Introdução
O
dia da Marinha comemora-se anualmente a 20 de Maio, data em que, no ano de 1498
Vasco da Gama atinge o porto de Calecut (Índia) ligando por mar as civilizações
europeia e asiática.
Ao
longo dos mais de 850 anos de história a Marinha vem desempenhando, por vezes em
condições difíceis, importantes acções na defesa da independência nacional e no
apoio e defesa das populações.
As
comemorações do corrente ano realizam-se por um lado sob a preocupação das
limitações financeiras que vêm dificultando o normal desenvolvimento das
actividades diárias da Marinha mas por outro lado sob o signo da esperança não
só no reconhecimento do trabalho desenvolvido em prol do país e das suas
populações mas também no início do processo de renovação dos seus meios
operacionais que lhe permitam continuar a desenvolver a sua Missão.
Consequência de um demasiado longo período sem qualquer investimento, a Marinha
encontra-se actual mente no limiar do “ZERO NAVAL” com a maioria das suas
unidades a atingirem o limite de vida útil e já com custos de manutenção
elevados, pois que entre 1975 e 1986 não foi adquirido qualquer navio para a
Marinha e até à chegada, em 1991 das fragatas “Vasco da Gama” apenas foram
adquiridas duas lanchas hidrográficas e um navio de apoio em segunda mão.
Comparativamente, entre 1965 e 1974, adquirem-se 7 fragatas, 4 submarinos, 10
corvetas, 10 patrulhas e 3 navios auxiliares, unidades na sua maioria ainda ao
serviço, para além de pequenas lanchas de fiscalização e de desembarque,
permitindo
que durante a Guerra do Ultramar a Marinha estivesse dotada de meios navais
necessários à realização das missões em África e, simultaneamente, manter a
participação na NATO com a integração anual de um navio na STANAVFORLANT, a
força naval permanente criada em 1972.
No
virar do século XX para o XXI Portugal participou, como membro da NATO e da UEO
em conflitos internacionais. A Marinha, seguindo as Directivas do Governo
enviou, sucessivamente, as fragatas Roberto Ivens e Sacadura Cabral para
guarnecer a NAVOCFORMED ao abrigo da sua participação na NATO, e disponibilizou,
durante seis meses, o navio de apoio logístico São Miguel para colaborar com as
forças da UEO no embargo ao Iraque decretado pelas Nações Unidas.
A
Marinha participou ainda, no âmbito da NATO e da UEO no bloqueio naval contra a
Sérvia decretado pelas Nações Unidas, e mais tarde, forças de Fuzileiros
integraram os contingentes portugueses deslocados para a Bósnia e o Kosovo.
Durante os acontecimentos que se desenrolaram em Luanda depois das eleições
angolanas de 1992, a Marinha fez deslocar para o Atlântico Sul uma unidade naval
e elementos do Destacamento de Acções Especiais dos Fuzileiros para, em caso de
necessidade, recolher os cidadãos portugueses que se encontravam naquele país de
língua oficial portuguesa. Também durante o conflito na República do Zaire para
ali se deslocaram elementos dos Fuzileiros para, em caso de necessidade,
proceder à recolha de cidadãos nacionais residentes naquele país.
Quando dos trágicos acontecimentos da Guiné em 1999, a Marinha garantiu a defesa
dos interesses portugueses na região e colaborou com os órgãos diplomáticos no
transporte para as reuniões das delegações das partes beligerantes contribuindo
para a solução política do conflito.
A
Marinha participou ainda no processo de independência de Timor enviando para a
região dois navios e, depois com os pelotões de Fuzileiros integrados nas forças
da ONU destacadas no local.
Missão
A
Marinha é o Ramo das Forças Armadas destinado ao exercício da vigilância e
controlo do mar nas áreas de interesse Nacional cuja vastidão, por um lado e a
configuração arquipelágica, por outro, faz com que constitua uma componente de
elevado valor do Sistema de Defesa Militar em que se integra.
Torna-se
indispensável também valorizar a reconhecida polivalência das unidades navais,
cabendo, por isso, à Marinha continuar a garantir, eficazmente e em permanência,
a realização de actividades de interesse público no mar.
De acordo com a sua
actual Lei Orgânica -- Decreto-Lei nº 49/94 de 26FEV -- a Marinha tem por Missão
cooperar, de forma integrada, na defesa militar da República através da
realização de operações navais, Aprontar e manter as Forças Navais e de
Fuzileiros necessárias à execução das tarefas da componente naval da defesa
integrada do território nacional e à satisfação dos compromissos internacionais
assumidos; aqui se incluem as de vigilância e controlo das águas territoriais e
da liberdade de utilização dos portos nacionais, sobretudo em relação à guerra
de minas, e ainda para a colaboração na protecção das linhas de comunicação
marítima de interesse nacional;
Sem
prejuízo desta missão, a Marinha desempenha também missões no âmbito dos
compromissos internacionais assumidos pelo Estado e missões de interesse público
de que destacamos:
· Exercer a autoridade
marítima nos espaços marítimos sob jurisdição nacional;
· Exercer actividades
de segurança marítima nos espaços marítimos de jurisdição ou de responsabilidade
nacional, incluindo a salvaguarda da vida humana no mar e o assinalamento
marítimo;
· Exercer actividades
de investigação científica nos portos, nas costas e no mar, nos domínios da
hidrografia, da oceanografia física e da geologia submarina, participando em
tarefas de desenvolvimento nacional;
· Executar acções de
socorro e assistência, designadamente colaborando com o Serviço Nacional de
Protecção Civil, em situações de catástrofe ou calamidade e acidentes.
Desde tempos longínquos que a Armada põe ao serviço da comunidade a sua vocação,
os seus meios e o seu conhecimento dos assuntos do mar para exercer nos espaços
marítimos importantes tarefas de interesse nacional e de carácter não militar.
Lembramos,
como exemplos, a participação da Marinha na organização e no Governo dos antigos
territórios ultramarinos, o papel das Capitanias na ligação da Marinha com as
populações ribeirinhas, especialmente as piscatórias, a sua intervenção nas
operações de busca e salvamento no mar, a cooperação com as forças de segurança
no combate ao tráfico de droga, a intervenção na tragédia da ponte Hintze
Ribeiro ou mais recentemente, a participação nas operações do “Prestige” para
observarmos toda acção tradicional da Marinha nas missões de interesse público;
é uma característica que têm dado à Marinha alguma particularidade.
O
Sistema Nacional de Autoridade Marítima está dotado com o pessoal e a
experiência da Marinha que ao longo de mais de um século assegurou a manutenção
dos faróis, farolins bem como a balizagem e a sinalização das costas e dos
portos, trabalhos imprescindíveis ao tráfego marítimo e à segurança da
navegação, bem como o serviço de socorros a náufragos.
Organização e
Dispositivo
A
natureza e a diversidade das missões, o carácter da actividade operacional e a
evolução tecnológica das modernas unidades, impuseram uma profunda modificação
da estrutura orgânica da Marinha no final do século XX.
A
estrutura operacional está centralizada num único comando Naval. directamente
subordinado ao Chefe do Estado-Maior da Armada, e que tem sob a sua dependência
o Corpo de Fuzileiros. Cabe-lhe o planeamento, coordenação e controlo da
actividade operacional, supervisando o aprontamento dos meios e a execução das
operações navais.
O
Estado-Maior da Armada é o órgão de estudo e planeamento que assumiu também
funções de inspecção.
Os
órgãos Centrais de Administração e direcção são responsáveis pelo apoio aos
meios operacionais e abarcam áreas como a gestão de pessoal, formação, saúde,
apoio logístico e manutenção, para além das áreas técnicas como a hidrografia, a
cartografia, a oceanografia e a balizagem entre outras.
Tradicional na Marinha é a sua área cultural onde podemos encontrar organismos
como o Museu de Marinha, o Aquário Vasco da Gama, o Planetário e a Revista da
Armada.
A
Armada tem vindo a adoptar um dispositivo de cobertura geográfica dos espaços
marítimos sob jurisdição nacional que em tempo de paz permite cumprir as missões
de interesse público, nomeadamente a busca e salvamento no mar, a segurança da
navegação e a fiscalização da pesca, que obrigam a uma permanente presença no
mar de, pelos menos, 5 unidades navais.
Meios Navais
A estrutura de Forças
da Armada prevê a existência, em situação de crise ou conflito, de dois
agrupamentos operacionais (de 3 ou 4 navios tipo fragata).
Os meios navais de que
a Armada dispõem para integrar estes grupos operacionais são os seguintes:
-
3 fragatas da classe
“Vasco da Gama”; adquiridas em 1991 têm uma vida útil até ao ano 2021.
-
3 fragatas da classe
“João Belo”; Adquiridas em 1967 têm uma vida útil prolongada até ao ano 2007.
-
3 corvetas da classe
“Baptista de Andrade”; Adquiridas em 1975, têm uma vida útil até ao ano 2007.
-
Navio-reabastecedor
Bérrio; Adquirido em segunda mão em 1993, tem uma vida útil até ao ano de
2008.
-
2 submarinos da
classe Albacora; Adquiridos em 1967, a sua vida útil terminou em 1997, mas foi
prolongada até 2006.
A Armada dispõe também
de unidades de mergulhadores sapadores para acções de guerra de minas e de
unidades de fuzileiros que incluem um batalhão ligeiro de desembarque, um
destacamento de acções especiais que garante alguma capacidade anti-terrorismo
marítimo e um outro batalhão a quem cabe a segurança das instalações navais
nacionais e da NATO.
Dispõe ainda de outros meios navais de reduzido valor militar e como tal
empregues, quase exclusivamente, em missões de interesse público que dispensam
parte dos requisitos exigidos pelas missões de natureza militar, e que a seguir
se discriminam:
-
6 corvetas da classe
João Coutinho; actuam como patrulhas oceânicos para a fiscalização da ZEE;
adquiridas em 1970, têm uma vida útil até ao ano 2006.
-
7 patrulhas da classe
Cacine; actuam como patrulhas costeiros para a fiscalização das águas
territoriais; construídos em 1969 e com uma vida útil prolongada até 2006;
-
9 lanchas de
fiscalização rápidas da classe Argos (5) e Argos II (4) utilizadas para a
fiscalização das áreas ribeirinhas; construídas em 1991 e 2000 terão uma vida
útil até 2021;
Ainda no âmbito das missões de interesse público a Armada dispõe de mais os
seguintes meios:
-
Navio balizador
“Schultz Xavier”;
-
Navio hidrográfico
Almeida Carvalho;
-
2 Navios
Oceanográficos da classe D. Carlos
-
2 lanchas
hidrográficas da classe Andrómeda
-
1 lancha de
Desembarque da classe Bombarda
-
Diversas lanchas e
equipamento para intervenção na zona ribeirinha no combate à poluição e nos
socorros a náufragos.
-
3 navios escola
Sagres, Vega e Polar utilizados na instrução e treino de mar e que,
cumulativamente, desenvolvem acções de presença naval.
Quase todos estes meios terminam a sua vida útil, próximo do ano 2007.
O Futuro
A
Marinha realizou na última década do século XX profundas modificações
institucionais que lhe dão uma nova orientação mas cujos resultados só daqui a
alguns anos poderemos avaliar. Reestruturou, centralizou e automatizou serviços,
modernizou os sistemas de comunicações e reduziu pessoal, cerca de 3.000
efectivos (20%) em 5 anos, tendo como objectivos a redução das despesas e o
aumento da eficácia. Mas este esforço reorganizativo e financeiro da Marinha só
agora começa a ter correspondência na obtenção dos necessários meios
operacionais, com os projectos para a substituição dos meios que estão a atingir
o fim da sua vida útil.
A
decisão sobre a substituição dos submarinos, cujo processo foi iniciado em 1992,
teve o seu epílogo no passado mês de Abril com a assinatura do contrato de
construção de duas novas unidades. A sua construção demorará, no entanto, cerca
de 5 anos.
A construção de novos patrulhas oceânicos que substituam os actualmente ao
serviço -- corvetas João Coutinho e patrulhas Cacine, -- e cujos estudos se
iniciaram em 1977 – viram já ser aprovadas no PIDDAC as verbas para os dois
primeiros navios (de uma série de 12) estando previstas para o corrente mês o
assentamento da quilha dos dois primeiros. Nesta série de navios estão incluídos
dois navios de combate à poluição e um navio balizador. Destinam-se
prioritariamente a missões de interesse público onde destacamos a busca e
salvamento.
O
navio polivalente logístico cujo ante-projecto já foi aprovado aguarda
autorização governamental para se iniciar o processo de construção em estaleiros
nacionais. a sua utilização em casos de catástrofe, nomeadamente nas regiões
autónomas ou em países de expressão portuguesa, é evidente pelas suas
capacidades de transporte, de alojamento e de cuidados de saúde.
Mas a substituição das
fragatas “Comandante João Belo” e das corvetas “Baptista de Andrade” não está
ainda prevista, num momento em que já se devia estar a executar a modernização
de “meia-vida útil” das fragatas “Vasco da Gama”; cada navio levará cerca de 3 a
5 anos a construir.
A
aquisição de quatro modernos navios de guerra de minas, para substituir os 16
abatidos em 1975, só deverá ser planeada a partir de 2005; a sua construção
demorará ainda mais 3 anos.
Se
não houver uma continuidade do plano de renovação agora iniciado, não haverá
meios para realizar as missões e a Marinha voltará a atingir, nos meados do
primeiro quartel do Século XXI o Zero Naval que já a caracterizou no período da
Restauração, na segunda metade do Século XIX e na década de 1920.
Sabemos que a situação política e económica do país não permite encarar, a curto
prazo, possibilidade de uma imediata e profunda renovação da esquadra, face aos
elevados custos das modernas unidades navais. Mas a Marinha e os que a servem
continuam com esperança em ser dotados com os meios mínimos para desempenharem
as suas missões de defesa dos interesses nacionais quer os de natureza militar
quer os de serviço público.
Ultrapassado o período histórico da Expansão, assistimos a uma progressiva
decadência do nosso Poder Naval, apesar de algumas tentativas de ressurgimento
que esporadicamente foram levadas a efeito. Mas a Marinha foi sempre a primeira
a sofrer as consequências das dificuldades financeiras do país e a última a
beneficiar dos períodos de desafogo.
Apesar disso, a Armada
Portuguesa cumpriu, ao longo de mais de oito séculos e meio de História, por
vezes em condições difíceis, as missões que o Poder Político lhe atribuiu, mesmo
quando não dispunha dos meios apropriados para o seu cumprimento aqui se
incluindo não apenas as missões de carácter militar como também as científicas,
diplomáticas e governativas.
Não
tendo participado em grandes batalhas navais, os marinheiros portugueses
sustentaram, no entanto, inúmeros combates ao longo de mais de oito séculos e
meio, viajaram, exploraram e governaram territórios sob condições climatéricas
difíceis cumprindo, muitos com sacrifício da própria vida, a sua parte na divisa
quem desde o século XIX está inscrita no leme de todos os navios da Armada
Portuguesa:
A Pátria honrai que a Pátria vos contempla!
José
António Rodrigues Pereira
cmg
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