Thomas Merton encontrou-se com o Dalai Lama

algumas semanas antes de sua morte, em 1968.

No último verão [o encontro ocorreu em julho de 1996,

tendo este artigo sido escrito em janeiro de 1997],

o líder budista retornou a visita,

vindo ao Mosteiro de Gethsemani

[em Kentucky, nos EUA]

para participar de uma

reunião monástica inter-religiosa.

 

     Quando o Papa João Paulo II convidou o Dalai Lama para um diálogo inter-religioso, de maneira que fosse um componente chave para a preparação cristã do Grande Jubileu do ano 2000, suas palavras foram seguramente bem recebidas por Sua Santidade. O exilado líder espiritual e temporal dos budistas tibetanos tem solicitado, repetidamente, uma cooperação ente as religiões do mundo. E foi assim. Há alguns meses atrás, o Dalai Lama, sob segurança reforçada devido às constantes ameaças à sua vida, desceu de helicóptero ao Mosteiro Cisterciense Trapista de Gethsemani (em Kentucky), para participar de um encontro Ocidente-Oriente do Diálogo Inter-Religioso Monástico [Monastic Interreligious Dialogue – MID]. Foi um gesto de solidariedade ao seu amigo Thomas Merton, o fato de ter sido realizado no local onde Merton vivia.

     No encontro de julho, monges e monjas em vestes cor de açafrão e monges e monjas zen em vestes cinzas rezavam e compartilhavam insights espirituais com monges e monjas beneditinos de vestes pretas e monges cistercienses de vestes preto e branco. E entre eles, o Dalai Lama, líder religioso, sentou-se como um monge entre monges, e não separado em uma plataforma.

     Um homem de humildade e santidade, o Dalai Lama está participando de um diálogo inter-religioso cujas bases estão no Vaticano II [o Concílio Ecumênico convocado pelo Papa João XXIII e concluído por seu sucessor, o Papa Paulo VI]. O Conselho Relações da Igreja com Religiões não Cristãs está fazendo a observação abaladora de que a verdade pode também ser encontrada em religiões não-cristãs.

     Foi em resposta ao Vaticano II que a Confederação dos Abades Beneditinos empreendeu sua primeira Conferência Inter-Monástica Ocidente-Oriente Asiática em Bagcoc, Tailândia, em 1968. A conferência trouxe o monge cisterciense Father Louis, mais conhecido como Thomas Merton, a Bangcoc, precedido por uma reunião de três dias na Índia com o Dalai Lama. Esta acabou sendo a última viagem de Merton. Ele morreu tragicamente em Bangcoc, aparentemente eletrocutado por um ventilador de quarto com defeito.

Merton e o Dalai Lama

     Agora, numa recíproca peregrinação, 28 anos mais tarde, o Dalai Lama sobe a colina de Kentucky para o túmulo de Thomas Merton, onde ele se ajoelha e reza. Ao se levantar, diz: "Agora nossos espíritos são um; eu estou em paz". Toda esta conferência é, para o Dalai Lama, mais do que um diálogo inter-religioso: é uma reunião tardia mas almejada, com o espírito de seu amigo Thomas Merton. Numa carta ao seu abade, Dom Flavian Burns, Merton escreveu sobre seu encontro com o Dalai Lama em Dharmasala, na Índia, a sede do governo tibetano no exílio: "As conversas com o Dalai Lama eram muito boas. Ele fazia muitos comentários não convencionais, muito abertos e sinceros, uma pessoa muito impressionante, profundamente preocupado com a vida contemplativa, e também muito instruído. Poucas vezes eu encontrei alguém com quem eu me conectasse tão bem e eu senti que havíamos nos tornado bons amigos". E se tornaram. Aqui, no meio deste diálogo e retiro, é evidente a todos que o Dalai Lama mantém um profundo afeto por Thomas Merton. Oficialmente, a visita ao monastério católico é um complemento ao encontro de 1987 em Assis [Itália], onde o Papa João Paulo II, o Dalai Lama e outros representantes religiosos do mundo, encontraram-se na cidade natal de São Francisco para rezarem juntos. Ainda há quem suspeite que Merton foi a razão principal para a vinda do Dalai Lama a Gethsemani.

 

Ouvindo bem

 

 

     Sua Santidade, o Papa João Paulo II, seguindo o exemplo do Vaticano II e do Papa Paulo VI, decidiu dar seguimento ao diálogo inter-religioso, como o que acontece aqui em Gethsemani. Em 1981 ele escreveu, "Todos os cristãos devem se comprometer a dialogar com seguidores de todas as religiões, para que um entendimento mútuo e de colaboração possam crescer, para que valores morais possam ser fortalecidos e para que Deus possa ser louvado em toda criação". Essas palavras estão proeminentemente dispostas no folheto deste retiro de diálogo – e este é um retiro.

     Aqui há muita oração e silêncio, "profunda inalação de pensamentos e palavras dos outros, e muita exalação do que é estranho e divisor". Essa imagem foi proposta pelo Padre Pierre De Bethune, superior do Convento de Clerlande (na Bélgica), consultor no Conselho Pontifício de Diálogo Inter-Religioso desde 1985 e secretário geral dos Comitês de Diálogo Inter-Religioso Monásticos. A presença do Padre Pierre e a do Bispo Joseph Gerry (de Portland, Maine, nos EUA, também membro do Conselho Pontifício de Diálogo Inter-Religioso), são sinais para todos nós católicos presentes. Este encontro de Gethsemani é importante para nossa hierarquia.

     No lado budista, a lista é lida como uma espécie de "Quem é quem" dos importantes líderes da Índia, Myanmar (antigo Burma), Camboja, Japão, Taiwan, Inglaterra e Estados Unidos. Isto inclui o Venerável Maha Ghosananda, o "Gandhi Cambojano", nomeado três vezes para o Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho ente os refugiados do Camboja.

     A atmosfera é cordial e amigável; o horário, monástico. Um dia típico desses encontros de cinco dias é da seguinte forma: 5:45 da manhã, uma meditação sentada; 6:15, uma missa católica; 7:00, café-da-manhã; 8:00, sessões matinais; 11:00, rituais budistas; 12:00, almoço; 1:00 da tarde, descanso/compartilhar um-a-um as experiências deste retiro ("one-on-one sharing"); 2:30 da tarde, sessões vespertinas; 5:30 da tarde, vésperas na Igreja do Mosteiro; 6:00 da tarde, jantar; e 6:45 da noite, sessão noturna.

     Três das palestras acadêmicas foram dadas pelo Dalai Lama: "A Abordagem Budista Tibetana da Meditação", "Etapas e Experiências da Meditação no Caminho Budista Tibetano", "O Bodhisattva como um Ideal para Ambas Transformações, Contemplativa-Pessoal e Social-Coletiva".

     O Dalai Lama senta-se e ouve às outras palestras, também. Incluindo palestras cristãs, como a do Padre Pierre De Bethune ("Etapas da Oração e Contemplação na Vida Espiritual Cristã") e da Irmã Gilchrist Lavigne ("Fenômenos Associados às Etapas no Crescimento Espiritual"). E como os outros palestrantes, o Dalai Lama propõe questões e participa dos diálogos.

 

O(s) caminho(s) da Verdade

     Para muitos de nós, o ponto alto da presença do Dalai Lama é o ritual inter-religioso na Igreja do Monastério, em memória de Thomas Merton. É conduzido por Dom James Conner, abade cisterciense da Assumption Abbey em Ava, Missouri (EUA), que viveu com Merton em Gethsemani. Thomas Merton, diz Conner, "veio para reconhecer que o Oriente tem algo que nós, no Ocidente, temos a tendência de passar por cima ou negligenciar". Citando o Asian Journal de Merton, Connor prossegue: "Acho que agora nós alcançamos um estágio de (ainda muito atrasada) maturidade religiosa, na qual pode ser perfeitamente possível alguém manter sua fé a um compromisso monástico Ocidental Cristão e, ainda, aprender profundamente, por exemplo, disciplina ou experiência Budista ou Hindu".

     O Dalai Lama deve a Merton o abrir de seus olhos para a verdade que o budismo tibetano não detém a única verdade do mundo. "Como resultado de tê-lo conhecido, minha atitude com relação ao cristianismo mudou muito", ele diz ao grupo. Disse que o encontro de Gethsemani realizou os desejos de Merton tanto por compartilhar estudos, como pelo rezar juntamente com monges de diferentes tradições. "Thomas Merton é alguém que devemos estimar. Ele possuía as qualidades de ser instruído, disciplinado e ter um bom coração".

     Então, o Dalai Lama coloca flores de zinni ao redor de um quadro de Merton sobre uma mesa em frente ao pódio do coro. Coloca, também, um xale branco em volta do quadro. Oferece então, ao Abade Timothy Kelly de Gethsemani, um cálice de prata contendo uma laranja – um cálice nunca é oferecido vazio. O Abade Timothy dá ao Dalai Lama três volumes recentemente publicados dos antigos diários de Thomas Merton. Gestos simples como estes eram freqüentes durante o retiro: o Abade Timothy e o Dalai Lama plantando uma árvore de "sempre-verde"; pequenas gentilezas entre budistas e cristãos; pequenas conversas acontecendo nos cantos do mosteiro, nas colinas e nos pátios. E todos os dias há "vans" levando participantes para a capela de Thomas Merton, perto do Mosteiro.

Oração e ação

     A singela capela de tijolos cinza tornou-se peregrinação diária para todos os participantes: Merton tocou a todos aqui de uma forma ou de outra. Palestrantes o mencionam, contam estórias, fazem citações dos seus livros, dos quais mais de quarenta ainda estão sendo editados. "Merton foi parte do meu caminho espiritual na faculdade", disse Joseph Goldstein, budista e co-fundador da Insight Meditation Society of Barre, Massachsetts (EUA).

     Seguindo o exemplo de Merton, cristãos perguntam aos budistas sobre métodos de oração. O budistas, por sua vez, perguntam sobre a longa tradição de ação social da tradição cristã. Irmã Mary Margaret Funk, freira beneditina de Beech Grove, Indiana (EUA) e diretora executiva do Diálogo Inter-Religioso Monástico, ressalta que o cristianismo tem uma longa tradição de meditação que foi obscurecida durante séculos, dando ênfase à ação social. Agora, muitos cristãos estão procurando o Oriente para reaprender a meditação.

 

     Irmã Margaret pergunta ao Dalai Lama, que tem incentivado os Monges Tibetanos a tornarem-se mais envolvidos socialmente, como reconciliar o conflito aparente entre oração e ação social. O Dalai Lama não tem uma resposta fácil, mas diz que recomendaria um "meio-a-meio" entre oração e ação. Os budistas são inclinados a retirar-se do mundo, ele diz. "Temos que aprender com nossos irmãs e irmãos cristãos. Nós devemos ter ações mais socialmente engajadas". Ele reconhece que os monges budistas carecem de ação social, o que foi em parte proposto pela crítica ao budismo publicada pelo Papa João Paulo II em seu livro de 1994, "Ultrapassando o Limiar da Esperança". Mas o Dalai Lama desfaz a controvérsia e diz que teve um encontro caloroso com o Papa João Paulo II anteriormente, no mesmo ano.

     Um monge budista que personifica a ação social entre os monásticos Budistas é o Venerável Maha Ghosanda, do Camboja. Este homem de paz simplesmente diz, "nós budistas devemos ter a coragem de sair dos nossos templos e entrar no templo das experiências humanas, templos que estão repletos de sofrimento. Se ouvirmos Buda, Cristo ou Gandhi, não podemos deixar de fazer nada mais ["we can do nothing else"]. Os campos de refugiados, as prisões, os guetos e os campos de batalha se tornarão nossos templos. Temos muito trabalho a fazer".

     Esta seria uma transformação lenta, ele completa, uma vez que muitos asiáticos confiam numa vida monástica tradicional. Muitos companheiros cambojanos dizem a ele que os monges pertencem aos templos. Ao invés da dificuldade de adaptação, ele diz, "nós monges devemos responder aos crescentes gritos de sofrimento. Nós apenas devemos lembrar que nosso templo está conosco sempre. Nós somos nosso templo."

     Aqui, deste simples homem sagrado [o Dalai Lama], eu ouço a verdadeira essência deste retiro. Nem as preces, nem o retiro é somente para nós; sempre implicam um entrar, um respirar, que necessariamente implica em um sair, exalar, para que se possa existir um equilíbrio da vida de doação. Nós rezamos e aprendemos a agir com amor pelo mundo; nós agimos com amor pelo mundo e aprendemos a rezar.

 

O Templo Interior

     Muito é discutido a respeito deste templo interior, que levamos conosco, onde quer que vamos. Irmã Gilchrist de Lavigne, uma freira trapista do Mosteiro de Mississippi, em Dubuque, Iowa (EUA), lê uma passagem de "Conjecturas de um Espectador Culpado" (Conjectures of a Guilty Bystander) de Thomas Merton, que diz: "No centro do nosso ser há um ponto de ‘nada’ que é intocado pelo pecado e pela ilusão, um ponto de pura verdade, um ponto ou uma centelha que pertence inteiramente a Deus, a qual nunca está à nossa disposição, da qual Deus dispõe nossas vidas, que é inacessível às fantasias de nossa própria mente ou às brutalidades de nossas vontades.

     "Este pequeno ponto de ‘nada’ e de absoluta pobreza, é a glória de Deus em nós. Podemos dizer que é seu nome escrito em nós, como nossa pobreza, como nossa indigência, como nossa dependência, como nossa filiação. É como um diamante puro, reluzindo com a luz invisível do céu. Está em todos e, se pudéssemos vê-lo, veríamos estes bilhões de pontos de luz se reunindo e reluzindo como o sol que faria toda a escuridão e crueldade da vida ser banida completamente... eu não tenho um programa para tal visão. Mas o portão para o céu está em todos os lugares."

     Eu penso também em Santo Boaventura, o grande teólogo místico, em sua bela versão sobre a mesma experiência em seu livro "Na Perfeição da Vida" (On The Perfection of Life): "Ao orar, reúna o seu todo, faça o Amado entrar no quarto de seu coração, e permaneça sozinho com Ele, esquecendo todas as preocupações exteriores; e assim eleve, com todo seu amor e sua mente, suas afeições, seus desejos e devoções".

     "E não deixe sua mente se dispersar da oração, mas aumente cada vez mais, no fervor de sua piedade, até entrar no lugar do maravilhoso tabernáculo, a casa de Deus. Lá seu coração se deleitará com a visão do Amado e você experimentará e verá o quão bom é Deus e o quão grande é sua bondade."

     Para mim, assim como para muitos outros, todo este retiro de diálogo tem sido uma busca por aquele lugar dentro de todos nós, com nomes diferentes em diferentes Tradições, onde encontramos o que é mais profundo em nós e em nossa tradição. É de lá que conseguimos alcançar os outros com amor que, na linguagem do Budismo, é uma única palavra – amor afetuoso ("lovingkindness"). O próprio Dalai Lama diz: "Minha religião é a bondade". E para aqueles que tiveram o privilégio de estar em sua presença, suas ações condizem com suas palavras.

 

Um encontro próximo

     Num certo ponto do retiro, inesperada e espontaneamente, eu me encontro, com apenas alguns dos participantes na sala, muito perto de Sua Santidade, o Dalai Lama. Algo me faz aproximar dele e perguntar se poderíamos rezar juntos por alguns instantes. Segurando minha mão, ele reza em silêncio, então olha nos meus olhos com amor afetuoso, algo que eu poucas vezes havia experienciado. Tamanho é o efeito de sua santidade; ela fala sem palavras.

     Este simples gesto de amor toca algo muito profundo em mim, assim como o incentivo dado pelo Dalai Lama para que permaneçamos fiéis à nossa tradição. Ele diz: "Precisamos experienciar mais profundamente os significados e valores espirituais da nossa própria tradição religiosa – devemos conhecer estes ensinamentos não apenas num nível intelectual, mas através de nossa própria experiência mais profunda. Precisamos praticar nossa própria religião sinceramente, ela deve fazer parte de nossas vidas". Ele completa que não há competição entre aqueles reunidos em Gethsemani, "exceto em implementação: devemos competir ao implementar nossas vidas com o que acreditamos".

     O amor do Dalai Lama por Cristo e seu espírito ecumênico são evidentes durante todo o retiro. São parte de suas palestras sobre espiritualidade e paz mundial. Na verdade, acabou de publicar um livro sobre Jesus, cujo título é "O coração de Deus: Uma Perspectiva Budista sobre os Ensinamentos de Jesus" (The Good Heart: A Buddhist Perspective on the Teachings of Jesus - Wisdom Publications).

     Numa palestra em Melbourne (Austrália), em 1992, o Dalai Lama contou uma história que é emblemática no espírito ecumênico que transpira aqui em Gethsemani: "Numa certa ocasião, encontrei-me com um monge católico em Montserrat, um dos mais famosos monastérios da Espanha. Disseram-me que esse monge havia vivido vários anos como um eremita num morro bem atrás do monastério. Quando visitei o monastério, ele desceu de lá especialmente para me conhecer".

     "Naquele momento, seu inglês era muito pior do que o meu, e isto me deu mais coragem para falar com ele! Nós ficamos cara-a-cara, e perguntei: "o que esteve fazendo naquele morro nesses anos?" Ele me olhou e respondeu: "meditação em compaixão e amor". Quando disse essas palavras, eu entendi a mensagem através de seus olhos. Eu sinceramente desenvolvi genuína admiração por esta pessoa e por outras como ele. Tais experiências têm me ajudado a confirmar que todas as religiões do mundo têm o potencial de produzir boas pessoas, apesar das diferenças de filosofia e doutrina."

     Esta é a minha experiência com o Dalai Lama. Toda a conferência, para mim, está em seus olhos, o toque caloroso de sua mão na minha e sua prece silenciosa comigo: prece, silêncio, amor afetuoso. Como observou um monge budista, amor afetuoso, como os braços de Jesus na cruz, alcançam e abraçam o mundo inteiro.

 

O Bem em Outras Tradições

     Um espectador de um encontro ecumênico tal como o de Gethsemani pode perceber que não é necessário abandonar suas próprias convicções ou crenças para poder rezar junto, falar junto, em amor e bondade. Na verdade, ao aderir com profunda fé à sua própria Tradição, e também manter sempre um coração aberto para todo bem, podemos mais facilmente ver o bem em outras tradições.

     Nas palavras do Papa Paulo VI, "outras religiões, encontradas em todos os lugares, tentam se opor à inquietude do coração humano, cada uma à sua maneira, propondo caminhos, incluindo ensinamentos, regras para a vida e ritos sagrados".

     Eu posso ver outros "caminhos", estes "ensinamentos, regras para a vida e ritos sagrados" aqui em Gethsemani. Eu retorno à minha própria experiência, examino as práticas, os ensinamentos, as regras e ritos sagrados que me trouxeram a este estágio da minha vida espiritual. Estar aqui, ouvindo, observando e recebendo o amor afetuoso de meus irmãos e irmãs budistas, enriqueceu-me. Fez-me querer aprender mais sobre como eles rezam, o que a oração fez para suas vidas. Fez-me querer compartilhar com eles o que Cristo tem feito para minha vida, agora que ele me ensinou a rezar, o que a contemplação e meditação cristãs tem feito para mim.

     O encontro de Gethsemani diz respeito às pessoas rezarem juntas, compartilhando e aprendendo, como o Dalai Lama diz que "cada tradição religiosa tem sua própria mensagem maravilhosa para conduzir". Ouço estas palavras e concordo, mas também estou consciente, como padre católico, das advertências do Papa João Paulo II em "Ultrapassando o Limiar da Esperança", denotando que a visão da criação entre o Budismo e o Cristianismo é diferente: "A iluminação experienciada por Buda leva à convicção de que o mundo é mau, que é a fonte do mal e sofrimento humano. A plenitude de tal desapego não é uma união com Deus, mas o que é chamado de nirvana, um estado de perfeita indiferença com relação ao mundo (pp.85-86)".

     Depois, ouço o Venerável Havanpola Ratanasara, presidente da Faculdade de Estudos Budistas em Los Angeles (EUA), respondendo aos comentários do Papa: "Agora parece que tal indiferença ao mundo, se fosse verdade, seria senão um passo removido do desprezo pelo mundo. E nada mais poderia ser removido da atitude Budista. Na realidade, foi devido ao amor pelo mundo que Buda passou 45 anos de sua vida ensinando. Não seria ele reticente em envolver-se no que hoje chamaríamos de assuntos sociais."

     A resposta do Venerável Ratanasara lembra-me que este é um diálogo teológico sério, assim como um retiro. Lembro-me que não sou um teólogo, sou um praticante de oração e um padre católico, que precisa se lembrar de quem é e quão central é Cristo para qualquer forma de oração que eu me engaje. Preciso ouvir as palavras posteriores do Papa João Paulo II em "Ultrapassando o Limiar da Esperança": "(...) não é impróprio alertar aqueles cristãos que entusiasticamente adotam certa idéias originadas nas religiões do Oriente – por exemplo, técnicas e métodos de meditação e práticas ascéticas. Em alguns meios isto está na moda e é aceito quase sem crítica. Em primeiro lugar, uma pessoa deve conhecer bem sua própria herança espiritual e considerar se é correto deixa-la um pouco de lado (pp. 89-90)".

     Com estas palavras, volto à exortação do Dalai Lama, para que permaneçamos fiéis à nossa Tradição, que foi a que este retiro me incentivou. Ouço a respeito de técnicas de prece aqui; ouço palavras como nibbana, alma búdica, natureza búdica, amor afetuoso. Vejo monges budistas e leigos, cujas práticas budistas os levaram a uma profunda interiorização e bondade. Vejo monges e leigos cristãos cujas meditações e contemplações os levaram a uma profunda interiorização e caridade.

     Mais do que tudo, começo a me lembrar da profundidade e continuidade da minha própria tradição ascética e contemplativa. Penso em Mestre Eckhart, John Tauler, Henry Suso, Jan de Ruysbroek, Santa Tereza D’Ávila, São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola e, particularmente, em meu próprio pai sagrado, São Francisco de Assis, o maior místico cristão da Idade Média.

     Para todos eles, Jesus Cristo é a fonte, o centro e o objeto de toda oração, já que tudo está n’Ele, através d’Ele, com Ele, já que por Ele é que toda a criação existe. Ele é o Filho de Deus Encarnado, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade do Pai, Filho e Espírito Santo. Como um Cristão, preciso estar profundamente firmado nesta realidade antes de incorporar técnicas e insights de outras preces na minha vida de oração.

     Este retiro com o Dalai Lama fez comigo justamente isto: fez-me mais consciente de que Cristo é central na minha vida de oração. Fez com que me esforçasse ainda mais para compartilhar com outros, no futuro, sobre onde todas estas orações genuínas finalmente se encontram. Por fim, tudo se encontra em Deus, que nos encontra em oração.

Murray Bodo, OFM*

fonte: interreligo.com

Notas:

*Murray Bodo, OFM, é padre franciscano e autor de 14 livros, sendo o mais recente "Um Retiro com Francisco e Clara de Assis", em co-autoria com Susan Saint Sing (St. Anthony Messenger Press). Freqüentemente publicado em revistas literárias, Padre Murray é atualmente escritor-residente da Thomas More College, em Crestview Hills, Kentucky (EUA). Este artigo foi adaptado de um livro sobre retiros religiosos que está escrevendo para a Editora Dial.

(este texto foi retirado em junho de 2001, da página http://www.americancatholic.org/Messenger/Jan1997/feature1.asp#F1

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