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Harmonia

 
       Princípio musical que estabelece as normas de formação e articulação dos acordes de uma composição.

       Com o ritmo e a melodia, a harmonia constitui um dos componentes essenciais da criação musical, nos moldes em que se desenvolveu a música no Ocidente.

       Harmonia é a disciplina que estuda os acordes -- grupos de sons simultâneos -- em sua formação e inter-relação, bem como seu ajuste a uma melodia. O ritmo e a melodia podem existir sem a harmonia e a maior parte das culturas musicais do mundo é não harmônica. Muitos estilos musicais sofisticados, como os da Índia e da China, consistem basicamente de linhas melódicas não harmonizadas e sua organização rítmica.

       O conceito de harmonia não é uma criação arbitrária, mas se baseia na formação dos chamados harmônicos (reverberações, isoladamente pouco audíveis, de um som), que determinam as relações entre as notas musicais. Embora o fenômeno acústico dos harmônicos já fosse conhecido pelo matemático grego Pitágoras, a harmonia -- conjunto de leis que regem a formação e encadeamento de acordes -- é historicamente recente e geograficamente circunscrita, fruto da cultura ocidental do último milênio.

       Acorde. O semitom é o menor intervalo (distância entre duas notas) definido e estudado pela harmonia tradicional. Há apenas um semitom, por exemplo, entre as notas si e dó e entre as notas dó e dó sustenido. A terça é o intervalo equivalente a três semitons (terça menor) ou quatro semitons (terça maior).

       A harmonia clássica baseia-se na construção de acordes pela superposição de terças. O acorde básico é a tríade, que resulta da superposição de duas terças. Assim, a terça mi-sol, superposta a dó-mi, gera a tríade dó-mil-sol; ré-fá, superposta a fá-lá, resulta na tríade ré-fá-lá. Uma terça adicional produz um acorde de sétima, como dó-mi-sol-si. O acréscimo de mais uma terça gera um acorde de nona (dó-mil-sol-si-ré), e assim por diante.

       Harmonia e tonalismo. Enquanto base da estrutura composicional, o pensamento harmônico sucedeu à polifonia (superposição de melodias) vocal renascentista. Difere basicamente desta por seu sentido mais vertical, referente aos sons simultâneos, do que horizontal, referente aos sons sucessivos. Pode-se dizer que nas obras polifônicas a harmonia é um resultado "acidental".

       A passagem da polifonia para a harmonia como a conhecemos hoje corresponde historicamente ao surgimento do sistema tonal, no qual as notas e acordes se organizam hierarquicamente em torno de uma nota dita tônica e são classificados de acordo com sua função, ou seja, com seu caráter de repouso ou movimento. Assim, as notas e os acordes de função tônica estão ligados à sensação de conclusão de uma idéia musical; os de função dominante criam tensão e a forte expectativa de um movimento que conduza à tônica; e os de função subdominante sugerem uma continuidade da idéia, que pode se desenvolver tanto para um aumento da tensão no sentido da dominante como para a conclusão.

       Origens. Durante séculos o homem cantou e tocou em uníssono. Só no século IX teriam surgido as primeiras tentativas de polifonia. Documentos e fatos de épocas anteriores, no entanto, assinalam rudimentos de estruturas musicais que empregavam sons simultâneos. Exemplos disso são um antigo texto em sânscrito, que ensina a afinar grupos de três tambores diferentes (um com som grave, outro afinado uma segunda ou terça acima e o último, uma quinta acima) ou as tibiae geminae, instrumento de sopro dos romanos, em que dois tubos conjugados produziam sons simultaneamente.

       Ars antiqua. Na Idade Média, discípulos de são Gregório Magno praticaram o canto a mais de uma voz, mas só a partir do século VII surgiram as primeiras definições teóricas de harmonia, embora o termo não possuísse a mesma acepção que a música clássica posteriormente lhe atribuiu. Boécio e Cassiodoro (século VI), Beda (século VIII) e Aureliano de Reome (século IX), entre outros, distinguiam na música três partes: harmonia, ritmo e melodia.

       O germe da harmonia clássica acha-se nos processos polifônicos, explicados pela primeira vez na segunda metade do século IX por João Escoto Erígena, que descreve a composição do organum (forma de canto gregoriano a duas vozes) como algo universalmente conhecido. É da mesma época a obra De harmonica institutione (Sobre a instituição harmônica), do monge beneditino Hucbaldo, que introduziu pouco a pouco variações na forma original do organum. Na música popular profana havia também o gymel e o falso bordão (fabordão), que utilizavam intervalos simultâneos de terças e sextas. Domina nesse período a música plana, sem compasso, e já estavam presentes os movimentos melódicos -- direto, quando as vozes seguem paralelamente para o agudo ou para o grave; contrário, quando tomam direções opostas; e oblíquo, quando apenas uma se move, enquanto a outra sustenta a mesma nota.

       Ars nova. A transformação da música plana em música medida contribuiu para o desenvolvimento de uma forma mais importante de polifonia, o descanto, de que se originou mais tarde o contraponto. O descanto, que inicialmente era uma voz superposta ao cantus firmus (voz principal), distinguia-se pela maior liberdade e admitia também o emprego de intervalos de terças e sextas. Franco de Colônia, no século XI, estabeleceu suas normas definitivas, que todos os teóricos posteriores tomaram como guia.

       A revolução da ars nova legou inovações na notação da métrica musical; a atual classificação dos intervalos harmônicos; a interdição das oitavas e quintas consecutivas e também das dissonâncias sucessivas entre duas vozes; e o uso da cadência perfeita, tipo específico de encadeamento harmônico, usado para finalizar a composição. Generalizou-se o emprego dos acordes invertidos, ou seja, com as notas em ordem diferente da que aparecem na posição fundamental em que o acorde foi construído por adição de terças.

       Renascimento. O surgimento da atual concepção de harmonia deu-se no Renascimento, nos séculos XV e XVI. Importantes teóricos afirmaram-se a partir desse período. Gioseffo Zarlino instituiu o sistema dualista, isto é, baseou o acorde perfeito maior na divisão harmônica da corda, e o menor, na divisão aritmética. Sua obra principal, Institutioni harmoniche (1558), durante dois séculos constituiu a base da educação científico-musical em toda a Europa.

       Baixo contínuo. Na segunda metade do século XVI, os organistas adotaram a prática -- já usual entre outros instrumentistas -- de tocar sobre a melodia do baixo contrapontos ditos alla mente (improvisados). Além disso, o órgão, que somente preludiava e respondia aos cantores nos interlúdios, no final do século começou a acompanhar os cantos.

       Para guiar o executante, recorreu-se então ao expediente de escrever números e sinais sobre as notas do baixo, indicando as harmonias correspondentes. O compositor limitava-se a escrever a melodia principal e o baixo cifrado; a realização da harmonia era confiada à perícia do acompanhante. As regras concernentes à interpretação da cifragem, que pouco a pouco se organizava, foram recolhidas e ordenadas em métodos, tratados e manuais, que também traziam exercícios práticos. O novo método de escrever música recebeu o nome de baixo contínuo em oposição ao baixo da polifonia, que era freqüentemente interrompido. A crítica histórica demonstra que o baixo contínuo é uma criação dos organistas italianos da segunda metade do século XVI.

       Afirmação da harmonia. Na Alemanha, Johann Sebastian Bach publicou em 1722 o primeiro volume de Das Wohltemperierte Klavier (O cravo bem temperado), mesmo ano em que, na França, Jean-Philippe Rameau firmou as bases teóricas da harmonia ao publicar o Traité de l'harmonie réduite à ses principes naturels (Tratado da harmonia reduzida a seus princípios naturais). Esse trabalho obteve êxito extraordinário por ser a expressão perfeita de algo que já estava havia muito na mente de todos, mas que só então apareceu com clareza: a teoria da inversão dos acordes, segundo a qual todos os acordes compostos de terças superpostas são acordes fundamentais, de que podem derivar todos os restantes.

       Na prática, os fatos harmônicos mais importantes dos séculos XVII e XVIII são: o uso de certos acordes de função dominante sem preparação, novidade lançada por Claudio Monteverdi; a já mencionada adoção do baixo contínuo e da cifragem; o retardo da oitava do baixo e outros; o uso de um novo acorde, dito de sétima adicionada, por Jean-Baptiste Lully; o uso de notas fora da escala e as modulações aos tons afastados (tons cuja escala básica difere em mais de três notas da escala do tom inicial); e o emprego do cromatismo (seqüência de semitons) como recurso para modulação, com Gesualdo da Venosa.

       Os tratados de harmonia, que sistematizam os aspectos teóricos da disciplina, proliferaram no século XIX. Na França, o Conservatório de Paris adotou o Traité d'harmonie de Charles-Simon Catel, publicado em 1802. A obra de Augustin Savard foi adotada em 1891. Mas foi com a ousadia dos grandes mestres da composição que a harmonia realmente evoluiu, principalmente no século XIX. Com os românticos, a harmonia tornou-se poderoso elemento expressivo.

       O cromatismo se desenvolveu progressivamente e atingiu o clímax com Wagner, em cuja obra o sistema tonal alcançou seu ponto extremo. O estilo wagneriano é uma fusão da escrita harmônica e de técnicas de contraponto que extrapolam os artifícios imitativos da música polifônica medieval.

       Entre as tendências pós-wagnerianas perfeitamente definidas, assinalam-se as conquistas harmônicas do impressionismo -- com suas escalas muito particulares, como a de seis notas e tons inteiros, e o uso simultâneo de tonalidades diferentes -- e a configuração dos nacionalismos musicais. As escolas nacionalistas utilizaram a música folclórica de seus países como base das composições e exploraram suas características melódicas e harmônicas. Muito influente sobre a música universal foi a escola russa, com o Grupo dos Cinco: Glinka, César Cui, Balakirev, Borodin, Mussorgski e Rimsky-Korsakov.

       Acordes de quartas superpostas (por exemplo, dó-fá sustenido-si bemol-mi-lá-ré, o "acorde místico" do russo Aleksandr Scriabin) surgiram em obras musicais de começos do século XX. Posteriormente, introduziram-se na música os clusters, aglomerados sonoros (como dó-ré-mi-fá sustenido) que se desviam das concepções harmônicas clássicas em favor de forças puramente melódico-rítmicas.

       Os compositores Béla Bartók e Zoltan Kodaly utilizaram amplamente o folclore húngaro e romeno em suas obras, inclusive os acordes típicos, resultantes de escalas de caráter exótico. Villa-Lobos, no Guia prático, harmonizou melodias típicas de várias regiões do Brasil. O folclore nordestino é riquíssimo em material harmônico: baseado em modos diferentes do menor e do maior, possibilita outros acordes e encadeamento mais livre. Não se podem esquecer as conhecidas terças tão utilizadas pelo caboclo brasileiro na tentativa de criar para suas melodias uma harmonização, ainda que rudimentar.

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