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YVONNE DIMANCHE

A Bolsa Ditadura

RIO DE JANEIRO (RJ) - Amigos, no dia 31 de março de 1964, eu tinha nove anos de idade. Fiquei uma semana sem poder ir à aula. A carne, o leite e alguns outros artigos de primeira necessidade sumiram do mercado. Morava em uma paradisíaca rua do bairro do Humaitá no Rio de Janeiro e as crianças não podiam sequer chegar na esquina da rua principal. Era um monte de soldados naquela época apelidados de catarinas. Cresci acreditando que aquele governo era bom. Cheguei até a ir a uma parada no dia da independência com bandeirinha do Brasil. Eis que com 15 anos, comecei a tomar conhecimento de um monte de coisas nada honradas por parte do governo da revolução.

Meu avô francês naturalizado brasileiro simplesmente foi expulso do país por ser um velhinho que falava demais. Lembro-me bem da nossa despedida no Cais do Porto do RJ. Ele e minha avó dando tchau no navio, de volta para a França e todos nós sabendo que nunca mais iríamos nos ver, pois ninguém era abonado o suficiente para viver na "ponte aérea Rio/Paris". Meu avô, revi dez anos mais tarde e minha avó morreu antes, de saudades.

Fui uma jovem que não pôde ter o direito de ver determinados filmes e peças. Muitos dos crimes cometidos pelos milicos só fui tomar conhecimento anos mais tarde, as notícias nos jornais eram todas censuradas. Nunca soube de nada que era bom nos governos comunistas, só ouvia casos de pessoas separadas pelo muro ou indo para os confins da Sibéria.

Estudei na UFF (Universidade Federal Fluminense) e ingenuamente quis fazer parte do Diretório, ainda bem que houve uma confusão, com direito a vários soldados da PE parados na porta do prédio, como também um espécie de corredor polonês da estação das barcas em Niterói até o Valonguinho (local onde ficam alguns prédios daquela universidade). Fiquei 15 dias sem estudar com medo de ser confundida com algum comuna e desisti de ser uma aluna ativista.

Resumo da ópera: perdi demais e talvez eu fosse outra pessoa, caso não tivesse tido problemas familiares, inclusive com o meu próprio pai, também prejudicado. Os detalhes, vou omitir no momento. Considerando o acima exposto, como também outras situações que não quero mencionar, acho justo que eu também receba uma bolsa-ditadura. Tal qual o Ziraldo, eu ganho um aposentadoria do INSS no valor de 1.300,00. Caso não recebesse a complementar, a minha situação seria bem difícil.

Eu mereço receber uma aposentadoria no valor de quatro mil reais e também quero atrasados que ultrapassem um milhão de reais. Não fui torturada pelo DOI-CODI, nunca simpatizei com a falecida URSS, adoro dinheiro e tudo aquilo que ele pode adquirir. O meu grande sonho de consumo é ter um iate que me permita fazer viagens até o Caribe, tudo bem simples, com direito a recepção de lindas moças e rapazes com flores na cabeça e aqueles coquetéis cheios de enfeites. Alguém pode me dar uma dica? Caso não saibam, aceito um cartão corporativo. O que eu quero definitivamente é mamar nas tetas. Alguém viu uma vaca federal por aí? Cartas para a redação.

Um lindo final de semana para todos e até o próximo boletim.

Texto originalmente publicado em O Boletim - http://www.oboletim.com.br/

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Yvonne Dimanche, é escritora e colunista de O Boletim, sob a responsabilidade de Valter Bernat
    


QUARTA-FEIRA
 16/04/2008

Yvonne Dimanche
é escritora e
colunista de O
Boletim, sob a
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de Valter Bernat
















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