Meditar é exercitar o espírito em séria reflexão. É esse o sentido mais largo que se possa dar à palavra "meditação". O termo, então, não está confiando ao âmbito de reflexões religiosas, mas implica atividades mentais e certa absorção ou concentração que não permitem às nossas faculdades vaguearem ao léu ou permanecerem preguiçosas e sem orientação.

     Desde o princípio, deve ficar bem claro, porém, que o termo "meditação", aqui, não se refere a uma atividade puramente intelectual, e ainda menos a mero raciocínio. A reflexão tem a ver não só com o espírito mas também com o coração, e, em realidade, com todo o ser.

     Alguém que realmente medita não pensa apenas, ama também, e por seu amor – ou pelo menos pela intuição compreensiva para com a realidade sobre a qual reflete – entra nessa realidade e a conhece, por assim dizer, por dentro, por uma espécie de identificação.

     Santo Tomás e São Bernardo de Claraval descreve a meditação (consideratio) como uma "procura da verdade". Todavia, a "meditação", para eles, é algo de inteiramente distinto do estudo que é, igualmente, uma "procura da verdade". A meditação e o estudo podem, é claro, estar inteiramente relacionados. Na verdade, o estudo só é espiritualmente fecundo se conduz a uma qualquer meditação. Pelo estudo, procuramos a verdade nos livros ou em alguma outra parte fora de nossas mentes. Na meditação, esforçamo-nos por assimilar o que já temos. Consideramos os princípios que já aprendemos e os aplicamos à própria vida. Em lugar de simplesmente armazenar fatos e idéias em nossa memória, esforçamo-nos por pensar de maneira pessoal e íntima.

     No estudo, podemos nos contentar com uma idéia ou um conceito que seja verídico. Podemos nos contentar em ter um conhecimento a respeito da verdade. A meditação é para os que não se satisfazem com um conhecimento meramente objetivo e conceitual em relação à vida, em relação a Deus – em relação a realidades de primeira importância. Querem entrar em contato íntimo com a própria verdade, com Deus. Querem experimentar as mais profundas realidades da vida, vivendo-as. A meditação é um meio para chegar a um fim.

     Assim sendo, embora a definição da meditação inquisitio veritatis) como uma busca da verdade realce o fato de que ela é, acima de tudo, função da inteligência, significa, contudo, algo de mais. Santo Tomás e São Bernardo falavam de uma meditação fundamentalmente religiosa, ou, pelo menos, filosófica, e que tem como alvo fazer desabrochar nosso ser todo, pondo-o em comunicação com uma realidade suprema acima de nós. Esse conhecimento unitivo e amoroso começa na meditação, mas só atinge seu pleno desenvolvimento na oração contemplativa.

     Essa idéia é muito importante. Rigorosamente falando, até a meditação religiosa é primariamente uma questão de pensar. Mas não termina no pensamento ou reflexão. O pensar meditativo é simplesmente o início de um processo que leva à oração interior e que, normalmente, se supõe culminar na contemplação e na comunhão afetiva com Deus. Podemos chamar todo esse processo (em que a meditação leva à contemplação), oração mental. Na prática, a palavra "meditação" é, muitas vezes, utilizada como se designasse exatamente a mesma coisa que "oração mental". Todavia, se considerarmos o sentido exato da palavra, veremos que meditação é apenas uma pequena parte de todo o conjunto de atividades interiores que constituem a oração mental.

  Meditação é o nome com que é designada a primeira parte do exercício, a parte em que nosso coração e nosso espírito se adestram numa série de atividades interiores que nos preparam à união com Deus.

     Quando o pensamento está vazio de atenção afetuosa, quando começa e termina na inteligência, não leva a oração ao amor, à comunhão. Não entra, portanto, no quadro próprio da oração mental. Isso não pode ser considerado, em realidade, meditação. Está fora do âmbito da religião e da oração. Está, portanto, excluído da nossa consideração nestas páginas. Nada tem a ver com nosso assunto. Apenas devemos fazer notar que estaria alguém perdendo tempo se acreditasse que o simples raciocínio pode satisfazer as necessidades de sua alma em relação à meditação religiosa. A meditação não é só questão de "refletir sobre um assunto", mesmo se isso leva a uma boa resolução do ponto de vista da ética. A meditação é mais do que pensar.

     A característica que distingue a meditação religiosa é ser ela uma busca da verdade que brota do amor e a procura da posse da verdade, não só pelo conhecimento, mas também pelo amor. É, portanto, uma atividade intelectual inseparável de uma intensa consagração do espírito e aplicação da vontade. A presença do amor em nossa meditação intensifica e torna mais claro o pensamento, dando-lhe qualidade profundamente afetiva. Nossa meditação se vê repleta de uma amorosa apreciação do valor oculto na verdade suprema que a inteligência procura.

     Esse impulso afetivo da vontade, em procura da verdade como o bem mais elevado da alma, ergue-a acima do nível da especulação e faz de nossa busca da verdade uma oração cheia de amor reverencial e adoração, que se esforça por penetrar a escura nuvem que se mantém entre nós e o trono de Deus.

     Batemos de encontro a essa nuvem pela súplica, lamentamos nossa pobreza, nossa incapacidade, adoramos a misericórdia de Deus e suas sublimes perfeições, dedicamo-nos inteiramente ao seu culto.

     A oração mental é, portanto, como um foguete sideral. Movida por uma centelha do amor divino, a alma se lança em direção ao céu, num ato de inteligência claro e direto como a trajetória luminosa do foguete. A graça libertou as mais profundas energias do nosso espírito e nos assiste na ascensão de novas e insuspeitadas alturas. Contudo, nossas faculdades atingem em breve seus limites. A inteligência não consegue subir mais alto. Existe um ponto onde a mente se vê obrigada a baixar essa trajetória de fogo, como que para reconhecer seus próprios limites e proclamar a infinita transcendência do Deus inatingível.

     É aqui, porém, que a "meditação" atinge o clímax. O amor toma novamente a iniciativa e o foguete "explode" numa expansão de louvor sacrificial. O amor, então, projeta centenas de estrelas incandescentes – atos de toda espécie – que expressam tudo que há de melhor no espírito do homem, e a alma se consome em fogos que jorram glorificando o Nome de Deus, enquanto caem em direção à Terra desaparecendo, espalhados pelo vento noturno!

     É essa a razão por que Santo Alberto Magno, o mestre do qual Santo Tomás de Aquino recebeu a formação teológica em Paris e Colônia, nos dá o contraste entre a contemplação do filósofo e a dos santos:

"A contemplação dos filósofos nada mais procura do que a perfeição de quem contempla, e não vai além do intelecto. Mas a contemplação dos santos se inflama em amor do objeto contemplado, isto é, Deus. Não termina, portanto, num ato da inteligência, mas passa à vontade por um efeito do amor".

     Santo Tomás de Aquino comenta sucintamente que é essa a razão por que o conhecimento contemplativo de Deus é atingido, neste mundo, pela luz de um amor inflamado: per ardorem caritatis datur cognitio veritatis (comentário do Evangelho de S. João, Cap. 5).

     A contemplação dos "filósofos", que é mera especulação intelectual sobre a natureza divina tal como se reflete nas criaturas, seria, portanto, como um foguete que se projetasse nos céus mas jamais explodisse. A beleza do foguete está na sua "morte", e a beleza da oração mental e da contemplação mística está no abandono da alma e na total entrega de si mesma, numa explosão de louvor em que se consome inteiramente, para dar testemunho à transcendente bondade do Deus infinito. Quanto ao mais, é silêncio.

     Não nos esqueçamos jamais de que o fecundo silêncio em que as palavras perdem seu poder de expansão, e os conceitos nos escapam, é, talvez, a mais perfeita meditação. Não devemos ter medo nem nos inquietarmos quando não conseguimos mais "fazer atos". Antes, devemos regozijar-nos e repousar na noite luminosa da fé. Esse repouso é um degrau mais alto de oração.

 

do livro Direção Espiritual e Meditação. Editora Vozes. 1962. Pág. 61-66.

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