Expedito C. S. Bastos*

 

Os primeiros carros de combate M-4 Sherman chegaram ao Brasil em plena Segunda Guerra Mundial, 1943, para equipar unidades recém criadas no Exército Brasileiro, como a Companhia Escola de Carros de Combate Médio.

Durante e no pós-guerra o Exército recebeu aproximadamente 80 Sherman das versões M-4, M4-A1 e M-4 Composite Hull que passaram a equipar diversas unidades blindadas até o final dos anos 60, quando foram sendo substituídos gradativamente pelos M-41 Walker Bulldog. (foto 1)

Em razão de sua desativação o Grupo de Trabalho formado por Engenheiros de Automóveis e subordinado à Diretoria de Pesquisas e Ensino Técnico do Exército, no Parque Regional de Motomecanização da 2ª Região Militar (PqRMM/2) de São Paulo, criado em 1967, estava desenvolvendo uma série de estudos e trabalhos sobre blindados que culminaram com a criação e adaptação de diversos veículos militares, blindados ou não.

Inspirados nos sucessos alcançados pela Indústria Israelense que na década de 50 já iniciara a modernização de seus Carros de Combate Sherman, transformando-os em veículos mais modernos e altamente confiáveis, criando uma extensa família que participou das mais importantes guerras ocorridas contra os diversos exércitos árabes, noticiados em publicações militares à época, encorajou bastante aquele Grupo.

O fato de existir um grande número de Sherman nos depósitos do Exército, sem ainda um fim definido, levou o Grupo a requisitar um M-4 Composite Hull, que tinha como característica a parte frontal e torre serem fundidas e as demais partes do casco do carro serem de placas de blindagem soldadas e sua suspensão era a VVSS (Vertical Volute Spring Suspension), padrão segunda guerra mundial e comum a todos os Carros de Combate Sherman utilizados no Brasil.

De posse deste veículo e com a autorização da Diretoria de Moto Mecanização – DMM, em 1969, foi então iniciado um estudo para a recuperação deste blindado. (foto 2)

De imediato foi proposto a mudança de motor, retirando o motor a gasolina radial e substituindo-se por um motor diesel, mais confiável e mais econômico. Paralelamente a este fato, estava sendo lançado, no Brasil, pela fábrica MWM um novo motor diesel V-12, turbinado de 406 DIN e que foi o escolhido.

Os trabalhos foram iniciados em 1970 e ficou parado por falta de verbas até 1974, quando foi retomado e ampliado envolvendo um estudo para transmissão, embreagem e outros itens. (foto 3 e 4)

Em 1975 o veículo ficou pronto e foi submetido a testes, tendo sido aprovado, tanto que foi dado seguimento a uma outra etapa, desta vez envolvendo a empresa Biselli, onde o veículo foi novamente desmontado e teve toda a sua suspensão trocado por uma mais moderna do modelo HVSS (Horizontal Volute Spring Suspension) dando ao carro um outro aspecto. (Suspensão já usada no Brasil em alguns modelos do Sherman socorro). Toda a parte de borracha desta suspensão foi desenvolvida no Brasil pela Novatração, Artefatos de Borracha, em São Paulo. (foto 5 e 6)

O projeto parou por aí, a Diretoria de Material Bélico não levou adiante, o trabalho de reconstrução do Sherman Brasileiro parou. O carro pronto recebeu sua velha torre original e canhão de 75mm e sua pintura verde oliva, mantendo sua matrícula EB 11-721. (foto 7)

A etapa seguinte deveria ter sido o desenvolvimento de uma nova torre para este novo carro, e desta forma teríamos prolongado a vida útil deste blindado, além de Ter desenvolvido uma torre bem mais complexa e moderna, mas preferiu-se esquecer todo este aprendizado e partir para outros projetos, como a família X-1, embora fosse esta de carros leves.

Em 1977, realizou-se um estudo, para o desenvolvimento do XLP-20, um lançador de ponte com 20 metros, usando-se como plataforma um Sherman M-4 sem a torre, suspensão VVSS, que transportaria a ponte de alumínio com lançamento horizontal eletro-hidráulico, similar ao BIBER alemão (em cima do Leopard 1), muito embora o estudo levasse em conta diversos veículos de países como Suécia, Inglaterra, União Soviética e Estados Unidos. Foi elaborado em parceria do IPD (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Exército – filial SP) e a Bernardini S/A Indústria e Comércio.

A grande dificuldade era com relação a tecnologia do alumínio, não dominada por nós, mas que com informações oriundas da Alcan, tanto no Brasil como na Suiça, foi possível elaborar todo o projeto para a concepção deste veículo, o qual infelizmente não chegou a fase de protótipo, mas os desenhos e cálculos mostram a viabilidade deste conceito, muito moderno para o momento, inclusive possuindo inovações sobre os até então existentes, cujas características básicas seriam: Lançamento Horizontal; Extremidades dobráveis; Comandos hidráulicos com sensores elétricos de segurança, alarme e automatização; Operação realizada totalmente pelo motorista do carro; Estrutura da ponte em ligas de alumínio, com travessas articuladas para apoio em qualquer terreno; Tempo de lançamento e recolhimento previsto na ordem de cinco minutos; Capacidade de carga para agüentar um Carro de Combate M-4 Sherman ou um M-41, algo em torno de mais de 30 toneladas. (Desenho 1)

Os Sherman modernizados em Israel ainda prestam bons serviços e serviu de base para a consolidação de uma indústria voltada para a produção de blindados e outros itens, o que infelizmente no Brasil não se tornou uma realidade, talvez em razão dos muitos projetos existentes, nenhum deles foi totalmente concluído. O do Sherman com certeza foi o melhor e menos compreendido e rapidamente caiu no esquecimento.

Em 1979, já no governo Geisel, foi criado o Centro Tecnológico do Exército – CTEx, só que no Rio de Janeiro, deslocando desta forma os centros de pesquisas para fora do parque tecnológico brasileiro que era e ainda é São Paulo. Vejo aqui o início da nossa decadência tecnológica, pois os custos passaram a ser muito altos para deslocar um protótipo, por exemplo, para se testado, pois o CTEx fica em Guarativa, próximo a restinga da Marambaia, onde se localiza o Campo de Provas do EB, um local ainda muito distante dentro da cidade do Rio de Janeiro. A idéia era a de criar um novo polo industrial, coisa que até o presente não foi e não será concretizado, naquela área.

Na época existiam duas correntes dentro do EB, uma previa a instalação do CTEx em Campinas e o campo de provas seria em São Paulo numa grande área até hoje inabitada entre as rodovias Imigrantes e Anchieta, parte do local onde se efetuou a maior demonstração dos principais projetos da indústria de material de defesa brasileira para diversas autoridades e imprensa naquele ano, a qual foi amplamente divulgada pelas revistas e jornais mais importantes do país. Estudava-se ainda a transferência do Instituto Militar de Engenharia do Rio para o interior de São Paulo, muito provavelmente Campinas, criando deste modo um importante centro tecnológico próximo às grandes indústrias, um local ideal para se “pensar, viver e respirar tecnologia”. A outra corrente previa instalação no Rio de Janeiro, e esta foi a vencedora.

O Grupo de Estudos que possuía uma visão muito grande em relação à produção de blindados no Brasil já estava sendo desmantelado, todo o conhecimento ali praticamente foi perdido, embora muitas empresas privadas tenha se beneficiado dele e estas passaram a ser oficialmente a criadora dos principais produtos militares brasileiros.

Em 1983/84 uma parceria entre o CTEx e a Bernardini S/A Indústria e Comércio, que já vinha junto com outras empresas trabalhando no projeto da família X-1 e no repotenciamento dos M-41, fruto do trabalho desenvolvido no PqRMM/2 ressuscitou o projeto do Sherman, só que não na versão de carro de combate armado com canhão, mas numa versão antiminas, coisa ainda inexistente na arma blindada brasileira hoje.

O Sherman EB 11-721 virou o EB 13-721 (EB = Exército Brasileiro, 11 = Tipo Carro de Combate, 721 = número do carro e 13 = Tipo Carro blindado especializado) e dele foi retirada a torre com seu canhão de 75mm e seu motor MWM foi substituído por uma moderno Scania DS 14 já empregado, com sucesso, em outros blindados brasileiros. Foi também adquirido em Israel da firma Urdan um rolete antiminas que foi acoplado na sua parte dianteira e ele recebeu uma camuflagem em dois tons, marrom e verde, já em uso no EB, em substituição ao verde oliva puro. (foto 8)

Nasceu assim um novo projeto que embora testado e apresentado em vídeo como uma solução brasileira para o Sherman, também não foi adiante, abandonada ficou longos anos apodrecendo na região da Marambaia, e hoje existe uma velha carcaça que continua apodrecendo num depósito do EB e ela pertence ao acervo do Museu Militar Conde de Linhares, aguardando verbas para sua recuperação, preservada apenas por acharem que se tratava de um super Sherman M-51 Israelense, único no país. (foto 9 e 10)

Os Sherman remanescentes foram sucateados e derretidos em siderúrgicas, transformados em porcas, parafusos e outros componentes, devido a qualidade do material com que fora construído. (foto 11)

Uma outra empresa brasileira, a Moto Peças de Sorocaba, em conjunto com o CTEx apresentou um projeto que gerou uma pré série de onze veículos do Sherman Engenharia, um novo tipo de aproveitamento daquele carro de combate, embora os resultados não tenham sido satisfatório, não chegou a ser homologado, ele foi menos complexo que o anterior.

Tratava-se de uma viatura blindada especial, de engenharia, montada sobre a suspensão e transmissão do Sherman M4A1, pesando 29 toneladas, com tripulação de até 8 homens, com guincho hidráulico, lança rebatível, lâmina tipo Bull-dozer. O guincho tinha capacidade de içamento de cargas até 10 t, conseguindo arrastar 40t, e previa-se uma adaptação para roletes antiminas. (foto 12)

A pesquisa na área de blindados no Brasil foi muito criativa e diversificada, muito embora nesta área não se pode dar grandes saltos, é necessário ir aos poucos, isto não foi muito bem compreendido nos escalões mais elevados, uma vez que num determinado momento largou-se tudo o que até então se tinha construído desde 1967 para entrar num sonho em possuir equipamentos num grau de sofisticação similar aos países do primeiro mundo, esquecendo que o maior problema é a dependência tecnológica e optamos pelo caminho mais fácil, importá-los sem a preocupação em saber como produzi-los, melhorá-los e ter uma cadeia logística para os momentos mais difíceis.

O retrocesso foi grande, hoje estamos importando equipamento usado e muito defasado e poderíamos ter mantido e ampliado nossos horizontes se pelo menos soubéssemos preservar e aumentar o conhecimento que produzimos em fragmentos, apenas dando continuidade a alguns projetos que se tornaram viáveis em outros países pela simples razão de que eles compreenderam e souberam acumular experiências e conhecimentos...

 

Legendas e Créditos de Fotos:

 

Foto 1 - Alguns M-4 Sherman Composite Hull do 1º Batalhão de Carros de Combate – 1º BCC noRio de Janeiro, RJ desfilando em 07 de setembro de 1965. (Serviço Cinefotográfico do Exército)

Foto 2 - O Sherman M-4 Hull EB 11-721 após troca do motor e demais componentes, no PqRMM/2 de São Paulo em abril de 1975. (Autor)

Fotos 3 e 4 - Testes de rampa realizados no PqRMM/2 em São Paulo nos meses de abril/maio de 1975. (Autor)

Foto 5 - O Sherman M-4 Hull EB-11 721 na Biselli todo desmontado e pronto para receber a nova suspensão. (Autor)

Foto 6 - Detalhe da nova suspensão HVSS.O veícuulo se encontra no PqRMM/2 tendo atrás dele um dos protótipos do futuro Cascavel prontos para sem testados. (autor)

Foto 7 - O Sherman EB 11-721 totalmente pronto e com a nova suspensão e sua torre original, matrículas, emblemas e pintura verde oliva. Um novo carro. (autor)

Desenho 1 - Concepção do Sherman M-4 Lança-Ponte projetado pelo IPD/Bernardini em 1977. (autor)

Foto 8 - O Sherman EB 13-721, anteriormente EB 11-721 na versão antiminas já com o motor Scania DS 14 sendo testado no Campo de Provas da Marambaia, RJ, em março de 1986. Os roletes são URDAN israelenses. (autor)

Foto 9 e 10 - O Sherman EB 13-721 hoje. Foto tirada pelo autor em 2002. Ainda é possível restaurá-lo pois é peça única no Brasil. (autor)

Foto 11 - Diversas carcaças de Sherman em Sorocaba prontos para serem derretidas, em maio de 1986. (Arquivo Paulo Cid Fellows)

Foto 12 - A versão do Sherman Engenharia apresentada pela Moto-Peças de Sorocaba, SP na década de 80. (autor)

 

*- O texto foi mantido como originalmente escrito, tendo permanecido em português do Brasil. O site "Military Zone" convida os visitantes a contribuírem, dando a sua opinião acerca deste artigo ou contactando-nos através do e-mail do site ou do autor.

 

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