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Publicado na revista FAPESP, Edição 85, março 2003.
Algumas palavras têm o
poder de trazer consigo uma imensa carga de sentimentos, emoções,
expectativas, sonhos, desejos e quereres. São, a um só tempo, misto de
poesia, de filosofia, de arte... Expressá-las e professá-las pode
significar a mudança, a transformação, a transcendência. A junção de
suas sílabas tem uma força capaz de mudar o mundo e, em casos extremos,
funciona como um artifício bélico do bem, utilizado pelos desbravadores
de novos tempos e pelos descobridores de novos caminhos. São armas que
injetam ânimo, coragem, sensibilidade, talento. Dessa forma, podemos
definir o amplo leque de sentidos e potencialidades da palavra educação,
cuja beleza está em desvendar novos amanhãs e promissores horizontes.
A todos nós, educadores, foi concedida a oportunidade de contribuir para
promovê-la, transmitindo e propagando o desejo pelo conhecimento.
Colaboramos para a criação de realidades mais belas e mais condizentes
com os nossos sonhos. Faz parte da natureza humana querer sempre o
melhor. Buscar a evolução, o desafio, a superação de limites. Façanhas
impossíveis sem a educação como fundamento e passaporte. Ciente da
grandiosidade dessa missão e de tudo o que ela pode proporcionar, o
governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da
Educação, tem trabalhado para fazer da rede estadual de ensino uma ponte
capaz de levar nossos 6 milhões de alunos à aquisição de saberes, de
competências e de habilidades capazes de torná-los cidadãos críticos e
conscientes, aptos à construção de um futuro erguido sobre os pilares da
infinita capacidade humana (que deve ser desenvolvida, incentivada e
constantemente aguçada).
Nossos programas, projetos e ações têm o objetivo primeiro de despertar
mentes e corações para o prazer do aprendizado, da revelação, da
epifania que caracterizam o fascinante processo da descoberta. Está sob
nossa responsabilidade formar atores sociais talentosos, com maturidade
intelectual e emocional suficiente para alcançar não apenas o sucesso
profissional, mas a felicidade plena, em todos os aspectos de suas
vidas.
Todos os nossos alunos compõem um complexo contingente educacional, mas,
ao mesmo tempo em que formam um grupo, uma coletividade, são também
seres únicos, dotados de histórias de vida singulares, ricas e de
natureza incomparável. São meninos e meninas, crianças e jovens
provenientes das mais diversas realidades e origens. Muitos vivenciam
uma infância e uma adolescência repleta de amor, de cuidado, de atenção
e de incentivo de suas famílias. Outros, no entanto, sobrevivem a duras
penas numa atmosfera densa, pesada, em nada parecida com o que deveria
ser o aconchego e a proteção de um lar estruturado. São desprovidos dos
referenciais mais básicos e têm por alimento da alma apenas a esperança
depositada em dias melhores.
Felizes ou apenas esperançosos têm, como todos nós, carências,
problemas, alegrias, vontades, medos, posturas e os mais heterogêneos
sonhos. Some-se a isso o fato de estarem atravessando uma fase de
formação, de intenso aprendizado, de dúvidas, de questionamentos, de
buscas incansáveis... Têm o privilégio, e também a grande
responsabilidade, de ter todo um futuro pela frente.
Nesse sentido, nossas políticas públicas educacionais levam em
consideração, em primeiro lugar, as necessidades mais básicas desses
cidadãos do futuro: a compreensão, o respeito por suas diferenças, por
seus valores e pela história pessoal de cada um.O desempenho, o sucesso
e a ampliação do potencial dos aprendizes dependem de nossa
sensibilidade para vê-los como seres humanos e não apenas como números
registrados nas listas de chamada. Por meio dessa prática, nós,
educadores, poderemos ter a chance de ir além e de também aprender com
nossos educandos. Sem essa troca essencial, estamos condenados a perder
o brilho, a seiva, o norte... Educar é, sobretudo, nunca deixar de
aprender e de acreditar. O primeiro passo para fazer da educação uma
possibilidade real para todos já foi dado na medida em que promovemos a
universalização do ensino. Os números mais recentes apontam um total de
99% de crianças freqüentando a escola no Estado de São Paulo. Uma vez
garantido o acesso aos bancos escolares, nossos esforços convergem
diretamente para as melhorias nas condições de aprendizagem -
decorrentes do reflexo direto da mudança de filosofia da cultura
escolar. Agora, singramos os mares de forma mais habilidosa porque
navegamos com um lema comum a todas as nossas rotas: "todo professor é
capaz de ensinar, todo aluno é capaz de aprender". E o inverso é
absolutamente verdadeiro.
Um lema que nos faz respeitar, por exemplo, o ritmo próprio de
aprendizado e de assimilação de conteúdos de cada estudante. Um direito
do indivíduo que vinha sendo relegado, mas que ganhou força com a
implantação, em janeiro de 98, do regime de progressão continuada da
aprendizagem, que possibilita o avanço contínuo dos alunos ao longo do
percurso escolar, organizando o Ensino Fundamental em dois ciclos de
quatro anos cada. Para ampliar os benefícios dessa prática aos
estudantes de níveis mais avançados, adotamos a flexibilização do
currículo no ensino médio, permitindo a matrícula por disciplina e
evitando que o aluno refaça componentes nos quais foi bem-sucedido.
Nessa viagem de importância histórica, a sociedade civil organizada tem
sido nossa grande companheira. Empresas, igrejas, ONGs, universidades,
entidades e associações variadas têm contribuído para que nossos alunos
e professores desfrutem uma formação intelectual, física e emocional
sólida, com direito ao esporte, à cultura, ao lazer, à arte, à
profissionalização, à saúde e, enfim, à conquista de uma vida melhor.
Juntos, temos viabilizado a capacitação constante dos educadores por
meio de cursos, palestras, teleconferências e congressos. Em dezembro,
por exemplo, presenciamos a formatura de 7 mil professores pelo programa
PEC - Formação Universitária , programa de educação continuada, cujo
objetivo é fornecer aos professores efetivos no ensino da 1ª à 4ª série,
com formação de nível médio, de mais de 2 mil escolas de ensino
fundamental do Estado, a oportunidade de formação em nível superior
fornecida pela USP, Unesp e PUC-SP.
Em todas as capacitações, encontros, visitas às escolas e conversas com
os representantes da categoria, sempre ressaltamos a importância da
aliança entre o aperfeiçoamento técnico do professor e a solidificação
de uma postura afetiva em sala de aula. Queremos que nossos aprendizes
enxerguem no mestre um exemplo a ser seguido, um amigo com quem possam
contar e não uma autoridade acima do bem e do mal. Nas escolas, muitos
programas e projetos têm favorecido essa prática mais afetiva e
integrada. Os alunos sentem-se incentivados a participar, a descobrir e
a mostrar seus talentos. Por isso, é fundamental que a comunidade do
entorno escolar e da sociedade como um todo prestigie os eventos
constantemente promovidos pelos estabelecimentos de ensino. Foi o que a
secretaria - juntamente com a população que transitava pelo Centro de
São Paulo - fez durante o mês de dezembro de 2002. Nossos funcionários
uniam-se aos populares, sempre ao meio-dia, na Praça da República, para
prestigiar os corais natalinos de dezenas de escolas estaduais
provenientes das mais diversas regiões do Estado.
O programa dos corais nas escolas, bem como aqueles ligados à música
clássica, ao teatro, ao cinema, à criação de bandas e fanfarras, à
preservação do meio ambiente, ao exercício dos direitos e deveres do
cidadão - fortalecimento e reativação dos grêmios, campanhas
comunitárias, combate às drogas e à violência, etc. - têm propiciado uma
revolução verdadeiramente positiva na vida dos estudantes. Programas
como Parceiros do Futuro, Comunidade Presente, Prevenção Também se
Ensina, Escola em Parceria, Mutirão da Cidadania e Programa Profissão
estão, na verdade, plantando sementes e oferecendo não só para São
Paulo, mas para todo o Brasil, a chance de ter, num futuro breve, uma
colheita digna dos anseios e do trabalho de todo o seu povo.
Que as nossas palavras, corroboradas - e impregnadas - pela verdade
impressa em nossas ações, possam colaborar para a discussão, para o
debate e para a reflexão em torno dessa educação afetiva e eficaz. Uma
educação que privilegia a criação de gerações mais capacitadas, tanto
para contribuir para o desenvolvimento e o progresso da ciência quanto
para desfrutar todos os seus benefícios. Uma educação que oriente e
funcione como a bússola que desvenda as infinitas maneiras de navegar,
com sucesso, pelos mares da vida.
Gabriel Chalita , professor, é
secretário de Estado da Educação de São Paulo. Doutor em Direito,
Comunicação e Semiótica, e autor de 34 livros.
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