A OPINIÃO QUE FAZ A DIFERENÇA
   

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PASQUALE CIPRO NETO

O (Des)Acordo Ortográfico

SÃO PAULO (SP) -
QUIS O DESTINO que o "Acordo Ortográfico" entrasse em vigor justamente numa quinta-feira.

Já escrevi sobre o tema, mas a coincidência e algumas pendências me "obrigam" a voltar a ele. O Acordo que hoje entra em vigor resulta de uma gravidez complicada e de um parto a fórceps alto, "aquele em que se aplica fórceps à cabeça do feto antes que o trabalho de parto tenha começado" ("Houaiss").

Vamos à gravidez: o primeiro encontro ocorreu em 1986, no Rio de Janeiro, com seis dos então sete países lusófonos (a Guiné-Bissau não compareceu). O projeto resultante desse encontro foi considerado radical (propunha-se o fim de muitos acentos) e, por isso, foi rechaçado. A segunda rodada se deu em 1990, em Lisboa. Redigido e aprovado, o documento dizia que o Acordo entraria em vigor em 1º de janeiro de 1994 e que seriam tomadas "as providências necessárias com vista à elaboração, até 1º de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível...".

O tempo passou e... Bem, vamos deixar para lá o roteiro de 1990 até hoje. O fato é que, 22 anos depois (ou 18, se preferirmos tomar como ponto de partida o encontro de Lisboa, em 90), o Acordo finalmente entra em vigor, sem a adesão cabal de Portugal (a lei ainda não foi regulamentada por lá) e, pior, com pontos obscuros e sem o "Vocabulário" (que a ABL promete para fevereiro).

O resultado dessa injustificada azáfama em colocar em vigor no Brasil o bendito Acordo é que ainda não se sabe, por exemplo, como se grafarão palavras como "coerdeiro" (ou será "co-herdeiro"?) e "reeleição" (ou será "re-eleição"?) Nem o "Dicionário Escolar da Língua Portuguesa", da própria ABL ("Com a nova ortografia da língua portuguesa"), sabe responder a isso. Na página 21 de um "exemplar para análise", a que tive acesso, lê-se o seguinte (a respeito do emprego do hífen): "Nas formações com os prefixos co-, pro-, pre- e re-, estes se aglutinam, em geral, com o segundo elemento, mesmo quando iniciado por o ou e". Em seguida, dão-se estes exemplos: "coautor, coedição, procônsul, preeleito, reeleição, coabitar, coerdeiro".

Quando se procura cada um dos exemplos no próprio dicionário... Surpresa! "Coautor", "coedição" e "coabitar" se mantêm, "procônsul" e "preeleito" não têm registro (mas há registro de "pré-eleitoral", com acento agudo e hífen), "coerdeiro" passa a "co-herdeiro", e "reeleição" passa a "re-eleição", o que também se vê em vários casos análogos ("re-educar", "re-editar" etc.).

Nesta Folha e em outros veículos, já expressei claramente minha oposição a esse Acordo, por entender que seu custo supera seu suposto benefício. Respeito profundamente a posição (favorável ao Acordo) de homens da estatura e dignidade do lexicógrafo Mauro Villar, leal e querido amigo, e do professor Evanildo Bechara, mas, do baixo da minha insignificância, ouso perguntar: não teria sido melhor esperar que tudo estivesse realmente pronto para "cortar a fita" do Acordo? É pecado achar que tudo isso tem forte odor de improviso? Ou não passo de um selenita?

De amanhã até quarta, publicarei um minitexto por dia sobre o que muda com o Acordo. É isso.

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Pasquale Cipro Neto, é professor de Português, apresentador da TV Cultura e colunista da Folha de S.Paulo
    


SEGUNDA
 05/01/2009

Pasquale Cipro
Neto é professor
de Português,
apresentador da
TV Cultura e
colunista da FSP
















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