A EUROPA EM CRISE (Parte II)

Por Rui Cabaço

 


Chamberlain em Godesberg: 22-23 de Setembro

 

    Chamberlain levava a Hitler tudo o que este lhe tinha pedido durante a entrevista de Berchtesgaden. No entanto, os dois homens não se sentiam à vontade quando se reuniram na pequena cidade renana de Godesberg, ao principio da tarde do dia 22 de Setembro.

    Apesar das preocupações que lhe causava a crescente oposição que se manifestava em Inglaterra contra a sua política, Chamberlain parecia estar de excelente humor quando chegou a Godesberg e percorreu de automóvel as ruas engalanadas, não só com a cruz gamada, como também com a “Union Jack”, para se dirigir ao seu quartel-general instalado no hotel Petershaf. O primeiro-ministro vinha disposto a aceitar todas as exigências formuladas por Hitler, mais aquelas que o Fuhrer pudesse fazer-lhe ainda.

 

    Já a tarde ia adiantada quando chegou ao hotel Dreesen, onde o esperava Hitler. Por uma vez apenas, foi Chamberlain quem falou sem parar, pelo menos ao princípio. Estava agora disposto a aceitar  que o território dos Sudetas fosse cedido á Alemanha sem plebiscito. Além do mais, os tratados de assistência mútua entre a Checoslováquia, a França e a Rússia, tão desagradáveis para o Fuhrer, seriam substituídos por uma garantia internacional contra um ataque não provocado, e de futuro a Checoslováquia deveria ser completamente neutral.

 

“- Devo compreender que os governos britânico, francês e checo consentem em que o território dos Sudetas volta á Alemanha?” – perguntou Hitler.

“- Sim!” – respondeu Chamberlain

“- Tenho muita pena, mas, em consequência dos acontecimentos destes últimos dias, o projecto que me propõe tornou-se completamente inútil.”

 

    Agora exigia que a zona dos Sudetas fosse “ocupada” imediatamente pela Alemanha. O problema devia ficar “completa e definitivamente resolvido, o, mais tardar no 1º de Outubro”.

    Chamberlain, depois de reflectir durante toda a noite, propôs que os alemães dos Sudetas se encarregassem eles próprios de fazer respeitar a lei e a ordem na sua zona até que esta fosse transferida para o Reich. Hilter não quis ouvir falar de tal compromisso. Depois de ter feito esperar o primeiro-ministro durante todo o dia, respondeu-lhe finalmente, enumerando, uma vez mais, todos os prejuízos  que os Checos tinham causado aos alemães, recusando-se novamente a modificar a sua posição e concluindo que a guerra parecia agora provável.

    A resposta de Chamberlain foi breve. Pedia a Hitler que expusesse as suas novas exigências por escrito e que as acompanhasse de um mapa. Na sua qualidade de mediador, encarregar-se-ia de enviar esses documentos a Praga.

 

    Antes de partir, voltou a encontrar-se com Hitler na noite de 23 de Setembro. Este apresentou-lhe as suas “novas” reivindicações num memorando acompanhado de um mapa. Fixava a Chamberlain uma nova data limite. Os Checos deviam começar a evacuar o território cedido no dia 25 de Setembro ás 8 horas da manhã, no fundo, dois mais tarde, devendo a mesma estar terminada a 28.

 

“- Isto não é nada mais do que um ultimato!” – exclamou Chamberlain ao ler o documento.

 

    Ao afirmar isto, referiu que a palavra alemã “diktat” correspondia perfeitamente a um tal documento Hitler retorquiu:

 

- Não é de modo algum um “diktat”. Repare o documento leva o titulo de memorando...

 

    Naquele instante entrou na sala um ajudante de campo com uma mensagem urgente para o Fuhrer. Após lê-lo Hitler pediu que o seu intérprete o lê-se a Chamberlain.

 

“- Benes (presidente da Checoslováquia) acaba de anunciar pela rádio a mobilização geral na Checoslováquia.”

 

    Tornou-se então óbvio para Hitler que os Checos não teriam a menor intenção de ceder nem um centímetro do território á Alemanha. Os Checos haviam sido os primeiros a mobilizar, segundo afirmava Hitler. Chamberlain por seu lado desmentia esta afirmação, dizendo que tinha sido a Alemanha a primeira a mobilizar. O Fuhrer negava que a Alemanha tivesse mobilizado.

A conversa prosseguiu assim até altas horas. Finalmente, depois de Chamberlain ter perguntado se o “memorando” alemão era a sua ultima palavra e de Hitler ter respondido que sim, o primeiro-ministro decidiu pôr fim aquela controvérsia inútil. Os seus esforços haviam fracassado, as esperanças que havia trazido à sua chegada desvaneceram-se.

    No entanto Hitler não queria que Chamberlain largasse o “anzol”. Decidiu fazer uma concessão, de modo a facilitar a tarefa: alteraria a data limite para a evacuação para dia 1 de Outubro, tendo ele próprio alterado a data no documento. Não se tratava, porém, de uma verdadeira concessão, uma vez que desde o dia D havia sido o 1º de Outubro.

 

    Quando os ministros franceses chegaram a Londres no Domingo 25 de Setembro, os dois governos tomaram conhecimento de que as propostas de Godesberg haviam sido formalmente rejeitadas pelo Governo Checo.

Para incitar Hitler a não romper imediatamente as negociações, Chamberlain, uma vez mais, escreveu á pressa uma carta pessoal dirigida ao Fuhrer e na tarde do dia 26 de Setembro enviou-a com toda a urgência a Berlim, por mão do seu ajudante, Sir Horace Wilson.

    Chamberlain escrevia na sua nota que, de acordo com as previsões comunicadas a Hitler, durante o seu ultimo encontro, os Checos tinham considerado “totalmente inaceitável” o memorando de Godesberg.

 

    Hitler ao ouvir a tradução do documento levantou-se gritando:

 

“- É inútil prosseguir as negociações, já não conduzem a nada. Os Alemães são tratado como negros! No dia 1 de Outubro farei da Checoslováquia o que me apeteça. Se a França e a Inglaterra resolverem atacar, é lá com elas. Não me importo com isso!”

 

    Nessa mesma noite, Hitler mandou cortar todas as pontes e no seu discurso, no recinto do Sportpalast de Berlim, que se encontrava a abarrotar de apoiantes, gritou, cheio de raiva, lançando injúrias contra Herr Benes, declarando que correspondia, a partir daí, ao presidente de Checoslováquia escolher entre a paz e a guerra e que, de todas as formas, ele, Hitler, entraria na posse do pais dos Sudetas no dia 1 de Outubro. Arrastado pela torrente das suas palavras, exaltado pelos vivas entusiásticos da multidão, foi, no entanto, suficientemente astuto para dar ainda um “osso a roer” ao Primeiro-Ministro Britânico.

    Agradeceu-lhe os seus esforços em prol da paz e repetiu-lhe que esta era a sua ultima reivindicação territorial na Europa: “Não queremos ter Checos entre nós”

 

    Quando se sentou, Goebels ergueu-se de um salto e gritou ao microfone:

“- Uma coisa é certa, 1918 não voltará a repetir-se jamais!”

 

    Hitler levantando para ele os olhos ávidos, como se aquelas fossem as palavras que procurara toda a noite sem conseguir encontrá-las com tal exactidão. Tornou a erguer-se, por sua vez, com a expressão iluminada por uma chama fanática. A sua mão direita, bateu violentamente sobre a mesa, e com toda a força gritou: “- JÁ!”, deixando-se cair, então na sua cadeira, esgotado.

 

    Às 13 horas do dia seguinte, Hitler deu uma ordem secretíssima, mandando que certas unidades de ataque abandonassem os seus locais de treino e se dirigissem ás bases avançadas da fronteira Checa. Ainda hesitava, pois a opinião pública, não demonstrava qualquer entusiasmo pela guerra na própria Alemanha e as reacções dos Governos Jugoslavo e Romeno eram favoráveis a Praga. Enfim, as noticias de Paris, onde a mobilização parcial se assemelhava a uma mobilização geral, pareciam-lhe ameaçadoras.

    Efectivamente, contra semelhante força, os Alemães (Hitler sabia-o perfeitamente) dispunham apenas de uma dezena de divisões, das quais metade eram compostas por unidades de reserva de valor duvidoso.

 

    Por outro lado, os Italianos não faziam absolutamente nada para imobilizar as forças Francesas na fronteira Franco-Italiana. Mussolini, o brioso aliado, parecia abandonar Hitler no momento crítico.

    Ainda por cima, o presidente dos Estados Unidos e o rei da Suécia, tinham-se metido no caso. O primeiro propusera a reunião imediata de uma conferência de todas as nações directamente interessadas e dera a entender que, se a guerra rebentasse, o mundo inteiro consideraria Hitler responsável por ela.

 

    O rei da Suécia, fiel amigo da Alemanha, expressara-se ainda mais francamente. Se Hitler não atrasava por dez dias a data limite fixada por ele para o dia 1 de Outubro, dava-lhe a saber que uma guerra mundial rebentaria inevitavelmente, da qual a Alemanha seria a única responsável, e acrescentara que os Alemães perderiam a guerra seguramente, “considerando a actual coligação de potências”.

    Na atmosfera tranquila e neutral de Estocolmo, o hábil rei estava em condições de julgar a situação militar de maneira mais objectiva do que os chefes de governo em Berlim, Londres ou Paris.

 

    Durante todo este tempo, que acontecia em Praga? Mostravam os Checos sinais de fraqueza? O adido militar alemão telegrafava para Berlim: “Calma em Praga, foram tomadas as ultimas medidas para a mobilização. Segundo cálculos aproximados, 1.000.000; exército em campanha 800.000.”

    Estes números igualavam os de soldados treinados que a Alemanha dispunha para guarnecer as duas frentes. Reunidos, os Checos e os Franceses superavam os Alemães em mais de dois contra um.

 

    Consciente destes factos e da sua importância, Hitler instalou-se no seu escritório ao anoitecer do dia 27 e pôs-se a ditar uma carta destinada ao primeiro-ministro britânico. Dava-se perfeita conta, nesse momento, de que o seu ultimato relativo ás propostas de Godesberg expirava no dia seguinte, ás duas da tarde, e que naquele momento Praga o desafiava. Paris mobilizava rapidamente, ao passo que a atitude de Londres endurecia, que o seu próprio povo se mostrava apático e os seus principais generais eram hostis á guerra. Nesta carta, calculada para impressionar Chamberlain, propunha-lhe uma nova negociação com os Checos.

 

    Às 10 horas e 30 minutos Chamberlain recebeu a comunicação de Hitler. Agarrou-se avidamente a esta delgada tábua de “salvação” e respondeu imediatamente ao Fuhrer:

 

    “Depois de conhecer o conteúdo da sua carta, tenho a certeza de que o senhor pode conseguir o essencial sem guerra e sem demora. Estou disposto a ir a Berlim imediatamente para discutir consigo e com os representantes do Governo Checo, bem como os representantes da França e da Itália, se assim o desejar, as medidas necessárias para efectuar a cedência. Julgo que podemos chegar a um acordo no prazo de oito dias.

Não posso acreditar que vá tomar sobre si a responsabilidade de desencadear uma guerra mundial, na qual se corre o risco de destruir a civilização, por causa do atraso de alguns dias na resolução de um problema já antigo.”

 

    Partiu também um telegrama para Mussolini, rogando-lhe que insistisse junto do Fuhrer para que aceitasse esta posição e pedindo-lhe que consentisse em estar representado no encontro previsto.

 


“A Quarta-Feira Sombria”

 

    Ao amanhecer do dia 28 de Setembro,  quarta-feira sombria, uma atmosfera sinistra pairava sobre Berlim, Praga, Londres e Paris. A guerra parecia inevitável.

Goering declarou naquela manhã: “Agora já não é possível evitar a guerra. Durará, talvez sete anos e será ganha por nós.”

 

    Nesse mesmo dia ás onze horas, Mussolini, entrou em contacto com o seu embaixador em Berlim, pedindo que solicitasse audiência imediata ao Chanceler Hitler, onde lhe pretendia comunicar que havia sido convidado pelo Governo Inglês para intervir como mediador no assunto dos Sudetas.

Pediu também que o embaixador comunicasse a Hitler que a Itália estava do seu lado, mas que na sua opinião se deveria aceitar a proposta.

 

    O embaixador Italiano, interrompendo a reunião que Hitler tinha nesse momento com o embaixador francês, comunicou ao Fuhrer a mensagem de Mussolini. Eram exactamente duas horas, à mesma hora em que terminava o prazo dado por Hitler aos Checos, que este respondeu: “- Diga ao Duce que aceito as suas propostas.”

 

    Enviaram-se apressadamente convites aos chefes de Governo da França e Itália, pedindo-lhes que se encontrassem em Munique com o Fuhrer no dia seguinte, ao meio-dia para resolverem com ele a questão checa. Aos Checos nem sequer se sugeriu que assistissem a esta reunião, na qual se devia resolver a sua “condenação á morte”...

 

    Ao ser comunicada por Chamberlain a notícia ao parlamento a antiga Câmara dos Comuns, a mãe dos parlamentos, reagiu com uma manifestação de alívio colectivo sem precedentes na sua larga história. Os deputados lançavam gritos clamorosos, atiravam ao ar as cópias da ordem do dia. Muitos choravam e dominando o tumulto, uma voz que parecia expressar os sentimentos de toda a assembleia, fez ouvir outras palavras: “- Que Deus abençoe o primeiro-ministro!”

 

    Jan Masaryk, o ministro Checo, filho do fundador da República Checoslovaca, assistia á cena do alto da galeria dos diplomatas e nem podia acreditar no que via. Depois foi encontrar-se, em Downing Street, com o primeiro-ministro e o seu secretário do Foreign Office, para saber se o seu país, destinado a sofrer todos os sacrifícios, seria convidado para Munique. Chamberlain e Halifax responderam que não, Hitler não o suportaria:

 

“- Se os senhores sacrificaram o meu país para salvar a paz do mundo, eu serei o primeiro a concordar convosco. Senão, que Deus tenha piedade das vossas almas!”

 

(Continua)

 

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