalça.
- E daí? Foi isso?
- Foi.
- Você é um perdedor, .
- Ah, qual é Dave. Vamos encarar a realidade. A menina morava em uma casa linda, ela era bem bonita, parecia ser incrível, e agora olha pra mim. Realmente, um perdedor. No mínimo, ela ia espirrar spray de pimenta no meu olho.
- Você mais que um perdedor, .
Olhei para ele com um olhar pouco amigável.
- Amigo é pra dizer a verdade. – ele disse, dando tapinhas em minhas costas.
- Ta certo Dave, ta certo.
Bebi mais um gole da minha cerveja. Nenhum deles entenderia até que visse a beleza daquela menina, a inocência naqueles olhos.
- E quantos anos ela aparenta ter, ?
- Não mais que 16.
- O QUE? Você ta louco cara, louco.
Todos me olhavam com caras espantadas.
- Ta, a gente tem um pouco de diferença de idade, e daí?
- UM POUCO? , você perdeu sua cabeça.
- Deixa pra lá, vocês não entenderiam.
E assim foi por uma semana. Todo dia eu via a menina correr descalça pelo gramado e não trocávamos uma só palavra. Ela parecia não se encomodar com minha presença, mas também não fazia questão de nenhum contato. Até o dia em que eu resolvi transformar o platônico no real.
Quando ela estava correndo de volta para casa, cheguei mais perto e gritei.
- Oi! Meu nome é , prazer.
Patético, eu sei. Mas foi o melhor que consegui fazer. Ela se virou e respondeu relutante.
- Oi . Olha, você não é nenhum tarado, né?
- Han? - não pude deixar de rir. - Não, não.
- Tá certo. Eu não me importo de você me observar correndo, mas se importa se nós não conversassemos?
- Sem problemas.
Ela sorriu.
- Não leve por mal, mas eu não posso.
E então, se virou e continuou correndo. Assim, com a mesma graça e simplicidade de sempre. E eu fiquei alí parado daquela vez.
Aquele foi o primeiro contato direto.

O3

E as semanas se passaram. Toda manhã eu ia até sua casa e a acompanhava até o campo, a observava correr e depois voltava. David dizia que eu estava obcecado. Audrey dizia que eu estava apaixonado. Nenhum dos dois estava certo. Eu apenas me sentia bem ao seu lado. Podia não saber nada de sua vida, - a não ser onde morava e que era uma corredora - mas sua presença me trazia paz. E o que não saía de minha cabeça era aquela voz. Era doce, meiga e delicada. Assim como a sua dona. E misteriosa, sempre misteriosa.
- , esquece! Pelo amor de Deus, já fazem duas semanas e nas unias palavras que vocês trocaram, ela te deu um fora! – David implorou enquanto jogávamos.
- Verdade , desiste. Não vai ter futuro. Ela já deve ter um namorado.
Aquela idéia me incomodava. Era por isso que ela não podia conversar? Mas que diabos ela queria dizer com aquilo? E que mal uma conversa faria?
Domingo chegou junto com meu dia de folga. Depois de vê-la, fui com Porteiro para o parque. Sentamos embaixo de uma arvora e li um livro por um tempo, até que ouço um pai gritar.
- Vamos , eu sei que você consegue!
Não era uma voz repressora, era calma. Olhei para seu remetente. Era um homem alto e pouco gasto devido à idade, mas parecia tranqüilo. Estava sentado não muito longe, junto com uma mulher e um filho pequeno. Não me aprofundei em detalhes. O que me chamou atenção foi para quem sua voz se destinava. A corredora.
Taí, , gostei. Fiz logo uma relação nome-rosto e percebi que combinavam. Agora ela não era mais ‘a corredora’. A partir de agora era . , devia ser assim que a chamavam. Ou não, que seja. Era assim que eu a chamaria.
Várias meninas com coletes se aglomeraram no começo da pequena pista de cooper que havia no parque. E então me lembrei que todo domingo aconteciam os torneios poliesportivos lá. E, para minha surpresa, não estava descalça. Calçava um velho tênis sujo e pouco rasgado nas laterais, devia ter pertencido à sua mãe. Não conseguia saber como ela se agüentava de pé, muito menos correr, devia ser bem desconfortável. Assim que a corrida começou, confirmei minha afirmação. O pai de assistiu tudo atentamente de perto da pista, assim como os pais das outras competidoras. Ela correu rápido, sem dúvidas. Mas não como costumava fazer toda manhã. A dor em seu rosto era evidente, e ela não parecia a mesma enquanto corria. Mesmo assim, agüentou firme durante toda a corrida, ficando a maior parte do tempo em segundo lugar. Seu pai, calmo, apenas assistia. O pai da menina na liderança berrava.
- VAMOS MAIS RÁPIDO, ASH! MOSTRE DO QUE É CAPAZ! MOSTRE A ESSES OUTROS O QUE É CAMPEÃO DE VERDADE!
Por um momento senti pena da menina. Ter que agüentar alguém gritando com você o tempo todo não devia ser fácil. Mas não importava, pois havia perdido. Havia perdido e estava triste. Devia ser considerado pecado deixar uma menina delicada e frágil como aquela triste. O pai não gritou e nem fez cara de decepção. Apenas bateu de leve em suas costas e murmurou:
- Correu bem hoje filha, parabéns.
Ela esboçou um sorriso e foi embora com o resto da família. E eu sinto como se necessitasse fazê-la sorrir de novo. Fiquei um tempo sentado de baixo da arvora com Porteiro, enquanto ele babava e dormia avulso do que acontecia enquanto eu pensava em um motivo de fazer aquela menina que de uma maneira estranha significava muito para mim feliz. Nada. E então me lembrei de como ela corria levemente todas as manhãs naquele campo. Sem nenhuma preocupação, nenhum problema. Apenas corria, assim, naturalmente. E talvez fosse daquilo que ela precisasse: um pouco da paz e da calma das 6 horas da manhã.

O4


Na manhã seguinte, antes de ir para o trabalho, passei em sua casa. Bato na porta e o pai dela atende.
- Pois não?
Me bate um nervoso dos diabos, como se eu estivesse aqui para pedir pra namorar sua filha. O cara olha para a caixa de sapato que seguro com minha mão direita. Não perco tempo, levanto a caixa e digo:
- Tenho uma entrega pra sua filha . Espero que este número dê nela.
O cara pega a caixa e fica sem entender nada.
- É só dizer pra ela que um cara trouxe uns sapatos novos.
O homem olha para mim como se eu estivesse drogado.
- Tudo bem – ele se esforça pra não zoar com minha cara – Pode deixar que eu darei o recado.
- Muito obrigada.
Me viro e começo a me afastar, mas ele me chama de volta.
- Espere!
- Pois não?
Ele segura a caixa, confuso, levantando.
- Eu sei. – digo
A caixa está vazia.

- O sinal fechou, cara! – o passageiro no banco de trás grita. Enfio o pé no freio. – Que isso, irmão?
- Me desculpe.
Respiro fundo. Me desliguei pensando em Samantha. Fiquei pensando se ela teria entendido a mensagem, e se dessa vez ela poderia vencer. De certo modo, estava ansioso para que domingo chegasse. A voz do homem me trouxe à realidade.
- Ficou verde agora, cara.
- Obrigado.
E toco o táxi.

Não fiz a barba e só entreguei o táxi às quatro da manhã; fui direto para casa de e me mandei para o parque, onde senti um calos dos infernos. Como um salgadinho de salsicha e tomo um café. Dessa vez, não estava com Porteiro.
Quando a chamam para a corrida, ela vai descalça.
Quando penso nisso, dou um sorriso.
Sapatos pés-descalços...
- Só espero que ninguém pise nela. – digo para mim mesmo.
Alguns minutos mais tarde, o pai dela volta para perto a pista. A corrida começa.
O outro otário começa a gritar.
E tropeça no final da volta.
Ela cai entre o grupo das cinco que estão liderando e o resto passa a frente, ganhando uma vantagem de talvez uns 25 metros. Quando ela se levanta, a cena me lembra aquela parte em Carruagens de Fogo quando o ator principal cai, acaba passando todo mundo e ganha.
Ainda faltam duas voltas, e ela ainda está bem pra trás.
Ela bate as duas primeiras corredoras molinho e está correndo como corre de manhã. Sem esforço. A única coisa que se vê nela é a sensação de liberdade, e a sensação bem pura de estar viva. Com os pés descalços, ela passa a terceira e não demora muito pra ficar lado a lado com sua rival. Passa a rival e a segura, faltando ainda 200 metros.
Igualzinho ao que ela faz de manhã, eu penso, e as pessoas pararam pra assistir. Viram a menina cair, se levantar e continuar a batalha. Agora todos a vêem lá na frente, aprontando um feito que nunca foi visto em um final de semana normal nesta cidade. Parou tudo: o arremesso de discos, o salto à distância, tudo. As atenções se voltam pra menina de cabelos ao vento e aquela voz maravilhosa lá na frente de todas...
A outra garota a alcança.
Ela vai com tudo, tentando a liderança.
Os joelhos de estão sangrando da queda, e acho que ela espetou o pé em algum lugar, mas é assim que tem que ser. Os últimos 100 metros quase a matam. Vejo a dor estampada no seu rosto contorcido. Os pés descalços sangram ao passarem pelo asfalto mal feito da pista. Ela quase sorri de dor — quase sorri da própria natureza disso tudo. Ela está fora de si.
Descalça.
Mais viva do que qualquer pessoa que eu já tenha testemunhado.
E cruzam a linha.
E a outra garota vence.
Como sempre.
Ao cruzarem a linha, cai, e lá embaixo, no chão, ela rola, fica de barriga pra cima e olha pro céu. Sente dor nos braços, nas pernas e no coração. Mas, no rosto, está a beleza da manhã, e, pela primeira vez, acho que ela reconhece. Seis da manhã.
O pai dela aplaude, como sempre, só que, desta vez, ele não é o único. O pai da outra menina aplaude também.
— Você tem uma filha e tanto — ele diz.
O pai de , muito modesto, só faz que sim com a cabeça e diz:
— Obrigado. Você também.

Antes de ir embora, jogo minha sujeira no lixo: o copo de isopor do café e o papel do salgadinho de salsicha. Como sempre, meus dedos estão todos sujos de molho.
Ouço os pés dela atrás de mim, mas não me virei. Quero ouvir a voz dela.
?
É inconfundível.
Eu me viro e sorrio pra garota que está com os pés e joelhos sangrando. O sangue está escorrendo todo torto de seu joelho esquerdo até a canela. Eu aponto e digo:
— É melhor dar um jeito nisso aí.
Ela responde na maior calma:
— Vou dar um jeito, sim.
Baixa uma sem-gracice entre a gente. Ela está linda de cabelo solto. Vale a pena se afogar naqueles olhinhos, e sua boca fala, comigo.
— Eu só queria agradecer — ela diz.
— Por ter colocado você nessa fria? Você acabou toda ralada...
— Não — ela recusa minha mentira. — Obrigada, .
Eu dou o braço a torcer.
— De nada, foi um prazer — minha voz chega a doer nos ouvidos se comparada à dela.
Quando chego mais perto, percebo que ela não desvia o olhar agora. Não balança a cabeça nem olha pro chão. Ela se deixa olhar pra mim e estar comigo.
— Você é linda. Você sabe disso, né?
Ela fica vermelhinha enquanto concorda comigo.
— A gente vai se ver de novo? — ela pergunta, e eu fico na dúvida.
- Pode apostar. – digo por fim.
Estou quase indo embora quando ela diz:
?
— Oi, ?
Ela fica surpresa, sem saber como eu sei o nome dela.
— Você é algum tipo de santo?
Aqui dentro, eu dou uma risada. Eu? Santo? Faço uma lista do que sou. Taxista. Vagabundo da redondeza. Modelo de mediocridade. Um desastre sexual. Péssimo jogador de cartas.
Digo minhas palavras finais pra ela:
— Não, não sou santo, . Só mais um ser humano estúpido.
A gente sorri, e eu vou embora. Sinto que ela fica me observando, só que eu não olho pra trás.

O5

Na manhã seguinte, eu não estava lá. Nem eu sei ao certo por que. Acho que para dar um tempo ao tempo, ou colocar as coisas em ordem. Tinha desfrutado mais alegria em cinco minutos do que em minha vida inteira. Ouvir aquela voz macia se dirigindo à mim por pura vontade e ver (e sentir) aquele rosto ruborizado em minhas mãos foi como o paraíso. Pode ser que tenha sido rápido, talvez bobagem para ela. Mas para mim, significou um começo. Do que? Não importa um começo já estava bom pra mim.
- Já lhe disse o quanto você é patético?
De novo, estávamos jogando cartas. David estava com seu repetitivo repertório e Audrey concordava em partes com ele. Richard, como sempre, apenas ria. Cara paradão, o Richie.
- Patético? Agora eu sei o seu nome e conversei com ela, e ela até perguntou se eu era um Santo. Qual seria seu argumento dessa vez?
- ‘Você é linda’, ?
- Ah sim, isso. Você me entenderia se a visse. Era quase uma obrigação eu dizer isso a ela.
- Se é que essa menina existe mesmo, né?
- Claro que existe.
- Prove.
Ele me olhou desafiadoramente
- Ganhei. – ele disse, abaixando a carta.
Uma discussão começou para descobrirem se David tinha ou não ganhado e, de boa, eu não tava para distrações. Desliguei-me e parti para meus melhores pensamentos ultimamente: pés na grama, joelhos sangrando, cabelos ao vento e a voz macia.

- ! – gritei assim que ela saiu de casa.
- ! Fiquei preocupada com você!
Fiquei desfrutando aquelas palavras durante um tempo.
- Não precisa, eu sei me cuidar. – ri de leve.
- Sei disso. E então, porque não apareceu ontem?
Ela corria devagar, e eu tentava acompanhá-la. Acho que do pouco tempo que a observei durante as semanas, entrei mais em forma.
- Não sei ao certo. Precisava descansar um pouco. Não ando dormindo muito.
- Por que não?
- Trabalho como taxista, e é um trabalho cansativo. Entrego o táxi de madrugada e depois venho te ver correr, e te tarde já trabalho.
- Ah, entendo. E por curiosidade, por que vem me ver?
- Não sei. É bom, eu me sinto bem.
Ela apenas sorriu.
- Não veio com seu cachorro hoje? – perguntou depois de um breve momento de silencio.
- Porteiro está velho, não agüenta nem andar direito.
- Porteiro? Esse é seu nome?
- Hun, é sim.
- Original. – ela riu – Posso perguntar por quê?
- Ele sempre gostou de ficar sentado em frente à porta, tomando um sol.
Ela gargalhou. E aquele som foi tão perfeito – ou mais – quanto sua voz. Fechei os olhos e senti o seu perfume misturado com o vento em meu rosto.
- Agora, acho que eu tenho direito a algumas perguntas. – falei ainda atordoado por aquele cheiro.
- É, claro. – ela olhou pro chão.
- Por que você disse que não podia conversar?
- Não era bem que eu não podia, mas eu não sou muito boa pra conversa.
- E tímida, certo?
Ela sorriu de lado.
- Deu pra perceber?
Ri assentindo.
- Olha pra mim. – pedi.
Ela negou com a cabeça.
- Por favor, olha pra mim.
Seus olhos encontraram os meus hesitantes.
- Sabe , você não precisa ser tímida, principalmente pra falar com um cara como eu.
Ela riu e voltou a encarar o chão.
- Como assim, um cara como você?
- Ah, qual é , se você me olhasse mais, ia saber o que eu tô falando.
Ela riu timidamente, como sempre.
- , como você me conhece? – ela perguntou depois de um tempo.
- É uma história estranha. Eu estava andando com Porteiro aqui perto e ele ficou cansado, decidi sentar na calçada em frente a sua casa enquanto ele descansava, e te vi correr. Não sei por que, mas você me chamou atenção.
- Então, foi coincidência?
- É, acho que foi.
- Eu não acredito em destino.
- Devia passar a acreditar.
Chegamos ao campo. Ela me lançou mais um daqueles sorrisos.
- E então, vai correr comigo?
- Acho que vou repor minhas energias pra conseguir voltar, eu te espero aqui.
Ela riu, tirou o casaco de moletom e começou a correr pelo campo. Ela mantinha um pequeno sorriso no rosto, e parecia estar longe. Não cansava de admirá-la, principalmente depois da nossa conversa. Aquilo era um bom sinal, com certeza. Depois de meia hora correndo, ela para, se aquece e volta até mim, que estou repousando embaixo de uma arvora, apenas observando.
- Vamos? – ela pergunta.
Levanto depois de um pouco de sacrifício e sorrio, e ainda não me canso de observá-la. É como um vício. Começamos a andar e tenho uma idéia.
- , eu sei que você deve ter coisas melhores pra fazer, mas nesse sábado a tarde vai ter um jogo de futebol perto de casa, eu vou jogar com Richie e o David, e a Audrey vai nos assistir como todo ano. Se quiser ir...
- Richie? David? Audrey?
- Oh, certo. Richie e David são meus dois melhores amigos e Audrey é a menina da turma. Eles duvidam que você exista.
Ela riu.
- Duvidam que eu exista?
- Esquece. – corei, não devia ter falado aquilo. – E então, você vai?
- Tenho que falar com meus pais, mas eu acho que vou sim.
Sorri de orelha a orelha com a resposta. Ver a cara de David quando vê-la não vai ter preço, com certeza.

O6

Acordo às dez horas da manhã com o sol batendo na minha cara. Percebo que dormi no sofá lendo um livro, porque ele está em cima de mim quando abro os olhos. Está calor, eu estava sonhando com a e tem alguém batendo na porta.
- ?
- Que mané o quê? Ô , você ta ficando doente por essa menina.
Levanto a cara e vejo David parado. Esfrego os olhos.
- O que você ta fazendo aqui, maluco? – pergunto.
- É assim que você fala com os amigos, cara?
E, como sempre, ele dá uma resposta pra uma pergunta diferente da que eu fiz. O Dave adora fazer isso; chega a dar no saco. Em vez que dizer o que ele está fazendo aqui, ele diz como entrou:
- A porta estava sem a chave e não sei por que cargas d’água Porteiro me deixou entrar.
- Ta vendo aí? Eu te disse que ele é bacana.
Vou pra cozinha e o David vem atrás. Ligo a chaleira.
- Quer um café?
Aceito, sim, obrigado.
É claro que Porteiro acabou de entrar no recinto.
- Valeu – responde David.
Enquanto bebemos, conversamos sobre qualquer coisa.
- E aí , acha que vai estar em condições de jogar esta tarde?
É claro.
O Jogo de Verão.
Hoje é o dia, como eu pude esquecer?
- Sim, Dave. – dou uma resposta bem clara -, eu vou jogar.
De repente, sinto uma baita disposição pro jogo deste ano. Apesar das condições físicas lamentáveis graças as minhas corridas matinais, eu me sinto mais forte do que nunca, e na verdade estou até curtindo a idéia de levar algumas porradas. Não me pergunte por quê. Eu mesmo não consigo entender. Talvez seja porque ela vai estar lá...
- Venha – Dave se levanta e vai em direção à porta. – Vamos tomar um café-da-manhã. É por minha conta.
- Ta falando sério?
Sinistro. O David não é de fazer um negócio desses.
Quando estamos saindo, peço que ele fale a verdade.
- Você faria isso se eu tivesse tirado o corpo fora do jogo?
Dave abre o carro e entra.
- Nem ferrando.
Pelo menos ele é honesto.

O carro não dá partida.
- Pode ficar caladinho aí – ele me olha.
Nós dois damos um sorrisinho amarelo.
Esse dia promete. Estou com uma boa sensação.

Vamos andando pra uma lanchonete de merda no final da rua principal. Eles servem ovos, salame e um pão na chapa. A garçonete é uma mulher gordona, bocuda, com um lanço na mão. Não sei por que, mas pra mim ela tem cara de Margaret.
- Vou logo avisando: aqui não tem essa história de “viado”, não.
A gente fica chocado com o comentário.
- “Viado”? – Dave pergunta.
Ela olha pra gente com aquela cara do tipo “Num tô com tempo pra isso”. A mulher está de saco cheio disso aqui.
- Meu filho, o que não falta aqui é gente querendo comprar “viado”.
É aí que a ficha cai, e eu percebo que ela está dizendo “fiado”.
- Ei, Dave! “Fiado”.
- O quê?
- Fiado.
David dá uma olhada no cardápio.
Margaret dá uma pigarreada pra limpar a garganta
Pra não encher mais o saco dela, faço o pedido bem rapidinho.
- Será que dá pra me ver um milkshake de banana?
Ela faz cara feia.
- Estamos sem leite.
- Sem leite? Como é que uma lanchonete pode funcionar sem leite?
- Ó só, num ou eu quem compra leite aqui. Tenho nada com isso. Só sei que estamos sem leite. Por que vocês não pedem alguma coisa pra comer?
Putz, essa mulher adora o trabalho. Dá pra sentir no ar.
- Vocês têm pão? – pergunto.
- Não banque o engraçadinho, garoto.
Dou uma geral na lanchonete pra ver o que os outros clientes estão comendo.
- Vou querer a mesma coisa que aquele cara ali pediu
Nós três olhamos para lá.
- Tem certeza? – Dave adverte. – Aquele negócio ta parecendo bem esquisito, .
- Cara, pelo menos eles têm pra servir, certo?
E agora é que a Margaret fica puta.
- Olha aqui – ela coça a cabeça com a caneta. Só falta ela fazer da caneta cotonete também. – Se não estão gostando do lugar, melhor darem o fora e procurarem outro canto pra comer.
Ela é muito impaciente, pra não dizer outra coisa.
- Beleza – levanto a mão, quase arrastando a cadeira para trás. – Traga pra mim o que aquele cara pediu e uma banana, tudo bem?
- Bem pensado – Dave aprova. – Potássio para o jogo.
Potássio?
Não acho que vá ajudar muito.
- E você? – Margaret agora volta a atenção para Dave.
Ele se mexe todo na cadeira.
- Que tal aquele pão na chapa com a melhor tábua de frios?
Ele tinha que fazer uma graça. Dave não resiste em dar uma de engraçadinho com uma pessoa assim. É da natureza dele, não adianta.
Só que a Margaret é cobra criada. Ela já está acostumada a lidar com babacas como a gente o tempo todo.
- Não me faça dizer o que vou fazer com essa tábua, garoto. – ela responde e, não vou mentir, nós dois caímos na gargalhada. Ela decide não notar. – Os dois vão querer mais alguma coisa?
- Não, obrigado.
- Certo. Dá $ 22,50.
- Quanto?! – não dá pra esconder o susto.
- Sim. Isso aqui é lugar de classe, não sabiam?
- Ah, sim, isso ficou claro: o atendimento é de primeira.
E agora ficamos sentados na parte aberta da lanchonete, torrando e suando ao sol, enquanto esperamos pelo café. Quase perguntamos que fim levou nossos pedidos, mas a gente sabe que isso só vai aumentar o tempo de espera. As pessoas estão na verdade já almoçando antes de nós tomarmos café-da-manhã, e, quando o pedido finalmente chega, Margaret joga as coisas na mesa como se estivesse servindo adubo.
- Um brinde pra você, linda! – diz Dave. – Você se superou!
Margaret assoa o nariz e sai fora. Indiferença selvagem.
- Como ta o seu? – pergunta Dave. – Ou melhor, o que é isso que você ta comendo?
- Ovo com queijo e mais alguma paradinha.
- E você lá gosta de queijo?
- Não.
- Então por que pediu esse troço?
- Ah, sei lá, tipo... não parecia ovo quando olhei no prato do outro cara.
- Ta explicado. Quer um pouco do meu?
Aceito a oferta e como um pedaço do pão na chapa. Nada mau, na verdade, e finalmente pergunto pro Dave por que ele escolheu exatamente hoje pra me pagar um café-da-manhã fora. Isso nunca aconteceu antes. Nunca saí pra tomar café-da-manhã em toda minha vida. Além disso, jamais passaria pela cabeça de David pagar pra mim. Taí um negócio fora de cogitação. Normalmente, ele preferiria a morte.
- Dave – digo, olhando direto pra ele -, por que você me trouxe aqui?
Ele balança a cabeça.
- Eu...
- Diz aí um negócio: você ta é fazendo uma média pra garantir que eu vá ao jogo esta tarde, né não?
David não pode mentir pra mim agora e ele sabe disso.
- É basicamente isso sim, cara.
- Eu vou, Dave. Pode contar comigo lá às quatro horas em ponto.
- Beleza!

O7

O resto do dia passa voando. Graças a Deus, David larga do meu pé nas próximas horas, então aproveito e vou pra casa dormir mais um pouco.
Quando chega perto da hora marcada, vou caminhando pro parque com Porteiro, que percebeu minha felicidade, apesar de todo o meu cansaço. Damos uma passada na Audrey. Não tem ninguém em casa. Talvez ela já esteja no parque. Ela odeia futebol, mas não perde nenhum Jogo de Verão.
São quase quinze pras quatro quando entramos no parque, onde tem o pequeno campo no qual sempre jogamos, e eu olho para a pista de corrida como instinto. Lembro-me qual foi a ultima vez que vi Sam correr ali, e isso faz este jogo parecer lastimável, o que alias não deixa de ser. Ando um pouco até o campo e vejo uma galera se reunindo, enquanto a pista está vazia, com exceção das imagens da menina descalça.
Passo um bom tempo encarando a beleza e me pergunto se ela realmente virá, e então me viro para olhar o resto. Quanto mais eu me aproximo, maior fica o cheiro de cerveja. A tarde está quente. Faz uns 32 graus.
Os dois times estão em cantos diferentes do campo, e uma multidão de 100 pessoas começa a se juntar e crescer aos poucos. O Jogo de Verão é sempre meio que um evento. Rola no primeiro sábado de dezembro todo ano, e acho que esta é a quinta edição. É a terceira vez que participo.
Deixo Porteiro na sombra de uma árvore. Em cinco minutos, visto uma camisa com listras vermelhas e amarelas. Número 12. Tiro o jeans e coloco um short preto. Nada de meia nem chuteira – estas são as regras do Jogo de Verão. Nada de chuteira nem de proteção nenhuma. Só mesmo uma camisa, um short e uma boca suja. É só disso que precisamos.
Nosso time é conhecido como os Colts. Os adversários são os Falcons. Eles usam camisas verde e branca com shorts da mesma cor, embora ninguém ligue muito pra eles. Já é muita sorte termos camisas, se formos lembrar aqui que teve um ano em que a gente roubou algumas de um dos times profissionais e pegou outras do lixo.
Tem uns quarentões no Jogo de Verão. Bombeiros ou mineiros grandes e feiosos. Tem também uns jogadores mais ou menos; alguns novos, tipo Dave, Richie e eu; e uns que sabem jogar bem de verdade.
Richie é o último do nosso time a dar as caras. Ele larga a mochila e diz:
- E aí, galera! Como estamos? – mas ele olha pro chão e ninguém está nem aí pra como está o pessoal.
Faltam cinco pras quatro e a maioria do time está enchendo a cara de cerveja. Alguém joga uma cervejinha pra mim, mas eu guardo pra depois.
Passo um tempinho por ali enquanto a multidão continua enchendo o lugar e Richie se achega.
- E aí, cara? Ela já chegou? – ele pergunta.
Olho para a multidão, afoito. Nenhum sinal dela. Encontro apenas Audrey conversando com um cara, e um ciúme tradicional me atinge. Resolvo deixar pra lá.
- Não. – respondo sem expressão.
- E você acha que ela vem?
- É o que espero.
Ele me dá um tapinha nas costas, com força suficiente pra doer.
- Acho que agora você aprende, né, ?
- Aprendo o quê?
Richie pisca pra mim e termina de tomar a cerveja.
- Sei lá.
Cara, eu adoro o Richie. Ele não liga muito pra o que acontece, nem tem vontade de perguntar o porquê. Ele percebe que eu não estou afim de falar sobre o assunto, faz um comentariozinho sacana e fica por isso mesmo.
O Richie é um cara maneiro.

Enquanto estou fazendo alguns alongamentos, dou uma olhada no time adversário. Os caras são maiores que a gente; tem um que parece um armário; olho bem pra ele. O Dave tinha falado sobre essa figura um tempo atrás. O sujeito é um monstro e, pra ser sincero, não dá pra dizer se é homem ou mulher.
Então.
O pior.
Olho pro número dele.
É o número 12, como eu.
- Você vai ter que marcar em cima daquele ali – diz uma voz atrás de mim. Sei que é o Dave, e o Richie se aproxima também.
- Boa sorte, – ele diz, tentando disfarçar o cagaço. Quase sem querer, eu solto uma risada.
- Puta merda! O cara vai me esmagar. Literalmente.
- Tem certeza que aquilo é homem? – pergunta Dave.
Eu me dobro e seguro os dedos dos pés, alongando a parte de trás das pernas.
- Pode deixar que eu pergunto quando ele estiver em cima de mim
Só que, pode até ser esquisito, mas não estou tão preocupado.

Nosso capitão, Merv, nos chama para uma pequena reunião dois minutos antes do jogo. Todo mundo se junta bem pertinho e é aí que a gente pega um gás pro jogo. É uma coleção que cheiro de suor, bafo de cerveja, boca banguela e barba por fazer.
- Certo – diz Merv. – O que a gente vai fazer quando entrar em campo?
Ninguém responde
- E aí, galera?
- Sei lá – alguém resolve dizer alguma coisa.
- Vamos acabar com esses filhos-da-puta! – grita Merv, e agora todo mundo concorda, exceto o Richie, que boceja.
Outros gritam também, mas nem chega a fazer diferença. O caras xingam, debocham e esculacham os Falcons.
Isso sim é um bando de homens adultos, penso. A gente nunca cresce.
O juiz apita. Como sempre, o jogo é arbitrado pelo Reggie La Motta, famoso na cidade por ser um bêbado. Ele só está nessa para descolar duas garrafas de pinga que todos nós fizemos uma vaquinha pra comprar. Uma garrafa cada equipe.
Rapidamente, volto pra árvore onde deixei Porteiro. Ele dorme, e um garotinho faz carinho nele.
- Você quer tomar conta do meu cachorro? – pergunto.
- Quero! – ele responde. – Meu nome é Jay.
- O nome dele é Porteiro. – e corro pro campo pra me juntar ao time.

Todos avançam pra frente e apertamos as mãos. Aperto a mão do cara que joga na minha posição no outro time. O cara chega perto e parece um armário de tão grande, sua sombra me engole.
Mais uma olhada pela multidão.
Nada.
Perco as forças no mesmo instante que o juiz apita o início do jogo.
Todos começam a correr pelo campo, e eu ainda olhava para a multidão procurando por ela.
Um cara do meu time esbarra em mim enquanto corre, e eu acordo do transe.
- Porra , faz alguma coisa! – ele grita.
Começo a correr pelo campo, sem nenhum interesse no jogo. A única coisa que me importava no momento era achá-la. E não importa, eu não jogaria direito até lá.
- Se meche, !
- Pára de ser mariquinha e joga que nem homem!
- Anda logo, moleque!
E assim foi nos primeiros vinte minutos, até que avisto um pouco longe seus cabelos balançam delicadamente no vento. Era inconfundível, eu sabia que era ela. E a partir dali eu recuperei minhas forças, e corri o mais rápido que pude.


n.a: heeey gente, desculpe a demora :/ bloqueio criativo, saka? mas agora eu me animei a escrever de novo :} sei que nao ficou tudo isso, mas ta valendo. brigada por esperar, e brigaaaaaaaada por ler essa merda, eu amo vooces :*
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