“(...)
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.”
(Com licença poética – Adélia
Prado)
A força,
a garra e a determinação que tão bem caracterizam a figura feminina
têm servido como base para a construção das mais belas e intrigantes
personagens da literatura, do cinema e do teatro. As mulheres são
também musas inspiradoras de poetas eternamente condenados ao
sofrimento causado por paixões avassaladoras. Sentimentos provocados
pela beleza e pela presença marcante daquelas que têm sido –
equivocadamente – chamadas de sexo frágil.
Para perceber o quanto essa denominação é um contra-senso, basta olhar
à nossa volta. As mulheres são verdadeiras fortalezas edificadas sobre
uma terra fértil, produtora das qualidades essenciais à vida humana: a
capacidade de doação, a paciência, a sabedoria e a coragem. No setor
educacional brasileiro essas guerreiras sempre foram maioria. Talvez
isso se explique porque o ato de educar exige a reunião de todas as
qualidades referidas anteriormente, associadas, também ao amor, ao
afeto e à dedicação extrema. Uma dedicação que, ao mesmo tempo, é
desprovida de expectativas de reconhecimento, da mesma forma que
ocorre com o amor verdadeiro.
Muitos homens também se encaixam nesse perfil, fornecendo
contribuições fundamentais ao setor, como o mestre Paulo Freire –
estudioso e defensor de uma pedagogia inclusiva e eficaz –, o
professor Antonio Candido de Mello e Souza – intelectual renomado e
formador de numerosas gerações de profissionais dedicados à arte das
letras e o professor André Franco Montoro – tão apaixonado pelo
magistério que, mesmo com uma experiência de quase 60 anos como
educador, ainda mantinha a mesma paixão e entusiasmo de um iniciante.
Mas, todos podemos comprovar que grande parte das estrelas que compõem
a constelação educacional atende, na verdade, por um nome feminino.
Basta entrarmos em uma escola qualquer para observar que lá estão elas
– as mulheres – ocupando a maioria dos postos existentes: professoras,
diretoras, inspetoras, merendeiras, secretárias... Juntas, têm uma
força fabulosa que determina os movimentos de rotação e translação do
binômio ensino-aprendizado.
Assim como na literatura brasileira – tão bem representada pelos
textos magistrais de numerosas escritoras – nossas educadoras
caracterizam-se por conseguir adentrar numa seara tão complexa e
fascinante como a que rege a criação das histórias que compõem os
livros. Até porque, cada obra literária possui, assim como a escola,
personagens diversos, com trajetórias, conflitos, desejos e origens
totalmente diferenciadas.
Nossas educadoras – tal qual as autoras das grandes obras de nossas
letras – têm a missão de criar uma sintonia fina entre os
representantes desse universo rico e diversificado que é a escola,
fazendo com que seus protagonistas desenvolvam-se da melhor forma
possível.
A educação proporcionada por essas mulheres – que escrevem e dão molde
ao futuro das novas gerações em cada estabelecimento de ensino
brasileiro – congrega, a um só tempo, alunos, professores, diretores e
funcionários. Atores que interagem, criam, produzem, superam suas
limitações e, então, constroem, aos poucos, a maturidade necessária
aos grandes personagens de todas as histórias. Alinhavar esse
crescimento é um trabalho árduo, mas compensador.
Quem de nós não teve, quando estudante, professoras que nos
possibilitaram a ampliação de nossa consciência e o impacto positivo e
instigante da descoberta? Vistos por um ângulo mais abrangente,
percebemos que esses são os mesmos sentimentos que encontramos, por
exemplo, quando lemos as outras educadoras da vida e da alma: Adélia
Prado, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Cecília Meireles,
Rachel de Queiroz, Cora Coralina, Hilda Hilst. É quando nos damos
conta de que obtemos, com essas mulheres, a transcendência, a explosão
multicor da centelha divina existente em todos nós, culminando com a
evolução e o crescimento proveniente disso. Quem resume bem as metas
conquistadas e/ou pretendidas por essas gigantes do ensino é a poeta
Cecília Meireles, quando diz que é preciso “acordar a criatura
humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar.
Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de
salvação – mas por uma contemplação poética e participante”.
Gabriel Chalita, 33, é
secretário de Estado da Educação. Doutor em Direito, Comunicação e
Semiótica, professor da PUC-SP e da Unimes.