A OPINIÃO QUE FAZ A DIFERENÇA
   

São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

Poesia na Rede


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JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Ode aos Baianos

Altiva musa, ó tu que nunca incenso
Queimaste em nobre altar ao despotismo;
Nem insanos encômios proferiste
De cruéis demagogos;

Ambição de poder, orgulho e fausto
Que os servis amam tanto, nunca, ó musa,
Acenderam teu estro — a só virtude
Soube inspirar louvores.

Na abóbada do templo da memória
Nunca comprados cantos retumbaram:
Ali! vem, ó musa, vem: na lira d'oiro
Não cantarei horrores

Arbitrária fortuna! desprezível
Mais qu'essas almas vis, que a ti se humilham,
Prosterne-se a teus pés o Brasil todo;
Eu, nem curvo o joelho.

Beijem o pé que esmaga, a mão que açoita
Escravos nados, sem saber, sem brio;
Que o bárbaro Tapuia, deslumbrado,
O deus do mal adora.

Não — reduzir-me a pó, roubar-me tudo,
Porém nunca aviltar-me pode o fado;
Quem a morte não teme, nada teme
Eu nisto só confio.

Inchado do poder, de orgulho e sanha,
Treme o vizir, se o grão-senhor carrega,
Porque mal digeriu, sobrolho iroso,
Ou mal dormiu a sesta.

Embora nos degraus do excelso trono
Rasteje a lesma para ver se abate
A virtude que odeia — a mim me alenta
Do que valho a certeza.

E vós também, BAIANOS, desprezastes
Ameaças, carinhos — desfizestes
As cabalas, que pérfidos urdiram
Inda no meu desterro.

Duas vezes, BAIANOS, me escolhestes
Para a voz levantar a pró da pátria
Na assembléia geral; mas duas vezes
Foram baldados votos.

Porém enquanto me animar o peito
Este sopro de vida, que inda dura,
O nome da BAHIA, agradecido,
Repetirei com júbilo.

Amei a liberdade, e a independência
Da doce cara pátria, a quem o Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa —
Eis o meu crime todo.

Cingida a fronte de sangüentos loiros,
Horror jamais inspirará meu nome;
Nunca a viúva há de pedir-me esposo,
Nem seu pai a criança.

Nunca aspirei a flagelar humanos —
Meu nome acabe, para sempre acabe,
Se para o libertar do eterno olvido
Forem precisos crimes.

Morrerei no desterro em terra estranha,
Que no Brasil só vis escravos medram —
Para mim o Brasil não é mais pátria,
Pois faltou a justiça.

Vales e serras, altas matas, rios,
Nunca mais vos verei — sonhei outrora
Poderia entre vós morrer contente;
Mas não — monstros o vedam.

Não verei mais a viração suave
Parar o aéreo vôo, e de mil flores
Roubar aromas, e brincar travessa
Co trêmulo raminho.

Oh! país sem igual, país mimoso!
Se habitassem em ti sabedoria,
Justiça, altivo brio, que enobrecem
Dos homens a existência;

De estranha emolução aceso o peito,
Lá me ia formando a fantasia
Projetos vil para vencer vil ócio,
Para criar prodígios!

Jardins, vergéis, umbrosas alamedas,
Frescas grutas então, piscosos lagos,
E pingues campos, sempre verdes prados
Um novo Éden fariam.

Doces visões! fugi! — ferinas almas
Querem que em França um desterrado morra:
Já vejo o gênio da certeira morte
Ir afiando a foice.

Galicana donzela, lacrimosa,
Trajando roupas lutuosas longas,
De meu pobre sepulcro a tosca loisa
Só cobrirá de flores.

Que o Brasil inclemente (ingrato ou fraco)
As minhas cinzas um buraco nega:
Talvez tempo virá que inda pranteie
Por mim com dor pungente.

Exulta, velha Europa: o novo Império,
Obra-prima do Céu! por fado ímpio
Não será mais o teu rival ativo
Em comércio e marinha

Aquele, que gigante inda no berço
Se mostrava às nações, no berço mesmo
É já cadáver de cruéis harpias,
De malfazejas fúrias.

Como, ó Deus! que portento! a Urânia Vênus
Ante mim se apresenta?  Riso meigo
Banha-me a linda boca, que escurece
Fino coral nas cores.

"Eu consultei os fados, que não incutem
(Assim me fala piedosa a deusa):
"Das trevas surgirá sereno dia
"Para ti, para a pátria.

"O constante varão, que ama a virtude,
"Cos berros da borrasca não se assusta,
"Nem como folha de álamo rejeite
"Treme à face dos males.

"Escapaste a cachopos mil ocultos,
"Em que há de naufragar como até agora,
"Tanto áulico perverso — em França, amigo,
"Foi teu desterro um porto.

"Os teus BAIANOS, nobres e briosos,
"Gratos serão a quem lhes deu socorro
"Contra o bárbaro Luso, e a liberdade
"Meteu no solo escravo.

"Há de enfim essa gente generosa
"As trevas dissipar, salvar o Império;
"Por eles liberdade paz, justiça
"Serão nervos do Estado.

"Qual a palmeira que domina ufana
"Os altos topos da floresta espessa:
"Tal bem presto há de ser no mundo novo
"O Brasil bem-fadado.

"Em vão de paixões vis cruzados ramos
"Tentarão impedir do sol os raios —
"A luz vai penetrando a copa opaca;
"O chão brotará flores."

Calou-se então — voou.  E as soltas tranças
Em torno espalham mil sabeus perfumes,
E os zéfiros as asas adejando
Vazam dos ares rosas.
_________________________________________________
José Bonifácio de Andrada e Silva foi um naturalista, estadista e poeta brasileiro
    



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