Eclipse Lunar Total de 15-16 de Maio de 2003

 

Projeto de Observação da REA/BRASIL

 

Helio de Carvalho Vital

Coordenador da Seção de Eclipses Lunissolares

 

Introdução

 

            Se as condições meteorológicas permitirem, na noite de 15 para 16 de maio, observadores sul-americanos poderão observar um fenômeno de rara beleza: a Lua, posicionada bem alta sobre o horizonte, na constelação de Libra, atravessará a metade norte da sombra da Terra, permanecendo 52,7 minutos inteiramente mergulhada em sua região mais interna e escura (umbra). Enquanto a umbra corresponde à região da sombra, na qual o disco solar seria visto totalmente eclipsado pela Terra, a parte mais externa, e conseqüentemente menos escura da sombra, recebe a denominação de penumbra. Um observador hipotético, imerso na penumbra, veria o Sol parcialmente ocultado pelo nosso planeta.

            Durante esse eclipse, o primeiro de 2003, nosso satélite desempenhará a função de uma tela altamente sensível, a qual mostrará, com grande resolução e agilidade, as complexas configurações que a luz solar residual formará, após ser atenuada e refratada pela atmosfera terrestre para o interior do cone de sombra da Terra. Sabe-se que, durante um eclipse lunar total, as áreas da superfície da Lua mais profundamente imersas na umbra mostram-se, em geral, mais escuras e, conseqüentemente, mais desprovidas de cores, muitas vezes, em grande contraste com aquelas mais próximas à borda umbral. Por tratar-se de um fenômeno bastante dinâmico, o brilho aparente de nosso satélite pode variar enormemente de um eclipse para outro ou mesmo durante um mesmo eclipse, dependendo de sua trajetória ao cruzar a umbra. Outros fatores, alguns dos quais, imprevisíveis, também concorrem para a luminosidade dos eclipses.

            Por outro lado, a cronometragem dos instantes em que a borda da umbra toca o centro das principais crateras também vem possibilitando o estudo de outro interessante fenômeno: um aumento próximo a 2% no raio da sombra terrestre, ocasionado pela ação de nossa atmosfera. Tal valor parece variar de um eclipse para outro e, com freqüência, durante um mesmo eclipse.

Em decorrência desses fenômenos, a observação sistemática de eclipses lunares totais tem revelado interessantes peculiaridades sobre algumas características da atmosfera do nosso próprio planeta, tais quais: a espessura, achatamento e oscilações de sua camada capaz de gerar sombra; presença de grandes quantidades de aerossóis na estratosfera e distribuições de grandes sistemas de nuvens.

 

Previsões

 

            A Tabela 1 lista os instantes de início e fim das diferentes fases do eclipse (conhecidos como contatos de limbo ou primários): Os instantes, expressos em Tempo Universal (TU), podem ser convertidos para a hora legal do leste brasileiro, subtraindo-se 3 horas. Os horários referentes à percepção da penumbra dependerão da sensibilidade visual e experiência do observador, daí estarem expressos como períodos mais prováveis.

 

 

Tabela 1 – Instantes dos Contatos Primários

 

Evento

Hora (TU) (h:m,d)

Início do eclipse penumbral

1:05,4

Primeira percepção da penumbra

~ 1:38 – 1:52

Início do eclipse parcial (umbral)

2:02,8

Início do eclipse total

3:13,7

Meio do eclipse

3:40,2

Fim do eclipse total

4:06,6

Fim do eclipse parcial (umbral)

5:17,5

Última percepção da penumbra

~ 5:27 – 5:42

Fim do eclipse penumbral

6:14,9

 

 

            A Tabela 2 lista efemérides as quais mostram a evolução do evento. São fornecidos, para vários instantes: magnitude (fração obscurecida do diâmetro lunar); obscurecimento (porcentagem obscurecida do disco) e ângulo de posição (subtendido em graus no centro do disco lunar, e medido no sentido Norte-Leste, entre o ponto norte da Lua e o centro da umbra). Em seguida, é fornecida a posição aparente da Lua, na forma de coordenadas horizontais (expressas como altura (°) sobre o horizonte e azimute) para 6 capitais brasileiras.

 

Tabela 2 -  Evolução do Eclipse Umbral

 

Circunstâncias

São Paulo

Rio Janeiro

Belo Horizonte

Florianópolis

Brasília

Recife

TU

Mag

Obs

AP°

altura

azimute

altura

azimute

altura

azimute

altura

azimute

Altura

azimute

altura

azimute

2:02:49

0,000

0,0

133

75,5

70,9

78,7

67,2

78,8

83,2

72,1

61,3

74,7

101,7

79,5

166,7

2:30:37

0,440

38,8

141

81,1

55,0

84,0

40,6

85,1

71,7

77,1

45,4

81,0

108,2

78,9

201,4

2:58:26

0,830

86,8

155

84,8

9,0

84,8

330,8

87,7

310,1

80,3

16,4

86,6

142,8

75,0

224,7

3:26:15

1,095

100

182

82,5

311,5

80,1

294,9

81,7

278,3

80,1

337,8

84,8

236,8

69,7

236,9

3:40:09

1,135

100

200

79,9

298,3

77,2

287,7

78,5

274,8

78,6

322,1

81,8

248,4

66,8

240,7

3:54:04

1,095

100

218

77,1

290,4

74,2

283,0

75,4

272,6

76,6

310,5

78,7

253,4

63,8

243,5

4:21:52

0,831

86,8

244

71,2

281,4

68,1

276,9

69,0

269,6

71,6

295,6

72,4

257,6

57,7

247,4

4:49:41

0,440

38,8

258

65,0

276,1

61,9

272,9

62,6

267,5

66,0

286,6

66,0

259,0

51,4

249,8

5:17:30

0,000

0,0

266

58,9

272,4

55,7

269,9

56,3

265,6

60,2

280,6

59,5

259,4

45,1

251,2

 

 

Conforme mostra a Figura 1, a primeira fase do eclipse corresponde à passagem da Lua pela região da penumbra. Ela também permite a identificação aproximada de onde a umbra tocará a borda lunar. Embora previsto para iniciar-se à 1h05m de 16 de maio (TU), somente cerca de 40 minutos depois, o eclipse penumbral poderá ser percebido como um sutil escurecimento da borda lunar sudeste.

 

 

Figura 1 – Cortesia de Fred Espenak - NASA

)

Às 2h03m TU, 23h03m, hora legal do leste brasileiro, a umbra tocará o limbo lunar, dando início ao eclipse parcial. Em apenas 6 minutos, em seu avanço para sudeste, ela já terá alcançado a cratera Grimaldi. Da mesma forma, outras crateras gradualmente imergirão na umbra (o que pode ser acompanhado através de pequenos telescópios) até que o disco lunar apresente-se totalmente obscurecido.

Às 3h14m TU, terá início a fase total do eclipse, a qual atingirá a magnitude máxima, igual a 1,135, vinte e seis minutos depois, às 3h40m TU. O valor da magnitude nos informa que, nesse instante, a menor distância angular aparente entre a borda da umbra e a da Lua será igual a 13% do diâmetro do disco lunar, ou seja, apenas 4,5 minutos de arco. No instante de máximo eclipse, a Lua atingirá sua maior aproximação do centro da sombra, apresentando-se, portanto, com seu menor brilho durante o evento. Além disso, esse brilho não estará uniformemente distribuído pelo disco lunar, uma vez que, por estarem mais próximas à periferia da umbra, as regiões situadas ao norte deverão se apresentar bem mais claras que aquelas ao sul.

O fim da fase total ocorrerá às 4h07m TU, quando a borda nordeste da Lua deixará a umbra, dando início à segunda fase do eclipse parcial. Nessa fase, com o auxílio de um pequeno telescópio, as crateras poderão ser observadas emergindo da umbra.

Por fim, às 5h17m, a Lua deixará inteiramente a umbra, embora ainda continue apresentando um escurecimento residual de sua borda oeste, o qual poderá ser facilmente notado por mais alguns minutos, e que corresponderá à segunda fase penumbral do eclipse, cujo término está previsto para as 6h15m TU.

 

Atividades Observacionais

 

            A observação sistemática de um eclipse lunar total por amadores pode incluir uma série de atividades, dentre as quais, destacam-se:

 

*   registrar os instantes da primeira e da última percepção de obscurecimento do disco lunar, ocasionado pela região menos escura da sombra lunar, a penumbra;

 

*   registrar os instantes, denominados contatos primários ou de limbo, quando a região mais escura da sombra (umbra) inicia, ou termina, o obscurecimento do disco lunar, parcial (início ou final do eclipse parcial) ou completamente (início ou final do eclipse total);

 

*   registrar os instantes, denominados contatos secundários ou de crateras, quando a umbra atinge o centro de algumas das formações lunares listadas na Tabela 3, as quais deverão ser selecionadas e identificadas pelo observador anteriormente ao eclipse. Ao observar o avanço da sombra terrestre sobre o disco lunar parcialmente eclipsado através do telescópio, registre os instantes (hora, minuto e segundo) em que a fronteira da umbra passa sobre o centro das crateras. Recomenda-se o uso de aumentos telescópicos entre 30 e 70 vezes e de um relógio ou cronômetro previamente ajustado (pelos sinais horários do Observatório Nacional, por exemplo) que forneça a hora com precisão de ± 1 seg. A fronteira da umbra corresponde a uma linha imaginária onde a variação do brilho da superfície lunar ocorre de forma mais abrupta, ou seja, onde o gradiente de luz é máximo.

 

 

Tabela 3 – Instantes previstos para contatos secundários

  (expressos em hora, minuto e décimo de minuto).

 

Imersões

Hora (TU) (h:m,d)

Emersões

Hora (TU) (H:m,d)

Grimaldi

2:08,9

Aristarchus

4:17,2

Riccioli

2:09,0

Riccioli

4:17,5

Billy

2:10,2

Reiner

4:18,3

Campanus

2:14,7

Grimaldi

4:19,2

Reiner

2:18,1

Laplace

4:19,6

Tycho

2:18,9

Plato

4:24,0

Kepler

2:22,1

Euler

4:24,6

Birt

2:23,1

Kepler

4:24,9

Aristarchus

2:28,2

Pico

4:26,0

Copernicus

2:29,5

Billy

4:26,6

Nicolai A

2:31,7

Bulialdus

4:28,5

Euler

2:33,4

Pytheas

4:29,3

Bulialdus

2:34,5

Timocharis

4:30,9

Pytheas

2:34,8

Copernicus

4:32,7

Albufeda E

2:35,3

Aristoteles

4:34,0

Timocharis

2:40,9

Autolycus

4:36,4

Dionysius

2:42,6

Eudoxus

4:36,7

Stevinus A

2:42,9

Campanus

4:38,8

Manilius

2:43,7

Birt

4:45,9

Menelaus

2:47,3

Manilius

4:46,2

Censorinus

2:47,8

Tycho

4:48,3

Autolycus

2:48,2

Posidonius

4:48,5

Laplace

2:48,7

Menelaus

4:49,0

Goclenius

2:48,8

Plinius

4:53,1

Plinius

2:50,0

Dionysius

4:53,9

Pico

2:53,1

Albufeda E

4:55,8

Langrenus

2:53,7

Nicolai A

5:01,8

Taruntius

2:54,8

Censorinus

5:02,1

Plato

2:56,1

Proclus

5:02,5

Proclus

2:58,5

Taruntius

5:06,1

Posidonius

2:58,6

Mare Crisium

5:06,9

Eudoxus

2:59,4

Goclenius

5:08,8

Mare Crisium

3:01,6

Stevinus A

5:11,4

Aristoteles

3:02,0

Langrenus

5:13,5

 

 

*   fazer estimativas e/ou esboços que informem sobre a rápida evolução de brilho e cores da Lua durante a fase de totalidade, e em especial, no instante de máximo eclipse. As estimativas deverão ser expressas na escala de Danjon, descrita na Tabela 4. Recomenda-se o uso de valores fracionários para o Número de Danjon (L), se necessário. Além disso, tendo em vista que regiões ao norte ficarão bem mais claras (azuladas, amareladas ou alaranjadas) do que as do sul (avermelhadas ou acinzentadas), recomenda-se que diferentes valores de L sejam atribuídos às diferentes regiões do disco lunar. Um exemplo seria: L = 3,7 (metade setentrional) e L =  2,3 (metade meridional) às 3h40m TU;

 

 

Tabela 4Escala de Danjon

 

Número de Danjon

Características da Lua Totalmente Eclipsada

 

L = 0

Eclipse extremamente escuro: Lua, incolor, quase invisível no meio do eclipse

L = 1

Eclipse muito escuro: Lua cor cinzenta ou marrom e detalhes somente percebidos com dificuldade

L = 2

Eclipse de luminosidade intermediária: Lua vermelha escura ou cor de ferrugem e umbra interna muito escura e a externa relativamente clara

L = 3

Eclipse relativamente claro: Lua cor de tijolo e umbra com periferia brilhante ou amarelada

L = 4

Eclipse muito claro: Lua cor de cobre ou alaranjada e umbra com periferia bem brilhante e azulada

 

 

*   estimar a evolução do brilho da Lua durante a fase de totalidade, e em especial, no instante de máximo eclipse, expressando-o como magnitude. Recomenda-se o uso do método do binóculo invertido o qual consiste em comparar o brilho de uma estrela, observada a olho nu, com o brilho da Lua, totalmente eclipsada, observada simultaneamente através de um binóculo invertido (posicionando-se o outro olho, junto à objetiva). Alguns astros que poderão ser usados como referências são: Júpiter (mv = -2,0 a oeste), Arcturus (mv == -0,1, 43o a noroeste) e Antares (mv = 1,1, 16o a leste). Exemplos de estimativas apropriadas seriam: “a Lua, observada através de meu binóculo 10x50 na posição invertida, apresentou brilho igual ao do planeta Júpiter no meio do eclipse” ou “...intermediário entre o de Júpiter e o da estrela Arcturus, estando mais próximo do brilho de Júpiter (1/3 da diferença)...”, ou ainda, “...duas vezes mais brilhante que Júpiter...”. Tais informações serão suficientes para o cálculo da magnitude aproximada da Lua. Caso não haja forte influência de aerossóis na estratosfera, é provável que o extremo norte do disco lunar apresente um belo crescente azulado durante toda a fase total, o que poderá fazer com que nosso satélite apresente-se mais brilhante do que Júpiter durante todo o evento;

 

*   filmar, fotografar ou obter imagens CCD que mostrem a evolução das características das diferentes fases do evento, inclusive durante o eclipse penumbral.  Pré-testes deverão ser realizados, de preferência nas noites anteriores ao eclipse, para verificação de equipamentos e procedimentos, além da determinação dos ajustes mais adequados. A Figura 2 mostra uma bela foto do eclipse lunar de 24 de março de 1997.  No caso da filmagem, por exemplo, recomenda-se o uso de uma câmera de vídeo fixada a um tripé; focada no infinito e com zoom eletrônico suficiente para fornecer uma imagem do disco lunar com resolução e diâmetro apropriados;

 

 

Figura 2 - Eclipse Lunar de 24/03/1997  (Cortesia de J.C. Diniz)

 

 

 

 

*   monitorar a ocorrência de áreas anormalmente brilhantes no interior da umbra, dando especial atenção às adjacências da cratera Aristarchus. Tais ocorrências, denominadas fenômenos lunares transitórios (TLP), são atribuídas por muitos à presença de gases que se desprendem de rochas, em decorrência do súbito resfriamento da superfície lunar, ocasionado pela imersão dessas regiões na umbra. Luz visível seria então emitida quando os átomos constituintes desses gases deixassem níveis eletrônicos excitados; e finalmente:

 

*   cronometrar a ocultação de estrelas pela Lua durante a fase total do eclipse, quando o brilho reduzido do nosso satélite permitirá a observação de alguns eventos envolvendo estrelas de brilho mais débil.

 

A análise de milhares de cronometragens, obtidas por astrônomos da REA/BRASIL durante vários eclipses lunares observados desde 1989, tem fornecido interessantes informações sobre a espessura e o achatamento da atmosfera terrestre mais densa, capaz de gerar sombra sobre a Lua. As observações desse próximo eclipse permitirão investigar a atual espessura da atmosfera mais densa, em várias latitudes setentrionais, sobre a América do Norte (durante as imersões) e sobre o norte da África e Europa (durante as emersões), conseqüentemente, informando-nos sobre o presente achatamento dessa camada. Será que o novo resultado irá confirmar nossos achados anteriores de que tal achatamento é maior que o do geóide (1/298)?

            Por outro lado, as estimativas do brilho da Lua têm nos permitido determinar, a presença de quantidades anormalmente elevadas de aerossóis estratosféricos em alguns eclipses. Sabe-se que eles obscurecem a sombra terrestre e que são oriundos principalmente de grandes erupções vulcânicas. Será que as concentrações atuais estão acima da média e por isso a Lua vai apresentar-se mais escura do que o previsto, ou não?

Além disso, exposições CCD poderão fornecer informações inéditas sobre a contribuição da atmosfera terrestre para a penumbra, teoricamente inferior ao valor médio de 2%, observado para a umbra. De quanto será realmente esse valor?

            Participe você também e ajude-nos a responder a essas perguntas. Envie-nos suas dúvidas, observações e comentários, contribuindo assim para que aperfeiçoemos nossos conhecimentos científicos relativos a esse interessante e belo fenômeno astronômico. Boas observações!

 

Nota: Todas previsões apresentadas neste projeto, listadas nas tabelas 1 , 2 e 3, foram calculadas pelo autor.

Principal

1