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Publicado no jornal Diário de S. Paulo, em 06 de abril de 2003.
No cultuado filme Ao mestre
com carinho, temos uma análise sensibilíssima da influência do
educador na vida de aprendizes com comportamentos agressivos e arredios.
Jovens marginalizados, marcados pela realidade dura das regiões
vulneráveis, dos guetos. Ambientes que imprimem em seus corpos e almas
as insígnias da exclusão social, da carência de recursos, da ausência de
opções de estudos, de trabalho e de lazer.
O clássico, protagonizado pelo
ator Sidney Poitier, nos mostra a situação limite vivenciada pelos
adolescentes pertencentes às camadas desfavorecidas da população. Jovens
descrentes, rebeldes e desestimulados justamente porque vêem à sua
frente paisagens áridas, sem cor, caracterizadas pela projeção contínua
de cenas nada animadoras. Imagens que revelam uma seqüência ininterrupta
de destinos tristes, desprovidos de perspectivas positivas. Heranças que
vêm, geralmente, de famílias desestruradas, lares destruídos, infâncias
traumáticas.
São experiências extremas,
eficazes para minar as expectativas de quem deveria trazer no sangue a
seiva do viço, da energia, da disposição. Rapazes e moças que dispõem,
inclusive, do tempo como aliado. Tempo que pode ser um fardo para quem
tem o histórico dramático desses adolescentes retratados pelo filme –
ícones que representam os jovens que vivem a dor de serem vistos como
párias.
Nesse cenário repleto de
desencanto, a missão de Mark, professor interpretado por Poitier, era
despertar nesses alunos o que tinham de mais precioso e desconhecido: a
capacidade de sonhar, de transformar, de acreditar em si mesmos, de se
reconhecerem como escritores habilidosos da história de suas próprias
vidas.
Outras produções
cinematográficas trouxeram à tona dramas semelhantes, que enfocavam a
saga de educadores–redentores, homens e mulheres movidos a entusiasmo e
a esperança, como a professora interpretada por Michelle Pfeiffer em
Mentes Perigosas ou o professor vivido pelo excelente Morgan Freeman
em Meu mestre, minha vida. Portadores do gene sonhador de
Quixote, esses educadores nos emocionam e nos fazem refletir sobre o
quanto ainda é possível fazer pelos nossos aprendizes. Crianças e jovens
espalhados por todos os rincões do Brasil. Aprendizes como os meninos e
meninas da Febem. Adolescentes à espera de afeto, atenção... Sedentos
por oportunidades que lhes possibilitem o conhecimento de seus
potenciais e talentos adormecidos.
O governo do Estado de São
Paulo, na figura do governador Geraldo Alckmin, já está atento para
essas necessidades. Prova disso é que acaba de autorizar a contratação
de 2.000 estagiários oriundos da Febem, que serão treinados por um
pool de empresas e instituições, entre elas Fundação Bradesco,
Centro Paula Souza, Senac, Senai e Canal Futura. Os jovens irão atuar
como monitores de informática e de bibliotecas nas escolas da rede
pública de ensino. As vagas representam a liberação de cerca de 40% do
total de internos da Febem, hoje em torno de 5.500 adolescentes.
É um passo importante, mas
esperamos que seja apenas o primeiro rumo a um futuro mais promissor
para esses jovens. Em breve, esperamos vê-los atuando nos mais variados
setores do mercado. Empresas privadas, rede de hotéis, restaurantes,
grandes magazines, shoppings centers e demais organizações poderão
oferecer a esses adolescentes a chance de sonhar e de viver uma história
diferente, com enredos e cores muito mais vibrantes e propícios a uma
atuação verdadeiramente heróica. Será a confirmação de que a sociedade,
como um todo, participará de forma pró-ativa na criação de um novo
tempo. É isso. É preciso olhar esses aprendizes com olhos de educadores.
Olhos de quem jamais perde a esperança. Olhos de quem acredita que é
possível mudar, sempre, para melhor.
A Febem tem um roteiro
complexo, marcado por problemas que não podem ser vencidos de uma hora
para outra. Não há milagre. Educação é processo. Temos um enorme
desafio, mas estamos dispostos a enfrentá-lo e a transformar esse filme
num espetáculo tão bonito quanto o da peça Dom Quixote - Num lugar de
la Mancha, protagonizada – vejam só que maravilha! – pelos atores da
Oficina de Artes da Febem. Jovens que nos ensinam ser possível
transformar sonhos, mesmo que pareçam quixotescos, em realidade.
Se todos assumirmos o
compromisso de olhar e de agir como educadores, poderemos dar, diretores
que seremos, um final muito mais belo para essa história. E, às platéias
do futuro, restará aplaudir de pé, orgulhosas pelo modo corajoso e
competente com que praticamos essa AÇÃO.
Gabriel Chalita, 33, professor e secretário de Estado da
Educação.
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