Agradecimento

Agradeço ao Senhor Professor Doutor José de Oliveira Ascensão a preciosa ajuda que não me recusou prestar no trabalho de recuperação do texto manuscrito do meu Pai, Sumários de Filosofia do Direito. O texto foi apresentado a público na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Vol. XLII, n.º 1, Ano 2001).
E assim, foi-me ainda possível levar a bom termo mais uma parte da missão que em mim se estabeleceu quando recebi a sugestão que o meu Pai me quis fazer pessoal e directamente.
Bem haja.
Manuel Cavaleiro de Ferreira (Filho)

 


 

Filosofia do Direito

 

A Revista alegra-se por poder apresentar a público os Sumários de Filosofia do Direito elaborados em 1977 pelo Prof. Doutor Manuel G. Cavaleiro de Ferreira, no seu Curso de Mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Baseiam-se em apontamentos manuscritos, dedicadamente recuperados pelo filho do Professor, Manuel. Apesar de ocasionais e incompletos, têm a grande valia de revelar o pensamento do mestre, na sua coerência e profundidade, exposto de modo sistemático. Representam assim um contributo para uma disciplina cuja importância substantiva não tem tido correspondente adequado nos escritos que em Portugal têm sido dedicados à matéria e que tende perigosamente a ser confundida com uma formal Teoria Geral do Direito.
José de Oliveira Ascensão

 

1ª Parte

 

I - Introdução à filosofia do direito: 1 - Importância da filosofia do direito; 2 - O Direito, as normas jurídicas e o agir humano; 3 - O homem e a acção; 4 - Ser e dever ser; 5 - A noção de ordenamento e de fim; 6 - As normas jurídicas; II - As normas jurídicas: a) Proposição normativa, suas espécies e estrutura; b) A norma como imperativo e como juízo de valor; c) Objecto das normas. A valoração jurídica; III - O comportamento humano; 1 - Conceito de homem no direito; 2 - A estrutura ontológica da actividade humana; 3 - A liberdade e a responsabilidade; 4 - A valoração da acção humana: o fim; 5 - A multiplicidade de fins e sua hierarquização; IV - Acção e omissão; V - Licitude e ilicitude

Resumo do anterior

O direito é qualidade, é valor, na sua essência, que inere à realidade que é a actividade social do homem.
A fundamentação da "verdade" no direito encontra-se na realidade antropológica e moral, conjuntamente, do próprio homem.
Todo o ser é o que é, quando é o que deve ser.

O ser é, para RADBRUCH, uma condição do dever; mas permanece a divisão do ser e do dever, que impede uma definitiva justificação do direito. Os modos de condicionamento da ideia do direito pelos factos de RADBRUCH: 1) A realidade social pode impedir a realização de ideias, enquanto oferece resistência, a resistência do mundo "stumpf" com o qual a ideia deve contar, quando pretende inserir-se nele. 2) A realidade das coisas condiciona ainda o conteúdo da ideia de direito, enquanto aponta para o clima histórico em que a ideia de direito é criada e que influencia o seu conteúdo.
Mais profundamente ainda é a ideia do direito condicionada pela Selbstbestimmtheit da ideia, de que parte RADBRUCH. "Todo o dever é para certa matéria e por isso também por essa matéria determinada".
Em todo o caso esta ligação é mais um programa do que um resultado teórico válido.
E isso porque continua preso a um pressuposto que só pode conduzir a um falso problema: o pressuposto da independência do mundo dos valores e do mundo dos factos (Baratta, §10)

O homem, porque se auto-determina, só se completa em "humanidade" quando se esforce, participando na realização da sua própria humanidade.
O meio para alcançar esse aperfeiçoamento é a própria acção. O homem é por natureza um animal que age, para poder ser homem.
A mensuração da acção humana, sob o ponto de vista do mérito ou demérito, do ponto de vista moral, assenta por isso na ordenação do fim da acção, ao fim do valor do homem.
Esta ordenação da actividade do homem a um fim ou valor, como tarefa que incumbe ao homem, pressupõe naturalmente a aceitação e reconhecimento da inteligência e liberdade do homem.
Este propõe-se voluntariamente, livremente (não está subordinado causalmente) a realização de fins conformes ou desconformes com a razão. No primeiro caso a sua actividade tem valor moral positivo; no segundo caso valor moral negativo.
Mas o homem é eminentemente social. E por isso o modo da sua realização implica uma via e uma vida não colectiva, nem predominantemente individual, mas social. O Bem último e final que qualifica positivamente a sua actividade é, na composição da vida colectiva, um Bem comum dos que a compõem. O Bem comum é o objecto da Justiça, ou a própria Justiça considerada do ponto de vista objectivo. Justiça é, pois, a designação do valor moral supremo na vida social, na actividade intersubjectiva, na relacionação de uns com os outros, de todos com cada um, ou de cada um com todos.
A ordenação da actividade humana no seu sentido social, dirigida ao futuro, deve abranger de maneira igualitária e em abstracto uma multiplicidade de acções futuras.
Para tanto há de constar de regras ou normas que, respeitando a natureza do homem, a estrutura real da própria actividade, são determinadas pela comunidade ou pela autoridade social que a representa.
E por isso o direito se define e estuda sob o aspecto normativo, enquanto normas ou complexo de normas.
Uma coisa é, porém, a acepção normativa do direito, outra um entendimento normativista de todo o direito.
Na verdade, partindo da norma e não do homem na sua essência, da actividade humana no seu significado, corre-se o risco de reduzir todos os elementos e características do direito, a categorias formais, alheias ou despidas de qualquer realidade natural.
Não seria então o objecto da norma a espelhar o seu modo de ser na norma, mas a norma a construir arbitrariamente, e artificialmente, tanto o seu objecto como o seu conteúdo.
Daí que problema fundamental para conectar o estudo e compreensão do direito e das normas, em que ele se torna positivo, seja o da relacionação das normas com o facto que é seu objecto.
Nessa perspectiva iremos colocar ulteriormente o problema da definição do objecto material e formal do direito e da norma jurídica.
Previamente, porém, e para melhor dilucidação do contraste de posições metodológicas, vamos referir brevemente duas concepções extremas de ordem jurídica.
Não serão expostas nos cambiantes, modificações, alterações, que as aproximam ou combinam, mas no rigor lógico, que inicialmente pretendiam assumir.
Desse modo se compreenderá melhor, a sua crítica, e a evolução doutrinária do problema essencial que suscitam.
Por outro lado, uma e outra, partem da norma para a definição do seu objecto. Isto quer dizer que o objecto do direito, qualificado, por isso, como lícito ou ilícito será sempre definido partindo da norma.

 

2ª parte

 

I - Teoria imperativa do direito

a) o positivismo voluntarista; b) a norma como comando: o dever de obediência; c) o ilícito e a culpabilidade (a culpa integra-se no ilícito); d) a sanção exterior à norma; e) normas jurídicas não autónomas; f) divergentes noções da imperatividade da norma: - o imperativo pessoal - o imperativo impessoal - o juízo hipotético (Kelsen); g) destinatários da norma jurídica; h) os juízos de valor da norma comando; i) o conhecimento da norma (primária)

a) O positivismo voluntarista
A norma é na sua essência vontade: vontade do Estado, vontade geral, vontade da maioria, tanto importa. É sempre numa vontade, qualificada de superior, que vai fundamentar-se a obrigatoriedade do comando legal.
Como o direito pretende dirigir a conduta humana, o modo adequado será impor à vontade dos cidadãos regras de conduta.
As normas são produto da vontade, não da inteligência, e dirigem-se como comandos preceptivos ou proibitivos a destinatários providos igualmente de vontade livre.
O efeito do comando é a constituição do dever, da obrigação de obedecer, por parte dos destinatários.

b) A obrigatoriedade das normas
A norma contém um dever fazer ou não fazer. Obriga.
Constitui nos destinatários a obrigação de conformar o seu comportamento com o modelo descrito abstractamente na norma.
Enquanto o comando legal impõe um dever à vontade daquele cuja conduta pretende dirigir ele é um imperativo categórico.
Se um imperativo categórico pode alicerçar-se da supremacia duma vontade sobre outra vontade, é discutível. Porque verdadeiramente o dever individual, para obrigar, tem de obrigar em consciência, tem de ter as características dum dever moral. (Mas não se trata agora de justificar uma opinião, mas de expor a opinião de uma doutrina).

c) A ilicitude e a culpabilidade
De todo o modo, o imperativo pode revestir vários significados que atenuam ou alteram radicalmente a lógica da doutrina imperativa do direito.
Consoante a ela me venho referindo, se as normas jurídicas se dirigem à vontade livre dos destinatários para criar o dever de se conduzirem em conformidade com o conteúdo dos preceitos, a violação da ordem jurídica, a acção ilícita, só pode consistir numa desobediência, numa vontade culpável. A culpa será elemento essencial, e o mais essencial do ilícito.
A culpabilidade integra-se no ilícito.

d) A sanção exterior à norma. Norma, estatalidade e coacção
No sentido mais puro, a imperatividade da norma traduz-se num imperativo categórico. A norma primária e fundamental será assim a que obriga, e que estatui o dever dos destinatários da obediência à lei. É essa a posição de BINDING, um dos mais altos expoentes da teoria. Para ele a coerção é exterior à norma.
Mas pode entender-se que o verdadeiro imperativo consta apenas do preceito secundário, do preceito sancionador. Uma vontade não pode, sem se basear num valor, alcançar legitimidade para obrigar outra vontade; pode apenas impor-se pela força, pela coacção.
E neste sentido o verdadeiro dever constituído pela norma é o que surge nos órgãos do Estado a cargo dos quais se encontra a declaração coerciva ou a aplicação da sanção.
É claro que, fugindo assim à dificuldade de justificar o dever moral, de consciência, de obediência devida ao preceito primário, não se alcança também justificação para o imperativo do preceito secundário, porquanto quanto aos órgãos encarregados da aplicação de sanções o seu dever terá de assentar em uma terceira norma (terciária) que estabeleça uma sanção pela não aplicação da sanção prevista pela violação da norma primária. E assim sucessivamente até ao infinito.
Não há dever que possa resultar da coacção.
Excluindo a vontade soberana, como legitimadora dum dever, terá de se caír na força, como fonte da legitimidade do dever.

e) Normas jurídicas não autónomas. As normas permissivas e atributivas.
Claro é que, uma concepção imperativa de ordem jurídica não implica que todas as normas sejam imperativos no sentido já indicado.
Há normas não autónomas que, no entanto, se podem reduzir, na concepção mais lógica do imperativismo a imperativos.
Estão neste caso as normas permissivas, enquanto forem consideradas como delimitativas dos imperativos.
Normas atributivas constitutivas de direitos

f) Divergentes noções da imperatividade da norma
Uma das características pouco desejáveis de linguagem jurídica é o uso da mesma expressão para designar conceitos diferentes.
Está neste caso a noção de imperativo
- O imperativo pessoal - Faz ou não faz
- O imperativo impessoal
- O imperativo hipotético
O imperativo pessoal só existe verdadeiramente no singular. Não se traduz numa norma.
A norma enquanto imperativo respeita ao futuro, à direcção de ordenação de acções futuras e não resulta (propriamente) duma vontade, mas predominantemente dum juízo de valor
- Deve fazer ou não deve fazer
- Pode fazer ou pode não fazer
- Tem o direito de fazer ou não fazer
Este imperativo não é pessoal, mas resultado dum juízo cognitivo.
Verdadeiramente significa que é justo, que é bem que se proceda de certo modo.
- Fulano deve aparecer - pode ser o mesmo que "é bom que fulano apareça". O dever resulta então não dum comando voluntário, mas da natureza normativa dum juízo de valor.
Mas sobre isto falaremos ainda.

g) Os destinatários da norma

i) O juízo de valor da norma comando
É evidente que se não manda por mandar, mas para determinar certo comportamento para obter determinados fins ou tutelar certos interesses.
Simplesmente, num imperativo logicamente deduzido, não há juízo de valor em que assente e se baseie a vontade. O justo ou injusto é como tal de considerar porque ordenado, ou porque proibido. Não se proíbe porque injusto; é injusto porque se proibiu.

j) O conhecimento da lei
A acção objecto material terá de ser a acção voluntária. Só a vontade desobedece à norma.

 

II - A concepção valorativa do direito como tutela de interesses

1 - O positivismo naturalista: A crítica do conceito de dever no voluntarismo jurídico; o dever fundado na sanção; 2 - A tutela ou protecção de interesses como fim do direito; 3 - O ilícito objectivo; lesão ou colocação em perigo de interesses; 4 - O objecto material do direito; 5 - Função valorativa e imperativa da norma jurídica; 6 - A culpabilidade: a norma como juízo hipotético (Kelsen); 7 - A norma como ordenação racional imposta pela autoridade; 8 - A tutela de interesses da vida social mediante a ordenação da actividade intencional do homem;

1 - Positivismo naturalista
Na teoria imperativa do direito fundada no voluntarismo, não se alcança um conceito autêntico de dever. O dever, em cada qual, tem de ser autónomo, oriundo da própria consciência, para ser um dever. Enquanto assente exclusivamente numa vontade exterior, será uma imposição, mas não um dever.
Quer isto dizer que o dever, na sua acepção rigorosa, tem de ser um dever moral; a ele tem de se ligar o próprio dever jurídico. Mas sendo assim, o positivismo voluntarista é incapaz de o fundamentar.
1a) Crítica do dever na doutrina voluntarista: O dever fundado na sanção
Outra noção de dever: ao fim e ao cabo a única forma de dar solidez ao dever imposto pela norma, será então ligá-lo à sanção, à coacção jurídica. A norma impõe um dever, porque pode obrigar ao seu cumprimento. Ou é dever de consciência (autónomo) ou imposição coactiva com imposição de força ou coacção.
Neste sentido se manifestaram sequazes da teoria imperativa (HOLD von FERNECH e FEUERBACH).
A coacção agiria, numa norma, entendida como comando, através de intimidação ou coacção psicológica. Foi essa a opinião de FEUERBACH.
A ameaça de sanção, constituirá um contra-motivo eficaz, contra o motivo que possa determinar a desobediência à lei (FEUERBACH, escola positivista)
Uma tal doutrina implica já que se prescinda do pressuposto da liberdade da vontade. Assenta no determinismo psicológico.
- Imputabilidade como normal determinabilidade por motivos (v. LISZT)
- A ameaça de sanção como contra-motivo. Outras formas de coacção (impedimento da acção nociva)
- A consciência da ilicitude, sob conhecimento da punibilidade (FEUERBACH)
1b) o conceito de homem do positivismo naturalista; o positivismo naturalista
Se a possibilidade de se autodeterminar não é tomada em linha de conta na concepção do homem, no campo do direito, a noção de dever não se implanta no sujeito, provém-lhe do exterior, com objectividade mecânica causalmente determinada. (UTZ, RUDOLPHI, LAMPE)

2) A tutela de interesses como fim do direito
Desde que a teoria imperativa, prescinde dum conceito de dever moral, centralizou-se num processo de impedimento de comportamentos anti-sociais, ou de valoração positiva de actividade. Trata-se então de prevenir a perigosidade de comportamentos para a integridade de bens ou interesses fundamentais para a existência e conservação da sociedade humana.
Para este fim usará o direito de coacção psicológica; mas se esta não basta, ou não serve, nada obsta a que se use de outra espécie de coacção, uma coacção directa: medidas preventivas de segurança.
E na verdade, é então esta última a verdadeira forma de coacção.
É que a coacção psicológica pressupõe precisamente uma coacção mecânica que se trata de contrariar. Só pode aliás, usar de coacção psicológica quem tem à sua disposição os meios de coacção material, pela força.
De toda a sorte o essencial ao direito consistiria na protecção de interesses, na sua convergência e subordinação em função do fim do interesse primordial da conservação da vida social, enquanto o imperativo e a coacção seriam só meios, e por isso naturalmente com funções secundárias, na estrutura do direito, da norma, para alcançar aquele desideratum.
(Curioso que desta sorte a concepção mecanicista do homem não abrange o legislador. Este coloca conscientemente e voluntariamente os meios necessários a determinar outrém. Mas não é ele também determinado?)

3) Lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos
O valor ou desvalor do evento; causa essencial do lícito e ilícito; A noção de interesse, de bem, de evento (natural e jurídico); A classificação dos crimes

4) O objecto material do direito (NAGLER, ESPOSITO)
Os estados antijurídicos e acções automáticas

5) Função valorativa e determinante ou imperativa da norma; Só valores ou só determinação?

6 - A culpabilidade (crítica) (vid. Summa, UTZ 146, RUDOLPHI)
6a) Responsabilidade = introduz já na culpa o conceito de pena ; e esta produz a culpa 6b) Reprovação ou censura = conduz ao mesmo resultado 6c) A culpa na própria acção humana. Não por se apenas ser o culpado da acção; mas como a acção é causa da culpa. A consciência

7) A norma como ordenação racional imposta pela autoridade

8) A tutela de interesses na vida social, por meio de ordenação jurídica de actividade intencional do homem; A importância da acção humana. O valor e desvalor desta do ponto de vista jurídico (WELZEL)

 

III - Norma e Facto

O fim último do direito

1 - A ordenação da vida social para um fim, para o fim de realizar a justiça, é da essência do direito (ordenação é sempre para um fim)
É próprio da razão evitar a injustiça e promover a justiça na relação social, nas estruturas e instituições humanas. A esse fim se dirige o direito. As normas dirigem, regulam essa actividade. Mas podem fazê-lo de mais perto ou de mais longe. Quer dizer, tendo por objecto imediato a acção humana, ou só mediata ou indirectamente. Isto resulta precisamente da natureza do fim último do próprio direito: a realização pacífica de uma ordem justa na vida social: é que a justiça objectiva se aprecia ou mede sem atenção à pessoa do agente, mas consolida também objectivamente a relação de igualdade entre uns e outros. Este aspecto objectivo de finalidade, em que assenta o valor do direito - a justiça - é definido por normas jurídicas, que por isso são fundamentalmente ordenadoras, e enquanto tal determinativas ou preceptivas (não meramente indicativas) mas não imperativas em sentido próprio.
2 - Poderá dizer-se delas que são determinativas no sentido que lhes atribui LARENZ, ou HENKEL, ou proposições normativas, no sentido que lhe dá KALINOWSKI;
Contêm necessariamente um juízo valorativo que pretenderá validade objectiva (correspondente ao que outros denominam imperativo impessoal).
Daí a estrutura das normas. Hipótese (Tatbestand ou pressuposto) e consequência, como característica comum da sua estrutura.
Mesmo quando regulamenta directamente a acção humana, meio mais visível da realização da justiça ou impedimento da injustiça, ainda aparece enquanto objecto da norma, como conceito abstracto, não como realidade concreta, e por isso corresponde a norma à proposição do que deve ser, pode ser ou não pode ser.
(A abstracção do pressuposto da norma em relação ao facto concreto na realidade)
O direito, porém, tende necessariamente para dirigir em concreto a actividade humana, e torna-se imperativo quando em contacto directo com a acção concreta. Só nestes casos, mormente na determinação do facto ilícito, se denota claramente o imperativo dirigido pela lei ou norma ao destinatário concreto e se estabelece o condicionamento da recepção pelo homem do valor imperativo da norma. (KALINOWSKI, S. TOMÁS 1-2 q. 90)
3 - Daí que na lógica jurídica se distingam juízos de valor, proposições normativas e imperativos propriamente ditos.
Os preceitos jurídicos estabelecem os pressupostos de efeitos ou consequências jurídicas. Por isso são ordenadores (DELF. Abbé Delfour).
4 - A diferença entre estas prescrições, ou preceitos normativos (determinativos) e imperativos propriamente ditos seria a seguinte:
Dirigem-se tanto uns como outros a destinatários; mas o imperativo dirige-se a regular a actividade das pessoas a que se dirige. A norma não se dirige necessariamente à regulamentação duma acção.
O imperativo supõe sempre a vontade de quem comanda, de que outrém proceda de certa forma (conteúdo); a prescrição normativa apenas determina que algo deve ser.
Enquanto o comando é um acto pelo qual quem comanda se dirige a um ou vários outros para os induzir directamente a agir ou não agir, a prescrição normativa directamente prescreve apenas que aquilo que determina vale como devendo ser. Indirectamente, claro que a lei prossegue o fim de influenciar o comportamento daqueles para os quais o preceito vale como devendo ser.
Mas a consequência imediata do preceito não é o comportamento de outrém, correspondente à norma, mas a validade do que é prescrito.
O comando dirige-se a outrém com a intenção de dirigir directamente a sua acção. A prescrição normativa (Bestimmung) em última análise pode também servir para influenciar o comportamento; directamente pode apenas estabelecer que aquilo que prescreve vale juridicamente: produz efeitos, é relevante.
O efeito de prescrição tem lugar no mundo dos conceitos jurídicos; enquanto o dos comandos se repercute nas acções concretas.
Aliás, o comando é em geral concreto, e como tal deve ser entendido; o "Bestimmung" é uma regulamentação abstracta.
Em princípio, assim todas as normas jurídicas são fundamentalmente Bestimmungen e não comandos (imperativos).
Mas não haverá comandos? Imperativos? Ou outros?
Há. Assim acontece com os preceitos que têm por objecto directo comportamentos. Actos lícitos e ilícitos, enquanto no exercício concreto, na prática da acção de realização do pressuposto. Só aí surge concretamente o "dever pessoal" (pressuposto na norma penal e na responsabilidade civil)
A regulamentação imperativa do dever de comportamento, porém, não esgota a função do direito como ordenador da vida social. Situa-se sobretudo no domínio relativo a impedir a injustiça; tem menor alcance no domínio da realização da justiça.
Se, de harmonia com a essência do direito, este pretende mais evitar a injustiça do que prosseguir a justiça, poderá considerar-se todo o direito como proibitivo e preceptivo (como ordens) e as demais disposições como normas não autónomas.
Se se tiver de estabelecer a ordenação racional da vida social em função do bem comum, visto positivamente, então, o campo do imperativo, do dever, seria mais limitado, mas incluirá sem dúvida a regulação das acções humanas, enquanto importa evitá-la como injustas, ou impô-las, como deveres de justiça.
O homem é por natureza social. Quer isto dizer, porém, que não pode viver senão com os demais em relações de justiça. Não vive somente ao lado dos outros (puro liberalismo), nem contra os outros (na luta do predomínio do poder de classe, etc.) mas com os outros, em colaboração efectiva, e na realização de fins próprios de ordem jurídica, do bem comum.
1 - O objecto último do dever ser
2 - A determinação do conceito de norma através da acção
3 - A acção e a ilicitude
Acções humanas na vida social e sua ordenação ao fim que lhes é próprio.
A sua qualificação jurídica infere-se no enfoque da própria realidade ontológica da actividade humana.

 

IV - A acção (e omissão)

O problema do ponto de vista causal.
O conceito de culpa: Posição da vontade culposa. Dolo e culpa

 

V - Licitude e ilicitude

 


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